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segunda-feira, 22 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20002: Notas de leitura (1200): “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho; Edições Colibri, 2019 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível a este documento, a vários títulos singular, não é um diário nem um repositório de notas avulsas sobre peripécias de um fuzileiro da Guiné, é um jovem que aderiu ao comunismo, que aos 22 anos aparece como fuzileiro, a sua mulher aparecerá depois como professora em Bissau, fala dos rios da Guiné, de barcos encalhados, de incêndios e de abalroamentos, de muita tensão e de picos de camaradagem. Regressa e vive na subversão até ser preso. Na Guiné, tirou imensas fotografias e cinquenta anos depois voltou com duas exposições.
Recomendo vivamente a leitura destas saborosíssimas e vívidas "Crónicas de um Tenente".

Um abraço do
Mário


Será que o Tenente Redondo passou por Mato de Cão entre 1968 e 1970?

Beja Santos

O livro dá pelo nome de “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho, Edições Colibri, 2019. Antes de mais, é um livro completamente fora do que conhecemos. São memórias de um jovem que bateu à porta da Reserva Naval, foi aceite e desembarcou em Bissau como fuzileiro. Era membro do PCP, casara há pouco, adorava a fotografia, poetava de vez em quando. Vamos vê-lo numa fotografia bem perto da LDP 301, talvez no rio Cacheu. São notas confessionais redigidas com imensa serenidade e ternura, é um texto desafetado, a tentar a impessoalidade, felizmente não conseguida. Integrou a 6.ª Companhia de Fuzileiros. Diz ter navegado no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no rio Grande de Buba. Quando vi a sua fotografia, em 1968, fiquei inquieto, conhecia a pessoa, e depois de muitas voltas à memória, tenho a impressão que acertei com uma manhã em Mato de Cão, uma lancha seguia à frente de um comboio de embarcações civis em direção a Bambadinca. Num passadiço, fiz sinal de pedir boleia, a minha malta resguardada, não queria que houvesse qualquer equívoco de um grupo ousado do PAIGC com o descaro de flagelar na orla do rio. Assomou um oficial barbudo, pedi-lhe boleia, era quase uma antemanhã, teria tempo de requisitar umas carradas de material, uns sacos de arroz para a população civil, requisitar outros abastecimentos para a tropa arranchada. O oficial disse que sim, perguntou onde estava a minha gente, assobiei, o magote veio a correr, na primeira embarcação civil ouviu-se um murmúrio de terror, alguém terá pensado que se iniciara uma operação de pirataria. Desfeito o equívoco, a malta espalhou-se por vários barcos e chegados a Bambadinca agradeci ao gentil oficial barbudo. Posso estar enganado, mas creio tratar-se deste tenente que passou ao papel as recordações da sua adolescência, da sua formação política, conta-nos histórias bizarras, também momentos de grande camaradagem e solidariedade, vamos mesmo vê-lo a ser liberto da prisão em Caxias, estão aqui plasmados alguns dos seus poemas, é um fotógrafo de mão cheia e para abonar aqui se publicam um pescador Felupe e um lutador, provavelmente Balanta.

Do seu passado, percebe-se a importância que atribui à verve cineclubista, foi neste meio que conheceu a sua futura mulher, recorda com saudade o café Chaimite, na Praça Paiva Couceiro, local de cumplicidades e onde soube que estavam abertas as candidaturas para oficial da Reserva Naval. Depois despontam as recordações, já estamos numa subida do Cacheu e ele lembra como se encontrou com um camarada de armas e ouviu o concerto para violino de Tchaikovsky.
O que importa reter é a prosa do marinheiro:
“As lanchas encarreiravam rio acima, quase paradas quando apanhavam a corrente pela proa. O resto do comboio de batelões ainda não os alcançara e decidiram fazer uma paragem para pernoitar, fundeando num local onde as outras embarcações pudessem mais tarde juntar-se-lhes. Escolheram uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir das raízes inclinadas e escorregadias do tarrafo. Lançaram o ferro e a corrente virou-lhes a proa para a foz. Assim ficaram no silêncio, que só as aves cortavam, e sem acender gambiarras. Na estação das chuvas, o céu, quase sempre nublado, não dava margem ao luar. Desligados os motores, sinal que passavam ao inimigo contra vontade, a sua presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tinham o cuidado de esconder as pontas dos cigarros”.

As recordações incluem diabruras, desacatos, sinistros, com homens e máquinas. Guardou a agenda cultural, o que lia e que era motivo de conversas, os filmes que passavam no UDIB, dá mesmo informações elementares a pensar em leitores não-iniciados nas artes da marinhagem, é primoroso a explicar-nos as lanchas de desembarque:
“As lanchas de desembarque, rectangulares, tinham a forma de uma caixa de sapatos. Numa das extremidades, à polpa, situava-se a casa do leme, muito singela, e na outra, à proa, encontrava-se uma porta que, ao abater, permitia o acesso a veículos ou pessoal directamente da praia. Existiam em três tamanhos mas mesmo as maiores, por causo do seu fundo chato, tinham calado que pouco ultrapassava um metro.
No seu bojo podiam transportar dezenas, ou mesmo centenas, de fuzileiros com todo o seu material. Ou então um ou vários jipes e Unimogs, conforme a tipologia.
Foram usadas profusamente no teatro de operações da Guiné. Quando se formavam comboios de batelões, para abastecimentos do interior isolado pela guerra, eram sempre escoltados por uma ou duas lanchas médias, armadas com as suas peças Oerlikon de 20mm e duas metralhadoras MG 42, uma em cada bordo.”

A mulher do tenente vive em Bissau, é professora no Liceu Honório Barreto. Toca-nos as suas recordações do cinema, há por vezes situações muito tensas, os marinheiros e grumetes exigiram levar as suas mulheres para o balcão, que estava reservado a oficiais e sargentos, tudo se amenizou.
Nessa noite foi com a mulher ver o “Apache” de Robert Aldrich, recordação inesquecível:
“Como de costume, no espaço que medeia entre as primeiras cadeiras da plateia e o ecrã, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.”

No regresso da Guiné, voltou à militância política, e um dia a PIDE veio buscá-lo, esteve escassos dias em Caxias, tudo se passou muito perto do 25 de Abril. Tirou imensas fotografias na Guiné, cinquenta anos depois veio expô-las e oferecê-las ao Museu Etnográfico. Antes disso, esteve na Quinta do Mocho e descobriu um aluno da mulher, o Osvaldo, ditosa alegria. Como ele diz, “Este não é um livro biográfico mas conta certas estórias que mostram o sentido de uma vida”.
Um livro que a todos toca, a intensidade de luz e sombra que ele põe em cada um dos seus registos fotográficos é uma evidência de que há cinquenta anos, imprevistamente, ele estava a preparar esta maravilhosa velada de armas, esta insofismável prova de amor pela Guiné.


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)

domingo, 16 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19894: A galeria dos meus heróis (31): Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá (Luís Graça)

 

Contuboel, c. junho / julho de 1969... Furriel Henriques,
CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Foto: Luis Graça
A galeria dos meus heróis > 

Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá


por Luís Graça






Não, hoje já não saberias lá chegar. Foste de Bambadinca até Bafatá e aí cortaste para a vila de Geba, a outrora praça forte e presídio de Geba, agora em decadência, ofuscada pelo progresso e a beleza de Bafatá, a "princesa do Geba", como lhe chamavam os colonos brancos… (*)

Lembras-te de atravessar a ponte nova, uma bela ponte em betão sobre o rio Geba Estreito… Ponte Salazar, que o homem grande de Lisboa ainda era vivo… Mas já ninguém queria saber dele nem do seu nome. O novo homem grande era o Marcello (com dois ll) Caetano, cujo nome os teus soldados eram simplesmente incapazes de pronunciar e muito menos de soletrar: não falavam português, com exceção do Suleimane (que gostava de ser o teu intérprete, guarda-costas, secretário e cozinheiro). 

Levavas uma secção, 11 militares contigo, guineenses, incluindo um operador de transmissões, metropolitano. Em pleno agosto, no tempo das chuvas. Sare Ganá, no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá. Apanhas nos teus papéis, ou no que resta deles, 
num caderno escolar, roído pela traça, as seguintes notas do teu diário de 1969:

“Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no subsector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa... O que não é irónico, porque a população é fula, está ao lado dos tugas, seus antigos inimigos e agora aliados".

A mais de 4500 quilómetro de distância, de Lisboa… Será que Sare Ganá ainda existe ou alguma vez existiu ?

"Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia (o PM nº 109, da Companhia de Milícias nº 3) e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio”.

E acrescentavas:

"É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destaca-se acima da cabeça dos demais. Presumo que seja futa-fula. Não fixei o seu nome. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Ganá e a mais duas ou três tabancas: Sinchã Sutu, Sare Banda"...



Guiné > Carta de Bambadinca (1955) >  Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel (IN) e de aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa (NT): a sul, Missirá e Fá Mandinga; a leste, Geba, Sare Ganá, Sinchã Sutu... Pelo meio o rio Geba Estreito...Sare Banda ficava mais a norte (vd. carta de Banjara).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


Tinhas chegado a 18 de julho de 1969, a Bambadinca, vindo de Contuboel, do Centro de Instrução Militar de Contuboel, um oásis de paz (**), e a tua CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) era agora uma companhia de intervenção ao serviço do comando do BCAÇ 2852... Como dizias com sarcasmo, eras um preto de 1ª e os teus soldados pretos de 2ª.

"Quase todos os dias ouvíamos os Fiat G-91 bombardearem Sinchã Jobel, uma base da guerrilha a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam”.

“Até Farim é tudo terra para queimar”, diziam-te os milícias locais. “Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da ‘mata do Óio’, como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte”…

Ainda estava na memória da população o ataque de há um ano atrás, em 12 de agosto de 1968, ao tempo da CART 1690: à meia noite em ponto, um grupo IN estimado em cerca de 60 elementos, ou seja um bigrupo reforçado, vindo de Sinchã Jobel, tinha atacado Sare Ganá.

“Um ataque medonho”, segundo o testemunho de alguns milícias com quem falaste, com o Suleimane a servir de intérprete.  O ataque iniciou-se por tiros de morteiro (82 e 60), lança-granadas-foguete (RPG) e metralhadoras, com uso de granadas incendiárias. O IN conseguiu alcançar o arame farpado do lado Norte,   penetrando na tabanca por este lado e pelo lado Sul. Uma falha de segurança, no perímetro de arame farpado, mesmo armadilhado,  terá permitido a passagem de uns alguns atacantes, empunhando armas ligeiras automáticas. Algumas moranças começaram logo a arder. 


A reação das NT não se fez esperar: os valentes milícias fulas, uns a partir dos abrigos, outros dispersos pela tabanca, reagiram pelo fogo, aguentando o ímpeto inicial do ataque e dificultando o mais que puderam a infiltração dos guerrilheiros. Grande parte da população, os homens, estava armada e colaborou na defesa da tabanca. Mas depressa se esgotaram as munições, obrigando a milícia a recuar. A disciplina de fogo nunca foi apanágio do guineense, quer empunhasse uma G3 quer manejasse uma Kalash.

Em Geba, sede da CART 1690, a escassa meia-dúzia de quilómetros, logo que se ouviram os primeiros rebentamentos, saiu um piquete de socorrro, num viatura: meio pelotão, enquadrado por um alferes e um furriel. Nas proximidades de Sare Ganá, cerca de meia hora de depois, o grupo subdividiu-se em dois ou três, aproximando-se, a pé, da tabanca, com a intenção de procurar surpreender as forças atacantes.

Ao mesmo tempo que apoiavam a retirada da população, as forças da CART 1690 iam abrindo caminho, morança a morança, à força de bazucadas e curtas rajadas de G3. Gente brava!...

Às tantas, o IN, surpreendido pelo contra-ataque, lançou um “very light” e iniciou a sua retirada, arrastando consigo as baixas que sofrera e carregando o respetivo material. Devido à escassez de efetivos e à escuridão da noite, a perseguição encetada pelas NT não terá ido além da orla da mata próxima.

Uma hora depois do ataque chegou uma coluna de socorro, em viaturas, oriunda de Bafatá, composta por cerca de dois pelotões reforçados, da CCS/BCAV 1904, do EREC 2350, e do Pel Caç Nat 64. Normalizada a situação, as forças de Bafatá, com exceção do Pel Caç Nat 64, regressaram com os feridos mais graves da milícia e da população local. Foi montada segurança à tabanca nessa noite e dias seguintes.

Apurou-se então que o IN terá tido 5 mortos e outras baixas prováveis. De entre o material capturado, contaram-se duas armas ligeiras, uma metralhadora Dectyarev, com bipé, uma pistola metralhadora Sudayev PPS-43, uma das lendárias armas ligeiras da II Guerra Mundial (além de uma fita de metralhadora com 85 cartuchos e 2 granadas de mão ofensivas). Do lado dos defensiores, soube-se que tinha havido baixas entre a milícia e a população local. Parte da tabanca teve que ser reconstruída.

“Um ano depois eu aqui estou, periquito, de 5 a 17 de agosto [de 1969], integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que foi reforçar o Sector L2 (Bafatá), sendo destacada uma secção para Sare Ganá e duas para Sare Banda (subsector de Geba). 


“Dias antes [da nossa chegada a Sare Ganá]k  o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutu. Agora, por causa de um possível ataque da guerrilha, é proibido, à noite, fazer lume ou foguear na tabanca de Sare Ganá.

“Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.” 


E mais à frente escreveste, no teu diário, a 15 de agosto de 1969:

“Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma seção de combate, uma bazuca, um morteiro 60, dez G-3 e um rádio se isto der para o torto ? Depois do ataque malogrado à tabanca próxima, Sinchã Sutu, a população fula anda inquieta... Sinto-me como os bombeiros, atrás da ameaça de fogo-posto, mas ainda não fiz sequer o meu batismo de fogo, contrariamente à maior parte da companhia, que teve os seus primeiros feridos graves em Madina Xaquili, há menos de 3 semanas."


Perguntas-te sobre o sentido e o alcance da tua missão:

“Limito-me a estar aqui: de manhã, durmo como um porco; às dez ou onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota é já absolutamente insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou. Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Djalon eram donos e senhores destas terras. Ao fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional.”

(Dormir que nem um porco!... Muito anos mais tarde, já como professor de sociologia e de saúde pública, passaste a fazer teu o sábio conselho do provérbio popular: 'Três horas dorme o santo, quatro o que não é santo, cinco o viajante, seis o estudante, sete o porco e oito o morto'... Foi, afinal, na Guiné que aprendeste que dormir muito fazia mal à saúde...)

E relatas, no teu diário, “uma bravata estúpida, bem típica de um periquito”, feita logo no princípio das tuas andanças por aqui. É uma das tuas duas recordações marcantes da estadia em Sare Ganá, uma má, outra boa:

“Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. Talvez Sinchã Famora, a sul, não fixei o nome. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco (!), tentando detetar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis.

" A meio do percurso, apanho um susto: um antílope, que pastava perto, atravesssou-se-nos no caminho, em plena área supostamente armadilhada. Foi mais do que um susto, apanhei um calafrio: é que na noite anterior, um felino que vinha no encalce dos galináceos domésticos, tinha feito acionar um das armadilhas do perímetro de defesa de Sare Ganá. E de pronto comecei a ouvir, de todos os lados, sucessivas rajadas de G-3... O pessoal, assustadíço, anda mesmo nervoso.”

Ainda hoje te perguntas como é que tu arriscaste a tua vida e a do milícia local, nesta estúpida e inútil aventura de ir “reconhecer” uma aldeia abandonada e armadilhada ?!… Não fazia parte da tua missão!... Foi pura bravata!... Ou talvez quisesses provar a ti mesmo que também eras “um gajo com tomaste", tu que nem sequer eras um atirador de infantaria, nem tinhas, ao certo, nem pelotão nem secção...Eras o "pião das nicas", como te chamava o teu capitão, suprias as faltas de graduados, em todos os pelotões...

A outra recordação marcante foi a da visita à tua morança, da “Fatumata, a gazela furtiva":


“ (…) Ainda não me habituei foi ao ‘black-out’ total, imposto por óbvias razões de segurança: não posso ler nem escrever na minha morança (faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas), o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganá (...).

“Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fatumata, uma das quatro mulheres do comandante da milícia (presumo pou supeito): logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela, na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro 60. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo de ébano, ressumando húmidos odores da floresta!...

“De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fêmea de felino!"...

Não te olhou olhos nos olhos, mas tu fizeste questão de a mirar de alto a baixo, de frente:

“Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... É sensual e ainda jovem, de seios duros mas pequenos. É provável que seja infértil e nunca tenha parido.”


Tiveste dificuldade em perceber a sua atitude e em adivinhar-lhe a idade:

“Terá vinte e tal anos, menos de trinta. Tínhamos trocado apenas olhares no primeiro dia, quando cheguei, na linguagem mais universal dos seres humanos” (…)

“E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.”

Um "affaire” no mato ? “Que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo, num país em guerra!”, comentaste tu.

De qualquer modo, este momento foi “celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca, colorida,  e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganá.”


Nem sequer te ocorreu "partir patacão" com ela: não querias, de modo algum, estragar a singeleza e até a beleza daquele momento, a partilha de corpos entre um homem e uma mulher que pertenciam a dois mundos opostos...mas tinham em comum a infelicidade do "hic et nunc", do aqui e agora...

Ainda hoje tens dificuldade em entender o significado… socioantropológico desta cena!... Simples atração sexual de um mulher por um estrangeiro ? Simples favores sexuais sem pedir mais nada em troca ? Cumprimento da obrigação feminina de hospitalidade, por ordens expressas do régulo ou do comandante de mílicias que tu mal conheceras ? Ritual de submissão ao representante dos tugas, os "senhores da guerra"? Solidão, despeito, ciúme, não sendo a mais nova das mulheres do comandante de milícias, e muito provavelmente sendo infértil, uma das piores maldições que pode recair sobre a honra de uma mulher em África ?

Este caso não não era virgem, na época, e outros camaradas teus contaram-teestórias semelhantes de partilha de favores sexuais, de iniciativa feminina... em contexto de guerra.


E concluias a escrita desse dia, no teu diário, antes de regressares a Bambadinca:

“Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória. Nem sei se ainda voltarei a Sare Gana. Mas a sua imagem de gazela furtiva, essa, não vou tão cedo apagá-la da minha memória."


E, de facto, ainda não a apagaste, cinquenta anos depois...Nem nunca mais voltaste a Sare Ganá.

© Luís Graça (2006). Revisto: 24 de junho de 2023.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de maio de 2019 >  Guiné 61/74: P19775: A galeria dos meus heróis (30): Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!... (Luís Graça)



(**) Vd. poste de  25 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)


(...) Aqui a consciência humana tem a dimensão da tribo, do grupo étnico ou até da aldeia. Uma precária serenidade envolve a azáfama quotidiana destes povos ribeirinhos do Geba que, no meu eurocentrismo de viajante, recém-chegado e distraído, descreveria como felizes, gentis e hospitaleiros. 

O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens grandes, sempre eles, a tagarelar uns com os outros sentados no bentém, mascando nozes de cola…

Em suma, um fim de tarde calma numa tabanca fula de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI). E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que está traçado: em breve a guerra, e com ela a morte e a desolação, chegará até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…

O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias! (...).

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19822: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Os três acidentes na hidrografia guineense (IV e última Parte)


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); 
coeditor do blogue desde março de 2018


ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974)  - OS TRÊS ACIDENTES NA HIDROGRAFIA DA GUINÉ -  IV ( E ÚLTIMA) PARTE  



1.  INTRODUÇÃO

Na presente narrativa, a última do projecto de investigação titulado de "ensaio" sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974), apresentaremos a análise demográfica em falta, quantitativa e qualitativa, sobre os "casos da investigação" coletados, onde, ao longo dos diferentes postes, se procedeu à sua organização estratificada em dois grupos (amostras): "corpos recuperados" e "corpos não recuperados", com identificação das suas respectivas Unidades. 

Como apêndice à problemática de partida, e a exemplo da metodologia utilizada nos fragmentos anteriores, serão descritas as causas, factos e resultados que fazem parte da "história" dos três principais acidentes na hidrografia da Guiné, como foram os casos ocorridos no Rio Cacheu, em 05Jan65, durante a «Operação Panóplia» [abordado na Parte II (P19710)]; no Rio Corubal, em 06Fev69, na «Operação Mabecos Bravios», em Ché-Ché [abordado na Parte III (P19788)]; e no Rio Geba, no Xime, no âmbito de uma missão das NT, em 10Ago72 [a desenvolver neste poste].


2. ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-74) (UNIVERSO - n=144)

Recordamos que a análise demográfica que comporta esta investigação incidiu sobre os casos das mortes por afogamento de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).



Mapa da Guiné-Bissau, sinalizando-se, a branco, os três acidentes na hidrografia da Guiné de que resultaram cinquenta e oito mortes, por afogamento, de militares do exército durante a Guerra (40.3%).



Gráfico 1 – Distribuição de frequências segundo a variável "Posto" (n=144)


Quanto à distribuição de frequências relativas ao "Posto" militar dos náufragos, durante o período em análise (1963-1974), constata-se que 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) eram 1.ºs cabos; 7 (4.9%) eram furriéis; 1 (0.7%) era 2.º sargento e 1 (0.7%) era major.



Gráfico 2 – Distribuição de frequências segundo a variável "corpos não recuperados por unidade militar" (n=63 - 43.8%)


Quadro 1 – Nomes dos restantes onze militares naufragados, e das suas respectivas unidades do Exército, apresentados por ordem cronológica, cujos corpos não foram recuperados no período entre 1964 e 1972 (ver gráfico 2; "outras").


3. OS TRÊS ACIDENTES NOS RIOS DA GUINÉ:  CONTEXTO DE CADA UMA DAS OCORRÊNCIAS



Gráfico 3 – Identificação dos anos em que ocorreram os acidentes nos rios da Guiné


Para a estruturação deste ponto, relativo a cada uma das três ocorrências identificadas no gráfico acima, foi relevante a consulta efectuada ao vasto espólio de informação disponível no blogue da «Tabanca». No caso particular do episódio do "Naufrágio no Rio Geba", foram recuperadas as narrativas escritas na primeira pessoa por duas testemunhas que nele estiveram envolvidos, como foram os casos de mim próprio [P10246 e P13494] e do nosso camarada António José Pereira da Costa que, à época, era o Cmdt da CART 3494, Unidade sediada no Xime [P13493].

Importa referir que esta opção apresentou-se-nos como a única possibilidade de dar conta do que efectivamente aconteceu, uma vez que nada consta, sobre esta ocorrência, nos documentos "Oficiais", publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II, Guiné; Livros II; 1.ª Edição, Lisboa (2015).

Por outro lado, tendo em consideração o tempo que já passou sobre este "acidente", nunca ninguém entendeu na CART 3494 as motivações (ou razões) que influenciaram a decisão de omitir, na HISTÓRIA DO BART 3873, este acontecimento marcante para todos nós, dele fazendo-se "tábua rasa", nomeadamente no seu 5.º fascículo referente às actividades/acções do mês de «Agosto-1972» [pp. 77/79; pontos 35/40]. O único apontamento que conhecemos está expresso no Capítulo III – Baixas, Punições, Louvores e Condecorações [pp. 15/165]. Na pg. 149; Agosto-72; 1.Baixas; pode ler-se na alínea d) "Por Outras Causas" [nome dos três camaradas naufragados] "… todos da CART 3494, mortos por afogamento, no acidente do rio Geba, em 10AGO72."


3.1. O CASO NO RIO GEBA EM 10AGO1972 = O TERCEIRO



Mapa da região do Xime, sinalizando-se no Rio Geba, a vermelho, o local do acidente com o "sintex" que transportava os militares da CART 3494, em 10Ago72, durante a sua travessia, de que resultaram três mortes por afogamento. Dois não foram recuperados.



Foto 1 (infografia do acidente no Rio Geba, em 10Ago72). O traço a verde refere-se ao trajecto do "sintex", durante a segunda tentativa da travessia do rio, iniciado depois da passagem do "macaréu". Sinalizam-se os locais de embarque e do acidente.


3.1.1. PREPARAÇÃO DA MISSÃO «TRAVESSIA DO GEBA» EM 10AGO1972

A preparação da missão supra, que consistia num patrulhamento a efectuar na margem direita do Rio Geba, foi iniciada na véspera com uma reunião entre o Cmdt da Companhia, Cap Art António José Pereira da Costa [hoje, Coronel aposentado e membro da nossa Tabanca], líder da CART 3494 entre 22Jun1972 e 10Nov1972, e o furriel Cláudio Ferreira do 1.º GrComb, estando prevista a inclusão, na acção, do Major de Operações do BART 3873, Henrique Jales Moreira.

Os recursos operacionais mobilizados para esta missão recaíram na "Secção de Bazuca" desse GrComb, da qual o furriel Ferreira era responsável, e por isso a sua participação na reunião, já que, de acordo com a escala de serviço em vigor, no dia seguinte o 1.º GrComb estava de «intervenção». De referir que esse grupo de combate tinha apenas três quadros de comando (furriéis): o Cláudio Ferreira, o João Godinho e eu próprio.

A travessia do Rio Geba, a iniciar-se no Cais do Xime, seria feita com recurso a um bote de fibra de vidro conhecido por «Sintex», com motor fora de bordo, sendo sugerida, como elemento de segurança, que a sua lotação não deveria ultrapassar a dezena de indivíduos, incluindo o barqueiro.

Durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, sendo que esta última expressão viria a aplicar-se, lamentavelmente, a três dos catorze militares que naquela 5.ª feira, dia 10 de Agosto de 1972, vai fazer em 10Ago2019 quarenta e sete anos, tinham por missão fazer a travessia entre as margens esquerda e direita do Rio Geba, por esta ordem.

Tal como nos casos anteriores, o método utilizado na estruturação desta última parte foi organizado cronologicamente a partir de cada um dos diferentes momentos: o antes, o durante e o depois dos factos.


Foto 2 - Rio Geba (Xime; Ago'72) – Foto tirada uma semana antes do "Naufrágio". À direita é a margem esquerda do Geba (Xime). À esquerda é a margem direita (Enxalé).


3.1.2. O ACIDENTE NO RIO GEBA EM 10AGO1972

As actividades do 1.º Gr Comb para o dia 10Ago72, 5.ª feira, foram iniciadas com a concentração dos elementos destacados para a acção definida no dia anterior, grupo constituído por nove militares devidamente equipados, por mim próprio (em substituição do camarada Cláudio Ferreira que adoecera entretanto), com equipamento extra constituído por um rádio AVP1, a que se juntou, no Cais do Xime, o Cmdt da CART 3494, Cap. Pereira da Costa, o Alferes Sousa, em situação de Estágio Operacional e o Major de Operações Henrique Jales Moreira, totalizando treze elementos. A este número deve-se adicionar, ainda, o do barqueiro do sintex, perfazendo então um universo de catorze indivíduos a transportar no bote que, como referido anteriormente, era aconselhada uma lotação máxima de dez unidades.

Parecendo estarem reunidas todas as condições operacionais para o sucesso da missão, embarcámos para o sintex, distribuindo-se a totalidade dos elementos de modo equitativo, dando-se então início à navegação por volta das 09:00 horas.

Depois de percorridas algumas dezenas de metros, verificou-se que o plano de água não permitia o avanço da embarcação, uma vez que a hélice do motor batia no fundo do rio, pois estávamos ainda na situação de baixa-mar, pelo que era necessário aguardar pela passagem do «macaréu». Por isso regressámos ao local da partida, dando por concluída a primeira tentativa da travessia do Geba.

Uma vez que o Aquartelamento da CART 3494 distava do cais entre 250/300 metros, e a nossa presença não era necessária naquele contexto, decidimos ali regressar. Quando estávamos já no seu interior, muito perto da parada, depois de ultrapassada a porta de armas, ouvimos um sinal sonoro no nosso rádio AVP1, que atendemos. O conteúdo da informação recebida dava conta da passagem do «macaréu», pelo que se solicitava a presença de todos os militares no cais, para dar-se início a nova viagem.

Foi com algum espanto e muita perplexidade que recebemos a notícia da passagem do «macaréu», na medida em que conhecíamos mais ou menos bem a sua evolução no processo de enchimento da maré, devido à situação de proximidade com o rio, facto que suscitou em nós, desde o início, uma natural curiosidade pela observação deste fenómeno da natureza.

De regresso ao cais, as dúvidas suscitadas inicialmente quanto à oportunidade de dar-se início à travessia não se dissiparam, antes pelo contrário, elas ampliaram-se em função da qualidade de agitação da água do rio. Esta nossa avaliação era coincidente com a do Cabo Silva (um militar da Marinha, que durante mais de duas décadas, viveu as experiências das diferentes marés por onde andou, por ter estado ligado às actividades dos submarinos) e que naquela ocasião se encontrava no cais, dirigindo os trabalhos de carregamento de madeiras para a embarcação civil «CP-10».

À ordem de "avançar porque se fazia tarde" - a mensagem que circulou - entrámos pela segunda vez no bote Sintex, mantendo-se a distribuição anterior. A partida aconteceu no local indicado na foto da "infografia" acima (Cais do Xime), agora em ruínas. Com a navegação a cargo do barqueiro, com o motor em funcionamento e com as águas muito agitadas, certamente que cada um de nós se interrogou quanto ao sucesso da «aventura» em que tínhamos embarcado e que não tinha hipóteses de retrocesso.

Logo nas primeiras dezenas de metros, os "palpites" começaram a escutar-se, na medida em que a embarcação não podia tomar o rumo certo. Uma ordem foi pronunciada: "desligue-se o motor", o que foi acatada pelo barqueiro. Mas, mesmo assim, dava a sensação de que o bote continuava com o motor ligado, tal era a velocidade com que o mesmo deslizava naquelas águas revoltas.

O pânico subia à medida que a embarcação se aproximava da cabeça do «macaréu», cada vez com mais agitação e remoinhos à mistura. Naquele momento, um novo conceito surgiu no léxico dos militares, particularmente nas praças, que traduzia o sentimento que estavam a viver – "eu não sei nadar" - no princípio entredentes e depois mais audíveis e expressivos. O cenário começava, então, a ficar cinzento, diria mesmo muito cinzento no sentido da cor negra, independentemente de estar um dia óptimo, cheio de sol e com a temperatura ambiente a aumentar.

A pergunta filosófica que, certamente, cada um formulou para si, era a de saber como poderíamos sair daquele imbróglio, sãos e salvos?

Entretanto, uma nova ordem foi dada, visando criar algumas réstias de esperança quanto à possibilidade de sobrevivência colectiva, apontando para uma "navegação o mais perto possível da margem esquerda", ou seja, a mesma donde partíramos.

Quando nos encontrávamos a cerca de quatro/cinco metros do tarrafo – zona de lodo ainda não submersa, e onde habitualmente a comunidade de crocodilos (alfaiates) se organiza em frisa apanhando os seus banhos de sol – eis que se escuta uma nova ordem: "haja um que salte para o tarrafo levando consigo as correntes do bote com o objectivo de o poder suster". Olhando à minha volta, e perante a ausência de candidatos ou voluntários disponíveis para o cumprimento deste desiderato, tomámos em mãos esse desafio. Porque a embarcação continuava instável face à movimentação das águas, o salto só poderia acontecer quando a distância entre o bote e a lodo fosse de modo a facilitar a operação proposta.

Não sendo possível identificar o melhor momento para o salto, eis que no tempo «X» saltámos levando nas mãos a dita corrente. Durante o salto, feito de frente para o tarrafo, ouvimos, vindo da nossa rectaguarda, um ruído provocado pelo embate da proa do bote na parte mais alta do lodo, tendo como consequência a inclinação do mesmo projectando para a água todos os seus ocupantes, primeiro os que se encontravam no lado esquerdo da embarcação e depois os do lado direito, por efeito do desequilíbrio de peso que entretanto ocorrera (lei da gravidade).

Quanto a nós e na sequência do salto, ficámos de imediato enterrados no lodo até aos joelhos, procurando, mesmo assim, manter o controlo da embarcação através do uso da sua corrente, mas não por muito tempo. Face à diminuição da nossa resistência por via da força da maré, que nos conseguiu arrancar ao lodo arrastando-nos num espaço de alguns metros quase até à posição de «pino», não tivemos outra alternativa senão deixar o bote entrar à deriva.

Na água, a luta era extremamente desigual entre o poder do homem e o poder da maré. Cada um dos camaradas, equipado e vestido com o seu camuflado que lhe dificultava a mobilidade dentro de água, procurava chegar a terra firme o mais rapidamente possível, pondo-se a salvo. E isso aconteceu a oito de um total de catorzes elementos. Dos seis em falta, três conseguiram entrar no bote: o barqueiro (nome que nunca soube, pois era elemento da CCS), o Miranda (1.º cabo de dilagramas) que remando com a sua sacola das granadas permitiu recolher o Major de Operações Jales Moreira em situação muito difícil. E os três seguiram ao sabor da corrente na direcção de Bambadinca, sede do BART 3873. Os outros três elementos em falta eram: o José Maria da Silva Sousa, o Manuel Salgado Antunes e o Abraão Moreira Rosa, que acabariam por desaparecer nas águas barrentas do Rio Geba, sem que existisse qualquer hipótese de salvamento.

No caso do José Sousa ainda o vi emergir três vezes. Mas como tinha em seu poder a bazuca e esta estava presa à paleta da camisa, provavelmente esta situação não lhe foi favorável, dificultando-lhe ainda mais os movimentos.

Para além de não se ter concretizado a travessia, de o grupo ter ficado fraccionado e com baixas, de termos ficado desarmados e sem meios de comunicar com a Companhia, tínhamos ainda pela frente um longo caminho a percorrer até chegarmos ao nosso Aquartelamento, no Xime.

Assim, os oito elementos que estavam aparentemente a salvo, mas ainda dentro de água tentando localizar alguma das armas perdidas, tinham ainda pela frente um "osso difícil de roer", passe a metáfora, uma vez que faltava transpor o obstáculo «tarrafo» até chegar a terra mais sólida. E a primeira dificuldade com que nos deparámos tinha a ver com a necessidade de percorrer cerca de quinze metros de lodo extremamente mole, num momento em que as águas continuavam a subir a um ritmo veloz, e em que o movimento de elevação de cada perna, correspondente a cada passo, era sempre maior que o anterior, fazendo lembrar que estávamos perante um contexto de areia movediça.

Após os primeiros passos, não nos restava outra alternativa senão tentar nadar/deslizar no lodo, agora cada qual em tronco nu mas com os seus objectos sob controlo (roupa, cinturão e carregadores). Na sequência de cada braçada, esses objectos eram arremessados para a frente, para depois se efectuar nova braçada e novo arremesso. Todo o nosso corpo era lodo: o cabelo, o rosto, a boca, os membros, etc., etc., etc..

Para percorrer os tais quinze metros de tarrafo, aproximadamente, foram gastos cerca de vinte e cinco minutos, o que diz bem das dificuldades sentidas. A meio da viagem, por efeito de estar verdadeiramente exausto, pensei que já não seria capaz de ali sair. A força e a energia tinham-se esgotado. Depois de um curto descanso a pedido do corpo e da mente, aconteceu um novo impulso antes da última transcendência (a morte), conseguindo então chegar ao fim da linha. Espalhados ao longo do lodo encontravam-se ainda os sete camaradas, cada um lutando para ultrapassar as suas dificuldades.

Fazendo uso da faca de mato que usávamos presa ao cinturão, procedemos ao corte de alguns troncos dos arbustos existentes na zona, arremessando-os na sua direcção, visando facilitar a mobilidade nos últimos metros da tortura. Os pequenos troncos, porque foram colocados sob os corpos, funcionando como estrado, acabariam por provocar ligeiros ferimentos, particularmente no peito e zona abdominal, devido às suas saliências e por efeito da fricção.

Tendo saído vitoriosos da primeira batalha, outra seguir-se-ia, mas esta sem alvo pré-definido, uma vez que o itinerário era desconhecido, impondo-se, então, uma decisão quanto ao rumo a tomar (sentido de orientação). Estávamos, então, no início de uma bolanha e tanto quanto o horizonte visual nos permitia enxergar, não víamos alma nem qualquer vestígio da presença humana. Avançámos de forma empírica corrigindo a direcção por simpatia, sabendo-se, no entanto, que aquela zona estava sob controlo das NT, e que provavelmente estávamos em presença da bolanha de Nhabijões, o que se veio a confirmar depois.

Durante a caminhada, sob um sol abrasador e com uma temperatura a rondar os 35/40 graus (a estação da época era a das chuvas), a resistência de cada um de nós voltou a ser, uma vez mais, posta à prova, concluindo-se que o Ser Humano não conhece os seus limites. A exaustão e a desidratação eram compensadas com um mergulho na bolanha a cada dez metros, distância suficiente para fazer secar os corpos e a roupa.

Passado algum tempo não cronometrado - esse detalhe era o menos importante naquela situação - avistámos ao longe umas chapas de zinco brilhando por efeito do sol, tendo seguido nessa rota. Estávamos então nas traseiras da Tabanca de Nhabijões. Aí chegados, impunha-se conquistar uma merecida sombra e a ingestão de líquidos e de alguns alimentos. Na falta de outros recursos, bebemos água e eu comi uma lata de salada de frutas de conserva que jamais esquecerei.

O Cmdt da força aí residente estranhou a nossa presença, pois não sabia do que nos tinha acontecido. E foi a partir desse momento que sinalizámos a nossa existência na rede de comando, solicitando uma viatura para nos transportar até ao Xime, onde chegámos ao princípio da tarde. À chegada, foi-nos confirmado o desaparecimento dos três camaradas anteriormente referenciados, bem como a ancoragem do sintex no Cais de Bambadinca transportando os três elementos que nele entraram para uma viagem única em que foi aproveitada a força da maré.



3.1.3. AS DECISÕES QUE FORAM TOMADAS PARA RECUPERAR OS CORPOS DOS MILITARES NAUFRAGADOS EM 10AGO1972 NO XIME


Os conteúdos relacionados com este ponto foram retirados do livro «A Minha Guerra a Petróleo», da Editora Chiado, Fev/2019, da autoria do camarada António José Pereira da Costa, na qualidade de sujeito envolvido neste acidente. Tratou-se de um tema que foi, sem surpresa minha, abordado durante a sessão de lançamento desta obra, realizada na sede da A25A, em 17 de Abril último, quer durante a sua apresentação, a cargo do Coronel Carlos Matos Gomes, quer por parte do seu autor.


Foto 3 (Lisboa; A25A, 17Abr2019) – A mesa que presidiu ao lançamento do livro "A Minha Guerra a Petróleo". Da esq/dtª: os coronéis Carlos Matos Gomes, Vasco Lourenço e Pereira da Costa, todos eles ex-combatentes no CTIG.

A propósito das memórias que guarda deste episódio, o autor do livro declara:

"O acidente ocorrido no Rio Geba, a 10 de Agosto de 1972 (quinta-feira), terá sido o momento de toda a minha vida em que mais estive em perigo, assim como todos os que me acompanhavam. Foi certamente um dos meus momentos de sorte. Mas outros houve… felizmente."

Depois da boleia proporcionada por uma coluna da CCAÇ 12, comandada pelo segundo comandante, major Sousa Teles do BART 3873, dirigimo-nos ao Xime, onde deixei o pessoal que estava comigo.

De seguida sei que fui a Bambadinca e, à chegada, vi que já lá estava um helicóptero que serviria para fazer um reconhecimento à área do acidente. Ainda tinha a ilusão de que algum dos três desaparecidos estivesse perdido e exausto no tarrafo. Fiz o reconhecimento aéreo e, de novo em Bambadinca, sugeri ao comandante que batêssemos a zona a pé, à procura de sobreviventes. Pedida autorização à Base Aérea 12, fui largado com o furriel Domingos (das Trms; homem muito generoso e empenhado na tarefa que tínhamos de executar) e três soldados da CCAÇ 12, nas imediações do local do naufrágio.

É de referir que o piloto do helicóptero era meu ex-colega do Liceu Passos Manuel – o Luís Cabanelas – que, em vez de nos largar à altura acima do solo "prevista no regulamento", deixou-nos a cerca de um metro de altura. (…) Eu levava apenas a espingarda e os carregadores emprestados pelo comandante do BArt, sem qualquer outra espécie de equipamento.

Batemos a margem do rio para montante e jusante do local onde tudo tinha sucedido e não encontrámos o menor sinal de vida. Entretanto, o helicóptero partira e nós começámos a cortar ramos do tarrafo para podermos chegar o mais à frente possível sobre o lodo, quando o sintex nos viesse recuperar. Era o que esperávamos. Porém, nada, nem ninguém apareceu…

Entretanto, por razões que não foi possível determinar, perdeu-se o contacto com o comando do BArt. A noite começou a cair e, falhado o contacto rádio com Bambadinca, chamei a minha companhia e procurei fazer sair um grupo de combate que viesse recuperar-nos pela estrada. Contava poder orientar-me pelas luzes das viaturas que viessem ao nosso encontro. Porém, subitamente, as comunicações com Bambadinca restabeleceram-se e recebemos ordem de para ali nos dirigirmos. O percurso a fazer era maior do que para o Xime ou mesmo para os Nhabijões, mas começamos a progressão debaixo de uma chuvada tropical, acompanhada daquela trovoada que ainda deixa o céu iluminado, de um tom róseo, durante segundos, depois de a faísca ter caído.

Aproximámo-nos de Bambadinca num percurso em que mal se via o caminho e orientando-nos somente pelas luzes dos aquartelamentos. Já perto do quartel fomos recolhidos por um pequeno grupo da CCAÇ 12, sob o comando do capitão Bordalo Xavier, que, com um petromax à cabeça, nos ia orientando. (…) Como entrei no quartel não me lembro… Tomei uma bica no bar de oficiais… e, depois, sentado no chão do quarto do major Sousa Teles, estou a despir-me revoltadíssimo com o modo como tudo se passou e ele a tentar acalmar-me. Regressei ao Xime, já noite alta e com uma farda n.º 2 que o major Sousa Teles me emprestou.

Depois, foi elaborado, no BArt, o relatório da acção, que eu contestei, enviando a minha versão às mesmas entidades que o tinham recebido na versão do Batalhão. Redigi a contestação com base nas achegas que o alferes Sousa e o furriel Jorge Araújo me deram. Foi pelo Sousa que fiquei a saber que os três desaparecidos tinham caído à água simultaneamente, no momento em que o sintex bateu na margem." (Op. Cit. pp 94-97).

Decorridas mais de trinta horas após o acidente foi localizado um corpo/cadáver junto ao Cais do Xime (foto 4). Era o do José Maria da Silva Sousa (o bazuqueiro). O seu corpo estava desnudo e em processo de transformação, o que é natural neste tipo de ocorrência.

O seu comprimento aumentara substancialmente, ultrapassando largamente os dois metros, assim como o seu peso, agora com valores a rondar os cento e cinquenta quilos. Éramos oito a tirá-lo de lá… assumindo o alferes Manuel Gomes (1948-2014) a missão de tentar extrair do corpo a água que impediu o malogrado Sousa de ser sepultado dentro de um caixão.


Foto 4 (Cais do Xime; Ago'72) – Foto com a indicação do local onde foi recuperado o corpo do camarada José Maria da Silva Sousa (1950-1972).

Dois dias depois procedemos à realização do seu funeral, numa tarde de autêntico dilúvio, com as Honras Militares a que tinha direito, ficando o corpo sepultado no cemitério de Bambadinca.

Durante mais alguns dias, todos os olhares estiveram direccionados para o Rio Geba, esperando que ele nos devolvesse os restantes corpos, mas em vão… para sempre! Nem tampouco os seus nomes constam no 8.º Volume da CECA… É inadmissível!



Em 07Dez1973, fomos convocados para comparecer no Tribunal Militar Territorial, em Bissau, para participar no acto de julgamento do processo, tendo como Réu o ex-Major Henrique Jales Moreira, e na qualidade de testemunhas oculares, eu próprio e o 1.º Cabo Miranda. Tratou-se de uma nova aventura e de uma grande experiência que não gostaríamos de repetir, em função do ambiente em que decorreu.

O veredicto final do Tribunal Militar determinou a absolvição do Réu.

Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
19Mai2019.
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19788: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Os três acidentes na hidrografia guineense (Parte III)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (II)



Foto nº 1


Foto nº 2

Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 6A


Foto nº 7


Guiné > Comando e CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 26 de fevereiro de 1968 > Viagem de regresso a Bissau, atravessando as Regiões de Gabu e de Bafatá, em coluna militar, e depois de barco, a partir de Bambadinca. Até ao Xime e foz do rio Corubal ainda era região de Bafatá. Mato Cão ficava a seguir a Bambadinca, ainda no Geba Estreito (que ia até ao Xime). Jabadá já ficava na região de Quínara, na margem esquerda do rio Geba, no estuário do Geba, já muito depois da Foz do Rio Corubal. [Vd. carta de Tite]

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem mais de 130 referências no nosso blogue- (*)



CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:


  T047 – REGRESSO DAS TROPAS EM 26FEV68  -  O BCAÇ 1933  RIO GEBA ABAIXO  (2)


I - Introdução do tema:


Continuação da série de Temas para Postes, relativos à chegada do Batalhão à Guiné, as viagens para Gabu pelo Rio Geba acima, as colunas militares por estrada, as festas de despedida no Gabu com batuques e roncos à mistura, o regresso pelo mesmo caminho, Bambadinca, até Bissau, antes de partir novamente para o novo destino, São Domingos, Rio Cacheu acima, sem fotos.

Após as despedidas no Gabu, chegou o dia do regresso, em colunas militares, por terra, até Bambadinca, e por via fluvial, no Geba, até Bissau. A viagem correu normal, nada havendo a assinalar, excepto as más condições da viagem, e juntos com a população civil, que precisava também de boleia.

II - Legendas das fotos:

F01 – Passagem da coluna fluvial pela Mata do Oio [?], empoleirado no barco, de G3 em riste, como se estivesse a fazer um cruzeiro de férias e caça ao Burro. Acho que estamos na zona do Rio Geba Estreito, pois as margens estão perto, mas não sei. Espreitando melhor a foto, acho uma imprudência minha, a arma está carregada e de certeza com bala na câmara, um pequeno descuido, um tiro, com o cano encostado à cara, pelo menos ia a orelha e os óculos… Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

[Virgílio, querias dizer Mato Cão, mas não, já não é o Geba Estreito. já passaste o Xime, a caminho de Bissau... Aqui começa o estuário do Geba, podias ir tranquilo, a partir da Foz do Rio Corubal...LG]


F02 – No ‘Barco Turra’, o apetite aperta, e lá vai um pouco de ração de combate. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F03 – Depois do ‘almoço’ ou ‘jantar’ tocar viola para desanuviar o ambiente. Ao meu lado o soldado condutor Espadana, o nosso chefe de mesa na messe de oficiais. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F04 – Passagem da ‘coluna fluvial’ por um aquartelamento algures no caminho de Bissau. Está escrito no verso de outra fotografia que se trata de ´Jabadá’. Foi alguém que o disse. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F05 – Momento de atenção das tropas, porque o barco está a passar pela mata do Oio [?] e pelo que dizem os mais conhecedores, é perigosa. Por isso a arma G3 sempre presente. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

[, Virgílio, a avaliar pela distância da margem esquerda do Rio Geba, já estás longe do temível Mato Cão, e não Oio...LG]

F06 – População civil, viajando no mesmo ‘barco dos turras’ com a tropa. Dizem que assim era menor a probabilidade de serem atacados no rio. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F07 – A noite está a cair por volta das 18 horas da tarde, o barco está a entrar no ‘estuário do Geba’, em breve todos estão em terra firme e segura em Bissau. Na hora da refeição, tomando o petisco, as rações de combate, nada mau. Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu e chegada a Bissau já noite, no dia 26 Fevereiro 1968.

Direitos de Autor:

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM.

Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15, Tomar,

CTIG/Guiné de 21 Set 67 a 04Ago69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos,».

Acabadas de legendar em 2019-03-19

Virgílio Teixeira



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Jabadá, na margem esquerda do rio Geba, entre a foz do rio Corubal e Bissau.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


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quinta-feira, 21 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19606: Memória dos lugares (388): Ponta Varela, na margem esquerda do Rio Geba, subsetor do Xime... Mas está por fazer a história das "pontas" (pequenas explorações agrícolas, junto a cursos de água: Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Ponta João da Silva, no Rio Corubal; Ponta Brandão, em Bambadinca; Ponta Geraldo Landim, no Rio Dingal / Mansoa; Ponta Salvador Barreto, no rio Cacheu, etc.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime > A temível Ponta Varela:  restos do que parece ser um antigo cais acostável. Em 1963/65, ao tempo da CCAÇ 508 existia aqui uma tabanca e um destacamento onde morreram, em 3 de junho de 1965,  quatro dos seus homens, a começar pelo seu  comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina. Relembre-se os seus nomes: (i) Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles; Capitão de Infantaria QP; natural de Castelões de Cepeda, Paredes; casado; (ii) José Maria dos Santos Corbacho; 1.º Cabo; natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, solteiro;  (iii) Domingos João de Oliveira Cardoso; Soldado Auto Rodas; natural de São Cosme, Gondomar; solteiro; e (iv) Braima Turé; Caçador Nativo (guia), natural do Xime, Bambadinca. (*)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime >  A LGD nº 105 a aproximar-se do porto fluvial do Xime, depois de passar pela Ponta Varela, vinda de Bissau,

Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão).

Fotos (e legendas): ©  José Carlos Lopes (2013). . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Giné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta Varela > 2010 >  Exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações  civis e os navios da Marinha. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascia o Geba estreito, o leito do rio afunilava, à esquerda, não muito longe daqui, passava o rio Corubal. Com o assoreamemnto do rio Geba, já as embarcações não chegam aqui, muito menos a Bambadinca.

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (**)


Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000 > Detalhe: O Rio Geba, o Rio Corubal, à esquerda, Poindon, Ponta Varela, Madina Colhido, estrada Xime-Ponta do Inglês, Rio Geba Estreito, Xime, estrada Xime-Bambadinca, Enxalé (em frente, na margem direita do Rio Geba),  Tudo lugares míticos, carregados de emoções para os camaradas que viveram e lutaram no Sector L1 (Bambadinca) ou que desembarcaram, numa LDG, a caminho de outras terras da vasta zona leste da Guiné, via Bambadinca-Xitole ou Bambadinca-Bafatá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. Temos cerca de 3 dezenas de referências à mítica Ponta Varela, na margem esquerda do rio Geba,  antes do Xime... Milhares de camaradas, que andaram nas embarcações civis e nos navios da Marinha (lanchas de desembarque) passaram ao largo da Ponta Varela, ali onde o rio começava a estreitar... Lembremos, pois,  algumas das imagens da Ponta Varela das nossas histórias (***)

Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água,  na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal..


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta  do Inglês > 2010 > Pouco resta da casa de Inglês Lopes, ao que parece era este o dono da Ponta... Entre 1964 e 1966, a qui esteve um pelotão destacado da companhia do Xime, mais um pelotão de milícias... Foi deativado em 1968. O destacamento vinha até junto à água, havia um pontão para receber as embarcações, tudo desapareceu. O antigo embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, ex-Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês, exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês; informação que foi dada ao nosso editor Lu+is Graça  pelo próprio Constantino Lopes em 12/11/2008, no Museu da Farmácia, no lançamento do livro do Beja Santos, "O Tigre Vadio".

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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sexta-feira, 11 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18622: Notas de leitura (1065): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34) (Mário Beja Santos)

BNU - Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
A Guiné não é só uma colónia-modelo na conceção imperial, a produção agrícola de um salto. O BNU, já um grande proprietário, também sonha com a expansão, imiscuiu-se desde a produção até à exportação agrícola, vai lançando os olhos à Sociedade Comercial Ultramarina, a empresa competidora dos interesses da CUF. Se até agora os relatórios mostravam uma impressionante desafetação ao poder político, a agulha mudou de rumo, bajula-se o poder instituído, basta ler aqui a louvaminha totalmente despropositada do gerente à viagem do General Craveiro Lopes.

Um abraço do
Mário

BNU - Bissau


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34)

Beja Santos

A década de 1950 é marcante na vida do BNU da Guiné: na colónia sopram ventos de desenvolvimento, e por isso a Sociedade Comercial Ultramarina é cada vez mais atrativa para investimento. O património do Banco é gradualmente mais valioso, composto de prédios, de propriedades, não esqueçamos que inicialmente funcionou como casa de penhores, o aliciante agrícola é indisfarçável, será assim até ao período da independência. Em Maio/Junho de 1953 há uma nova inspeção ao Banco, determinada por Lisboa, no relatório subsequente aparece um documento revelador dessa aproximação entre a banca e os investimentos abarcando a produção, a transformação, o transporte, a exportação, nomeadamente para a metrópole. É do seguinte o documento que surge solto dentro do relatório da inspeção:

“Exma. Administração da Sociedade Comercial Ultramarina
Exmos. Senhores:

A Sociedade é uma grande organização, espalhada por toda a Guiné, é bem administrada.
Tive ocasião de visitar as suas actividades comerciais e industriais e fiquei com a impressão de que é organismo que pode viver e expandir-se mais. A Guiné é rica, está a desenvolver-se, não fica longe de Portugal e portanto da Europa, importante vantagem para os fretes, por isso as actividades podem seguramente, com a prudência necessária, encarar com confiança o futuro.

Ainda que a cotação das oleaginosas venha um dia a cair fortemente, como se supõe, é certo que fica o recurso da exploração orizícola, cuja produção é hoje insuficiente para as necessidades internas da Província e para a exportação, e pode ser muitíssimo aumentada, dada a extensão de regiões próprias para a sua cultura. Haverá apenas que preparar tais regiões e mecanizar a cultura.
Ainda outros recursos existem que podem ser explorados; portanto, não há motivos para desanimar, antes pelo contrário para, com entusiasmo, se explorarem. O clima da Guiné tão mortífero há algumas dezenas de anos, e raros eram os que pensavam em se fixar aqui, está profundamente alterado para melhor. Isto também é um factor importante pois mais fácil é o concurso de europeus.
Não obstante o que deixo dito do clima, ele não é bom e há muitos pontos da Província em que a modificação não é tão acentuada.

Se V. Exas. pensarem, um dia, em virem até aqui, e ainda que seja na época melhor, devem contar com violento calor principalmente em Farim e Bafatá, poeira vermelha e incómoda, e, por vezes, grandes vespas a entrarem no carro e há que ter atenção à mosca transmissora da doença do sono, já não falando nos incómodos mosquitos.
Não vi a mosca do sono, posto que um médico da respectiva missão me dissesse que ela estava muito espalhada e havia muitos casos.

Os vapores que daqui vão para a metrópole ficam ao largo e não atracam, dizem que por causa da febre-amarela, todavia pergunto se há casos e ninguém os conhece. Parece que não missão médica especial para esta doença.
Nos desembarques nas margens dos rios, se a maré está em baixo ou ainda pouco alta, a grande extensão de lodo só pode ser atravessada dentro de pirogas deslocadas à força de braços dos pretos e às vezes até é necessário aceitar a ‘cadeirinha’ que fazem com os braços para pequenas travessias, ou onde não há pirogas.
Na navegação dos rios é necessário, contar por vezes, com os encalhes, e esperar que a maré suba, no rio Cumbijã ali estivemos encalhados três horas.

Nas residenciais do interior, onde há instalações para hospedagem, tirando Bafatá, elas deixam muito a desejar quanto a rudimentares comodidades.

As actividades da sociedade estão a ressentir-se com a falta de fundos, não porque não lhes tenham sido concedidos créditos mas pelo desvio destes e das suas disponibilidades para a construção do bloco industrial na Bolola.
Estão já ali investidos 9.500 contos. Esta soma tem saído parte dos créditos concedidos à Sociedade, parte das suas disponibilidades. Representa uma imobilização cuja importância faz falta às operações comerciais e há que atender que os produtos estão mais caros e por isso a sua aquisição demanda maior quantidade de dinheiro.
Em minha opinião devia conseguir-se um crédito especial de 15 mil contos garantido pelo bloco industrial, garantido pelo bloco industrial: edifícios existentes, em construção e a construir, maquinismos existentes e ainda a adquirir.
Com tal importância, creio que tudo se poderia concluir. Dele havia que retirar os 9.500 contos já ali empregados e reverterem para o maneio da sociedade. Se o Banco Nacional Ultramarino o não quiser conceder, poderia tentar-se de outra origem”.

No relatório da gerência de 1954 a análise à situação das colheitas continua a merecer a melhor atenção. Volta a referir-se a mancarra como o pilar em que assenta a vida económica bem como todo o comércio da Guiné. Por grau de importância, a seguir às oleaginosas é o arroz, mantém-se como o produto base da alimentação dos guineenses. Não é esquecido o óleo de palma, o relator diz que é extraído dos palmares de cultura espontânea em toda a Província, predomina nos Bijagós e na circunscrição de Cacheu, cobrindo uma área de cerca de 90 mil hectares.

“Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governador foi convocar todos os régulos e ‘grandes’ de maior prestígio e tendo-os com ele reunido em Bissau, expôs-lhes as suas ideias quanto ao problema da produção, mostrando-lhes a necessidade de aumentarem as áreas agricultáveis e procurando, assim, interessar mais a massa indígena nos trabalhos agrícolas e implicitamente no aumento da produção desta província, pois é preciso que ela modifique as suas estatísticas que há dezenas de anos acusam os mesmos índices, sem animadoras oscilações, denotando o marasmo e rotina que, à primeira vista, se não explica, embora se creia que a produção tenha aumentado, dados os esforços desenvolvidos nos últimos anos. O que é certo, porém, é que o movimento da exportação, o único meio de que se dispõe, ainda que sem rigor, para se avaliar a produção agrícola, continua a não apresentar alterações que correspondam ao interesse e cuidados havidos.

Assim, servindo-nos dos dados respeitantes às exportações do ano findo de 1954, verifica-se que a produção da mancarra foi inferior em tonelagem. Declínio também se verificou na exportação do coconote, mas este resultante apenas de não ter sido possível a exportação de toda a produção, não só por desinteresse dos mercados estrangeiros como porque foi atingido o contingente destinado à metrópole.
Contudo, e tendo em consideração não só os quantitativos de mancarra exportados em anos anteriores, como a boa produção de arroz que, sem dúvida, foi superior à do ano anterior, pode-se afirmar que foi bom o ano agrícola que findou”.

Imagem extraída da revista "O Mundo Português"

O discurso do relator mudou radicalmente de agulha, aquilo que até agora era uma observação profunda e independente, quer na análise do mercado quer na observação socioeconómica e política, entra em sintonia com a mística do Estado Novo. Basta ler esta introdução à primeira parte do relatório de 1955:

“O facto de maior transcendência e importância, ocorrido na vida desta Província no ano findo, e pode dizer-se que em toda a sua História, foi, conforme toda a imprensa metropolitana e ultramarina o noticiou, a visita a esta Província de Sua Excelência o Senhor Presidente de República que, acompanhado do Senhor Ministro do Ultramar e das respectivas comitivas, aqui chegou no dia 2 de Maio e foi recebido com delirante patriotismo e entusiástica vibração.
Em cinco séculos de existência, foi esta a primeira vez que a Província da Guiné recebeu a visita do chefe de Estado.

Como em Bissau, o Senhor Presidente da República foi alvo de carinhosas manifestações patrióticas no interior da Província, que percorreu durante alguns dias e onde visitou grandes obras em curso, como seja a nova ponte sobre o rio Corubal, e inaugurou o importante melhoramento que constituiu a construção da ponte Salazar, em Bafatá, no rio Geba.
Várias foram as grandiosas cerimónias e festas realizadas em homenagem ao Senhor Presidente da República durante a sua estadia na capital da Província, tendo em, todas elas o nosso Banco sido representado pelo nosso Ilustre Administrador, Excelentíssimo Senhor Doutor António Júlio Castro Fernandes, e também pelo gerente desta Filial.
Porque muito bem se enquadrou no esplendor dessa visita presidencial, não queremos deixar de aqui fazer referência especial à cerimónia da inauguração em Bissau da nova estátua de Teixeira Pinto, pois constitui uma impressionante homenagem ao heróico e valente pacificador da Guiné”.

(Continua)
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Nota do editor

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Último poste da série de 7 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18614: Notas de leitura (1064): Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi; editado por Gallimard (2) (Mário Beja Santos)