FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS
1 - Chegada a Bissau e deslocação para o Óio
24 de Agosto de 1965
Chegado a Bissau, levado pelo Niassa, despejaram-me na Amura.
A viagem foi pior que má, fui sempre deitado, enjoado e só m'alevantava nas horas das refeições, qu'eram cinco diárias. Gostei particularmente dos almoços e jantares, porque aí davam "buída tinta", para o mal estar... e "pescada au meuniére".
Abandonado em terra... amanha-te... e isso fiz embora antes e da Metrópole tenham partido de avião, os oficiais, milicianos e tudo, bem como os sargentos do Quadro (Secção de Quartéis lhes chamaram) com a incumbência também de me prepararem a recepção e instalações tão condignas qb, próprias de quem como eu, se julgou com direito a pelo menos uma cama para dormir, à semelhança de todos os outros que a tal privilégio tiveram acesso.
Depois... um ou outro pelotão lá ia sendo destacado para aqui e para ali e o meu (o 1.º) foi-se passeando e com a prestimosa ajuda dos guias turísticos (CART "ÁGUIAS NEGRAS") por Mansabá, Bissorã, Manhau, Pelundo (apenas a minha Secção), Jolmete e por fim reunimo-nos de novo (a CCAÇ 1422) em data que não posso precisar, mas julgo que nos finais de 1965.
Mas em Bissau e porque ali permaneci oito dias, acabei por e em companhia doutro amigo furriel miliciano acabei por, repito, conhecer a cidade e todas as malandrices que escondia. Nada me parecia ser perigoso e inquiria-me mesmo se haveria guerra, apesar do tiroteio que lá longe se ouvia.
No aeroporto vi os T6, que partiam com bombas agarradas e chegavam sem elas... vi a chegada dos aviões a hélice com o regresso de férias dos militares, conheci um ou outro civil residente, notei que mulheres brancas Portuguesas haviam poucas e miradas como se duma espécie rara fossem.
Impressionava-me ter de dormir com mosquiteiro, inútil que a bicharada entrava mesmo, embora em mim picassem só que morriam de seguida ao absorverem o meu venenoso sangue azul de "Marquês da Pedreira", que fora e que um dia conto como lá cheguei, à nobreza entenda-se.
Pedreira, no rio Sôr, aonde ia pescar barbos de meio quilo... e menos.
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Setembro de 1965
Dizia-se que o baptismo de fogo era sempre e também, uma das situações que nos tornaria finalmente combatentes a sério.
Comigo aconteceu logo no início de Setembro de 1965, quando convidado, que fui, para ir tomar conta dos pertences militares usados por uma Companhia, que iria regressar a casa.
Foi ali um pouco antes de Mansabá, junto a umas ruínas ainda fumegantes do que tinha sido uma serração, que nos receberam com uma fogaracha de todo o tamanho. Tinham antes destruído também a ponte que atravessava um riacho não muito caudaloso, mas que nos obrigou depois a colocar cibes e tábuas, para que a coluna de veículos pudesse atravessar.
Localização da Serração. Vd. carta de Farim 1:50.000
Um dos vários pontões existentes ao longo da estrada Cutia-Mansabá.
Foto © José Barros (2011). Direitos reservados
Tudo ajudado por aqueles valentes que nos vieram socorrer em menos tempo do que leva a contar e após terem ouvido os primeiros tiros com que nos emboscaram.
Nada de grave aconteceu... do cagaço não nos livrámos, mas medo que logo passou quando começámos a corrê-los à pedrada. Daí que eles (os turras) se tenham escafedido com o rabinho entre as pernas e de tal forma que nesse dia, nunca mais os vimos. E foi assim que fui baptizado e tal como quando mo fizeram na igreja, nunca vim a conhecer quem foram os padrinhos. Chegados ao aquartelamento fomos recebidos que nem heróis, pelos restantes que ali haviam ficado contrariados e diziam estes "velhinhos" últimos de farda amarela (e eles sim com feitos dignos de registo), que nos houvéramos portado muito bem. Sem que eu imaginasse, apareceu-me um camarada d'armas, amigo já antes e lá da minha terra, o "Manel de Mora" e nem sei se vos diga se vos conte, a tamanha alegria com que nos abraçámos. Depois vieram as suas recomendações, os avisos, as indicações úteis sobre o IN e os locais onde mais costumavam actuar, tudo isto enquanto jantávamos que até nisso, nos recepcionaram melhor que bem.
No dia seguinte dei início à tarefa de que fora incumbido e lá vieram as contagens de viaturas, a observação dos edifícios, a comida que ficava e também a bebida claro, mas o que me deu mais gozo ver em pormenor, foram os dois obuses enormes com grandes rodas e que ao que me foi dito estavam apontados para Morés, onde já tinham feito enormes estragos nos poilões que circundavam aquela base, pois que, ao que se sabia, as bojardas eram de muito difícil penetração onde se pretendia que fossem.
Era fácil mudá-los para outras posições e na verdade recordo que depois um dia até nos ajudaram no K3, quando as bestas quadradas nos visitaram com alguma pretensa agressividade. Quis saber se na verdade trabalhavam e prometeram-me mostrar que sim.
A demonstração chegou logo quase de imediato, quando nesse mesmo dia atacaram a própria Mansabá.
Repelidos foram e a seguir fomos desopilar para o bar e... que bem aprovisionado estava !!!
Ele havia de tudo desde Vat 69, vinhos tintos e brancos, águas Perrier e Tónica, Gin's.... enfim uma parafernália capaz de engrossar a sério e até aliviar aquelas tantas gargantas secas. E foi nessa noite que comecei a tomar aquele especial remédio feito à base de lúpulo, cevada, milho e centeio.
Comecei e hoje passados 48 anos ainda não acabei.
Ao fim de 3 ou 4 dias e já com os bens mudados para o nome dos novos donos e tivéssemos tomado também posse das suites e instalações militares, veio a ordem de que afinal não íríamos ficar por ali, mas sim trocar com a CCAÇ 1421, que tanto estava empenhada em construir e de raiz, um hotel subterrâneo de cinco ou mais estrelas, em Saliquinhedim.
Para lá fomos passados que foram mais dois ou três meses, se me não engano que esse tempo é dos que não me veio ainda há memória.
Tal como me acontecera com o remédio de que atrás falo, sim aquele de grãos de cereais, foi também aqui na zona, mais propriamente em Manhau, que conheci aquele coisa horrível que se chama ódio. Os motivos para o passar a trazer comigo, foram óbvios e ainda hoje quando leio os que lançam lérias elogiosas ao terrorista Amílcar, fico pi-urso e decerto que não se lembram que ele foi o causador de tantas desgraças que aconteceram.
É que combater frente a frente e dando tiros de cá para lá... ainda vá que não vá, mas mandar implantar minas no terreno que ele sabia ir ser pisado porque quem para a Guiné tinha ido, não para atacar, mas mais para defender... era selvajaria... e foi dramático.
Julgo que (aqueles que leio, repito... aqueles que lançam lérias etc, etc.) não pensariam da mesma forma se tivessem estado presentes quando os infortúnios aconteceram... se tivessem que andar a limpar sangue... a juntar pedaços.
MAS CADA UM É COMO CADA QUAL
E mai'nada.
(continuará)