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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Estamos agora a cerca de metade do livro em que o nosso confrade José Matos é coautor. Deu-se a evolução da FAP de 1961 a 1963, houve melhorias em Bissalanca, o pessoal melhorou a sua capacidade de treino, começou a guerra, que alastrou rapidamente da região Sul para a outra margem do Corubal e subiu até ao Morés. O que aqui se relata é esse primeiro ano das missões da FAP na Guiné. Como observam os autores, os pilotos tinham inicialmente grandes dificuldades com as cartas desatualizadas, procedem ao registo de acidentes e dão conta do estado das aeronaves. É facto que o efetivo das forças terrestres aumentara gradualmente nestes primeiros anos, os comandos militares não dispunham inicialmente de um bom sistema de informações, o corrupio de operações limitava-se a tentar suster as intrusões e a constituição de bases no interior do território, mas desconhecia-se integralmente a questão central da manobra do PAIGC. Quando se vêem historiadores a criticar estes 2 primeiros anos da guerra, estes críticos de bancada não tomam em consideração que era a guerrilha que possuía a iniciativa e o defensor procurava imaginar o que vinha a seguir. Mas foi assim que aconteceu, é manifestamente irrelevante andar a pôr a História em tribunal.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos.

Os comandos militares da FAP na Guiné procuraram prontamente reagir e deter a atividade subversiva, mormente nas regiões fronteiriças, mas se bem que fosse notória a falta de qualidade e atualidade dos mapas aeronáuticos, tudo fizeram para evitar intrusões acidentais, designadamente na fronteira senegalesa, para não haver consequências políticas. Mesmo assim, o Senegal protestou alegando ter havido intrusões no seu espaço aéreo, cortou relações oficiais com Portugal. Em 21 de dezembro de 1961, alegadamente dois F-86 invadiram o espaço aéreo senegalês. Portugal reconheceu a intrusão, mas negou qualquer intenção deliberada, alegou-se que uma patrulha de reconhecimento de rotina sofrera uma falha de navegação e a intrusão não durara mais de 30 segundos. A República da Guiné igualmente protestou contra repetidas violações do seu espaço aéreo. A FAP teve neste período vários danos ou mesmo destruições antes de se terem iniciado os combates aéreos. Um F-86 sofreu um acidente com a colisão de um pássaro em 19 de agosto de 1961, apesar dos danos da colisão o Tenente Teixeira Lobo pousou com sucesso, mas a aeronave ficou inoperável durante várias semanas. A primeira perda aérea operacional da ZACVG ocorreu em 29 de maio de 1962. Nessa data, o Tenente José Cabaço Neves e o Furriel Manuel Soares Matos morreram num acidente de T-6 numa passagem de baixo nível quando investigavam tráfego suspeito nos rios. Outra perda ocorreu em 17 de agosto quando um F-86, no regresso de um reconhecimento, foi destruído num acidente na aterragem causado por fortes chuvas. A aeronave pousou no centro da pista, rolou invertida e explodiu, felizmente o Tenente Barbosa conseguiu escapar sem ferimentos graves. A frota Sabre ficara reduzida a 7, das quais 3 das 4 aeronaves estavam operacionais no início da guerra.

Após o ataque a Tite e as emboscadas na região de Fulacunda, o PAIGC estendeu a sua ação; tempos depois, obteve-se a informação de que a guerrilha dispunha de metralhadoras e passava a usar minas anticarro. Os ataques dos insurgentes, davam-se sobretudo à noite e centravam-se em três tipos principais de alvos: linhas de comunicações (estradas, pontes e transportes fluviais), instalações militares (acima de tudo, os quartéis) e a infraestrutura económica (entrepostos comerciais, outros locais onde estivessem armazenados produtos para exportação). Agrupamentos populacionais, vilas importantes e destacamentos militares foram alvo de ataques, sabotagens, flagelações com espingardas, metralhadoras ou morteiros. Os guerrilheiros do PAIGC também procuraram começar a atacar as aeronaves portuguesas com os meios disponíveis, principalmente armas de pequeno calibre e, usando escandalosamente a propaganda, reivindicaram, no final de 1963, o abate de 17 aviões, incluindo mesmo cinco no dia 21 de fevereiro. De facto, houve uma única perda de aeronave naquele ano. A primeira ação real de ataque aéreo da ZACVG aconteceu em 4 de abril, depois de uma aeronave de observação Auster ter detetado armas de fogo próximo de Darsalame. A resposta foi um ataque de um caça F-86 que pretendia obter um efeito mais psicológico do que real. Naqueles primeiros meses, a FAP pouco melhor podia fazer, dispunha de informações vagas e fragmentadas. “Naquela altura era praticamente inexistente a informação fora das áreas populacionais que nos eram afetas”, segundo o Tenente-General António de Jesus Bispo, que cumpriu três missões na Guiné entre 1963 e 1971. “Não havia uma ideia clara da disposição do inimigo no terreno, pelo menos ao nível dos pilotos”. O sistema de obtenção de informações na FAP foi melhorando à medida que a guerra avançava, mas não faltaram surpresas táticas e estratégicas que acabavam por complicar a operacionalidade no ar.

Em 1 de abril de 1963, o recém-chegado Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, apresentou a sua primeira avaliação do que se estava a passar em relatório enviado para o Ministério da Defesa: registava com preocupação a escalada da atividade guerrilheira em muitos pontos do território e como estava altamente perturbada a atividade económica e afetados os transportes. Remanescentes do Movimento de Libertação da Guiné, com sede no Senegal, ainda permaneciam nalguns pontos no Norte da Guiné, mas este movimento havia sido quase totalmente suplantado pelo PAIGC. O partido orientado por Amílcar Cabral revelava-se o mais bem armado e preparado dos dois e beneficiou do apoio dado pela República da Guiné, por outros regimes africanos e pelas nações do bloco comunista para além da China. Na opinião de Louro de Sousa, o PAIGC representava “maior perigo para a estabilidade da situação política da província” face ao seu rival menor.

Passados 8 dias de Louro de Sousa ter emitido a sua primeira avaliação para Lisboa, em 9 de abril de 1963, o Governador da Guiné, Vasco Rodrigues, recebeu outra queixa do Senegal, desta vez alegando que 4 aeronaves haviam atacado a vila senegalesa de Bouniak. O Senegal colocou a questão no Conselho de Segurança da ONU, foi adotada uma resolução que deplorava a violação de soberania e pedia às autoridades portuguesas para tomar todas as medidas necessárias para evitar situações como aquela. As autoridades portuguesas reconheceram um ataque ocorrido em 8 de abril de F-86 e T-6 contra a vila de Bunhaque, a 4 quilómetros de Bouniak, mas uma investigação conduzida pelo comandante da ZACVG, Tenente-Coronel Durval Serrano de Almeida, concluiu que não caíra fogo no lado senegalês. Este episódio permanece indiscritível, o comandante posterior, José Duarte Krus Abecassis (1965-1967), reconheceu que a FAP bombardeou e metralhou deliberadamente uma base de apoio inimiga no Senegal, em 1963. O governo português manteve uma política de negar oficialmente tais ataques, enquanto o Senegal convidava jornalistas estrangeiros para examinar os danos dos ataques e os resíduos das armas envolvidas. Krus Abecassis considerava que a recusa de Portugal em admitir tais ataques nos trazia descrédito político.

Com apenas 3 meses de guerrilha, a Guiné entrava na comunicação internacional, chamava a si críticas generalizadas e a condenação na ONU. Durante o ano de 1963, as operações da FAP acompanharam estreitamente o alargamento da atividade militar portuguesa. Em junho e julho, os guerrilheiros de Cabral lançaram ataques nas regiões do Xime e Xitole, o PAIGC atravessara o Corubal e procurava estender-se para o centro da Guiné. A guerrilha implantou-se na região do Oio, o que permitia ao PAIGC estabelecer uma rede de atividades em diferentes direções no interior da Guiné, obteve o apoio da etnia Balanta e dos Oincas nesta região densamente florestada do Morés. O ministro da Defesa português, Gomes de Araújo, admitiu publicamente que a guerrilha “infestara” aproximadamente 15 por cento da superfície do território. Para conter a maré insurgente, as forças portuguesas lançaram uma série de operações terrestres destinadas a repulsar as posições do PAIGC, as contribuições da FAP a essas operações normalmente incluíam incursões preparatórias para reconhecimento, mas também transporte de tropas, apoio de fogo, reabastecimento, evacuação médica.

No entanto, a situação agravava-se. O Ministério da Defesa enviou o General Venâncio Deslandes que chegado a Lisboa elaborou um relatório que começava por dizer que “a situação atual é realmente grave, cerca de um quinto do território dá sinais de insurgência, mais agudos nas regiões fronteiriças e na região Sul”. Alertou ainda a que um ataque a Bissau “seria fácil de executar, com todas as consequências políticas que isso acarretaria”.

(Continua)
Panorama geral de Bissalanca no início da guerra. Nessa época, a FAP dispunha de 30 aeronaves no teatro, incluindo os T-6 (Aquivo Histórico da Força Aérea)
No início da guerra, a FAP na Guiné dispunha de três ou quatro F-86 prontos para combate (Aquivo Histórico da Força Aérea)
Operações do PAIGC entre janeiro de 1963 a janeiro de 1964 (Matthew M. Hurley)
Peça de artilharia antiaérea Goryunov SG-1943 7,62 mm (à esquerda). Foi uma das primeiras armas de defesa antiaérea usadas pelo PAIGC (Coleção Abert Grandolini)
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Notas do editor

Poste anteruor de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23895: Notas de leitura (1534): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à recensão desta obra onde se procura passar em revista as atividades da FAP na guerra da Guiné, dá-se a palavra aos autores para fazerem uma apreciação dos condicionalismos em termos de abastecimento e recursos, uma constante que jogou a desfavor das operações aéreas, ao longo dos anos da guerra. Passa-se igualmente em revista a natureza do armamento bélico, o tipo de armas de destruição usadas pela FAP, a necessidade de desenrascar peças, canibalizando aviões avariados. Estamos já no início da guerra, vamos seguidamente apreciar a evolução dos primeiros anos, pautados, primeiro, pelas dificuldades sentidas em captar a natureza da estratégia da luta armada, a sua escolha de pontos de apoio em locais do Sul, do Leste e da região do Morés; a resposta de fixação de destacamentos para apoio das populações e a imprescindível utilização da FAP não só em missões de soberania, de acompanhamento das atividades operacionais e de transporte de feridos, tanto militares como civis.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte. Verificou-se que um dos problemas mais prementes que se punha à FAP eram as peças, que demoravam muito a chegar e levantavam seríssimos problemas de manutenção. A situação prolongou-se pelos anos seguintes, num relatório de 1961 escrevia-se que a frota DO-27 estava quase totalmente aterrada e só 3 dos 19 helicópteros Alouette-III estavam em perfeitas condições para o combate. Os sucessivos pedidos para estabelecer instalações de manutenção na Guiné não foram atendidos, o que forçava a FAP a canibalizar alguns aviões para obter peças. Estes problemas de manutenção afetaram também as aeronaves que serviam a Guiné: por exemplo, 1 em cada 5 voos dos transportes DC-6 da FAP sofria de falhas de motor enquanto voava de Portugal para África.

O abastecimento de munições também se revelou muito difícil, para o general Diogo Neto revelou-se um dos maiores problemas: “Utilizámos sempre o que estava disponível, o que nem sempre foi o mais adequado. O arsenal nunca esteve satisfatoriamente abastecido, o que obrigava a restrições mensais no consumo”. Dada a intensidade da guerra na Guiné, esta situação só poderia deteriorar-se. No auge da guerra, a FAP consumia mais munições na Guiné do que em Angola e Moçambique juntas. Para mitigar a carência, recorria-se ao fabrico português, incluindo metralhadoras recuperadas de aviões desmantelados.

As bombas de gravidade usadas na Guiné eram de 500 libras, havia bombas comuns de 50 kg e bombas de fragmentação de 20 libras, 15 kg e 200 kg. Usaram-se igualmente foguetes de fragmentação e a munição usada com menos frequência eram foguetes de alta velocidade de 5 polegadas lançados do Neptune e os foguetes de 68 mm disparados pelos T-6 em algumas missões. A partir de 1964, a FAP também empregaria armas incendiárias na Guiné.

Oficialmente, o napalm e o fósforo branco deveriam ser usados “apenas contra alvos militares bem referenciados e em áreas de difícil penetração”. A despeito da crítica internacional contra o uso do napalm e armas semelhantes, as autoridades portuguesas continuaram o seu uso durante a guerra.

Qualquer arsenal aéreo, por mais bem abastecido que esteja, será irrelevante desde que não disponha de pessoal treinado para o empregar. A FAP na Guiné avaliou sempre as suas tripulações em escassez crónica. O ex-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Lemos Ferreira, observou a disparidade de haver 40 mil homens a combater em meios terrestres contra 60 ou 70 pilotos. Durante os primeiros anos da FAP na Guiné o número nunca ultrapassou os 30, número por demais insuficiente para operar com as aeronaves disponíveis. O número de pilotos aumentaria no final de 1964 e teve o seu ponto mais alto em setembro de 1963, seja como for era um número insuficiente. Em resultado da permanente falta de tripulações, os pilotos voaram um número extraordinariamente elevado de horas e em diferentes aeronaves.

No início da década de 1970, o tempo médio de voo acumulado para cada um dos pilotos é de 2731 horas, número excessivamente elevado. 2 anos de comissão era já um período de exaustão, atendendo às condições de vida, ao clima e à natureza da luta. Não se encontravam voluntários para mais 2 anos. Em 1967, o Ministro da Defesa Nacional visitou a Guiné, e pôde constatar uma série de fatores que impactavam negativamente o moral das forças portuguesas, o clima era considerado devastador. Houve mesmo um diplomata norte-americano que visitou a Guiné e que observou durante os 5 dias de estadia que era mais quente do que ele tinha experimentado na selva amazónica. Até os assessores cubanos do PAIGC se queixavam do calor e das durezas do clima. Mesmo na pacífica Bolama passavam-se tarde opressivas, esperava-se impacientemente pelas ventoinhas do teto para estar no refeitório.

A despeito deste quadro de constrangimentos, pode observar-se que a FAP na Guiné pôde a seu modo constituir-se um modelo de organização. Essa organização e a doutrina que lhe estava subjacente, pessoal e aeronaves, iriam ser postos à prova na escalada da guerra.

Estamos agora em novo capítulo, entrou-se na guerra, contrariando todas as previsões que apostavam em ataques fronteiriços, a primeira flagelação do PAIGC foi em Tite, a 25 kms em linha reta de Bissau, nessa mesma data militantes do PAIGC emboscaram forças portuguesas na região de Fulacunda, a 25 kms a leste de Tite. Entrava-se num quadro estratégico que fora esboçado em agosto de 1961, a passagem para a insurreição armada, envolvendo formas possíveis de sabotagem, flagelações e outras formas de intimidação das forças portuguesas. No segundo semestre de 1962, o PAIGC lançara uma campanha de ataques de pequena escala, cortando comunicações, desarticulando as vias comerciais, lançando em pânico as populações, isto na região sul. Em dezembro de 1962, o PAIGC anunciou publicamente “o uso de todos os meios necessários na luta pela autodeterminação e pela independência”. Nesse mesmo mês, as informações policiais colheram provas de que elementos armados do PAIGC estavam reunidos em Koundara, na fronteira da Guiné-Conacri, serão porventura estes os efetivos que atacaram Tite. Por este tempo já se tinha reforçado consideravelmente o efetivo militar no território, em termos terrestres. O contingente, em 1958, era de cerca de 900 militares do Exército, operando a partir de Bissau e Bolama, estes efeitos aumentaram em 1959. No final de 1962, o efetivo rondava os 5 mil homens distribuídos por 10 pontos em todo o território.

Neste contexto de início de guerra, os aviadores e pessoal de apoio cumpriram uma variedade de requisitos operacionais. Com efeito, as missões pré-guerra do ZACVG incluíam formação, obtenções de informações, faziam voos de soberania, sobretudo nas áreas menos acessíveis pelos meios terrestres. As aeronaves de transporte e outras revelaram-se da maior importância quando o Exército procurou estabelecer-se no interior. Mas os seus ativos eram criticamente escassos.

Todos os três teatros viram aumentar o uso de napalm, apesar do consumo ter sido mais intenso na Guiné do que em Angola ou Moçambique (Coleção Jochen Raffelberg)
Manutenção de um T-6 em Bissalanca (Coleção José Nico)
Bombas de napalm de 80 kg (Coleção Jochen Raffelberg)
Uma amostragem das munições transportadas por um F-86F (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Eu só espero que o coautor José Augusto Matos esteja a acompanhar criticamente esta adaptação de partes essenciais do seu livro que eu aqui faço um tanto às três pancadas, desconhecedor que sou da terminologia mais fiável e inclusivamente a leitura que eu faço e procuro transcrever de aspetos essenciais não corresponderá ao olhar dos autores, daí o pedido de auxílio a quem sabe da poda. O que aqui se elenca é a escolha, com os recursos possíveis, de aeronaves que melhor se adaptassem à realidade do solo guineense. Quando, em 1961, já não era possível camuflar mais que em breve iria eclodir a luta armada foi necessário apetrechar Bissalanca a diferentes níveis, tinha que ser aeródromo civil , dispôr de hangares, pistas bem mantidas, uma proteção de segurança, instalações compatíveis com as forças dotadas para a permanente intervenção. E os autores vão nos dando explicações quanto à natureza das aeronaves, dando os porquês daquelas que vingaram, caso do DO-27, dos Alouette II e III, do Dakota, do Noratlas e do Fiat G-91, revelaram-se preponderantes, deram uma colaboração extraordinária, até que a supremacia aérea foi posta em causa.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de zona aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte.

Quando os primeiros pilotos da FAP chegaram em julho desse ano, ainda não encontraram em funcionamento qualquer centro de operações ou alojamentos de pessoal, foram preciso mais 6 meses para dar por concluídas as melhorias essenciais e a base aérea de Bissalanca iniciar as suas operações. De acordo com a classificação apresentada pelos autores, temos uma base aérea e aeródromos de manobra e trânsito. Bissalanca não podia apoiar todas as atividades da FAP, daí ter-se criado uma rede de mobilidade, o ponto focal era o aeroporto do Sal, uma plataforma para operações na Guiné ou para a Base Aérea n.º 9 em Luanda. Com os aperfeiçoamentos introduzidos em Bissalanca, aqui puderam aterrar aviões de carga, incluindo o Boeing 707. Procurou-se igualmente estabelecer uma rede de aeródromos e pistas auxiliares para maior apoiar as unidades de superfície. Identificaram-se 28 pistas de aterragem, mas nenhuma foi pavimentada e apenas uma poderia ser usada pelo DC-3 ou aeronave similar. A maior parte destas pistas podia receber aviões utilitários leves e vários aeródromos (Bafatá, Tite e Bubaque) foram melhorados para acomodar caças com motor de pistão e Bubaque passou a dispor de logística como aeródromo suplente de Bissalanca. Apareceram posteriormente aeródromos em Cufar, Nova Lamego e Aldeia Formosa. No aceso da guerra, havia mais de 70 campos de aterragem, uma boa parte deles não passava de clareiras ou trechos abertos de estradas. Ao longo da guerra na Guiné, os aviadores portugueses chegaram a fazer até 7 surtidas por dia para estas pistas rudimentares.

Os planos elaborados em 1960 previam um complemente de 4 aeronaves de observação, transporte médio e apoio de fogo para estarem permanentemente na base aérea de Bissalanca. Este dispositivo foi alterado depois das primeiras flagelações, em 1963 (houve um antecedente, perpetrado por um movimento rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, que atacou S. Domingos, Susana e Varela em julho de 1961, mas que não passaram de incidentes que levaram a maioria dos residentes europeus a fugir para Bissau. Por essa altura já a FAP tinha começado a transferir aeronaves militares para os territórios africanos envolvidos em conflito. Em fevereiro de 1961, a FAP deslocou 12 F-84 para Luanda, em agosto desse ano chegaram os primeiros helicópteros Alouette II. No verão de 1961, já havia uma expetativa de rebelião na Guiné e Moçambique, a Guiné recebeu dois aviões Dakota e um Auster, mas os ataques do movimento de libertação da Guiné exigiram que se despachasse para ali caças F-84. E havia pedidos para pôr na Guiné F-86, a operação denominou-se “Atlas”. Em agosto de 1961, oito aviões Sabre chegaram à ilha do Sal, este contingente chegou a Bissalanca em 15 de agosto. Os pilotos portugueses do F-86 passaram rotineiramente a permanecer 3 meses na base aérea, com funções de reconhecimento. Chegaram depois dois T-6 desmontados e encaixotados por via marítima. No início de 1962, oito T-6 tinham sido montados e organizados como esquadrilha de apoio de fogo. Na opinião de peritos da FAP, o T-6 representou um bom compromisso entre simplicidade, facilidade de manutenção, durabilidade, carga e flexibilidade para dar apoio de fogo às forças terrestres. Chegaram igualmente Texans e Harvards, que tinham servido na Argélia e foram equipados para fazer fogo e lançar bombas. Mais tarde, a Alemanha Federal forneceu T-6, DO-27 e caças G-91.

Os T-6 eram os aviões considerados menos apropriados para ataques contra bases do PAIGC ou concentrações de guerrilheiros, devido ao ruído dos motores e à sua baixa velocidade, sobretudo. O T-6 precisava de 2 a 3 minutos para metralhar ou lançar uma bomba, ficando exposto a fogo terrestre hostil. Para muitos era considerado um estorvo nas operações. Contudo, tornou-se no avião de ataque a solo da FAP na Guiné e assim permaneceu até ao fim da guerra. A aeronave de patrulha marítima Lockheed P2V-5 Neptune foi introduzido na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné nessa época, quando o F-86 e o T-6 se estrearam em África. Portugal tinha adquirido uma dúzia de aeronaves oriundas da Holanda em 1960 e a sua implantação foi imediatamente reconhecida como uma prioridade operacional, devido ao seu longo alcance e resistência, transporte de carga pesada e capacidade de monitorar a atividade costeira. Chegara a Bissalanca em 1961, mas os dois Neptunes, tripulações e pessoal de manutenção transferiram-se para o Sal no início de 1962. No ano seguinte, os P2V-5 realizaram operações marítimas e de reconhecimento terrestre sobre a Guiné e ilhas adjacentes procurando cartografar as possíveis rotas de infiltração do movimento insurgente. No entanto, as reparações exigiam longos períodos de inatividade enquanto não chegavam as peças ou os especialistas da base aérea do Montijo. Também estas aeronaves eram obrigadas a regressar ao Montijo após 60 horas de voo para inspeção programada e manutenção. Contra as dificuldades, aquele destacamento que fora criado em 1961 teve que ser dissolvido, e a partir de então um par de aviões P2V-5 e suas tripulações permaneciam em permanente estado de alerto no Montijo, prontos para ajudar as forças portuguesas em Cabo Verde e Guiné, sempre que necessário.

Para as missões de transporte em distâncias médias, a FAP contava com o Dakota, desde 1961 que havia um disponível em Bissalanca. Pelo menos em 1967 e 1968 os aviões Dakota foram também usados para lançar paraquedistas em grandes operações terrestres. As tarefas de observação, ligação e transporte mais leve recaíam originalmente em aviões como os Auster e Broussard, que tiveram passagens relativamente curtas na Guiné até serem substituídos pela DO-27, a partir do final de 1963. A FAP realizou testes com o DO-27, de fabrico alemão, a partir da primavera de 1961 e descobriu que a sua capacidade, resistência e versatilidade eram ideais para o serviço em África. O DO-27-A4 tinha uma autonomia de mais de 6 horas, carregava equipamentos da rádio VHF e HF, incluindo um conjunto ARC-44 que permitia a comunicação de voz com as forças terrestres. Entraram ao serviço entre dezembro de 1961 e janeiro de 1962, estava-lhes destinado uma longa permanência na Guiné entregando cargas, fazendo reconhecimentos, evacuando pessoal doente ou ferido, acompanhando equipas de comando, entre outras missões. Nenhuma outra classe de aviões teve um peso tão simbólico na guerra aérea na Guiné.

Como tem vindo a ser observado, os helicópteros revelaram-se insubstituíveis. O primeiro helicóptero foi adquirido em França, era o Alouette II, três deles foram enviados para Bissalanca e prontamente usados em funções de ligação, logística, evacuação médica, até terem sido suplantados, em 1966, pelos Alouette III. Não levantavam problemas de substituição de peças, como era o caso dos F-86 e o P2V-5, que exigiam manutenção depois de 10 a 15 horas de voo, vivia-se uma situação agravada pela falta de técnicos qualificados.

A falta de peças, equipamentos de manutenção e respetivo pessoal foi sempre um tormento para a FAP na Guiné, mesmo quando chegou o Noratlas e o Fiat G.91, foi sempre uma escassez que acompanhou a presença da FAP durante toda a luta de libertação.

Aeródromo de Nova Lamego, que dispunha de T-6 e Alouette III (Coleção Virgílio Teixeira)
Base aérea e aeródromos do ZACVG
Kaúlza de Arriaga cumprimentando pilotos dos F-86 destacados para a “Operação Atlas” no Montijo (Coleção Conceição e Silva)
Capitão Almeida Brito, um dos pilotos do F-86 envolvidos na “Operação Atlas”. Será anos mais tarde vítima de um míssil Strela, na Guiné (Coleção Conceição e Silva)
Um F-86 à noite na ilha do Sal (Coleção Conceição e Silva)
Os F-86 em Bissalanca, ao lado do T-6 e C-47 (Coleção Lobo Fernandes)
Mapa da Operação Atlas (Matthew M. Hurley)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23852: Notas de leitura (1529): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte IV: Os cafés de estudantes e a crise académica de 1962 em Lisboa (Luís Graça)

terça-feira, 26 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros



Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1. Parece haver menos informação sobre a Força Aérea  (bem como sobre a Marinha) do que sobre o Exército, relativamente à sua atividade operacional e os meios utilizados na guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial. 

Lá teremos de voltar a utilizar a informação recolhida e tratada pelo Pedro Marquês de Sousa, Tenente Coronel, do Exército, na reserva, doutorado em história pela FCSH / Universidade NOVA de Lisboa (2014), autor do livro "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.). É uma fonte valiosa, desculpando-se os inevitáveis pequenos erros, lapsos e gralhas que acontecem em trabalhos desta natureza.

Tem este autor cerca de 30 páginas sobre os meios e operações da Força Aérea (pp. 225-258). Interessa-nos apenas a parte relativa à Guiné, como é óbvio. Com a devida vénia, vamos repescar então alguns números sobre esta matéria.

Nos quadro I e II, acima inseridos, e por nós construídos, faz-se um resumo da quantidade e tipo de  aeronaves que operaram na Guiné, comparando-as com o total dos três teatros de operações: 

(i) helicópteros e aviões de ataque (Quadro I):

(ii) aviões de transporte e outros (incluindo de observação e liação como a Dornier DO-27)(Quadro II).


2. No TO da Guiné (bem como nos restantes territórios em guerra), pode-se dizer que sempre houve "escassez de meios aéreos", a começar por helicópteros e aviões de combate. Numa guerra de contraguerrilha (ou "antissubversiva"), o helicóptero era, como todos sabemos, um meio fundamental, em missões não só de transporte (tropas especiais, em especial Paraquedistas e Comandos) e evacuação de feridos como de ataque  (com o helicanhão) e reconhecimento. 

Diz o autor (pág. 243): "Inicialmente, em 1963, a Força Aérea tinha na base de Bissalanca (Bissau)  apenas oito F-86, oito T-6, oito Auster, três DC-3, um Broussard e um P2-V5. Posteriormente recebeu de Angola os pequenos helicópteros  Alouette II (apenas para evacuações)  em 1965, aumentou o seu potencial com a chegada dos Alouette III e, em 1966, com os aviões Fiat, que substituiram os F-86".

Isto quer dizer que houve uma "redução da eficácia da Força Aérea em 1964  e 1965", com retirada dos F-86, por pressão política dos EUA (por serem aeronaves a utilizar exclusivamente no âmbito da NATO), e enquanto não chegaram, em 1966, os Fiat G-91 adquiridos à Alemanha.

De que qualquer modo, a Guiné tinha um quinto dos heli  AL III, nunca teve helis SA-330 Puma (chegados tardiamente a Angola e Moçambique, em 1970), com maior capacidade e autonomia que os AL III. Em contrapartida, só havia Fiat G-91 (n=28) na Guiné (n=12) e em Moçambique (n=16). 

Também estava, a Guiné,  mal servida de aviões de transporte, com destaque para o Noratlas (13%) e o  C-47 Dakota (18%). Proporcionamente estaria melhor em matéria de avionetas Dornier D0-27 que de um total de 100 se distribuíam do seguinte modo, pelos 3 teatros de operações: Angola (41), Guiné (24) e Moçambique (35). 

Também pensavámos  que a Guiné  tinha mais caças-bomardeiros T-6: apenas 9, num total de 80 (com 26 em Angola, e 46 em Moçambique).

Mas os camaradas da FAP terão por certo algo mais para nos dizer e escalarecer, em comentários que serão bem vindos.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23450: A nossa guerra em números (18): o consumo de munições e granadas pelo exército

terça-feira, 12 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23424: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (2): A Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


I. A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues (*), é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola

Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015), pp. 288-292.  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (**)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)

II. Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.


c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.


i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b. 

(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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Notas do editor:


(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...)