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quarta-feira, 20 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23447: Historiografia da presença portuguesa em África (326): Aviação na Guiné (1925-1946) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Trata-se de uma despretensiosa resenha de elementos encontrados sobre o primeiro período da aviação na Guiné, incluiu-se a intervenção da aviação comercial, a presença da Pan American Airways e os seus Clippers que amaravam em Bolama, ainda me falta encontrar imagens da Pan Am em Bolama, já as vi, não sei aonde. Estes hidroaviões amaravam onde é hoje o Oceanário, os viajantes vinham da Portela de Sacavém até ao Tejo e daqui partiam para a América mas passando por África. São meras recordações sobre um transporte aéreo que só se tornou regular na Guiné muito mais tarde. Mesmo na década de 1950, quando os voos se tornaram mais regulares, os viajantes saíam de Lisboa em direção a Dacar, havia transbordo para Ziguinchor, o resto era feito de automóvel.

Um abraço do
Mário



Aviação na Guiné (1925-1946)

Mário Beja Santos

Ia a caminho da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e meditando sobre matérias ainda não pesquisadas relacionadas com os meios de transporte na antiga colónia, deu-me para pesquisar os passos pioneiros da aviação. Encontrei uma comunicação alusiva às comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné que me ajudou à cronologia dos acontecimentos, e de seguida uma carta das ilustrações referentes às viagens que ocorreram neste período.

Tudo começa em 1925, Pinheiro Corrêa, Sérgio da Silva e Manuel António ligam Lisboa a Bolama com um avião Breguet XIV, motor Renault 300 CV, viagem de 31 horas e 31 minutos. Foi o evento do ano. Houve festa rija, discussões e discórdias quanto banquete dedicado a estes pioneiros da aviação. Quando estava a preparar o livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, encontrei aspetos trágico-cómicos. A viagem ficou ilustrada, como se pode ver.

Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Corrêa e 1.º Sargento Manuel António, antes da segunda partida, na Amadora
Recorte de "O século", com a notícia que O Presidente da República recebeu os aviadores, antes da partida
Chegada dos aviadores a Bolama, no dia 2 de abril onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral
O Governador da Guiné, Tenente-Coronel Velez Caroço, na receção
Monumento em Farim dedicado aos pilotos portugueses
Em 1927, três italianos ligaram Bolama a Pernambuco. Nesse mesmo ano, Sarmento de Beires e outros realizaram a primeira travessia aérea noturna do Atlântico Sul em hidroavião Dornier, motores Lorraine 450 CV, fazem Lisboa-Bolama, confirmam os métodos portugueses de navegação aérea. Na etapa Bubaque-Ilha de Fernando de Noronha foram percorridos 2595 quilómetros em 18 horas e 11 minutos.

E assim se chegou a 1928, teria lugar a primeira viagem Lisboa-Guiné-S. Tomé-Angola-Moçambique num percurso total de mais de 15 mil quilómetros. Escreveu-se no DN que “o jovem capitão Celestino Pais Ramos partir da Amadora no seu Vicker, cumpria a primeira etapa da sua viagem, a primeira por avião feita às colónias portuguesas da Guiné, São Tomé, Angola e Moçambique” E mais se escrevia no DN: "Os valorosos aviadores iniciam hoje às primeiras horas da manhã a segunda parte do raid", e passava a relatar as aventuras de Pais Ramos (piloto e comandante), Oliveira Viegas (piloto), João Esteves (tenente navegador) e Manuel António (sargento mecânico). O mesmo matutino dava conta de dissabores, como se escreveu: "Resolvido o pequeno incidente originado pela falta do óleo necessário aos aviões que devido ao mau tempo não foi desembarcado em Bolama, os valorosos aviadores vão recomeçar hoje às primeiras horas do dia o raid a Moçambique, iniciando a segunda parte da sua viagem."

O grupo levaria 51 dias a cumprir esta expedição, fazendo escala em mais de 30 localidades e acumulando 101 horas de voo. Na etapa que começariam a 14 de setembro, fariam a viagem de Bolama a Kayess, "num percurso de 570 quilómetros, que devem ser cobertos em 3 horas e 49 minutos de voo", especificava o DN.

1931 é o ano marcado pela chegada a Bolama da Esquadra Balbo, italianos, vêm em aviões H. S. 55, dois motores Fiat 500 CV. O percurso percorrido compreendia Orbetello-Cartagena-Kenitra-Villa Cisneros-Bolama-Natal-Baía-Rio de Janeiro, num total de 10 400 quilómetros. Bolama tinha sido escolhida para dar o salto sobre o Atlântico Sul. Eram 14 aviões. É na descolagem de Bolama, no início de janeiro, que se dá um acidente aéreo e morreram 6 aviadores, o governo italiano mandou erigir um monumento em sua memória, exatamente em Bolama, era para mostrar aos vindouros que tinham sido os italianos quem tinha atravessado o Atlântico Sul em formação de aviões.

Vão seguir-se outras viagens até 1941, caso da viagem Lisboa-Guiné-Angola-Lisboa, feita por portugueses. A enigmática Elly Beinhorn fez vários voos sobre a Guiné em avião Klem, motor Argus, deu como pretexto comissões científicas… Nunca se apurou se vinha pela ciência ou em missão de espionagem. Nesse mesmo ano de 1931, o alemão Christiansen, levando a bordo o almirante Gago Coutinho e mais 11 homens de tripulação fez ligação Lisboa-Bolama-Natal com o hidroavião gigante Dornier X, equipado com 12 motores Curtiss de 600 CV, foi uma viagem cheia de acidentes.

No período de 1935/36, tenho como comandante Cifka Duarte realizou-se o cruzeiro aéreo às colónias: Lisboa-Guiné-Angola-Moçambique, em aviões Vickers-Jupiter 420 CV.

Em 1939, Sérgio Silva, quando nomeado Diretor dos Serviços Aeronáuticos da Guiné, utilizou a via aérea para ir tomar posse do seu cargo. Partiu de Lisboa a 9 de abril, chegou a Bolama a 12 do mesmo mês.

A história da aviação comercial na Guiné conta-se em duas penadas. Houve várias companhias francesas e inglesas que pensaram aproveitar Bolama como ponto de escala em futuras linhas aéreas para ligação de Dacar e Bathurst com as possessões inglesas e francesas de África, nada se concretizou. Só a Pan American Airways utilizou Bolama quando, no inverno, os seus hidroaviões Clipper eram forçados a abandonar a rota dos Açores para as suas regulares ligações aéreas América-Europa, com escala terminal em Lisboa. O primeiro Clipper amarou em Bolama em 6 de fevereiro de 1941 e o último em 24 de novembro de 1945. No ano seguinte, a Pan American passou a utilizar aviões de rodas e as paragens da Guiné Portuguesa foram esquecidas.

Pouco depois da meia-noite do 17 de dezembro de 1930, doze hidroaviões Savoia-Marchetti "S-55-A" descolaram da Baía de Orbetello, na Toscana, a norte de Roma e frente à ilha de Elba
Memorial aos italianos vítimas do desastre aéreo em Bolama
Clipper da Pan American junto da Torre de Belém
Selos comemorativos da primeira viagem da Pan American Airways a Bolama
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23428: Historiografia da presença portuguesa em África (325): A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22894: Notas de leitura (1407A): O Gabú entre 1900 e 1930, num ensaio de Eduardo Costa Dias (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,

O agora jubilado professor do ISCTE e durante muito tempo o responsável pelo Centro de Estudos Africanos desta instância universitária tem vasto currículo de investigação guineense, são, por exemplo, incontornáveis, os seus artigos de caráter enciclopédico sobre a Guiné, escrito com José da Silva Horta, os seus estudos sobre os judeus na Senegâmbia. 

Neste trabalho desvela-se uma realidade com base na evidência científica e que tem a ver com conceções de aproveitamento de alianças, de negociação de fidelidades e da escolha entre um grande território com um grande chefe ou régulos implicados na gestão da administração colonial, mesmo com um campo de liberdade específica. Prevaleceu a segunda conceção, foi essa que observámos nas nossas comissões sem perceber muito bem o que estava por detrás delas. Eduardo Costa dias dá-nos uma interessantíssima chave explicativa, a propósito do Gabú entre 1900 e 1930.

Um abraço do
Mário



O Gabú entre 1900 e 1930, num ensaio de Eduardo Costa Dias

Beja Santos

O Professor Eduardo Costa Dias, com larga investigação referente à colónia da Guiné, publicou na revista Africana Studia, n.º 9 de 2006, edição do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, um trabalho intitulado “Regulado do Gabú (1900-1930): A difícil compatibilização entre legitimidades tradicionais e a reorganização do espaço colonial”

Uma visão singular que apraz aqui registar, indo diretamente às questões nodais que a investigação contempla.

Primeiro, os problemas da dominação territorial colonial como se puseram nas primeiras décadas do século XX, um processo diversificado que contou com operações militares contra potentados recalcitrantes, cartografia rigorosa, sujeição dos africanos a uma lógica económica e política colonial, que obrigou a novas regulamentações e alargamento da malha político-administrativa, concomitante com o desenvolvimento das comunicações e de outras infraestruturas. 

A Guiné, mesmo a uma escala relativamente modesta, contou com uma rede de estradas ligando o litoral ao interior, generalizou-se o telégrafo e depois o telefone, substituíram-se os antigos postos, presídios e fortificações por pontos locais da quadrícula político-administrativa. 

Enfim, uma dominação territorial que se fez com desacertos, cumplicidades e submissão de poderes locais, havendo resistência passiva, desobediência por parte das populações e dos poderes ditos tradicionais, que se manifestavam sobretudo na recusa do pagamento de impostos, na contestação dos chefes reconhecidos pelas autoridades coloniais, mas muito mais.

Segundo, o estudo centra-se nos anos 1900-1930 na região do Gabú, a figura principal do estudo é o régulo do Gabú entre 1906 e 1927, Monjour Meta Bâlo, já vimos anteriormente referências a este régulo no livro “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço, filho do Governador Jorge Frederico Vellez Caroço. Monjour tinha legitimidade tradicional e era benquisto pelas autoridades portuguesas, até ao dado momento em que se coligaram contestações locais e coloniais.

Terceiro, o investigador dá-nos um retrato da Guiné Portuguesa nesse período: décadas de afirmação da dominação territorial, expedições militares punitivas em territórios recalcitrantes: Papéis da ilha de Bissau, Balantas de Mansoa, regiões dos Bijagós, os Mandingas do Oio, entre outros. Tudo acompanhado de questiúnculas e queixas da administração e dos militares: o antigo herói Abdul Indjai fez-se cair em desgraça; Teixeira Pinto envolver-se-á em confrontos com a Liga Guineense; Vellez Caroço teve vários conflitos com o secretário do Governo, Sebastião José Barbosa, por exemplo. 

A despeito das frequentes mudanças de governadores e das orientações da administração colonial, ir-se-á afirmando uma linha de apoio à administração portuguesa, terão a etnia Fula à cabeça.

Ainda antes do Estado Novo, foi promulgada a Carta Orgânica da Guiné, que dividiu a população residente em civilizada e indígena; em 1919, o território da Guiné Portuguesa foi dividido em dois concelhos e treze circunscrições; substituiu-se o imposto de cabeça por palhota; e manteve-se, mesmo com simulação, a requisição dos indígenas para um sem número de atividades, o trabalho forçado mascarado, e o autor dá vários exemplos com a Casa Gouveia, a Companhia Estrela de Farim e a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné.

Quarto, atenda-se ao conceito de Vellez Caroço para a modernização da colónia, ele era defensor da figura do “chefe de território” em vez do “chefe de raça”, de uma política diferenciada para cada etnia e de aproximação aos chefes muçulmanos em detrimento dos animistas. Nesta ótica, observa o autor, ele foi o pai da estratégia colonial que privilegiará durante décadas a aliança da administração com os chefes Fulas.

É nesse contexto que vamos agora situar o Gabú, povoado maioritariamente por muçulmanos (Fulas e Mandingas). Escreve o autor: 

“A soberania portuguesa no Gabú fez-se quase por delegação de poderes, isto é, controlando meia dúzia de chefes tradicionais e remunerando a sua lealdade com uma quase total liberdade de exercício do poder sobre as populações, recebendo em troca apoio para ações militares no resto da Província”. 

O termo Gabú era automaticamente conotado com a área onde pontificava o régulo Monjour e muito menos como a porção de território administrado pela circunscrição sediada em Bafatá. Lembra igualmente o autor que o regulado do Gabú herdou o nome e parte significativa do território do antigo reino Mandinga “animista”, do Kaabu, que existiu, na região compreendida entre os rios Gâmbia e Corubal. A administração portuguesa marcou presença em meados da década de 1910, apareceu a circunscrição administrada do Gabú com sede em Oco, depois em Gabú Sara (futura vila de Nova Lamego, hoje cidade do Gabú). O Gabú estava pouco integrado no espaço da colónia e não era alvo prioritário para intervenções das tropas portuguesas.

Quinto, e assim se passa para a lógica política de entendimentos preferenciais, escolha de interlocutores e relacionamento com os chefes tradicionais. Os chefes eram classificados em três grupos: o dos leais, o dos interesseiros e o dos rebeldes. 

Vellez Caroço, nos anos 1920, estruturou a política de aproximação aos muçulmanos e teceu os contornos da aliança estratégica do poder colonial com os chefes Fulas. Monjur, o régulo do Gabú, foi um precioso auxiliar da administração colonial, combateu ao lado por portugueses nas guerras de pacificação e durante muito tempo dominou as rivalidades entre etnias. E como diz o autor, acabou destituído quando a administração colonial perdeu o interesse em manter um território tão grande nas mãos de um único homem. Monjour é apanhado neste turbilhão de mudanças. No livro escrito pelo filho de Vellez Caroço é bem claro que ele, tal como o pai, era partidário da política dos grandes regulados e adversário acérrimo da multiplicação de regulados. E no seu livro ele apresenta Monjour como vítima das sucessivas traições da sua gente e de alguns administradores que eram favoráveis à lógica da “independência das raças”.

Sexto, o autor historia a ascensão e queda deste régulo que terá nascido em 1850 e faleceu em 1929 na região do Corubal, a sua ascensão não foi pacífica, a chefia do regulado fora contestada por um irmão e por vários descendentes de régulos anteriores. É no choque destas duas lógicas, do “critério da independência das raças” com pequenos regulados e a dos grandes regulados em que apostou sempre Vellez Caroço que veio a prevalecer, em 1917, uma divisão do Gabu em vários regulados, a situação durou pouco, no ano seguinte o regulado foi unificado e Monjour reinvestido como grande chefe. Mas a sua liderança era ameaçada por novos líderes. E com a retirada de Vellez Caroço para Portugal, acaba por ser destituído com uma pensão de trezentos escudos mensais, em 1927, e deportado com residência fixa para o Corubal, onde morre em 1929.

Sétimo, assim chegamos às conclusões. 

Foram-se impondo duas conceções dominantes: a dominação do território via o controlo de um único interlocutor, e que prevaleceu entre os anos 1900 e 1917; e uma conceção de dominação que privilegiava não só os pequenos regulados em prejuízo dos grandes como igualmente a efetiva circunscrição territorial de cada regulado a uma malha precisa da quadrícula político-administrativa colonial, a partir de 1917 e aplicada sobretudo a partir de 1926.

 Prevaleceu a segunda, os régulos foram funcionalizados, a ter obrigações, a despeito de aplicarem, dentro de moldes aceites pela administração colonial, decisões próprias dentro da área de jurisdição. E esta lógica vai chegar até à emergência do nacionalismo, foi com esta lógica que Amílcar Cabral e o seu PAIGC foram obrigados a lidar.
Tocador de korá no Gabú.
Jorge Frederico Vellez Caroço
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22647: Historiografia da presença portuguesa em África (286): A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (1): "A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné", por Maria Luísa Esteves; edição conjunta do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Lisboa, 1988 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Nada do que ainda hoje ocorre, em termos de tensão separatista no Casamansa, deixa de ver com os acontecimentos advenientes da gradual presença francesa e dos sucessivos conflitos entre Portugal e a França, e que culminaram com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. As partes contratantes nem sonharam a tragédia que criaram, ao assinar um documento histórico sem se terem perguntado se havia relevos naturais, se se separavam etnias, se os habitantes de Ziguinchor aplaudiam a mudança de colonizador. E pôs-se de imediato um problema novo: a delimitação das fronteiras, será um corrupio de peripécias entre 1888 e 1931. 

É um período em que se distinguirão homens como o Visconde de Santarém ou Honório Pereira Barreto. O visconde irá brandir uma peça preciosa intitulada Memória sobre a Prioridade dos Descobrimentos dos Portugueses na Costa de África Ocidental para Servir de Ilustração à Crónica da Conquista da Guiné, de Zurara. Barreto procurará consolidar a posição portuguesa, não perde uma oportunidade para tentar acordar os responsáveis políticos para o risco de se perder a colónia, não se ilude que a situação de Ziguinchor deixara de ser brilhante no século XIX, os franceses tudo procuravam para a isolar, tinham efetivo militar de sete soldados e um movimento comercial asfixiado. E agora vamos ver como se processaram as operações de delimitação, no Norte, no Leste e no Sul, é um verdadeiro romance.

Um abraço do
Mário



A história turbulenta da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (1)

Mário Beja Santos

Este súbito mergulho na história bem movimentada da delimitação das fronteiras franco-portuguesas da Guiné (1888-1931) surgiu de um imprevisto enquanto manuseava documentos da secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa.

 Numa pasta bem fornecida datada de 1934 suscitou-me a curiosidade um curto documento intitulado “Auto de delimitação da fronteira franco-portuguesa entre os marcos 52 e 53”, fui logo ler, o que teria acontecido de ter surgido novo problema na delimitação fronteiriça? O texto é breve, é uma ata remetida para Bolama, é assinada pelo diretor de Serviços e Negócios Indígenas Jorge Frederico Torres Velez Caroço, e, como se verá, não passa de pequena história resolvida à moda portuguesa, passa-se para outro o que nós não sabemos deslindar:

“Aos 25 dias do mês de janeiro de 1934, tendo-se reunido na região de Catabá, próximo da fronteira franco-portuguesa, entre os marcos 52 e 53 as comissões representativas dos governos da Guiné Portuguesa e da Guiné Francesa, compostas, respetivamente, pelos Srs. Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, capitão Jorge Frederico Torres Velez Caroço, Diretor da Agrimensura, Capitão Carlos de Brissac Neves Ferreira e Administrador da Circunscrição Civil de Bafatá Eugénio Veloso da Veiga (segue-se a lista dos ajudantes) e os Srs. A. Gallo, Administrador de 2ª Classe das Colónias, Comandante do Círculo de Kemlis e L. Brunet Manquat, Adjunto Principal dos Serviços Civis, Chefe da Subdivisão de Youkounkoum, Círculo de Kemlis, a fim de definir-se rigorosamente a linha de fronteira entre os já citados marcos 52 e 53 para se poder igualmente definir a posição do local onde teve lugar a agressão do guarda francês que originou esta reunião, em relação à mesma fronteira, sobre o qual recaem dúvidas, de estar situado em território português ou francês. 

Foram estas comissões de parecer: que após todas as tentativas executadas para definir rigorosamente a já citada linha de fronteira, e bem assim a posição do local igualmente já referido, não podendo chegar a uma conclusão precisa devido à falta de elementos concretos, uma vez que as medições executadas pelo agrimensor português conduziram a resultados imensamente diferentes dos elementos fornecidos pela comissão francesa, resolveram propor aos governos que respetivamente representam a nomeação de novas comissões em cuja compleição entrem técnicos agrimensores das duas colónias, a fim de poderem definir precisa e rigorosamente a linha de fronteira entre os marcos 52 e 53. Encerram-se os trabalhos e lavra-se a presente ata”.

Estava despertada a curiosidade em tentar entender o fundo do imbróglio, não propriamente onde fora agredido o guarda francês, mas qual a razão de tantas dificuldades para os agrimensores. Toca de estudar, e começou-se por um clássico, uma obra de inequívoco valor, "A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné", por Maria Luísa Esteves, edição conjunta do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Lisboa, 1988.

Porquê encetar um estudo destes pela questão do Casamansa? Foram os conflitos nesta região que desembocaram na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. É um percurso histórico digno de análise. Os dois países reivindicavam uma área que é hoje um sétimo da superfície do Senegal, o Casamansa, Portugal alegava direitos históricos, a França encetara na primeira metade do século XIX tornar-se uma potência colonial, cobiçava regiões africanas na África Ocidental, desde Marrocos ao Gabão, e não só. 

É facto que o impulso do expansionismo colonial europeu iria ser mais percetível a partir de 1876, isto do lado português, houvera antecedentes para a opção africana, com Sá da Bandeira. Os franceses haviam-se instalado nas margens do Casamansa em 1828. Teremos um observador de primeira água para a evolução destes acontecimentos, será Honório Pereira Barreto que não se cansará de alertar o governador de Cabo Verde para as graduais tentativas de controlo do Casamansa pela França. Os subscritores da convenção de 12 de maio de 1886 não irão atinar com as graves consequências de pôr em forma de tratado o que era desconhecido no terreno.

Como dirá no final desta obra Maria Luísa Esteves:

“As duas Guinés, a Francesa e Portuguesa, foram criadas sem ter em conta, muitas vezes, não só os limites naturais como as realidades étnicas, sociais e económicas existentes. Só mais tarde, quando já não era possível emendar os erros cometidos, se verificou que povos com história e cultura comuns foram separados e entregues a países diferentes sem respeito pelo seu passado. 

Não era para admirar que assim tivesse acontecido quando as negociações se fizeram longe dos locais a delimitar por pessoas mal informadas sobre a história dos povos e sem conhecimentos suficientes de Geografia e utilizando cartas topográficas pouco rigorosas. Apenas se procurara satisfazer os interesses dos países colonizadores e destes o mais forte teve sempre a última palavra”.

O conhecimento da região do Casamansa é comprovado por descrições de autores dos séculos XV, XVI e XVII, é um repertório onde constam os nomes de Luís de Cadamosto, Valentim Fernandes, André Alvares de Almada, André Donelha e Francisco de Lemos Coelho. O rio Casamansa despertava o apetite de muitos pelos negócios que possibilitava. Não é segredo para ninguém que o período filipino foi profundamente nefasto para a presença portuguesa e fasto para a gradual presença de concorrentes, desde a França, a Grã-Bretanha, a Espanha e a Holanda. 

Os franceses instalaram-se na Ilha dos Mosquitos em 1828, na embocadura do rio. Enceta-se uma correspondência diplomática intensa entre Portugal e a França, para Portugal não será difícil argumentar os seus direitos históricos, a França é a potência forte ou não responde ou interfere cada vez mais, irão ter lugar inúmeros conflitos, desde apresamento de barcos a pessoas. Honório Pereira Barreto faz o que pode e o que não pode, tratados de paz com chefes do Casamansa, compra território ou cedência com direitos exclusivos de soberania, navegação e comércio.

 Encurtando argumentos, depois de inúmeros conflitos e após 16 sessões entre representações luso-francesas chegou-se à convenção de 12 de maio de 1886, o Casamansa com o presídio de Ziguinchor passou a pertencer à França, e a sul, o rio Nuno, teve o mesmo destino.

Ainda hoje se discute se o saldo foi negativo ou positivo. Portugal passou a ter legitimidade para considerar como sua possessão o território até ao Futa Djalon, se Geba era o presídio mais longínquo, havia que ocupar toda a região do Gabu. Recebeu-se a região de Cacine, e a diplomacia da época parecia contente pela França ter prescindido dos seus direitos nos territórios de Massabi e ter havido reconhecimento do protetorado português numa larga faixa entre Angola e Moçambique (numa altura em que se sonhava com o Mapa Cor-de-Rosa). Iam agora começar as dores de cabeça com a delimitação das fronteiras. 

Logo em 1888 desloca-se uma comissão com a intenção de marcar as áreas de influência das partes. O entendimento é difícil, ainda ocorrem incidentes nas zonas fronteiriças, não havia marcos, na maior parte dos casos a fronteira era uma verdadeira terra de ninguém. Vão seguir-se doze anos sem uma nova missão, era um embaraço de parte a parte, assinaram-se papéis sem ter havido previamente o levantamento topográfico dos locais a delimitar, ninguém pensara nas divisões naturais nem nas realidades étnicas e sociais. Estão a organizar-se missões de 1900 a 1905, tenta-se um trabalho sério da balizagem das fronteiras, procedendo-se ao reconhecimento de certos rios, negoceia-se a troca de territórios. Pensa-se em 1905 que está terminada a demarcação da fronteira luso-francesa da Guiné, mas haverá retificações até 1931.

A investigação e a narrativa de Maria Luísa Esteves são comprovadamente aliciantes. Primeiro situa o Casamansa, refere o que há de melhor na literatura de viagens; temos depois a história económica da Guiné, em pinceladas fortes dá-nos uma síntese da presença portuguesa entre os séculos XV e XIX; entra-se agora na luta pela posse do Casamansa, a diplomacia recorre a tudo quanto sabia da documentação histórica para mostrar que os portugueses não eram intrusos nem tinham chegado ontem, a autora passa em revista as notas diplomáticas enviadas para Paris, uma boa parte delas jamais obteve resposta. Havia exaustão dos dinheiros públicos, a emigração continuava a ser canalizada para o Brasil, o Governador de Cabo Verde não tinha meios para agir. 

O herói da trama é mesmo Honório Pereira Barreto, e a autora passa em revista os tratados que ele celebra com os chefes gentílicos. A presença francesa no Casamansa agudizava-se, afetava o comércio de Ziguinchor, mas também o de Farim e Geba. Os apelos lancinantes de Pereira Barreto revelam-se verdades com punhos:

 “Soubemos conquistar, é verdade, mas passada a conquista não soubemos aumentar nem mesmo conservar. Tratamos os gentios com desprezo, ameaçamos quando é preciso atacar e insultamos quando convém acariciar. Os estrangeiros ingleses e franceses atacam quando são insultados, e dão avultados presentes quando os gentios se humilham, satisfazendo assim a sua natural cobiça, pois é a melhor, e menos dispendiosa maneira de conter obediente e amigo o gentio todo”.

A autora dá-nos a referência da presença francesa da Guiné, temos também o apetite britânico em Bolama, mas este estudo nem se enquadra neste trabalho. E descreve os incidentes entre 1882 e 1884, e assim se chega à convenção de 12 de maio, a partir de agora vem a dor de cabeça da delimitação das fronteiras e o seu corolário de peripécias.

(continua)


O marco 173 está situado em Chão Baiote, junto à tabanca Kassu, na praia de um dos muitos cursos de água da Baixa Casamansa. A linha de fronteira atravessa Kassu, deixando um bairro na Guiné-Bissau e outro no Senegal. O marco está instalado num espaço aberto, apenas frequentado por vacas que, para fugirem às moscas, buscam as zonas perto de água. Imagens de Lúcia Bayan, já publicadas no blogue, com a devida vénia

Mapa da Guiné apresentado no Número Comemorativo da Exposição Colonial do Porto, 1934
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22627: Historiografia da presença portuguesa em África (285): História breve da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22627: Historiografia da presença portuguesa em África (285): História breve da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Creio que se recordam que aqui se fez a recensão de um livro memorável História das Missões Católicas na Guiné, do Padre Henrique Pinto Rema, é indiscutivelmente a obra com mais significado no campo missionário. Fiz uma súmula de cerca de doze páginas deste incontornável trabalho, espero inseri-lo num livro em preparação "Guiné, Bilhete de Identidade", quem dele quiser ter acesso é só pedir-me. Atenda-se ao espírito da época em que Jorge Velez Caroço exige mais às missões, articula o seu trabalho com a implantação do espírito de ser português, a religião é tida como um dado civilizacional, uma outra acepção do patriotismo, revela o administrador colonial uma manifesta propensão para o uso do crioulo, um passo para a língua portuguesa, e recorda ao governador Carvalho Viegas que onde se põe uma igreja também se deve pôr uma mesquita. Algo mudará nos anos seguintes, com o Ato Missionário, em consequência da Concordata de 1940, mas serão os italianos a aparecer com mais força, como se sabe.

Um abraço do
Mário



Acerca das missões religiosas na Guiné, década de 1930

Mário Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, com o n.º Res1-Est145, Pasta P-N.º9 consta um relatório assinado pelo Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, Jorge Frederico Torres Vellez Caroço, com data de 19 de maio de 1934, dirigido ao Governador Carvalho Viegas. O assunto tem a ver com as missões religiosas na Guiné e inicia-se num tom um tanto bombástico:
“Serão talvez as minhas palavras a minha sentença de morte como elemento de ação funcional nesta colónia, mas não importa, pois que, acima dos interesses pessoais e dos interesses de coletividade estão os da Nação. Abordo, Sr. Governador, o problema das Missões Religiosas.
Tem colhido benéficos resultados para a colónia vizinha a ação desenvolvida pelos seus missionários e o seu cuidado vem sendo tal que têm educado e feito missionários indígenas – conforme em tempos idos em Portugal se praticava – entre os quais se contam um Felupe e um Manjaco. Sabe V.ª Ex.ª quem são estes dois indígenas? Um Felupe de Jufunco e um Manjaco da Costa de Baixo. Dois indígenas da nossa colónia. Preferiram estes aos seus próprios indígenas. Sabe V. Ex.ª qual é a língua que estes e outros missionários franceses da região do Casamansa falam aos indígenas da sua própria colónia? O crioulo. Cito até um facto curioso e muito interessante. Em 1932 fez-se em Cacheu uma festa religiosa à Nossa Senhora da Candelária, a santa padroeira daquela vila. Vieram assistir à festa os missionários da colónia vizinha – a pedido dos missionários de Santo António de Bula – e autorizado pelo então vigário-geral nesta colónia, que impôs a condição de os missionários franceses pregarem obrigatoriamente em português e, de facto, tendo um deles subido ao púlpito para pregar disse o seu sermão em crioulo da Guiné, fazendo-se compreender por toda a gente melhor que os nossos próprios missionários. Mas há mais. Até o catecismo que é distribuído aos indígenas é escrito em crioulo da Guiné. Como eles cuidam de tudo, em que nós nem sequer pensamos…


É desolador, Sr. Governador, entrarmos em território estrangeiro e vê-lo repleto de indígenas portugueses, e a toda a hora nós vemos os missionários nas suas bicicletas percorrendo toda a região sem olharem a perigos. Numa palavra, as Missões Religiosas Francesas cumprem religiosamente a sua missão; as nossas têm até hoje sido nulas ou quase nulas, procurando instalar-se apenas nos grandes meios, ou nos meios mais pacíficos, rodeados unicamente dos indígenas chamados cristãos, desenvolvendo apenas o seu papel de padres e tendo até hoje posto completamente de parte a sua ação missionária e civilizadora. Até em Bula, único meio indígena onde instalaram a sua ação, longe trazer benefícios à colónia, tem trazido inconvenientes.

Caraterizava outrora os nossos missionários o espírito de sacrifício levado ao exagero, ao serviço da Cruz, sim, mas ao serviço da Nacionalidade, carateriza-se hoje o espírito da conveniência e do comodismo, com um desapego quase absoluto pelos interesses da nação, preocupando-se apenas com o que convém à sua comunidade e querendo apenas ser padres. Têm oposto, como V.ª Ex.ª sabe, uma resistência passiva enorme à sua ida para os Felupes e os Bijagós. Para que são necessários missionários em Cacheu e Geba? Para que são necessários três missionários em Bula? Porque não se vão estabelecer nas regiões em que os interesses da Pátria exigem a sua presença? A sua função na colónia não é dizer missa, não é para isso que ela faz o sacrifício de centenas de contos. Se as populações católicas das povoações aonde estão fixados querem padres que façam como se faz na Metrópole, que os mantenham, porque os missionários são necessários para outros fins, e estes não se resumem apenas em aumentar o número de adeptos à religião cristã, circunstância que dentro do importantíssimo papel que lhes compete desempenhar deve ocupar apenas um lugar secundário. Vejamos o que dizia esse grande português e colonial que se chamou António Enes, no seu relatório de 1893: ‘O catolicismo já dispôs de toda a África Portuguesa durante séculos, quando também dispunha de heróis e mártires para o apostolado, quando a espado servia de haste à Cruz, quando eram de oiro as conchas dos batizados, quando se exterminavam povos para lhes salvar as almas, quando os mosteiros eram paços tendo reinos por cercas, e, todavia, da sua propaganda e da sua tutela, servidos pelo poder civil de joelhos, impostas pelas armas quando não logravam fazer-se aceitar pela palavra, ajudados por todas as fascinações da riqueza, só ficaram ruínas pomposas nos sertões e nas crónicas memórias elegíacas de sacrifícios estéreis, ou triunfos efémeros! As ordens religiosas prestaram em África serviços que não se podiam exigir do seu caráter. Ensinaram coisas novas e muitas ciências, revelaram descobrimentos à Geografia, deram valiosos socorros à Política. Mas não deixaram arvorada a cruz senão onde a força ficou de guarda e esse símbolo da religião do amor não entranharam nos espíritos, nos sentimentos, nos costumes dos povos não ficou uma recordação do Cristianismo. Dos milhões de indígenas que batizaram não se gerou um cristão. De tantas conversões de régulos que operaram, não resultou uma única modificação no estado social das raças africanas".

E Jorge Velez Caroço continua:
“Em Portugal apenas se fazem padres e não os padres que nós necessitamos. É uma utopia pensar em aniquilar as crenças religiosas dos indígenas. Mas se o indígena for ao mesmo tempo educado no respeito pela Nação e identificado nas vantagens que do seu domínio resultam para o seu bem moral e material, teremos atingido os fins que a Nação exige, e a religião terá conquistado sempre o mesmo número de adeptos. É, pois, este último, o critério que devemos adotar. Há dias foi o administrador da circunscrição de Suzana procurado em Ziguinchor por indígenas Brames que do nosso passaram para o território francês, manifestaram-lhe a pretensão de voltarem e de se fixarem na área da circunscrição de Suzana, região de S. Domingos, desde que lhe dessem um padre e uma igreja, acrescentando ser grande – algumas centenas – o número de indígenas que tanto desejavam. Só a necessidade absoluta de instalar uma missão em plena região dos Felupes não fosse já indiscutível e imprescindível, a conveniência e a oportunidade de podermos povoar a quase deserta região de S. Domingos, só por si também impõe essa medida, e, assim, Sr. Governador, afigura-se-me indispensável a intervenção do governo da colónia na ação das missões religiosas aqui instaladas, impondo-lhes a obrigação de se fixarem onde os interesses da Nação assim o exigem, visto que a iniciativa com elas pouco os preocupa. As conveniências dos cristãos de Cacheu, Geba e outros pontos nada valem, em face dos interesses da Nacionalidade e obrigarem as missões a cumprirem o seu dever será motivo bastante para que elas amanhã agradeçam a quem as despertou do marasmo.
Pode V.ª Ex.ª com os meios de que dispõe auxiliá-los na construção de casa própria para a sua instalação e uma igreja na região dos Felupes, Suzana ou Varela podiam ser os pontos a escolher. A construção de uma pequena ermida em S. Domingos é também indispensável. Na região de S. Domingos há muitos indígenas que professam a religião muçulmana, e como estes não têm contato algum com aqueles que se aproximam dos princípios da religião cristã – porque o pediram já e porque tanto convém ao repovoamento da região – aconselhável se torna que auxiliemos também a construção de uma mesquita. Assina em Bolama, em 8 de março de 1934, Jorge Frederico Torres Velez Caroço".

Igreja de S. José de Bolama na atualidade
Casas da Rua de São José, na região de Alfândega, Bissau, década de 1890
Bissau na década de 1960, ao fundo a estátua de Honório Pereira Barreto
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22604: Historiografia da presença portuguesa em África (284): História breve da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22580: Historiografia da presença portuguesa em África (282): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Reduziu-se ao máximo as descrições elencadas pelo Tenente-Coronel Miguéis acerca das operações de pacificação entre 1834 a 1924, no essencial é matéria que interessa a estudiosos, no geral permite picar com uma grande angular da fragilidade da presença portuguesa e há que dizer claramente que continua a pôr-se muita emoção e a mostrar muita indignação por alegadas atropelos ao prestigiado Capitão Teixeira Pinto, sem nunca ter em atenção que Abdul Indjai praticou , e há relatos a confirmar essas depredações, saques, sequestros, roubos, assassínios, durante a campanha de pacificação. Acontece que os mercadores portugueses e estrangeiros que viviam ao tempo na ilha de Bissau queixaram-se ao governador que quem era comandante da campanha era o oficial português. Abdul fica como régulo do Oio (manda a verdade que se diga que ele era régulo do Oio e do Cuor), e tudo leva a crer que atuava praticando barbaridades. Que era ambicioso, basta ler esta peça histórica do seu aprisionamento, talvez o documento mais detalhado que conta a história do seu afastamento da Guiné.

Um abraço do
Mário


A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3)

Mário Beja Santos

Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.

O Tenente-Coronel Miguéis dá-nos porventura o relato mais detalhado sobre a prisão de Abdul Indjai, sugere que houve para ali uma tremenda cabala, intrigas sem fim que caíram sobre Teixeira Pinto, acusado de muita coisa. Quem toma posições pró e contra Teixeira Pinto e as tropelias praticadas por Abdul Indjai esquece-se de que Abdul Indjai tudo pilhava, consentia em todos os saques, sequestros, roubos, era a sua forma de manter os seus homens de mão satisfeitos. Só que estes saques, sequestros, roubos abrangiam direta e indiretamente comerciantes que denunciaram a situação através da Liga Guineense, o governo pôs-lhe termo, mas os ressentimentos ficaram, Abdul pôs-se a jeito para o ajuste de contas.
No texto anterior iniciámos a descrição destas operações, continuamos a dar a palavra ao relato do tenente-coronel Miguéis:
“Abdul Indjai tendo tido conhecimento que uma força de 30 soldados tinha saído de Farim acompanhando géneros para o posto de Mansabá, mandou dizer ao comandante do posto que se ele precisava de 500 carregadores lhos forneceria imediatamente.
Como não fosse aceite a oferta, Abdul saiu com uma força armada mas pouco depois foi ter com o comandante do posto de Mansabá pedindo-lhe que deixasse ir um cabo europeu com o seu sobrinho Alburi ao encontro da sua gente para avisar que não atacassem a força do alferes Figueira. Este alferes chegou com a sua força a Mansabá sem ter sido atacado, apesar de ter encontrado no caminho bastantes jauras (homens de guerra armados). Reforçado o destacamento, Abdul tratou de isolar os Oincas do posto, para evitar que o comandante tivesse conhecimento do que fazia a sua gente, mas ele próprio fornecia lenha e água aos nossos soldados.

Em 29, seguiram de Farim para Mansabá 6 carregadores com géneros para a guarnição do posto, indo com eles o indígena Bacar Sedibe que ia ter com um seu irmão, ex-soldado que fazia o serviço de auxiliar.

Em 30, este indígena declarou ao comandante de Farim que tendo pernoitado numa tabanca de Bironca ali compareceram alguns jauras que pretendiam degolá-lo, conseguindo fugir depois de ter levado algumas espadeiradas.

Em 1 de agosto, constou ao Capitão Lima ter havido tiroteio entre a gente de Abdul e as forças de Mansabá. Jancó Dabó com os auxiliares segue em auxílio do posto e ao mesmo tempo segue uma força sobre o comando do Alferes Trindade, com 1 sargento, 3 praças europeias, 25 indígenas e 49 auxiliares. Acompanha esta força o Capitão Lima que ao chegar à povoação de Demba-Só lhe foi entregue por um Oinca uma carta em que se dizia “estamos cercados, temos Alferes Figueira ferido com certa gravidade, dois soldados feridos e um morto”. Chegado próximo de Mansabá pelas três horas, o Capitão Lima ouviu o tiroteio mas não lhe foi possível continuar a marcha porque os auxiliares se recusaram a acompanhar a coluna com receio de que o posto fizesse fogo contra eles.
Às 5-30 pôs-se a coluna em marcha para Mansabá sendo surpreendida por um tiroteio dos jauras que estavam emboscados ao longo da estrada de Lanfarim, cujo ataque foi repelido pela coluna e pelo posto.

Em 2, o Alferes Figueira faleceu pelas 4-30 horas e as colunas ocupando as quatro faces do posto fez fogo sobre os jauras. Dois auxiliares que saíram para buscar água foram feridos e por este motivo os auxiliares Mandingas, Oincas e Grumetes desanimaram. Os jauras atacaram a face leste do posto e pouco depois o Alferes Trindade, tendo derrubado o querentim onde eles se abrigavam, assim como cortado o milho, dirigia um ataque que tinha por objetivo destruir todos os abrigos impelindo os jauras contra a tabanca de guerra de Abdul.
Às 19 horas as povoações estavam em chamas e a coluna aproximava-se da tabanca de Abdul, quando se ouviu vivo tiroteio para os lados de Mansabá-Mansoa. Era o Alferes Alberto Soares que chegava com uma coluna de 277 homens e uma peça de 7 cm.

Na madrugada de 3 fizeram-se alguns tiros de canhão contra a tabanca de Abdul e logo a seguir veem-se duas bandeiras brancas, uma na tabanca de Abdul e outra na morança de Alburi Indjai. Cessado o fogo, dirigiu-se para o posto Alburi Indjai que vinha comunicar que Abdul Indjai se rendia com toda a sua gente que estava dentro da tabanca. Estando já a amarrar fechos de armas para delas fazer entrega. Pouco depois Abdul Indjai era preso.

Em 16 de agosto, a P.P. n.º 343 declara terminadas as operações no Oio, com a derrota das forças e a captura do ex régulo Abdul Indjai, levanta-se o estado de sítio na circunscrição de Farim e regiões dos comandos militares de Bissorã e Balantas. Nesse mesmo dia são extintos os comandos militares de S. Domingos, Papéis, Bissorã e Balantas.

Em 29 de agosto, por P.P. n.º 385 é demitido do posto de tenente das forças de 2.ª linha e de régulo da região do Oio Abdul Indjai. Assina esta portaria o Governador Henrique Alberto de Sousa Guerra. Mais tarde este homem é deportado para Moçambique, tendo ficado em Cabo Verde, onde faleceu.
Deste modo termina a vida do herói que nas campanhas de Bissau, comandando os seus soldados, empregou com excelentes resultados o fogo por descargas, cujos efeitos ele bem conhecia. Durante a rebelião nunca foi visto a comandar um único homem nem tão-pouco a sua gente fazer uso dessa espécie de fogo”
.

Recorda-se ao leitor que o Tenente-Coronel Miguéis procedeu a um levantamento relacionado com as campanhas de pacificação, por determinação do Governador Velez Caroço, é um documento de leitura obrigatória e que encerrará, estou em crer, o relato mais detalhado das operações que levaram à prisão de Abdul Indjai. O mistério das acusações sobre Teixeira Pinto em estreita conexão com as práticas de pirataria atribuídas a Abdul Indjai carece de estudo e estranho é que a historiografia portuguesa não procure uma explicação documentada não só por se tratar do herói da pacificação mas por poder envolver razões fundamentadas por parte de quem foi esbulhado pelos homens de guerra de Abdul Indjai.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22562: Historiografia da presença portuguesa em África (281): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22562: Historiografia da presença portuguesa em África (281): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Por determinação do Governador Vellez Caroço, o Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis lança-se numa explanação sobre os principais eventos indicadores do princípio da "pacificação", encetado a partir de 1834 e tendo o seu termo em 1924. Seria a primeira vez que a nível oficial se produzia uma listagem de acordos, convénios e tratados entre a soberania portuguesa e as chefias indígenas. Imprevistamente, o Coronel Miguéis resolve por sua conta e risco pronunciar-se sobre a rebelião de Abdul Indjai, que nos vem dizer não está conforme outros relatos, seguramente este oficial do Exército intuía que a detenção e o exílio do régulo do Oio podia empalidecer os atos militares de Teixeira Pinto, e daí as considerações um tanto barrocas e atenuantes que ele profere, como se lerá adiante. Hoje, está claramente demonstrado que Abdul Indjai, independentemente da sua bravura pessoal, cometeu desmandos incríveis e deixou de praticá-los com os seus mercenários, praticaram-se pilhagens e raptos em toda a península de Bissau. E desmandou-se como régulo do Oio, aterrorizando e impondo impostos como direito de saque. Esta é a verdade dos factos.

Abraço do
Mário



A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (2)

Mário Beja Santos

Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.

Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.

Como vimos anteriormente, é um elenco extensíssimo, mas de extrema utilidade para quem investiga todo este período da pacificação, já possuímos elementos com certa vastidão nesta matéria, como é o caso do admirável levantamento feito por Armando Tavares da Silva em Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, Caminhos Romanos, 2016.[*]

O Tenente-Coronel Miguéis mantém uma narrativa neutra até chegar à prisão de Abdul Indjai, aí o seu coração balanceou, quer proceder a uma certa advocacia, seria possível traição daquele que foi o braço-direito de Teixeira Pinto, e temos agora um quase solilóquio à procura de explicação para essa estranha rebelião do régulo do Oio, damos-lhe a palavra:
“Revolta-se contra quem? Contra o governo da Província, representado por Henrique Sousa Guerra, seu companheiro de armas, seu comandante durante o período da doença de Teixeira Pinto, e portanto seu amigo? Não, a rebelião de Abdul Indjai não representa uma rebelião contra o domínio português no Oio, seu regulado, deve representar qualquer coisa que ignoro, mas suponho ser forjada pela intriga que campeia em toda a província da Guiné.
João Teixeira Pinto, se te pudesses levantar do túmulo e lançar em rosto as vilanias daqueles que tem adulavam movendo a intriga, por certo Abdul Indjai, teu companheiro e amigo, não mandaria disparar um único tiro contra as forças portuguesas; correria a abraçar-te e apesar da sua cor e raça serem diferentes chorariam ambos a infeliz pátria que impulsionada pela vil traição de alguns dos teus filhos, que nada produzem, deixa muitas vezes no esquecimento aqueles que por ela sacrificaram o seu bem-estar, o seu sangue e a sua vida.
Por vil intriga, tu, Teixeira Pinto, meu camarada, amigo e condiscípulo, não foste galardoado pelo grande serviço que prestaste à Guiné, na ilha de Bissau. Sofredor como eras, contentaste-te com a dispensa do exame para o posto de major. Não serias tu um general em vez de um major? Tenho fé que apagadas as paixões mesquinhas, num futuro não muito longe, a História há de fazer-se e justiça ser-te-á feita assim como ao teu companheiro Abdul Indjai”
.

E pondo termo à exaltação pessoal, preito de homenagem ao camarada e amigo Teixeira Pinto, lança-se na documentação existente, ela é de uma grande importância, não encontrei até hoje nada de tão substancial para descrever os acontecimentos:
“Não se encontra na Ordem à Guarnição a nomeação de qualquer força para combater as hostes rebeldes de Abdul Indjai. Na Ordem à Força Armada apenas se lê que desde 23 de junho até 26 partem para Farim e para Mansoa alguns oficiais, que, suponho, irem tratar desta questão.
Um relatório que tenho presente diz que em 19 de março foi a povoação de Solinhoté assaltada pela gente armada de Abdul que tinha por fim prender o indígena Malam Sanhá para ser por Abdul Indjai morto na povoação de Mandorno; que em 20 de maio, 2 Oincas refugiados no território de Bissorã entre esta região e a de Gansambu foram atacados pela gente de Cherno Sabali, dos quais feriram um, não aparecendo mais o outro; que dias depois esta mesma gente assaltou a povoação de Fajonquito, levando tudo quanto encontraram; que em 2 de julho, indo a mesma gente assaltar a povoação de Batur, dali levou 36 cabeças de gado; que em 3, quando a gente de Abdul se dispunha a atacar a povoação de Gussafari para roubar, foram atacados pelos auxiliares, e que em 26 a gente de Cherno Sali atacou os auxiliares de Gussafari para se apoderarem de uma lancha que estava no porto.
No relatório do capitão-tenente João Quadros vê-se que este oficial conduziu a bordo do “Bissau”, em 24 de julho, um destacamento de 40 praças indígenas, 3 europeias, 2 sargentos e o alferes Trindade. Comandava esta força o tenente Sobral. Chegaram a Farim no dia 26. Em 29 chega a Farim o vapor “Capitania”, conduzindo o capitão Lima e um destacamento do comando do alferes Alonso Figueira, 13 soldados indígenas e um europeu.


Em 1 de agosto segue para Mansabá um reforço de 30 praças sobre o comando do Alferes Figueira, levando três carregadores. Os rebeldes (diz o relatório) hostilizaram esta força e cortaram a linha telegráfica entre Farim e Mansabá. Em 13 de julho uma diligência de 23 auxiliares e 2 guardas da circunscrição de Farim prenderam 3 jauras (homens de guerra) mal-armados, tendo fugido outros nove também mal-armados que impunham à gente da povoação de Nema o pagamento de uma multa de 20 escudos e 5 vacas. Pelo relatório do capitão Lima conclui-se que houve em Mansabá uma conferência entre Abdul Indjai, o Capitão Espírito Santo e outros oficiais, que particularmente sei serem o Tenente Honório de Oliveira Marques e o Alferes Alberto Soares, na qual Abdul Indjai propõe o seguinte a troco de entregar todas as armas: 1 – A redução da guarnição do posto de Mansabá a 1 oficial, 1 sargento, 2 cabos e 27 soldados; 2 – A retirada da força militar de Farim; 3 – Desarmamento dos auxiliares da região de Bissorã; 4 – Anexação ao seu regulado das razões de Tiligi, Binar, Bula, Canchungo e Churo; 5 – Que lhe fosse paga a quantia de 40 mil escudos como recompensa do seu trabalho por ter batido as regiões de Mansoa, Oio, Costa de Baixo e Bissau e que lhe fosse dada uma percentagem de 10% sobre o imposto de palhota cobrado anualmente nas regiões acima referidas.

Em 1 de agosto, quando uma força do comando do Alferes Figueira seguia de Farim para Mansabá foi este oficial avisado durante o trajeto que vários grupos de forças armadas se dirigiam ao seu encontro, pelo que tomou certas disposições no sentido de evitar qualquer surpresa. Até à povoação de Bironque a marcha fez-se sem incidentes, tendo notado apenas que a linha telegráfica se encontrava cortada. O 2.º Sargento Parreira, que comandava a guarda avançada, foi avisado que uma força armada, mais adiante, se opunha à passagem dos nossos.
Como os carregadores informados do caso pretendessem fugir, o sargento abandonou a coluna dirigindo-se para Farim, sendo seguido por um indígena e um cabo europeu que, alcançando-o, se verificou ser Alburi Indjai, alferes de segunda linha, sobrinho de Abdul, que ia comunicar estar Abdul inteirado de que a força não ia atacar e que por isso podia continuar a marcha, pois já tinha avisado a sua gente para lhe não impedirem a passagem."


(continua)
Jorge Frederico Velez Caroço, governador da Guiné
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Notas do editor:

[*] - Vd. postes de:

30 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17536: Notas de leitura (974): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

7 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17554: Notas de leitura (975): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

10 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17563: Notas de leitura (976): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (4) (Mário Beja Santos)

14 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17582: Notas de leitura (977): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (5) (Mário Beja Santos)

17 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17591: Notas de leitura (978): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (6) (Mário Beja Santos)
e
21 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17610: Notas de leitura (979): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22546: Historiografia da presença portuguesa em África (280): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22546: Historiografia da presença portuguesa em África (280): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,

Em boa hora se voltou à secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia. Ficara para trás este cotejo efetuado em 1925 por um oficial do Exército que no essencial debita factos sem apreciações pessoais até que chegamos à prisão de Abdul Indjai, aí ele intervém calorosamente e não se nega a dar opinião. 

Há um dado muito curioso da análise deste personagem que possuía uma tropa de choque muito especial e que a pôs ao serviço de Teixeira Pinto. Dos poucos depoimentos que possuímos sobre membros da Liga Guineense (que foi abruptamente distinta, isto numa época em que as organizações de ideário republicano eram acarinhadas) há quem diga abertamente que Abdul Indjai permitia todos os saques pelas povoações onde passava, o que contundia com os interesses dos comerciantes que se viam despojados de matéria-prima para exportação. 

Ele podia, enquanto régulo do Oio, enviar a sua tropa de choque ao serviço do colonizador, mas aterrorizava as populações de todas as vilas acima de Mansoa. É muito fácil andarmos à procura das causas do martírio quando teimosamente fingimos que o valoroso braço direito de Teixeira Pinto agia como o mais prepotente pilha-galinhas, afrontando uma ordem civilizacional que a administração portuguesa da Guiné procurava instituir. Vamos continuar, há mais surpresas.

Um abraço do
Mário



A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1)

Mário Beja Santos

Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.

Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.

Tudo começa em 8 de janeiro de 1834, realizou-se o Auto de Ratificação da Praça de Bolor, sítio de Etame, pertencente a Cacheu, de uma parte o provedor de Cacheu, Honório Pereira Barreto e da outra Jaguló, rei e senhor do território de Bolor, que cedeu o território denominado Baluarte.

Estamos agora em 9 de outubro de 1856, é feito um contrato entre o tenente-coronel Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e os gentios de Nagas, representados pelo régulo de Cadi e por Nhaga, pai do régulo de Nagas, por o gentio desejar restabelecer as relações com a praça de Cacheu que há cinquenta anos se achavam suspensas, por causa de uma guerra que houve entre as mesmas. Neste contrato é celebrada a paz entre a praça de Cacheu e o gentio de Nagas, podendo os habitantes de Cacheu negociar nas terras de Nagas, ficando reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, que se chama Armada, não sendo concedida esta vantagem a estrangeiros.

Com data de 6 de março de 1857 estabelece-se uma convenção entre o governo da Guiné e os Felupes de Varela. Esta convenção foi feita por motivo do governador da Guiné, Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, ser herdeiro do seu falecido pai, o Major João Pereira Barreto, de uns territórios que os Felupes de Varela da margem direita da barra de Cacheu, em tempos tinham cedido a este senhor. O governador Barreto, como os Felupes não desejassem que este território fosse para os franceses, cedeu-o ao Governo de Portugal, ficando desde esta data de 6 de março ratificado a favor da nação portuguesa. Dois anos depois, celebra-se o tratado de concessão à nação portuguesa pelos Felupes de Jufunco (Cacheu) de todo o seu território.

O Tenente-Coronel Miguéis recorda em 1870 foi proferida sentença a favor de Portugal pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, ficava esclarecida a questão de Bolama.

Em 24 de janeiro de 1871, foi vítima de uma rebelião de Grumetes na Praça de Cacheu o governador interino daquele distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. Em 8 de março, uma força composta pelo Batalhão de Caçadores N.º 1 e de marinheiros da Armada Real efetuou um ataque à população de Cacanda (Cacheu), destruindo-a totalmente. Os indígenas desta povoação inquietavam constantemente a Praça de Cacheu, acabando por assassinar o governador do distrito. O Capitão J. A. Marques desenvolvendo um plano de ataque anteriormente combinado, consegue conduzir à vitória todas as nossas forças.

Em 19 de abril, foi lavrado o termo de ratificação e reconhecimento de cessão feita pelos Felupes de Varela de todo o território deste nome, ao governo português. Como também em 3 de agosto de 1879 foi feito um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jufunco à nação portuguesa. Estamos agora em 8 de abril de 1980 e ficamos a saber que foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem de Torre e Espada o Tenente-Coronel Agostinho Coelho por ter sufocado em Bolama uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, que tinha por fim constranger o mesmo governador a mandar pôr em liberdade dois oficiais desse batalhão.

Nesse mesmo ano, em 1 de junho, celebrou-se o tratado de paz na povoação de Buba entre os régulos Beafadas, o chefe principal do Forreá, Sambel Tombon e o Governo Português, sendo comandante militar o Capitão de Caçadores N.º 1 da África Ocidental, Tomás Pereira da Terra.

A enumeração de tratados é infindável, mas talvez valha a pena continuar até depois chegarmos ao aprisionamento do régulo do Oio, Abdul Injai, o braço direito de Teixeira Pinto.

Voltamos a 1881 e o autor enumera tratados entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Baduk, tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon. Regista o autor também conflitos originados pelos Beafadas de Jabadá. Foi celebrado no Presídio de Geba o tratado de paz e obediência do régulo Fula-Preto do Indorna Dembel, Alfa Dacan e o governo da colónia.

Em 1883 ocorre um episódio que aparece versado noutras fontes. Os Fula-Pretos atacaram S. Belchior, aprisionaram cristãos e reduziram a cinzas as suas casas. O responsável pelo presídio de Geba, Alferes Marques Geraldes, organizou uma pequena expedição e foi a Indornal, onde conferenciou com o régulo Dembel, fez a entrega das duas mulheres raptadas e pagou uma indemnização ao governo.

No ano seguinte foi feito um tratado entre o Governador de Cacheu e os régulos de Bolor. Em 16 de abril de 1885, a bordo da escuna Forreá, fundeada no rio das Ilhetas, foi feito um ato de vassalagem ao governo português. Em 11 de outubro do mesmo ano, atacou-se Sambel Nhantá (Cuor, Geba) e foram louvados o Capitão Caetano da Costa Pessoa e o negociante Agostinho Pinto.

Em 15 de janeiro do ano seguinte regista-se um ataque à tabanca de Bijante, no Cubisseco. Em 19 de junho, uma força de 500 Fulas comandada pelo filho de Umbucu investiu contra duas tabancas de Mansomine. Este ataque foi contra as forças de Mussá Molô, de Sancorlã. Era chefe do presídio de Geba o Tenente Francisco António Marques Geraldes que arranjou numa hora uma expedição de 200 homens, atacou as tabancas do régulo de Mansomine, arrasou-as em três horas. Depois Geraldes dirigiu-se a Sancorlã e derrotou Mussá Molô. Geraldes foi então promovido a capitão por distinção. O autor regista que em 1896 havia os seguintes destacamentos na Guiné: Geba, S. Belchior, Sambel Nhantá, Gã Dafé, Contabane e Cacine.

Em 8 de julho de 1919, é declarado o estado de sítio nas regiões dos comandos militares de Bissorã e dos Balantas e na circunscrição civil de Farim, foi nomeado comandante militar o Capitão Augusto José de Lima Júnior. O motivo foi pôr termo à situação anormal criada pela insubmissão do régulo Abdul Injai. O texto que se segue, e que desobedece completamente às considerações até agora neutras que o autor expende ganham um cunho pessoal, vale a pena ler o texto integral, aguça-se a curiosidade do leitor só com o seu texto de arranque:

“Será possível que Abdul Injai se revoltasse?

Abdul Injai, Tenente de Segunda Linha pelos serviços prestados ao Governo Português durante as campanhas da Guiné, o grande amigo dos portugueses, o braço-direito de Teixeira Pinto, o cabo de guerra indígena de maior vulto nas guerras contemporâneas, o homem que descansando as fadigas guerreiras no seu regulado continua cedendo ao governo os seus homens para auxiliarem as tropas regulares que sucedem às campanhas de pacificação; este herói a quem o governo, depois de Teixeira Pinto, tudo deve… revolta-se?”


(continua)


Jorge Frederico Vellez Caroço, Governador da Guiné
Honório Pereira Barreto, um resto da sua estátua na Fortaleza de Cacheu
Fortim de Cacheu, gravura do século XIX, Arquivo Histórico Ultramarino
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21062: Historiografia da presença portuguesa em África (212): A Guiné há um século, segundo Fortunato de Almeida em "Portugal e as Colónias" de 1918 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
É certo e seguro que muitos de nós tivemos lá em casa obras do Fortunato de Almeida, do Pinheiro Chagas, conhecidos divulgadores da história pátria. Muito mais tarde, em pleno Estado Novo, impôs-se um nome na divulgação, socorrendo-se de biografias, Mário Domingues, escrevia escorreitamente, as Edições Romano Torres viveram durante décadas à sombra do seu nome.
As informações de Fortunato de Almeida aparecem confinadas ao que se publicava fundamentalmente na Sociedade de Geografia de Lisboa, terá sido das suas publicações que ele tirou ilustrações, uma delas belíssima que é uma dança de grumetes com os seus trajes guerreiros. Dá para perceber como os estudos coloniais referentes à Guiné eram parcimoniosos. As sublevações ainda são uma constante, nomeadamente nos Bijagós, a mancarra já se impõe, tal como a borracha e o coconote. O salto desenvolvimentista, mesmo que bastante tímido, será dado na década seguinte com o Governador Velez Caroço.

Um abraço do
Mário


A Guiné há um século, segundo Fortunato de Almeida

Beja Santos

Fortunato de Almeida, bacharel formado em Direito, sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos e do Instituto de Coimbra foi nome sonante de divulgação histórica no primeiro quartel do século XX. A sua História de Portugal, a sua Biografia de Alexandre Herculano, a sua História da Igreja em Portugal e Portugal e as Colónias Portuguesas, tiveram ampla divulgação. Portugal e as Colónias Portuguesas data de 1918 e parece do maior interesse saber o que era o estado dos conhecimentos em matéria de larga difusão. Fortunato de Almeida é corretíssimo quando diz que no passado a colónia era conhecida como Guiné Superior, como também foi designada Alta Guiné, Senegâmbia Portuguesa, Guiné dos Rios de Cabo Verde, entre tantas outras designações. Refere as fronteiras decorrentes da Convenção Luso-Francesa de 12 de Maio de 1886, diz algo que hoje sabe-se não ter nenhum fundamento histórico, caso da descoberta por Nuno Tristão em 1446 ou dizer que Cacheu foi considerada durante um século capital. É certeiro a descrever a natureza e relevo do solo, a hidrografia e o clima, não esquece o macaréu que os brasileiros designam, no Amazonas, pelo nome de proroca. Ao tempo o Geba banhava numerosas povoações que ele elenca: Geba, Fá, S. Belchior e S. José de Bissau. Falando da flora, da agricultura e da fauna, releva o milho, legumes, mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar, mancarra, bananeira, laranjeira, cafezeiro, tamarindo, palmeira, tabaco, algodoeiro, árvore-da-borracha, cola, bambu, mogno, ébano, pau-carvão, pau-sangue e outras espécies florestais. Depois de elencar os animais domésticos, não sabemos em que documentos ele foi descobrir tigres e leões, sabe-se que havia elefantes (estão agora a regressar, parece que são avistados na Lagoa Cufada), fala em panteras, búfalos, gazelas, pelicanos, íbis, falcões e diz haver numerosas aves.

Quanto ao comércio, portos e vias de comunicação, estima que o movimento comercial ainda estava a ser prejudicado pelo caráter irrequieto de certos povos indígenas, mas o desenvolvimento económico no período entre 1903 e 1912 era indiscutível, exportava-se borracha, óleo de palma, amendoim e outros e importavam-se tecidos, géneros alimentícios, metais, tabacos e bebidas. Surpreende dizendo que a população era calculada em 70.000 habitantes, não é minucioso a descrever as etnias mas diz tratar-se de povos de caráter diverso: aguerridos, irrequietos e salteadores; uns vivendo da apascentação de gados, mas todos, para sobreviver, dependentes da agricultura.

E dá outros dados sobre a geografia política, a saber:
“Muitos dos habitantes são feiticistas; outros são muçulmanos; e há também muitos cristãos. Dos gentios, alguns são polígamos; crêem na transmigração das almas e dão-se muito a práticas supersticiosas. A evangelização daqueles povos tem sido descurada, por falta da indispensável protecção do Estado a admissões religiosas.
Exerce autoridade suprema na Guiné um governador de província. A sede do governo é em Bolama e as outras povoações mais importantes são Bissau, Cacheu, Geba, Bolor e Farim.
Forma a província um só concelho, com a sede em Bolama. Há comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine. A justiça é administrada pelo Auditor dos Conselhos de Guerra em Bolama, o qual acumula com aquelas funções as de Juiz de Direito.
A Guiné Portuguesa pertence à Diocese de Cabo Verde; e é eclesiasticamente administrada por um vigário-geral, que até há poucos anos era auxiliado no ministério religioso por seis párocos missionários.
Há escolas primárias para ambos os sexos em Bolama, Bissau e Cacheu; e só para o sexo masculino em Buba, Geba e Farim.
A guarnição militar compõe-se de uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, e de dois pelotões de dragões; uma canhoneira, duas lanchas-canhoneiras e algumas lanchas de vela para policiamento dos rios”.

 Igreja S. José de Bolama

Fortaleza de Cacheu

Recordo aos interessados que no levantamento a que procedi ao BNU da Guiné intitulado Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba, publicado integralmente no blogue e nas Edições Húmus, em 2019, adiantam-se informações, nalguns casos bem divergentes das aqui apresentadas. E fica bem claro que muito vai mudar com a chegada, poucos anos depois, do Tenente-Coronel Velez Caroço como Governador, lançará mão de um programa de infraestruturas e comunicações jamais visto, irão aparecer, embora tenham vindo a dar com os burrinhos na água, uma série de grandes projetos agrícolas.
A despeito de tanto labor, haverá sublevações nos Bijagós e a economia manterá uma estrutura rudimentar, basta atender ao que escreveu, em 1925, o gerente da Filial de Bolama:
“A forma como aqui se comercia é de ocasião e absolutamente primitiva. Aproveitando-se grosseiramente da falta de navegação, elevam com mais alvar descaramento os preços, quando determinada mercadoria escasseia na praça. É positivamente um comércio de assalto. Na sua maioria, comerciantes aqui desembarcados de saca e socos muito deixam a desejar. Orgulham-se, tolamente, de não precisarem do Banco, mendigando-nos depois, miseravelmente, transferências. Apenas aqui existe uma casa comercial digna desse nome: é a Casa Gouveia! Não obstante, esta não deixa de enfermar de todos os vícios gananciosos do pequeno comércio, cultivando-os até com requintes de exagero”.

Bem curiosa é a bibliografia que ele apresenta da Guiné: O Tratado de André Álvares de Almada, documentos do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, o livro Província da Guiné Portuguesa de Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, e são referidas outras obras da autoria de Sena Barcellos, Marcelino Marques de Barros e Loureiro da Fonseca. O principal alfobre documental da época estava, sem dúvida, na Sociedade de Geografia de Lisboa e em trabalhos dos seus associados.
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Nota do editor

Último poste da série 3 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21036: Historiografia da presença portuguesa em África (211): “A Guiné do século XVII ao século XIX – O testemunho dos manuscritos”, por Fernando Amaro Monteiro e Teresa Vázquez Rocha; Prefácio, 2004 (Mário Beja Santos)