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domingo, 1 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5191: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (22): Teixeira Pinto, férias à vista

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 28 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Mais uma passagem de Viagem… despoletada pela publicação da mensagem de anos ao Fontinha.

Um abraço e tudo de bom
Luís Faria


Teixeira Pinto - Férias à vista

Nos primeiros dias de estadia nestas novas paragens, tentei aperceber-me das características da povoação e das suas gentes, cirandando e observando comportamentos, tendo quase sempre como companheiras a minha faca de mato e a Walter requisitada e que repousava no bolso interior do camuflado.

A meu ver, a cidade era diferente, bem melhor planificada e maior do que Bula. Estendia-se ao longo de uma avenida principal recta e de duas vias no sentido SE/NW, alargando-se essencialmente para Norte e para Leste onde abraçava os inícios das estradas para Cacheu e Pelundo, respectivamente. Para Sul e Sudeste (??), até ao rio.

Se bem recordo, a avenida que se iniciava numa espécie de rotunda e terminava nas proximidades do aquartelamento, era ladeada por vivendas térreas, com os seus alpendres espaçosos que, permitindo abrigo da canícula e dos dilúvios, eram óptimos para, esparramados numa chaise longue, se fumar uma apetecida e bela cigarrada, acompanhada de uma boa cervejola fresca a entremear um petisquito, enquanto se apreciavam os movimentos bajudeiros, quando aconteciam.

Lateral e paralelamente havia mais, salvo erro, duas outras ruas que se ligavam à referida avenida por perpendiculares. Numa destas acabamos por alugar uma vivenda, espaçosa e também com um belo alpendre, onde e como já referi, se vieram a passar muitos bons momentos de confraternização, camaradagem… e não só!

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Foto e legenda: © Luís Faria (2009). Direitos reservados


Em termos operacionais e nesses primeiros dias, fazíamos incursões ofensivas nas matas do lado esquerdo da estrada, no sentido Teixeira Pinto/Cacheu e umas seguranças à estrada em construção.

A nossa primeira época das chuvas tinha chegado e com ela aproximava-se o 6 Junho de 1970, o meu tão ansiado dia F, início das minhas também primeiras férias.
Tudo estava a correr com normalidade e sem problemas de maior no plano operacional.
A carteira estava recheada já que a dívida do jogo em Binar - que me pagou a viagem de ida e volta à Metrópole - já me tinha sido liquidada, como combinado. Homem de palavra!
A vida era bela!! Muito em breve estaria longe, noutras paragens em ambientes bem mais apetecíveis!

Estou no quartel, decerto com o pensamento longe, noutras latitudes. No dia seguinte irei de DO para Bissau, onde apanharei o voo da TAP para Lisboa.

Mas... não há bela sem senão!

O Capitão Mamede chama-nos, ao Fontinha e a mim, e comunica-nos que temos uma missão a cumprir: rebentar com uma série de munições antigas, depositadas para o efeito numa cratera aberta dentro do perímetro, lá para as bandas da bolanha !!!!(*)

Mesmo que eu fosse um UiUi não uiuivava com certeza, já que os apêndices pendulares me caíram ao chão, sem sequer ter sido necessário haver estacas ou saltar de um banco (como fez o desbragado sexual que foi ao médico mostrar as suas vergonhas, queixando-se com dores e a quem o médico disse olhando aquela lástima apodrecida:

- Não se preocupe… resolve-se já o problema e nunca mais vai ter dores. Suba para aquele banco… salte para o chão… ´tá ver, está resolvido… caiu-lhe tudo.

Na certa devo ter manifestado ao Capitão o meu desagrado, lembrando-lhe ir no dia seguinte de férias e tal e tal… A lengalenga deve ter sido comovente, mas não colheu!
E lá fomos, o Fontinha e eu, ver o petisco que nos tinha calhado na sorte.

Chegados à cratera… os ditos apêndices que davam azo aos uiuis voltaram ao lugar e ficaram… negros!

A realidade estava encarada de frente… tínhamos à vista um monte de quilos de explosivos velhos, granadas de vários tipos com e sem espoletas, minas… enfim, um petisco bem servido, muito variado e quente, muito quente e que podia surpreender!!

Com muita serenidade, havia que meter cabeça e mãos à obra e enfrentá-la!
Como em todas as competições, havia três prémios em disputa nesta prova:

1.º - Ir de Férias ao Puto e gozá-las;
2.º - Ir de férias ao Puto… sem as gozar e criando–nos chatices e a terceiros;
3.º - Ir de férias de vez e em Paz, sem destino definido.

Claro que ambos queríamos vivamente alcançar o primeiro prémio e para isso tínhamos que, progredir com cautela e cabeça fria, de maneira a chegarmos à meta exactamente ao mesmo tempo.
Assim foi, conseguimos! Ganhámos e a prova disso é estar agora a azucrinar-vos com este escrito e o Fontinha a vencer mais um ano hoje, 28/10/09. Como o conseguimos será explicado numa outra ocasião.

Dia F, a Dornier rasga os céus, levando-me nas suas asas através de poços de ar e bela paisagem nunca antes por mim avistada.

Os pipelines no deserto do Saara (?) são visíveis numa grande extensão…continuo a olhar pela janela do Boeing
Lisboa está à vista.

Um abraço a todos
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLX: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

1. Mensagem de Luís Faria, (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 25 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Com um abraço para ti e demais co- Editores segue outro dos capítulos de “Viagem…” há já uns tempitos interrompidos.

À restante Tertúlia um outro abraço, com votos de paz e serenidade, único modo de conseguirmos objectivar com clareza os eventuais caminhos a percorrer na procura da resolução dos nossos problemas.

Luís Faria


Teixeira Pinto – CAOP 1
Por Luís Faria

Chegados ao nosso novo destino - Teixeira Pinto - e libertos da formatura em Parada na apresentação ao Comando do CAOP 1, há (julgo) que distribuir uns abraços por pessoal do 4.º GCOMB que já lá se encontrava desde o princípio do ano, procurar as novas suites e dar uma vista de olhos aos cantos da casa. Depois e certamente… umas súrbias no agradável Bar dos Comandos, que também passaríamos a frequentar.

O quartel tinha pouco a ver com o de Bula. Era muito maior e se bem me recordo, espraiando-se da cidade até ao rio, com melhores instalações e com muita maior densidade populacional militar.

A FORÇA - CCAÇ 2791 a três GCOMB, colocada às ordens do CAOP, estava prestes a iniciar uma nova etapa naquela ZO do Cacheu, que se iria prolongar por aproximadamente cinco meses, entremeados por três semanas em que os três GCOMB foram deslocados para a defesa de Bissau, dos últimos de Julho a terços de Agosto.

Em coabitação no quartel e em termos operacionais de intervenção, havia uma Companhia de Páras (128?, 127?), outra de Comandos (28ª?, 29ª?) e um Destacamento de Fuzileiros Especiais, para além de um Esquadrão Daimmler (não recordo se este coexistia no mesmo espaço, mas estou em crer que não).

Os três GCOMB da 2791 foram integrar estas forças de intervenção, passando a breve trecho a rodar com elas.

Àquela data era lá a sede do CAOP 1, sob o comando do Cor Pára-quedista Rafael Durão (era mesmo durão !!) que não deu descanso à nossa Companhia durante os meses em que lá estivemos, pondo-nos a trabalhar em força mas com contrapartidas, como adiante explicarei.

Ao Cor Durão, que fazia jus ao seu nome, julguei-o como um homem correcto e forte de carácter, e um Militar de grande carisma e competência. Dizia que os camuflados usados em Operações deviam cheirar a mato (mal) e não a lavados, para se confundirem nos odores daquelas matas onde o embrulho era mais que provável, como viríamos a constatar. Tinha razão, mas não era novidade.

O pessoal da 2791 foi usado em alternância com a tropa especial, como se de uma se tratasse. Actuávamos em bi-grupo (raramente completo) nas matas belicosas de um e outro lado da estrada Teixeira Pinto - Cacheu, passando por norma 36 horas em operação e 24 em descanso.

Provas dadas, começamos a ter direito a alimentação e ração de combate especiais e também a reforço de armamento. Se a memória não me atraiçoa, cada Grupo, quando saía, para além da dotação normal, acrescentava duas MG e mais um lança-rockets, não tendo a certeza de um morteiro 60. As rações de combate passaram a ser iguais às dos Fuzileiros.

Dava gozo e prazer vermo-nos com aquele armamento! Sentíamo-nos confiantes e até…importantes! Não esqueçamos que no conceito(?) de alguém(uns(?)) éramos um Bando do Arame (??!!)! Mas pelos vistos… privilegiado, por essas alturas!!

Que diferença de condições e tratamento comparando com Bula, onde fomos usados e abusados sem qualquer apoio ou contrapartida!!!

Em Teixeira Pinto, o Cor Durão exigia mas, como se vê, proporcionava-nos condições e apoio efectivo. Carregando na mão a sua Kallash chegou mesmo a integrar o bi-Grupo da FORÇA numa operação embrulhada, sob comando do Alf Mil Barros (2.º GCOMB), demonstrando ao pessoal a sua confiança e talvez ao mesmo tempo, aquilatando da nossa preparação e competência.

Para fugir daquela pressão toda a que passamos estar sujeitos, e que fez com que a dada altura o horizonte de futuro pessoal passasse (falo por mim) a ser o dia seguinte, meia dúzia de nós resolveu alugar uma vivenda situada na esquina de uma paralela à avenida principal.

Nela e nos intervalos das operações, o stress passou a ser vencido com cerimónias entre camaradas amigos, em que as frescas bazucas e o Casal Garcia, o Demole com ou sem Coca-Cola, e o petisco, passaram a ser omnipresentes. De certo modo festejávamos mais um dia ganho e tentávamos não pensar no dia seguinte.

Nessas ocasiões, a música ouvida, tocada e cantada muitas vezes a(o) desafi(nad)o, era um dos complementos alienadores dos nossos receios e pensamentos sombrios, levando-nos por vezes para momentos (continuo a falar por mim) desenraizados da nossa realidade e da nossa maneira de ser, transportando-nos em visões animadas e coloridas de esperança, umas vezes, sombrias e difíceis de suportar… outras, que nos isolavam e acabrunhavam!

Quando estas últimas aconteciam… aparecia sempre, pelo menos, um amigo que nos dava o ombro e ajudava a ultrapassar esses momentos mais penosos e difíceis.
Andávamos pelos vinte anos, com uma vida já estropiada e um futuro de incertezas.
A nossa adolescência esfumara-se rapidamente para passado!

Um novo homem ia surgindo, arcando para toda uma vida marcas profundas, ganhas durante essa transição brusca, fora de tempo e afinal… sem reconhecimento e pelos vistos sem sentido!

Luís Faria

Luís Faria em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Teixeira Pinto > Igreja Católica
A nossa vivenda em Teixeira Pinto

Teixeira Pinto > "Cerimónia" na Vivenda

Fotos (e legendas): © Luís Faria (2009). Direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4907: Convívios (158): 8.º Encontro da CCAÇ 2791, dia 26 de Setembro de 2009 em Torres Vedras (Luís Faria)

Vd. último poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4874: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (20): Adeus Binar, até sempre

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4874: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (20): Adeus Binar, até sempre

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 21 de Agosto de 2009, com mais um episódio dea série Viagem à volta das minhas memórias:

Amigo Vinhal, um grande abraço.

Continuando na “Viagem à volta das minhas memórias”, Adeus Binar… até sempre fecha mais uma etapa da minha passagem pela Guiné e vai abrir uma nova, de certo modo diferente, noutros contextos e noutras condições.

Um abraço para todos os que têm a pachorra de me irem lendo.
Luís Faria


Adeus Binar... até sempre!

As primeiras molhas começavam a desabar, de volta em vez verdadeiros dilúvios que davam para tomar banho ensaboado e desensaboar, como se estivéssemos num chuveiro de forte jacto de água da civilização!!

Os ponchos saíram dos sacos e viram a luz do dia. O ribombar dos trovões a par com os riscos aleatórios dos relampejos, traduzia-se num espectáculo quase único e de rara beleza, especialmente na noite, criando a par um outro, este mais fantasmagórico, o da dança do arvoredo como se de figuras de Dante se tratasse !

Estávamos em Maio de 1971 e as minhas primeiras férias na Metrópole já à vista.

Aí pelos vintes, a “FORÇA” a dois GCOMB (1.º e 2.º), começa a arrumar as trouxas e a despedir-se das instalações do antigo sanatório da Doença do Sono - onde ficou aquartelada cerca de dois meses - e daquela boa gente de Binar que connosco foi convivendo sem quaisquer problemas, durante esse tempo.

Para trás iam ficar os jogos futebolísticos, os reordenamentos e seus (do 1.º GCOMB) engulhos, os jogos da treta improvisados, as tardes de sorna, o primata equilibrista, os belos manjares na Tabanca, o bordel ao ar livre, o tenor canino, os voluntários da noite e as jogatinas de Póker… enfim !!

Vão ficar para trás os dias de relativa calma operacional não interventiva que a 1.ª REP do CTIG nos tinham ofertado, talvez como paga das muitas Operações desenvolvidas pela Companhia - creio terem sido dezanove no curto espaço de tempo – que originaram mais de uma dúzia de confrontos directos com as forças inimigas, - alguns dos quais por mim já referenciados em “Viagem à volta das minhas memórias” – que por sua vez nos causaram nas matas um morto e vários feridos, infelizmente.

Éramos uma Companhia de Intervenção e como tal, ao que parecia íamos lá para Teixeira Pinto, fazer protecção aos trabalhos na estrada Teixeira Pinto – Cacheu, onde já se encontrava o nosso 4.º GCOMB desde Janeiro. O 3.º GCOMB continuaria em Bissum.

Se assim fosse, o que me custava a acreditar, tudo bem, não devia haver problemas ou perigos de maior, comparando com o que já tínhamos passado em Ponta Matar e Choquemone, onde pelo menos para já, não voltaríamos a meter as botas, felizmente.

Assim, na hora aprazada, a coluna arranca a 25 de Maio de 1971, pelo meio dos olhares e acenares de adeus e algazarra do Pessoal, entrando preparados e bem atentos na estrada/picada em direcção a Bula , não fosse as gentes amigas do Choquemone nos querer proporcionar uma festa surpresa de despedida menos simpática !?


A viagem continua em direcção ao novo destino

O início das minhas férias está a uma quinzena. A contagem é regressiva e imagens do futuro próximo no Puto pintalgam-me os pensamentos.

Para trás fica Bula e o desvio para João Landim e enquanto as viaturas aceleram pela estrada alcatroada em andamento normal e com distâncias, os olhos atentos a qualquer eventualidade, vão-se também passeando por paisagens que começam a ser desconhecidas.

Có, à nossa esquerda fica para trás, assim como umas bocas e nova algazarra ao avistamento de bajudas ou militarada. A viagem prossegue com boa disposição, e ao que julgo recordar, apesar de já estarmos na época das chuvas nem um pingo caiu sobre nós!

Chegada ao Pelundo, a coluna pára, não recordo porque e o pessoal desentorpece as pernas, talvez a mãos com umas bazucas e uns dedos de conversa com o Pessoal lá aquartelado, recomeçando pouco depois a viagem.

Na minha cabeça para além de pensar como seria Teixeira Pinto e o que nos esperava por lá, perfilavam-se dois pensamentos: as férias, daí a quinze dias e o Cap. Mamede a dar-me o patacão que me devia das jogatanas de Póker, e que me pagaria a passagem de avião… ida e volta !!!

Porreiro… a vida era bela!!?!!

Teixeira Pinto está à vista… porra esta merda parece uma cidade… tem avenida e tudo.!!!? Isto é o quartel…? Espectáculo… fo…!!


Luís Faria 1971


Entrados no novo quartel, o pessoal salta das viaturas.
Teixeira Pinto ia passar a ser parte do nosso futuro, não sabia por quanto tempo.

Luís Faria
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4844: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (19): Dias em Binar - 4

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4844: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (19): Dias em Binar - 4

1. Mensagem Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 15 de Agosto de 2009:

Caro Vinhal

Para ti, Luís , Briote e M. Ribeiro um grande abraço.

Mando mais um capítulo de Viagem … à consideração e na esperança de não maçar muito os eventuais Camaradas leitores. Se acontecer… paciência... avisem!!

Trata-se da ligeira abordagem de uma das verdades da guerra, muito comum mas ao que sei, relativamente pouco falado e muito menos aprofundado.

Outro abraço, para os que ficaram de fora no primeiro !!

Até breve
Luís Faria


Dias de Binar - 4

Voluntários da noite

Se muitos dos dias em Binar ao que recordo, eram cinzentos e convidavam à sorna e à ociosidade, às peguilhices desportivas entre ditos e bocas sibilinas e às conversas da treta, para não falar em divertimentos mais ou menos atentatórios da sanidade mental dos intervenientes, já as noites, a partir de certa altura e quando não havia trabalho pré-programado, por norma passaram a não o ser.

Formámos um pequeno grupo de voluntários da noite, tendo grande parte delas passado a ser, como se diz agora stressantes e interactivas emocionalmente condicionadas e participativas, em que a acção era assumida por este pequeno núcleo duro voluntário - Cap. Mamede, Cap. da 17, Urbano e eu – reforçado de quando em vez com os Furs. Mealha (MECAuto) ou o Metralhinha (TRMS) ou o Madaleno (Atirador) o que por vezes causou problemas de adaptação a mim e julgo que ao Urbano também.

Por norma este grupo reunia-se para a acção após um lauto jantar melhorado, de bianda com salsicha ou com atum(?!). Meia de converseta com o café e uns uísquitos ou similar à mistura, para ajudar à digestão do banquete e à boa disposição.

De seguida e já cientes de quem iria tomar parte, havia uns momentos de relaxe e de concentração de espírito nas tácticas a utilizar na acção que se avizinhava e que por vezes durava até ao nascer do sol ou até à cerimónia do içar da Bandeira, altura em que por norma e querer nos obrigávamos a estar presentes, salvo qualquer contratempo de maior.

Neste tipo de acções não podia haver, nem havia hierarquia, só respeito mútuo e autoconfiança.

A calma não podia ser simples figura de retórica e os nervos tinham que ser de aço! A dissimulação e a camuflagem deviam andar de mãos dadas com a observação arguta e atenta do terreno que se pisava; o engodo e agressividade tinham que estar presentes e usados na dose e altura certas, sob pena de passarmos a ser presa em vez de predadores.

Nos momentos em que essas condições estavam reunidas, era altura de desferir o golpe, sem misericórdia, não olhando a quem, esperando causar o maior estrago possível aos adversários ou até, se eventualmente possível, aniquila-los!

Éramos um grupo voluntário de companheiros amigos e nessas acções, todos sabíamos e tínhamos consciência de que, cada um tinha que olhar por si e não devia contar com ajuda dos outros!

Se sofrêssemos estragos causados pelo adversário, a culpa era unicamente individual e não do grupo, pelo que não podíamos nem devíamos responsabilizar outrem, senão a nós próprios!

Assim, a amizade e companheirismo nunca foram postos em causa e quando apanhávamos no pelo acabávamos por ganhar força e engenho para o próximo confronto, tentando aprender com os erros cometidos e aprimorando as nossas técnicas.

O importante era não ser aniquilado extemporaneamente. Devíamos tentar continuar e aguentar! Perder uma ou outra batalha não é perder a guerra!

A hora do arranque chegava. Olhava-mo-nos e cada olhar diz-nos que quer vencer. Todos o queremos, é certo!

Umas últimas chalaças para descomprimir e momentos depois ouvia-se um vamos a isto!?...

Dirigíamo-nos para os nossos lugares. Se tudo corresse à maneira, a noite iria ser longa!

O objectivo de todos era arrasar o adversário!

O baralho era posto na mesa. As cartas eram baralhadas e dadas!

A jogatina de Póker aberto começava!

Um abraço a todos e… desculpem
Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4823: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (18): Dias em Binar - 3

sábado, 15 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4823: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (18): Dias em Binar - 3

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 11 de Agosto de 2009:

Amigo Vinhal

Após uma temporada em que me não me foi possível escrevinhar nada, segue agora mais uma “Viagem …” que publicarás se assim o entenderes.

Dei uma vista de olhos pelo blogue, que me pareceu reflectir o tempo em que estamos…em Férias!

Para todos os que as desfrutam… que lhes sejam retemperadoras de espírito e rejuvenescedoras de saúde.

Um abraço
Luís Faria


Dias em Binar - 3
Esta pequena povoação situava-se, como já tive ocasião de escrever, a uma dúzia de quilómetros de Bula, na estrada para Bissorã.

Assim, na proximidade a Norte havia as perigosas matas a que por inclusão chamo de Choquemone (Jundum, Dungor, Choquemone, Madelife) e mais a Norte o Infaíde. Mais para Nordeste seriam as de Biambe (?).

Vem isto ao caso de o Jorge Picado, em comentário ao Poste 4619 ter ficado surpreendido por eu dizer ser um lugar tranquilo onde tínhamos passado uma espécie de férias, estando nas proximidades do Biambe IN.

Na verdade estávamos bastante próximos das matas a que chamo Choquemone (logo a norte de Binar), região de Cacheu. As do Biambe julgo que eram mais para Nordeste, já no Oio, mais próximas de Bissorã.

Como já disse, toda aquela zona de matas para Norte era muito perigosa, e como tal muito patrulhada e onde se sucediam Operações por variados agrupamentos de tropa, inclusive Especial .

Não devemos esquecer o extenso campo de minas na lateral da estrada para S. Vicente, conjugado com as emboscadas e patrulhamentos feitos 24 sobre 24 horas nos pontos de passagem, o que condicionava e muito as movimentações IN naquelas paragens.

Também havia no aldeamento, a tropa Africana (CCaç 17), que teria a sua actividade normal de patrulhamentos e operações na zona.

Talvez também por estas razões, durante aquele mês e meio não tenhamos tido problemas, para além do já descrito ataque de RPG e morteiros na pista de aviação, onde tínhamos postos permanentes de vigilância.


O “Instalazza”

Nesta pista, coube-me experimentar e fazer o respectivo relatório da utilidade de uma nova arma (granada) “Instalazza" (?), com fins, ao que o Capitão me informou, a ser eventualmente usada pelas nossas tropas. O meu parecer foi favorável e pelo menos a nossa Companhia passou a usá-la por sistema.

Se lembram, era uma espécie de pequeno míssil com uma coroa circular dentada na frente, com aletas direccionais estabilizadoras na extremidade oposta e era lançado pela G3, do mesmo modo que o velhinho, perigoso mas útil e devastador dilagrama.

Após muitos lançamentos verifiquei, no meu entender, que era uma arma simples, fiável e que podia ser utilizada num leque alargado de situações já que podia ser usada em tiro horizontal directo a distâncias suficientes em emboscadas, a par e por vezes, apesar da menor carga explosiva, até com vantagem sobre os lança-roquetes e bazucas, dado não ter necessidade de municiador, para além de não fazer cone de propulsão no lançamento, que se não houvesse atenção podia causar queimaduras aos próximos, menos atentos e até incêndio no capim.

Podia funcionar como um mini RPG, (arma que eu mais temia!) quando dirigida às árvores e arbustos, dado ao que me parece recordar, os estilhaços serem direccionados na perpendicular ao eixo.

Em tiro indirecto, funcionava como o morteiro, com menor poder explosivo, mas com a vantagem de eventualmente não desaparecer na bolanha, pois podia ser disparada ao ombro, da coxa e até em tiro instintivo, sem quaisquer problemas. O coice era relativamente pequeno.

Tinha um senão, como o dilagrama que não substituía: a possibilidade, por falta de atenção ou precipitação, de o disparar com bala não própria. Mesmo nesse caso os estragos no pessoal seriam menores já que os estilhaços eram direccionados e não em todas as direcções, como no dilagrama.

Assim, como disse, o meu parecer foi favorável e pelo menos a nossa Companhia passou a usá-la por sistema e ao que me lembro, não tive conhecimento de acidentes com esta arma, ao contrário dos dilagramas, bazucas e até lança-roquetes.


O Turra

Uma manhã, a quebrar o marasmo rotineiro, somos presenteados com um dos turras ao vivo, que andavam a gamar na noite, lá por Pache.

Alertado pela população, o Fur Castro e alguma gericada, (como ele dizia), do 1.º Grupo, conseguiu apanhá-lo, tendo-o pelos vistos amarrado ao poste da Bandeira, onde passou a resto da noite sob vigilância, a par de algum interrogatório amador e talvez de umas amigáveis solhas, digo eu, para afugentar o mosquitame!!

Levado para Binar, por lá ficou à espera de transporte, não recordo se para Bula ou Bissau, para interrogatório apropriado, penso.

Na sala contígua à messe, sentado num banco e amarrado, lá esteve o homem durante um par de horas, provocando a curiosidade da rapaziada em ver de perto e ao vivo um turra, como se de um ser diferente de outro qualquer Planeta se tratasse.

Ao que recordo não aparentava medo ou receio até, antes demonstrando no olhar, laivos de altivez!

O Pessoal aproximava-se, mirava-o e remirava-o, ia mandando umas bocas e fazendo as considerações que achavam sobre a proveniência, a belicosidade, o físico, o olhar… enfim!

Os graduados claro, também entraram na festa e à vez ou ao monte, era ver quem mais e melhor o interrogava, com maior ou menor meiguice verbal, fazendo-lhe as perguntas mais díspares. Também não havia de faltar a foto tirada pelo Fur TRMS Lourenço (Metralhinha) com a sua Asai-Pentax (?), pois interrogatório sem documentação fotográfica para a posteridade (?) não era razoável nem lógico!!?

É nesta altura que me aproximo para também testar os meus dotes de inquiridor.

Adoptando um ar e tom incisivos, para não dizer agressivos, começo o interrogatório e ao fim de meia dúzia de respostas… saio disparado, pouco tendo faltado para ter passado a inquisidor!! A minha cabeça era um turbilhão de perguntas e imagens. Tinha de contar até cem ou mil para voltar ao meu estado normal! Normalmente costumava até dez, ser suficiente!!

Tempo depois, mais calmo, quis voltar para tentar clarificar alguns onde? como? porquês? e obter certezas, o que infelizmente já não foi possível, pois o desgraçado teve que seguir viagem, deixando-me ainda hoje com teorias sem confirmação!

Pelos vistos o rapaz conhecia-me de Ponta Matar e já me tinha tido em mira…duas vezes!!!

A todos um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4657: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (17): Dias em Binar -2

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4657: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (17): Dias em Binar -2

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 4 de Julho de 2009:

Carlos Vinhal

Aos Homens da Ponte da Tabanca Grande - Paquete das Recordações - e a todos os embarcados, não enjoados ou enjoados, mando o meu abraço e um bem-haja.
Mando também esta bagagem de “ Viagem…” na esperança que sirva para atenuar algum enjoo ou que pelo menos não o provoque ou agrave!

Até breve
Luís Faria


Dias em Binar – 2

Um a um os dias iam passando, por norma em batalhas com a mosquitada, com a canícula e com a falta de abastecimentos. Não recordo porque havia esta falta. Talvez por a estrada para Bula ser perigosa e tivesse que ser picada quase na sua totalidade, o que obrigava à respectiva segurança nas orlas das matas de entrada para o Choquemone? Por sermos só um grupo meio desfalcado, não sendo suficiente para as tarefas exigidas?? Não recordo, é uma branca!!

Na verdade a minha passagem por Binar está envolvida por um denso nevoeiro com algumas abertas. Espero bem que alguém que por lá tivesse andado dê uma ajuda na dispersão desta nevoeirada. Tenho esperança!


O Primata voador

Nessas abertas, para além do já narrado em poste anterior vejo a nossa camarata, num dos pavilhões, com as camas encimadas pelos omnipresentes dosséis aramados com pendentes anti-mosquito e cirandando por cima deles um pequeno e refilão macaco sagui (?) , pertença e companheiro do Fur Mil Madaleno, que muito o estimava. O bicho era um tanto agressivo mas ao mesmo tempo dado e não desdenhava uma boa brincadeira, se para aí estivesse virado!

A brincar a brincar, um a certa ocasião mandou-me uma dentada, o que provocou uma reacção rápida: uma punhada forte no dossel onde ele estava sentado, pela lei física da acção/reacção, fez com que o bichano não tivesse tido tempo de se agarrar e fosse catapultado, qual homem-bala para o espaço, conseguindo por sorte (?) ficar pendurado no travejamento de sustentação do telhado, que ainda ficava a uma considerável altura!

Como o primata voador de lá saiu não recordo, mas teve ajuda com certeza! Recordo sim a fúria do meu amigo Madaleno perante a situação. Quanto ao atleta voador, durante algum tempo, sempre que me via os seus olhos faiscavam, guinchava e dava às pernas e braços para longe.

Claro que a situação acabou por ter certa piada, e passou a ser normalíssimo vermo-nos, Madaleno incluído, a fazer do mosquiteiro catapulta, se bem que de modo mais suave. De início o bicho não descolava da rede, tal a força com que se agarrava com as patitas, mas quando se apercebeu que ninguém lhe queria fazer mal, começou a alinhar… e era um gozo apreciar a técnica elevatória equilibrista do artista e a sua aterragem, sempre uma incógnita!!

Afinal ele, a vedeta, também gostava de dar espectáculo e dos mimos que ganhava de seguida, desde que a catapulta não fosse accionada por alguém que aparentasse estar chateado!! Podia não conseguir agarrar o travejamento…!!!


Picagem automática

Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue**) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o que julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz!

Com um abraço
Luís Faria
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4619: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (16): Dias em Binar - 1

(**) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4619: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (16): Dias em Binar - 1

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 28 de Junho de 2009:

Amigo Vinhal
Mais um pouco de Viagem...

Um abraço
Luís Faria


Dias em Binar - 1

Como já havia descrito, Binar era uma pequena povoação situada a uma dúzia de quilómetros de Bula, na estrada para Bissorã. Por lá estive com o meu 2.º GComb cerca de um mês e meio, praticamente sem actividade operacional efectiva, para além de uns patrulhamentos, uns apoios a operações, de umas colunas a Bula para reabastecimentos e dos serviços ao aquartelamento.

Por norma os dias custavam a passar. Para além das moranças, e duma venda/padaria que me recorde, nada mais havia de comércio. Minto, havia uma espécie de bordel temporário dentro das paredes de uma morança em ruínas e a céu aberto, onde as madmoiselles eram uma avó de idade avançada e peitos secos e uma neta bajuda, sendo os preços diferenciados consoante a idade da prestadora de serviços e o utente fosse graduado ou soldado.

Aparentemente mais entretido andava o pessoal do 1.º GComb, lá pelo reordenamento de Pache. Volta e meia apareciam nos seus Mercedes - quais patos bravos - para tratar de assuntos inerentes, altura em que à mistura com umas bazucas era posta em dia toda a conversa da treta. O Alf Mil Freitas Pereira (pira) e o Fur Mil Castro tinham jeito para aquele trabalho e pelos vistos aplicavam bem o programa psico (a psícola, como se dizia !!). Exemplo disso foi o Fur Mil Castro ter apadrinhado um miúdo que nasceu e ficou com o nome FURRIÉL CASTRO. Por brincadeira às vezes digo-lhe – ao Castro - que deixou por aquelas paragens o seu nome !!! Não gostará lá muito, dadas a possibilidade de interpretações enviesadas, mas as verdades são para ser ditas!!


O Parto

Por falar em nascer, um belo dia chamam-me a uma morança por eventualmente estar a haver problemas. Chegado lá deparo-me com um ajuntamento em falatório ininteligível, com gemidos e choro à mistura. Informam-me que está a haver problema num parto. Entro e deparo-me com uma cena difícil de acreditar… só vista!!

Uma bajuda grávida deitada, gemia e chorava. Uma mulher idosa batia-lhe com certa força na barriga, com a lateral de uma catana. Uma outra, mais nova, em pé sobre o abdómen da bajuda, fazia pressão com jeito, sobre a parte superior do abdómen, conjugando esforços na tentativa de provocarem a expulsão, sem no entanto o conseguirem.
De imediato foi pedida uma evacuação urgente para Bissau.


O petisco

A adaptação a Binar foi-se fazendo aos poucos e sendo a população simpática e hospitaleira, de certa maneira ajudou.

Um dia andava pela tabanca e convidaram-me para petiscar. Inicialmente indeciso (não era muito apreciador daquela cuisine), quando me disseram e mostraram o conduto, resolvi aceitar para não ofender e pela nova experiência. Talvez mais pela última razão!

Sento-me com eles no chão a ver preparar o pitéu: cobra (não sei de que marca ?!), com a grossura de um pulso e um bom metro de comprido. A morta é enrolada em folhas grandes e vai à fogueira para assar/cozer. Já não recordo se foi esfolada antes ou depois, mas tenho ideia de no pedaço que provei, ir descascando a dita conforme ia comendo. Não desgostei do petisco mas também não fiquei cliente. Pareceu-me enguia grossa, só que com a carne branca, mais seca e mais agarrada à espinha.


O cão tenor

O dia a dia começava com a formatura do Pessoal para o içar da Bandeira, ao toque do cornetim. À formatura não faltava por sistema, um cachorro viralata que se sentava ao lado do Corneteiro. Quando o som começava a sair do instrumento, o cão uivava em contra-canto, calando-se conforme a corneta parava.

Como era afinado e até se comportava com respeito e tinha porte, era-lhe permitida essa manifestação artística e castrense, assim como o cirandar pelas instalações, sempre pronto a abocanhar qualquer naco que se lhe atirasse, sem que nunca ninguém lhe ouvisse a mais pequena reclamação. Já o mesmo não acontecia com o Pessoal !!


Sandes de pão com bianda e alternativa

Salvo excepções e sem justificação plausível, o abastecimento de viveres era mau, mas a variedade de comida era grande (!!): bianda com estilhaços de fiambre versus bianda com idênticos de atum versus com salsicha, alternando às refeições. A vinhaça era mais propriamente uma aguadilha tingida. Claro que de vez em volta se petiscavam uns nheques (?) ou uns ovos arranjados particularmente na tabanca.

Pela minha parte não tive problema de maior. Sempre e ainda hoje gosto bastante de arroz, desde que não seja muito cozido ou empapado e o cozinheiro fazia-o a meu gosto. Daí que quando o estômago rosnava e nada diferente havia para comer, deliciava-me com uma bela sande de arroz eventualmente sobrado, o que horrorizava os olheiros (!!) mas que me cortava o enjoo do sempre o mesmo!

Por vezes e em alternativa, quando a fome era negra, fazia sandes de pão com pão isto é, pão militar aberto com um papo-seco civil metido no meio. A conjugação dos dois sabores era espectacular!?! À falta de melhor, claro está !!!

Binar foi na realidade a pior estância, em termos de restauração, em que estivemos, mas a realidade é que na Guiné nunca fui obrigado a comer bichezas esquisitas ou a beber água das poças ou da bolanha, para matar a fome ou sede, como aconteceu ao que parece com muitos Camaradas. Nesse aspecto, como noutros, fui um felizardo! Larvas isso comi, em Capó mas… é outra Estória.

Um abraço a todos
Luís Faria
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Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4522: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (15): Binar - Sanatório do sono

domingo, 14 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4522: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (15): Binar - Sanatório do sono

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 13 de Junho de 2009:

Assunto: Viagem...

Amigo Vinhal

Mais um capítulo de “Viagem à volta das minhas memórias”, iniciador narrativo de uma nova etapa da CCaç 2791 (FORÇA), que publicarás se julgares.
Aproveito para mandar um abraço e desejar a todos um óptimo dia de convívio na Quinta do Paul, onde não tenho possibilidade de comparecer, com pena.

Um abraço
Luís Faria


Binar – Sanatório do Sono

Com a entrada do mês de Março de 71 , processam-se de novo alterações na CCaç 2791 e aos primeiros dias do mês, a Força é novamente desmembrada, sendo o 3.º GComb sob o comando do Alf Mil Gomes, Furs Mil Almeida e Ferreira, deslocado para Bissum, em reforço da CCaç 2781 (?), por onde ficou até aos primeiros dias de Novembro, altura em que retornou a Bula. Da actividade deste GComb nesse lapso de tempo, pouco sei para além das deficientes condições (comparativamente) de instalação, de patrulhamentos e emboscadas e de umas flagelações ao aquartelamento, sem que felizmente tivessem ocasionado quaisquer problemas graves.

Assim, ficam em Bula o 1.º e 2.º GComb (o 4.º já estava em Teixeira Pinto) entretidos com os afazeres habituais a par de umas incursões em que felizmente não houve ossos para chuchar.

Com a ida do 3.º GComb para Bissum, comecei a sentir a falta do meu amigo e companheiro de suite Fur Mil Almeida, assim como dos seus dotes de músico, dedilhando (?!?) na minha viola, com um só dedo e numa só corda (mi fino) melodias infindáveis e espantosas na procura do tom certo, sem nunca conseguir tirar um som minimamente límpido agradável ao ouvido ! Um verdadeiro atentado à nossa estabilidade emocional !!

Mesmo assim era extraordinariamente melhor, comparando com as horas seguidas de tentativa de execução de melodias, na sanfona de sua propriedade! Com esta, achava que dando ao fole e carregando nuns botões, fazia maravilhas!! E fazia! Fazia com que o pessoal da suite não conseguisse descansar ou dormir e a par de uns impropérios mais ou menos redundantes mas sem efeitos práticos, zarpasse rapidamente de molde a não ficar com o sistema nervoso em franja, quiçá podendo levar alguém ao assassinato ou ao suicídio!!!

E quando queria acompanhar-me, estando eu à viola?? Aí era o fim… quanto mais desafinado… mais amplitude dava ao fole e mais aquilo gemia !! Era exasperante, maquiavélico!! Se os S.I. soubessem, com certeza teria sido usado como tortura para a obtenção de informações IN ?!!

O pior é que ninguém conseguia demovê-lo da busca diária e sistemática da perfeição - na sua auto-aprendizagem sem fim e sem melhorias - da execução melódica, especialmente na sanfona, até que um mau dia… bem, isso é outra estória !!


Dispersão da CCaç 2791 nos primeiros meses de 1971

Mapa: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados


Voltando à 2791, pelos meados do mês, a Companhia a 2 GComb desloca-se para Binar, (à excepção da componente administrativa) onde vai ficar até finais de Maio, aquartelada nas antigas instalações do “Sanatório da Doença do Sono”, perto da CCaç 17. Poucos dias depois foi de novo desmembrada, sendo destacado o 1.º GComb para Pache em trabalho de reordenamentos. Não recordo porque, o Fur Mil Castro (2.º GComb) também foi, ficando ao que lembro somente o Alf Mil Barros e eu com o meu 2.º GComb.

Registado, em termos operacionais, ficou-me uma flagelação a um princípio de noite, com morteiros e RPG, sem consequências, desencadeada da pista de aterragem. Também interviemos em segurança afastada na operação “Rapazes Destemidos” nas matas do Choquemone, onde o pessoal de outros agrupamentos teve contactos vários com o IN.

Durante esta Operação, o pessoal directamente envolvido recebeu a visita surpresa(?) do Gen Spínola. Recordo-me de ver o heli, escoltado pelo canhão, a descer para aterrar e passados uns minutos começar a ouvir rebentamentos e ver o heli a levantar e sair da zona rapidamente. Posteriormente confirmaram-me que o General tinha aterrado e as morteiradas e roquetadas começaram a estoirar, obrigando-o a pôr-se em segurança. Segundo os meus canhenhos aconteceu a 2 de Abril de 1971. Talvez algum camarada saiba algo mais desta Operação que teve direito a visita maior! Porque teria sido?

Binar era uma povoação pequena situada a uma dúzia de quilómetros de Bula, - na estrada (picada) para Bissorã – onde não havia praticamente nada. Foi um mês e meio de descanso operacional em que os dias se sucediam com uns patrulhamento defensivos, de proximidade, serviços ao aquartelamento e umas idas a Bula buscar abastecimentos.

O Almeida e os gemidos da sua sanfona violentada, estavam realmente a fazer falta!! Ao menos daria para passar tempo a chatear à mistura com mais ou menos ameaças de morte da dita, aliadas ao respectivo coro de dixotes enviesados das respostas. Para estas trocas de galhardetes é que serviam também os amigos. Pois… os amigos também têm obrigação de se aturarem, certo?

Mas, como diz o Povo, “não há mal que sempre dure…” e ao fim de uns dias a adaptação à nova realidade acabou por acontecer, pondo os dias e noites de novo a rolar.

A todos um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4413: Estórias avulsas (33): Buracos da vida, ou os dias mal vividos (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso

sábado, 16 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 14 de Maio de 2009:

Caro Vinhal

Com um abraço extensivo ao Luís, Briote e pira M. Ribeiro, envio-te um novo bilhete de Viagem… que ficou no estaleiro da vontade à espera de transporte no escaler da disponibilidade para transbordo no grande Paquete das Recordações que nos leva num cruzeiro ao Passado, com a vossa ajuda como
Timoneiros.

Um abraço também aos Passageiros das Recordações
Luís Faria


Bula – Um mês complicado (3)
O "osso"


Conforme já tinha referido, o mês de Fevereiro de 1971 foi complicado. Para além do trabalho do 2.º GCOMB, de ter assumido durante uns dias o comando do 1.º GCOMB por o Alf Mil Op Esp Quintas ter saído da Companhia e o novo Alf Mil Freitas Pereira ainda não se ter apresentado, também me calhou, a par com operações, serviço rotineiro de emboscadas e patrulhamentos, participar na montagem de armadilhas e minas ao longo da estrada Bula –S. Vicente, aumentando o campo instalado. Só serviço ao quartel é que o meu grupo, ao que recordo não fez. Andávamos um bocado estourados e perguntávamo-nos porque éramos quase sempre os mesmos a chuchar os ossos em vez de também comer carne!!

Assim, a 26 do mês fomos de novo chuchar ossos à zona de P. Matar, só que desta vez, a chucha foi-nos mais madrasta e o osso comeu-nos carne e bebeu-nos sangue !

Talvez devido a informação que desconheço, tomaram parte os 1.º e 2.º GCOMB da Força e um Grupo de Milícias, dando a perceber que o osso podia ser duro para chuchar. O 3.º GCOMB estava na emboscada rotineira à estrada de S. Vicente, na que chamávamos curva do café (não faço ideia da origem do apelido) lá pelo Km 10, sob o comando do Alf Gomes (indiano) e dos Furs Almeida e Ferreira.

O amanhecer não tardaria muito quando deixámos a estrada e entrámos no desmatado, avançando em longa bicha de Pirilau para a mata e continuando numa progressão atenta, ziguezagueante e tanto quanto possível silenciosa, atendendo ao número de elementos, com o objectivo de detectar e interceptar um grupo IN presumivelmente numeroso, que por lá se movimentaria.

Não tardou muito que isso viesse a acontecer.

Atravessamento do desmatado da estrada em bicha de pirilau

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados


Ao que recordo, ainda cedo da manhã e a relativa pouca distância em linha recta da estrada, rebenta o fogachal danado. O matraquear das Kalash, as chicotadas, as explosões dos RPG e morteiro, sucedem-se. A zona de morte parece extensa e apanha-me(nos) em sítio arborizado alto e de pouca folhagem. A potencialidade dos RPG acentua-se e mete medo, tal a quantidade de explosões, denotando que havia de certeza mais do que duas dessas armas - para mim temíveis – o que devia significar que o grupo IN seria bastante numeroso.

Respondemos com tudo o que tínhamos e é feito pedido de apoio aéreo. O comandante saíra a dar uma volta na DO que estava estacionada em Bula, deixando-nos sem PC durante uma boa meia hora e consequentemente sem qualquer informação útil à situação. O combate parecia não querer abrandar e muito menos terminar!

A meu lado está o Cancelo com o seu morteiro e por me aperceber que os turras estão a curta distancia, peço-lhe o morteiro e faço um disparo de ângulo elevado, que, não posso esquecer-me (nos), podia ter sido fatal, já que ao sair, a granada embate lateralmente na ponta de uns galhos secos… mas consegue seguir viagem sem nos cair em cima, graças a Deus.

Os tiros e rebentamentos continuam, temos feridos, os Enfermeiros acorrem, a DO não aparece nem outro apoio aéreo.

Diz-me mais tarde o Fur Almeida que era tal e tão próximo o foguetório, que quis vir em nosso auxílio com o 3.º GCOMB, mas não teve autorização. Posteriormente pensei se o objectivo IN não teria sido o 3.º GCOMB ?!!

Lá nos aguentámos. À minha beira e do Cancelo, cai ferido com gravidade um dos meus Homens que me pede para dizer aos Pais… ao que respondi, (apostando uma grade de cerveja) não ser preciso porque se iria safar! O 1.º Cabo Lopes, um pouco mais afastado, fica ferido e acaba por morrer, infelizmente. Há mais quatro feridos para além dos da Milícia, um destes com um estilhaços na cabeça.

O Alf Barros (guineense), no comando do meu 2.º GCOMB, perde momentaneamente o controlo, atira com a G3 para o chão e corre em direcção aos turras, chamando-lhes algo como f.d.p. e cabrões, sendo preciso correr para o ir buscar e acalmar. Sorte os turras já estarem em debandada! Entretanto o apoio chega, a contenda acaba.

Os Enfermeiros não têm mãos a medir. É feita a segurança para o héli aterrar enquanto o canhão e a DO volteiam sobre a zona.

A minha atenção recai nos feridos e nas evacuações a serem feitas. Uma destas tem uma história (com h) extraordinária que talvez venha a referir um dia mais tarde, não sei se com ou sem nomes. Se bem me recordo, o héli foi por duas vezes buscar feridos, transportando os menos graves para Bula, (a três ou quatro minutos) e os restantes para Bissau.

Não sei se para defesa da nossa estabilidade emocional (talvez o Luís Graça possa dar uma achega), no meio do caos aconteciam por vezes situações que, sem razão aparente, nos captavam a atenção, talvez por parecerem surreais no contexto e no momento, mas que de certo modo nos aliviavam e distraíam, acabando por ficar armazenadas no subconsciente, aflorando por via de um qualquer estímulo.

Recordo o milícia com estilhaços na cabeça a ser tratado pelo seu Enfermeiro que, para o desinfectar (?) lhe esfregava a cabeça com tal sem parcimónia que me fez intervir chamando-lhe a atenção para o facto, ao que me respondeu algo do género, de não doer!!

No meio de todo este cenário sombrio não esqueço o quadro de Esperança pintado pelo João, natural de Braga (dizia ser meu vizinho, por eu morar no Porto!!) que, subindo para um bagabaga, abre os braços em toda a extensão e com a G3 segura na mão, dirige-se em voz bem alta à sua namorada distante dizendo “… (não recordo o nome) Amo-te do fundo do curaçom “ !!! . (A imagem parecia a do Apocalipse now na cena de despedida quase no final).

Lembro a Enfermeira Pára (gostava de saber o nome), que mais me pareceu uma Deusa do Olimpo a descer do héli da Esperança, morena, com calças camufladas e T-shirt branca, começar a fazer a triagem de embarque aos feridos que lhe eram levados, já que dado o número, tinha de haver prioridades no transporte.

Inspeccionada a zona de emboscada que nos indicou termos de certeza comido carne IN e bebido do seu sangue (informações posteriores confirmaram 4 mortos e alguns feridos) e feitas as evacuações, regressámos a Bula, cansados mas não desmoralizados e preparados para a certeza de em breve nos darem mais uns ossos para chuchar!

Para a Tertúlia, um abraço
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4218: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (13): Um mês complicado (2) Emboscada bem montada

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4218: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (13): Um mês complicado (2) Emboscada bem montada

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 16 de Abril de 2009:

Amigo Vinhal

Segue mais uma Viagem… que relata aligeirada mas fielmente, uma situação complicada com pormenores que julgo jamais esquecer, na sua essência.

Um abraço amigo
Luís Faria


Bula – um mês complicado (2)
Emboscada bem montada

Dias após a Op. Borboleta, com o meu 2.º GComb fomos de novo palmilhar Ponta Matar a desígnios da Op. Bajudinha.

Como sempre, saída à noite, entrada na mata ao amanhecer, progressão com atenção redobrada sem facilitar, evitando o mais possível os trilhos e clareiras, ouvidos atentos aos sons ambiente e sua alteração, sentidos alerta e prontos a reagir, enfim aplicando as medidas possíveis de segurança que íamos aprimorando com a experiência.

Por termos tido uma instrução de Tropa Especial , o Castro e eu considerávamos que a segurança do Grupo era maior indo um de nós, por norma, em primeiro ou segundo lugar na fila o que também nos permitia melhor controlar o andamento na progressão e evitar ou corrigir mais rapidamente, possíveis riscos de itinerário. Não nos demos mal com este sistema e usámo-lo durante toda a comissão (O Fontinha também o usou no 4.º GComb)

Pela hora de almoço o pessoal, mantendo as posições parou numa zona de árvores de grande porte e com alguns baga-baga, aproveitando para comer algo e descansar. Até aqui… tudo a correr bem.

Menos cansados e já reabastecidos, recomeça-se o andamento em mata folgada, comigo em segundo lugar, Barros a meio e Castro na retaguarda. A dada altura, por a mata ser extremamente fechada, fomos obrigados a seguir num antigo trilho de viaturas, que após uma curva à direita, desembocava numa pequena bolanha e ladeando-a dividia-se virando à esquerda na orla, e seguindo em frente em trilho mais estreito.

Tomadas as devidas precauções, avançamos a descoberto, situação que não me agradou, mas era forçosa e já perto da bifurcação, rebenta a emboscada à minha esquerda, com violência, apanhando-me e a uma dezena de rapazes em campo aberto, obrigando-nos a atirar para o chão, usando como protecção relativa o rebordo alteado do desnivelamento do trilho com a bolanha, (ver croquis)

Croquis da emboscada (Op. Bajudinha – Ponta Matar )

Estendidos no chão, ripostamos sem que o restante pessoal mais atrasado pudesse intervir eficazmente - à excepção talvez do Cancêlo e seu morteiro e do Augusto com os seus dilagramas - por causa da mata quase impenetrável que os ladeava e impossibilitava a movimentação de envolvimento.

De súbito vejo levantarem-se salpicos de terra a escassos palmos à frente da minha cabeça e o sentido da sua deslocação indica-me que os tiros vêm das árvores que estão à minha retaguarda. Rodo sobre o corpo e faço uma série de tiros para a única árvore que considerei passível de acoitar o atirador (3.ª vez que me aconteceu uma situação do género. A primeira no Choquemone, a segunda uns dias atrás nesta mesma zona de Ponta Matar) que, ou por ter sido atingido ou se sentir detectado, deixou de os fazer.

Ao rodar de novo para a posição inicial, ouço e vejo um rebentamento de morteiro no trilho mais estreito que estava no enfiamento da picada, logo seguido de um outro e mais outro, cada vez mais próximos de nós!! Era óbvio que havia um morteiro IN no trilho estreito, que não conseguia ver, mas que vinha alongando o tiro na nossa direcção. (ver croquis)!!!

Gritei para o Pessoal:
- Morteiro!!… saiam do trilho !!

Deitado passei-me para o outro lado do rebordo, no que fui seguido pela rapaziada. Mais três ou quatro morteiradas caíram já na zona e acabaram, fazendo-nos um ferido – creio que o 1.º Cabo Castanhas, (já tinha sido ferido no Choquemone) - tendo sido evacuado por heli.

… Julgo que, com a chegada de apoio aéreo e do heli para evacuação, tudo acaba.

Tínhamos ultrapassado uma dura emboscada, mas desta vez e no meu entender, concebida para arrumar com uma série de nós, o que só não aconteceu graças a Deus, à calma fria e experiência que cada vez mais íamos adquirindo.

Ao que deduzi e aprendi, o IN detectou-nos e conhecedor do terreno , apercebendo-se de que tínhamos entrado naquele antigo trilho de viaturas, sabia que não tínhamos outra saída que não fosse desembocar na bolanha. Daí ter tido tempo mais que suficiente para nos armar aquela emboscada tão bem montada!

De novo confirmei que em progressão na mata, os trilhos, picadas, clareiras eram de evitar a todo o custo, se queríamos ter mais hipótese de regressar pelo próprio pé e… SOBREVIVER . Era também para isso que lá estávamos!

Nota: O 1.º Cabo Castanhas foi um dos que, muito merecidamente foi distinguido com o Prémio Governador.

Um abraço à Tertúlia
Luís Faria

Bula (Ponta Matar) – Op. Bajudinha - Sold. Seno com a G3 do evacuado

Bula (Ponta Matar) – Op. Bajudinha - Evacuação

Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me

sábado, 11 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 10 de Abril de 2009:

Carlos Vinhal

Há já uns tempos que não dava seguimento à Viagem à volta das minhas memórias.

Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca e uma Santa Páscoa para todos.
Luís Faria

P.S. Não abusem dos doces, ok ?


Bula – um mês complicado (1)

Fevereiro foi um mês complicado para os três Grupos da Força que ficaram em Bula (o 4.º GComb tinha ido para Teixeira Pinto a 5 de Janeiro) e para mim, pois às operações acumulei a implantação de minas e a inspecção de uma parte do campo já minado, que para além desses engenhos também tinha armadilhas na lateral. Bom susto apanhei!!

Para alem do trabalho usual (emboscadas, colunas etc…) a Força faz 4 Operações tanto a nível de Grupo, como de Bi-grupo e até de Companhia a três Grupos, essencialmente em toda a zona que generalizo de Ponta Matar (Bejintim, Belibar, Braque, Pecuré, Unfote, P.Ponate, P.Matar), zona difícil quer pela morfologia do terreno, quer pela intensidade da presença IN, já que ao que sei, sem bases permanentes, era passagem de Oeste para Leste e para Sul e julgo, zona de recepção de abastecimentos.

Daí que, em três das quatro vezes que lá fomos este mês, tivéssemos recontros violentos, dos quais recordo com clareza, situações/momentos, talvez porque me tenham marcado mais, quer pela dureza, quer pelo insólito, quer até pelo próprio espectáculo.

Uma dessas situações ocorre na segunda operação (Borboleta ?) a nível de três GComb em que felizmente não tivemos feridos.

Como costume, saímos pela calada da noite rumo ao objectivo. Entrados na mata fomos seguindo, como sempre com o máximo dos cuidados, não procurando o confronto mas também não fugindo a ele. Ouvia uns tiros aqui e ali mas, sem problemas, fomos progredindo sem haver contacto e entramos numa mata de arbustos densa, à mistura com laranjeiras e cajueiros cujas copas quase se tocavam.

O meu GComb vai na frente e a dada altura, relativamente perto de uma bolanha, depara-se-me uma pequena zona, em que o chão em terra, pisado e limpo, me deu a entender ser usada pelo IN como local de reunião ou encontro, habituais.

Esta pequena clareira era ladeada pela minha esquerda e frente por vegetação arbustiva densa. Mais ou menos ao centro havia um baga-baga.

Feita a inspecção ao local, a rapaziada começa a avançar em direcção à bolanha, ficando eu e creio que o Castro, no dito espaço a finalizar a inspecção e a controlar o rearranque e passagem do pessoal.

Uma rajada soa e começa uma sinfonia intensa, só de tiros, vindos da zona arbustiva à minha esquerda, obrigando o pessoal que se encontra na zona a proteger-se o melhor que pode e a ripostar. É pedido apoio aéreo. A mata envolvente é densa.

No que me toca, corro para a protecção do baga-baga e agachado tento ver algum turra mas... nada! Ponho-me em pé, parcialmente protegido pelo baga-baga que recebe uns impactos, ouço pela primeira vez um vai no Puto (Metrópole), gritado a poucos metros.

Em simultâneo com um cabrões viro-me na direcção da voz, vejo um ramo a partir-se, continuo a não ver ninguém, disparo três ou quatro tiros (sempre utilizei o tiro a tiro e era bem rápido) nessa direcção e na sequência dos meus disparos partem-se de volta outros ramos na mesma zona e essa voz e esses tiros, deixei de os ouvir (aconteceu-me este tipo de situação três vezes na zona de Bula).

Acabada a refrega arrancamos em direcção à bolanha, a corta-mato com todas as precauções, prevendo a hipótese de novo confronto, o que viria a acontecer.

Estou a dirigir-me para o meu lugar na fila e ouço, vindo da minha frente:

- Faria, oh Faria apanharam-me.

Corri e era o Furriel Almeida que se esforçava por se soltar do turra que era... uns arbustos, que emaranhados no cinturão com cartucheiras e no cantil, não o deixavam progredir e lhe deram a sensação de estar a ser puxado para a mata!

Salvo o meu amigo, continua a progressão em direcção à bolanha, naquela mata fechada que só permitia tiro. Chegados à orla da mata inicia-se o dispositivo de segurança e observação e... começa nova sinfonia, mas desta vez com outros cantares mais pesados. Foi trovoada de pouca dura para a malta, já que esta emboscada coincide praticamente com a chegada do heli-canhão, qual Anjo alado que tinha sido pedido e começo a ouvir o tum-pum do disparo e do embate da bala de ponta explosiva(?), juntamente com gemidos e gritaria vindos da mata.

Ao som dessa melodia, a rapaziada mete–se em bicha de pirilau, sem cerimónias à travessia da bolanha, dando inclusive uns tiraços a aves passantes e espanto meu, vejo alguns dos rapazes, com a arma a tiracolo, trazendo os abafos à guisa de cestas, carregados de laranjas.

Para trás começava a ficar o som do nosso S. Gabriel e do troar da sua espada de fogo contendo e permitindo que ignorássemos nessa hora o Inimigo.

Luís Faria

2.º GComb/CCaç 2791 (FORÇA)

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

quinta-feira, 12 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Março de 2009:

Carlos Vinhal
Para desanuviar um pouco dos Jornalistas e do Ninos, segue uma estória que talvez o consiga

Um abraço a todos
Luis Faria



Bula - Foguetões

A 28 de Janeiro de 1971 o IN resolveu agradecer e retribuir as nossas visitas a Ponta Matar ofertando-nos simpaticamente com uma espécie de fogo de artifício, festa a que o pessoal da Artilharia se juntou e respondeu educadamente com os seus obuses, conseguindo-se uma chinfrineira das antigas com cantares à desgarrada!!

O quartel de Bula situava-se num dos extremos da Vila, mais propriamente no extremo Oeste, início da estrada Bula - Teixeira Pinto. Daí que, julgo por não quererem que a população que lhes seria próxima entrasse nos festejos, o IN não facilitou e os foguetões 122 ultrapassaram em pouco o quartel e caíram próximo! Valeu o susto.

Como referi no Post anterior, nesse dia o Urbano, Fur Enf concedeu-me o tal único dia de balda prometido pelo que, desenfiado aos patrulhamentos e emboscadas, fiquei pelo quartel e Vila procurando fugir da vista do Cap Mamede e do Ten Cor Andrade, Comandante do Batalhão.

Estava no bar a tomar uma bebida, fazendo horas para a janta, quando um rebentamento estranho me faz correr para o quarto, apanhar a G3 e cinturão com os carregadores e arrancar sem objectivo, já que o meu GComb assim como os outros dois estavam fora do quartel. A rapaziada do Batalhão parecia coelhos a correrem para posições de defesa e abrigo.

Saído do bloco dos quartos e ao entrar na parte cimentada por detrás do palco de espectáculos, parece-me ouvir uma espécie de assobio forte, vejo o Cap Mamede a correr em direcção ao abrigo dos oficias e a olhar para o ar empunhando a sua pequena pistola Walter civil, como que tentando avistar o projéctil para calcular a trajectória e o ponto de impacto. Achei curiosa esta cena.

Ao ouvir aquele som, penso que o projéctil que julguei ser de morteiro 120 ia cair perto e... atiro-me em voo para a frente procurando a protecção de uma árvore existente e de um murete, local onde o barbeiro por vezes exercia a profissão.

O estrondo do rebentamento dá-se e então reparo que aterrei exactamente no meio da cabelagem que o barbeiro, sem tempo para a apanhar, tinha deixado em monte.

Cuspidos e sacudidos os cabelos, há que levantar e dirigir-me para o abrigo. Chegado lá constato que está superlotado e coisa estranha, um magote de militares aglomera-se em jeito de formação raguebiana parecendo forçar a entrada. Coisa esquisita!!! Até porque de pouca ou nenhuma protecção usufruíam. Procuro outro poiso.

Acabada a flagelação vejo que da entrada do abrigo saem também... duas mulheres brancas! Afinal, aquele magote estaria altruisticamente a tentar protegê-las, digo eu!

Bula > Luís Faria no seu quarto

Bula > Mercado

Fotos e legendas: © Luís Faria (2009). Direitos reservados

Um abraço a todos
Luís Faria
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 16 de Fevereiro de 2009:

Amigo Vinhal

Segue mais uma estória de “Viagem à volta das minhas memórias” que relembra situações de um mês atribulado.

Um abraço extensivo ao Luís e ao Virgínio e a toda a Tertúlia
Luís Faria


Bula – Janeiro de 1971

O Natal de 1970 passei-o ao relento com o meu 2.º GComb, saboreando a ração de combate, sob um manto de estrelas vigilantes como nós, numa emboscada preventiva a um inimigo que nesse noite e dia não compareceu.

O Dezembro findou e sem que tenha qualquer lembrança da Passagem do Ano, entrei no Janeiro de 1971 com mudanças na Força, tendo o 4.º GComb sido deslocado para Teixeira Pinto logo nos primeiros dias, com missão de protecção (creio) à construção da estrada Teixeira Pinto - Cacheu. E com ele lá foram o Fontinha, o Chaves e outros amigos e companheiros.

Por Bula fiquei com a restante 2791, na rotina das emboscadas de segurança e patrulhamentos de intercepção, nas laterais da estrada Bula - S. Vicente e outras.

Tudo corria normalmente até que no dia 19 de Janeiro a coluna auto que transportava o GComb da CCaç 2790 (GComb do Alf António Matos) é emboscado, creio que ao K12 da estrada de S. Vicente, causando a morte a um Furriel e dois Soldados da Companhia açoriana e o segundo morto extemporâneo e sem nexo da 2791, o Soldado Condutor Auto que conduzia a viatura, António Ferreira. Era a segunda morte, estúpida, da Companhia no curto espaço de um mês!

Não sei se por causa deste acontecimento, o meu 2.º GComb é enviado na noite seguinte para Ponta Matar com objectivo de interceptar o grupo In que não teria passado para Choquemone.

O pessoal sai, outra vez os olheiros e a bicha de pirilau percorre a distância durante a noite sem luar até ao K10 (julgo) onde inflectimos para oeste, em direcção a Ponta Matar.

Não tínhamos ainda chegado à orla da mata e começa o embrulho. Na altura ia a meio do Grupo o que não era normal e o espassamento do pessoal era curto por causa da visibilidade na noite. Ouvia as chicotadas e alguns clarões dos disparos. Os tiros eram baixos, estávamos em campo praticamente aberto e eles estavam na orla da mata. O pessoal ripostou como pode, orientando-se pelos clarões dos disparos.

Acabado o confronto e com um ferido ligeiro que não obrigou a evacuação, há que reunir e pedir ao Comando ordem para abortar a operação, pois considerávamos que a continuar íamos de certeza ter problemas prolongados e muito graves. Por fim o Comando aceitou, abortou-se a operação e regressámos ao quartel.

Nessa tarde e como de tantas outras vezes, fui dar uma volta pela Vila e beber umas cervejas no Silva onde às tantas, no meio de uma conversata um civil referindo-se à nossa operação diz mais ou menos isto:

- Então logo Furié vai p’ra lá outra vez?! - Não liguei, estava em conversa da treta.

Regressado ao quartel, sigo os rituais normais, umas leituras, uns toques de viola, umas conversas com os amigalhaços, até que chega a hora do briefing onde me é e ao Castro comunicada a ordem de preparar o Grupo para à noite arrancarmos de novo para a zona de Ponta Matar! Do subconsciente passou ao consciente a boca da tarde: - Logo vai p ’ra lá outra vez! Fiquei estupefacto e encara… como era possível?! E contei o que se tinha passado. Reclamei, protestei, argumentei… mas sem resultados. Eram ordens do Comando… e passada uma dúzia de horas de termos regressado, lá sai de novo o 2.º Grupo em direcção a Braque, Belibar e Ponta Matar (por inclusão considerava-as matas de Ponta Matar) com o objectivo de patrulhamento, detecção de acampamentos, intercepção do IN que andava na zona, com intuito eventual de passagem para Sul ou preparação de ataque a Bula.

Era uma operação arriscada, pois concerteza iriam estar à nossa espera. Os cuidados foram redobrados e os soldados nada sabiam da conversa, pois não era preciso mais aviso do que o que acontecera umas horas antes. A entrada na mata fez-se por sitio diferente e a corta-mato

Estas matas eram, ao que lembro, muito mais densas do que as do Choquemone, com zonas arbustivas em que os ramos se entrelaçavam de tal maneira que era praticamente impossível penetrar, entremeadas por embondeiros de grande porte e árvores normais para além do capim que muitas vezes era mais alto do que nós. Nelas estive em zonas onde o sol quase não entrava, e a lembrança do cheiro a que eu chamava cheiro a formigas mortas, ainda hoje me estimula a pituitária.

Entrados na mata, o corta-mato cauteloso continua sempre que possível e quando o amanhecer chega, já estamos bem embrenhados na vegetação sem haver sinal de termos sido detectados nem de presença IN.

A evaporação da humidade do solo é bem visível, formando uma espécie de neblina. Os sentidos estão alerta e atentos ao ambiente envolvente. Sempre que se pressente algo, pára-se, observa-se, escuta-se, por vezes aproveita-se para comer algo da ração, já que nas operações não fazíamos estacionamento. O Choquemone tinha-nos ensinado!

Numa dessas paragens, a manhã já ia alta, grande parte do patrulhamento está feito e estou sentado entre as raízes(?) de um embondeiro (cabaceira). Ouço um tiro próximo à minha esquerda, logo de seguida um outro. O pessoal ficou em silencio absoluto. Chamo o Augusto (o meu sobrinho por ser mais baixo, olhos azuis, cabelo loiro e bigode estilo o meu) e digo-lhe:

- Consegue trepar a essa árvore? - Tendo assentido, disse-lhe para o fazer, ver o que se passava e caso começassem os tiros para descer de imediato. Ouço outro tiro, desta vez mais longe e pela minha frente, no sentido da nossa progressão. O Augusto não vê ninguém e desce. Estou convencido que detectaram tardiamente o trilho da nossa entrada e patrulham. Instantes depois arrancámos seguindo na direcção do último tiro e nada encontrámos, nada aconteceu.

Inflectimos em direcção à estrada para regresso e começa o fogachal de que a única coisa que recordo é de ter sido com grande intensidade e pela primeira vez ter distinguido as morteiradas a caírem próximas.

Não tivemos feridos e do IN não vi vestígios. Mais tarde, talvez por informações, soube que tinham sofrido nas duas operações mortos e bastantes feridos?!

Regressado ao quartel, reentro na rotina e assim ando até 28 de Janeiro, dia em que o Urbano me concede a tal balda por doença (!?!) que me permite um dia de descanso.

Nesse mesmo dia o quartel é flagelado com 6 foguetes 122 que não atingem o objectivo e caem na zona da pista, por detrás do quartel. Às peripécias deste dia farei referência mais tarde.

Um abraço a todos
Luís Faria

Bula - Luís Faria em Ponta Matar

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Vinhal

Com um abraço extensivo, segue uma estória fora do normal.

Naqueles tempos de Guiné onde as situações mais bizarras aconteciam, também houve os bafejados pela sorte e guardados por Deus, entre os quais me incluo.

Até mais
Luis Faria


Bula > Luís Faria parece dizer: - Salta periquito

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados



Bula – Periquito quase depenado

Estamos em primeiros de Setembro de 1972, sou já um velhinho que deveria estar com a Força no Cumeré a gozar os últimos dias para regresso a casa, mas não, nem o cheirei pois só na véspera de apanhar o Boeing da FA, cheguei a Bissau. Esqueceram-se que tinha promessa de poder gozar esses poucos dias onde quisesse, na Guiné. Sonhei logo com os Bijagós e foi… um belo sonho !!

Fiquei por Bula continuando no levantamento do extenso campo de minas já referido pelo António Matos e por mim, mas que felizmente estava nos finais. Dessa odisseia espero contar algumas peripécias.

Vamos à estória

A 26 Agosto, chegou para render a 2791 Força, a periquitagem da 3.ª CCAV do BCAV 8320 que, se bem me recordo, era liderada pelo falecido Cap. Salgueiro Maia

À altura, como disse, andava eu a levantar minas e quando íamos para o campo acompanhavam-nos um ou mais GComb para fazer a segurança, emboscando nos sítios que indicávamos.

Nesse dia, o Grupo que me escoltou era pira e chegados os 404 à zona da desminagem (k12/13) não recordo exactamente, há que saltar dos unimogues. Assim fazem e qual é o meu espanto ao ver os piras perfilarem-se de costas para a mata, quase ombro a ombro, aguardando ordem do Alferes! Pareciam estar na parada!! Não sei o nome do Alferes, só recordo que ele usava um testo do caraças na cabeça!!

Mandada corrigir a situação, chamo o Alferes, pego no croquis do campo de minas,vejo o azimute e pergunto-lhe, apontando-lha, se estava a ver uma árvore que se destacava de tudo o que lhe estava próximo. Não há confusão? Não, responde descrevendo a árvore.

Digo-lhe então:
- O meu Alferes leva o pessoal daqui sempre em linha recta, não desvia um metro que seja, ok? Quando o homem da frente esbarrar na árvore, a bicha de pirilau pára e cada homem fica nesse sítio, certo? - Assentiu e lá foram. Chegados ao local comunicaram, tudo bem

Avanço para o campo de minas, com a minha vara-medida, com a faca, com a pica e com a Walter para o que desse e viesse. Começo a lançar, picar,… levantar, lançar, picar levantar… e às tantas deito a vara-medida que me aponta para um cag… humano ainda fresco ??!! Pico e lá está ela, a mina mesmo por baixo! Este turra teve uma sorte do car… f…! e pego na Walter. Depois pensei e…
- Está alguém aqui? - Perguntei. Nada.
- Alguém esteve a cagar atrás desta moita, f…? - Perguntei elevando a voz. Sai detrás de um arbusto um pira que me diz, à rasca:
- Fui eu meu Furriel e explicou-se.
- Venha cá, (na tropa não tratava os soldados por tu) andou com uma sorte do ca… quer ver? - E levantei a mina ! O rapaz ficou sem pinta de sangue, coitado! De certeza nunca mais na vida se esqueceu e se calhar de ler isto vai suar outra vez!

Não o admoestei, a culpa não tinha sido dele. Mas que tinha tido uma sorte daquelas, isso teve. Ele e outros que tivessem entrado no campo.

Agora havia o problema de os tirar de lá. Chamei o Alferes e disse-lhe:
- Está pessoal no campo de minas; o último gajo da fila segue a direito para a estrada pelo mesmo caminho que veio e os outros seguem-no em linha recta, sem desvios. - Assim foi feito e ninguém graças a Deus saiu ferido

Conclusão: tinham passado, enganados, a árvore, mas Deus esteve com essa rapaziada pelo menos nessa hora.

Um abraço à Tertúlia
Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3849: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (8): Bula, vésperas do Natal de 1970