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domingo, 14 de abril de 2019

Guiné 671/74 - P19679: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Parte I - Corpor 'recuperados' e 'não recuperados'


 Foto 1 > Guiné > 1965 > Fuzileiro especiais durante uma operação militar,   com percurso na água,  [foto retirada da Net, com a devida vénia: sítio Lugar do Real: autor não identificado; recolhida por Sara Viana Caseiro; cedida por Manuel de Sousa Caseiro].



Foto 2  > Guiné > 1966 > Manuel de Sousa Caseiro, fuzileiro especial, natural de Antas, concelho de Esposende, atravessa, com outros militares, um rio, na Guiné, durante uma operação militar. [Foto retirada da Net, com a devida vénia: sítio Lugar do Real: autor não identificado; recolhida por Sara Viana Caseiro; cedida por Manuel de Sousa Caseiro].





Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974):  Parte I - CORPOS 'RECUPERADOS' E 'NÃO RECUPERADOS' 





1. INTRODUÇÃO


Como sobrevivente no naufrágio tido pela minha secção (+) do 1.º Gr Comb da CART 3494 (1972-1974), no qual participou também o camarada Cap Art [hoje Cor] Pereira da Costa, de que resultaram, lamentavelmente, três baixas, duas das quais não recuperadas, ocorrido em 10Ago1972 (5.ª feira), no rio Geba, na zona do Xime, por influência do «macaréu» [P10246 e P13482], tomei a iniciativa de proceder a um "ensaio", quantitativo e qualitativo, sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974), dividindo-o em dois grupos: "recuperados e "não recuperados" e as suas Unidades.

Com efeito, o levantamento que hoje trago ao conhecimento do fórum é resultado dessa pesquisa, efectuada através da consulta a diferentes fontes, entre oficiais e não oficiais. Porque se trata, como foi referido, de um "ensaio", este apuramento pode vir a ser alterado em função de outras colaborações e/ou informações complementares que possam, eventualmente, surgir após a avaliação realizada por cada um de vós.

Por razões metodológicas e estruturais do presente trabalho, nesta primeira parte não se referem os nomes dos naufragados em cada uma das diferentes ocorrências, opção que será alterada a partir da segunda parte, com a identificação das Unidades que não conseguiram recuperar os corpos dos seus náufragos [último quadro desta parte I], bem como a descrição, a possível, do contexto em que as mesmas tiveram lugar.


2. A HIDROGRAFIA DA GUINÉ-BISSAU

A grande maioria da actividade operacional das NT era planeada e executada em função da geografia e hidrografia de cada local. Cada situação era um caso particular, pois o seu território, constituído por zonas do litoral e do interior, apresenta-se mapeado por uma linha (a do limite das marés) dividindo-o em duas zonas hidrograficamente distintas, que influenciavam a mobilidade daqueles que nelas tinham de circular, desafiando a vida de cada um, com particular incidência dos menos preparados e dos mais descuidados.

De acordo com a literatura consultada, a primeira, a do litoral, é a zona das planícies, das rias, dos vales muito largos, invadidos pelas marés de água salgada, enquanto a segunda, para o interior, só existem rios de água doce, não navegáveis, devido às cheias e rápidos.



Foto 3 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > 18 de Abril de 2006, dia 8 (da viagem Porto-Bissau) > 19h16 > Os banhistas de fim da tarde. Foto do nosso amigo e grã-tabanqueiro Hugo Costa.

Foto (e legenda): © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Lu+is Graça & Camaradas da Guiné]


Esta linha marca o limite da navegação e separa os tipos de vegetação. Há uma área enorme - cerca de 4.000 Km2, mais de 10% da totalidade do território - que fica coberta de água, o que ocorre entre a praia-mar e a baixa-mar, cuja amplitude chega a ser próxima dos 7 metros, em alguns locais. Durante as "marés da conjunção", encontro das águas dos rios com a praia-mar, observa-se nos rios Geba e Corubal - o mais extenso da Guiné - o chamado fenómeno do "macaréu", que consiste numa grande onda, como um depósito de água corrente que, num instante, enche o leito do rio que transborda e inunda de água salgada extensas zonas das baixas margens daqueles rios. 

No interior das rias existem portos naturais e a extensão das vias navegáveis, por navios de longo curso, é da ordem dos 300Km. Nas vias iluviais, a navegação faz-se em cerca de 950Km. As principais são o Cacheu, Mansoa, Rio Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. No Geba, que termina pela chamada ria de Bissau, situa-se o porto natural da capital. Os cursos de água da zona interior, ao contrário do que acontece na zona do litoral, não têm água salgada, por não chegar a eles o efeito das amplas marés; são de caudal muito variável ao longo do ano, reduzindo-se na época seca de tal forma que, muitos dos rios secundários deixam de ter água. A existência de rápidos [foto acima] só permite que sejam navegáveis em pequenas extensões. As três principais bacias hidrográficas são a do Cacheu, do Geba e do Corubal. A Guiné apresenta ainda, principalmente na época das chuvas, importantes lagoas que cobrem extensas áreas de terrenos planos e desaparecem, em geral, na época seca.

No interior das rias existem portos naturais e a extensão das vias navegáveis, por navios de longo curso, é da ordem dos 300Km. Nas vias iluviais, a navegação faz-se em cerca de 950Km. As principais são o Cacheu, Mansoa, Rio Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. No Geba, que termina pela chamada ria de Bissau, situa-se o porto natural da capital. Os cursos de água da zona interior, ao contrário do que acontece na zona do litoral, não têm água salgada, por não chegar a eles o efeito das amplas marés; são de caudal muito variável ao longo do ano, reduzindo-se na época seca de tal forma que, muitos dos rios secundários deixam de ter água. A existência de rápidos [foto acima] só permite que sejam navegáveis em pequenas extensões. As três principais bacias hidrográficas são a do Cacheu, do Geba e do Corubal. A Guiné apresenta ainda, principalmente na época das chuvas, importantes lagoas que cobrem extensas áreas de terrenos planos e desaparecem, em geral, na época seca.


3.  OS DADOS DO "ENSAIO" – QUADROS ESTATÍSTICOS 

Partindo da coleta de dados apurada, o tratamento estatístico que seguidamente se dá conta está representado por quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. Cada quadro relata os valores quantitativos de cada um dos elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.



Quadro 1 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 144.

 Verifica-se, também, que desse total, 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) 1.ºs cabos; 7 (4.9%) furriéis; 1 (0.7%) 2.º sargento e 1 (0.7%) major. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: em 1.º lugar está o de 1969, com 51 (35.4%) mortos. 

Para esta cifra contribuiu significativamente o episódio da «Jangada de Ché-Che», ocorrido em 06Fev1969, no Rio Corubal, com 47 mortos. Em 2.º lugar está o ano de 1965, com 20 (13.9%) mortos, dos quais 8 pertenciam ao PMort 980 registados na sequência do acidente no Rio Cacheu, em 05Jan1965, durante a «Operação Panóplia». No ano de 1972, verificou-se um outro acidente, o 3.º, desta vez no Rio Geba, em 10Ago1972, envolvendo o 1.º GrComb da CArt 3494, com 3 mortos.




Quadro 2 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8%). 

Verifica-se, também, que desse total, 48 (76.2%) eram soldados; 10 (15.9%) 1.ºs cabos; 4 (6.3%) furriéis e 1 (1.6%) 2.º sargento. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: estes correspondem aos mesmos indicados no quadro 1, ou seja: 1969 com 49 (77.8%) casos, 47 dos quais relacionados com a «Jangada de Ché-Che», no Rio Corubal; 1965 com 4 (6.3%) casos, 3 dos quais na «Operação Panóplia», no Rio Cacheu, e 1972 com 3 (4.8%) casos, sendo 2 no Rio Geba (CArt 3494) e 1 no Rio Cacheu (CArt 3417).



Quadro 3 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 1.º triénio (1963-1965) é de 34 (23.6% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 24 (70.6%) eram soldados, 6 (17.6%) 1.ºs cabos, 3 (8.8%) furriéis e 1 (3.0%) 2.º sargento. O número de corpos não recuperados neste período foi de 7 (20.6%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 24. 


Quadro 4 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 2.º triénio (1966-1968) é de 27 (18.8% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 25 (92.6%) eram soldados e 2 (7.4%) furriéis. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (11.1%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 24, número igual ao período anterior (quadro 3).



Quadro 5 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 3.º triénio (1969-1971) é de 63 (43.7% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 49 (77.8%) eram soldados; 11 (17.4%) 1.ºs cabos; 2 (3.2%) furriéis e 1 (1.6%) major. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 50 (79.4%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos anteriores trimestres (quadros 3 e 4).



Quadro 6 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 4.º triénio (1972-1974) é de 20 (13.9% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 15 (75%) eram soldados e 5 (25%) 1.ºs cabos. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (15%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos dois primeiros triénios (quadros 3 e 4) e igual ao triénio período anterior (quadro 5). 



Quadro 7 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8% do total).

 Quanto aos corpos não recuperados, verifica-se que a CCaç 1790, com 26 (41.3%) casos, e a CCaç 2405, com 19 (30.1%) casos, foram as Unidades Militares que contabilizaram maior número, sendo estes consequência do acidente da «Jangada de Ché-Che» em que elementos das duas Companhias de Caçadores estiveram envolvidos. Segue-se o PMort 980, com 3 corpos não recuperados, no Rio Cacheu, na «Operação Panóplia", e a (minha) CArt 3494, com dois, no Rio Geba (Xime), durante uma missão, não cumprida, a Mato Cão, situado na margem direita desse rio. Das 16 Unidades Militares que não conseguiram recuperar os corpos dos seus naufragados, 11 (17.5%) tiveram apenas um caso.

Nota:

Em função das fontes consultadas, não nos foi possível completar todas as variáveis categóricas, como é o exemplo dos locais (n/n) de alguns afogamentos. Caso alguém disponha de informações mais precisas, faça o favor de dizer.

Por outro lado, considerando que são referidos nomes de rios, que desconheço, transcritos como o indicado nos documentos oficiais, é possível que alguns deles contenham erros ortográficos. Aguardo a sua correpção.

Continua…

Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 16-17.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

01Abr2019.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15000: Efemérides (195): O Furriel Júlio de Lemos faleceu na Guiné no dia 12 de Agosto de 1965 (Mário Leitão, Ex-Fur Mil da Farmácia de Luanda)

Mensagem do nosso camarada António Mário Leitão, ex-Fur Mil da Farmácia Militar de Luanda, dirigida ao nosso editor Luís Graça em 12 de Agosto de 2015:

Camarada,
Envio-te uma crónica que vai ser publicada amanhã no semanário CARDEAL SARAIVA, de Ponte de Lima. Dá-lhe o tratamento que entenderes, por favor.
O mesmo trabalho foi enviado pra UTW, para mais ampla difusão.

Aproveito para te dizer que o teu blog tem sido muitíssimo útil para as minhas pesquisas para a obra que poderá chamar-se "Participação limiana na Guerra do Ultramar", em vários volumes.
O primeiro refere-se apenas aos 52 Heróis Limianos que a guerra provocou.
Darei sempre notícias sobre ela.

Parabéns pela vossa extraordinária generosidade, que vai deixar para os nossos descendentes um acervo gigantesco de informação sobre a Guerra do Ultramar.

Abraço para todos do
Mário Leitão
Ex-Furriel da Farmácia Militar de Luanda


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O Furriel Júlio de Lemos morreu há 50 anos

O Furriel Júlio Lemos, no final de uma operação complicada (em que a retirada exigiu cobertura aérea de morteiros, solicitada por via rádio a um pelotão de apoio da mesma companhia de caçadores) e quando a sua unidade de combate se preparava para proceder ao atravessamento do rio Bissilon (Bissilão), afluente do Rio Louvado, na região de Tite, tomou a iniciativa de efectuar a travessia a nado, com outro camarada de Guimarães. Algo correu mal. Nunca mais foi encontrado, mesmo depois das buscas efectuadas por meios navais. Tal facto terá estado relacionado com o seu pesado equipamento e com o efeito do macaréu, verificado no momento, que agravaram as condições lodosas características daqueles rios.

(Adaptado dos testemunhos que os seus camaradas publicaram no sítio da Internet “Luís Graça e Camaradas da Guiné”)

 Ponte de Lima, 12 de Agosto de 2015

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No dia 12 de Julho de 1965 o Furriel Júlio de Lemos Pereira Martins morreu no decurso de uma operação, desaparecendo no leito lodoso de um rio guineense. Foi precisamente há 50 anos, mas parece que foi ontem que o drama da sua morte abalou a pacatez da nossa Vila. Recordo-me da tarde em que o comércio limiano fechou meias portas em sinal de pesar, como então se fazia. Eu tinha 16 anos e vinha da Vila Morais, de um ensaio para as récitas que o Teatro Académico Limiano fazia naquele tempo, nas férias grandes. Ao passar junto do mictório que dantes existia na parede nascente do quintal do então “Asilo dos Velhos” (a escassos metros do local onde está hoje a estátua de Norton de Matos), vi um grupo anormal de pessoas junto às portas do Restaurante GAIO, propriedade de seu tio Manuel Lemos, irmão de sua mãe Maria da Conceição Lemos(1). Aproximei-me e senti pessoas a chorar, algumas convulsivamente, ao mesmo tempo que ouvi alguém dizer “o Júlio LAIPUM morreu na guerra!”.

Esta cena e o ar pesado que se respirava na Pharmacia Brito, onde não se falava de outra coisa, ficaram gravados na minha memória e fizeram-me recordar aquele rapaz do Externato Cardeal Saraiva, sete anos mais velho do que eu, que fez parte do grupo de “matulões do 5.º ano” que me baptizou em Outubro de 1958, quando eu entrei para a 4.ª classe e admissão aos liceus: Júlio de Lemos, Júlio Vilar, Henrique Ramalho, Celso Barbosa, João Carvalho, Carlos Torres (TITÁ), Horácio, Alberto “TALENTE” e outros. E foi a partir desse acontecimento que eu passei a conhecer a realidade da guerra que se travava nas províncias ultramarinas e a compreender as aflições em que minha Mãe vivia, ao pensar que o filho mais velho (meu irmão Afonso Manuel) iria às inspecções militares no ano seguinte. Numa das fotografias, Júlio Martins aparece em primeiro plano (segundo a contar da esquerda) com um grupo de estudantes do externato, tirada aos 15 anos de idade (1957).

 Furriel Júlio de Lemos

Ontem, quarta-feira, 12 de Julho, um grupo de amigos do Furriel Júlio de Lemos participou numa missa por sua alma, na Igreja Matriz. Foi um lindo momento de oração pelo descanso eterno de um Amigo de juventude que só viveu 23 anos, ao qual se seguiu uma romagem de saudade até ao Memorial dos Heróis do Ultramar, junto aos Paços do Marquês, onde lhe prestaram homenagem e depositaram flores(2).

Aqui fica para a posteridade a nostalgia que nesta hora a todos nos invade. Que os vindouros saibam que o drama da Guerra do Ultramar foi uma coisa medonha que se abateu sobre os seus intervenientes e suas famílias, e que marcou as nossas vidas para sempre. Descanso eterno para o Furriel Júlio de Lemos, da Companhia de Caçadores 797, que operou no teatro de guerra da Guiné Portuguesa!
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Notas:

(1) Ver a crónica “Chico LAIPUM”, no C. Saraiva n.º 4505, de 12/12/2013.

(2) Relacionadas com o Furriel Júlio de Lemos, com a sua família e com outros temas da Guerra do Ultramar, a rubrica Gente Limiana já publicou: “Andam a morrer Veteranos”, CS n.º 4390, de 17/06/2011;
“Em nome da Pátria”, CS n.º 4394, de 15/07/2011;
“Os Mancebos de 66”, CS n.º 4430, de 20/04/2012;
“O Milo e o Zé”, CS n.º 4445, de 10/08/2012;
“As inspecções militares de 1962”, CS n.º4446, de 24/08/2012;
“Encontro dos Inspeccionados de 66”, CS n. º 4447, de 31/08/2012;
“Reunião dos Apurados de 62”, CS n.º 4457, de 23/11/2012;
“Heróis esquecidos”, CS n.º 4491, de 16/08/2013;
“Não voltaram todos”, CS n.º 4492, de 23/08/2013;
“Missão cumprida”, CS n.º 4493, de 19/09/2013;
“Páginas da História Limiana”, CS n.º 4519, de 03/04/2014;
“Dia do Combatente Limiano”, CS n.º 4540, de 04/09/2014;
“Morreram tão novos!”, CS n.º 4573, de 28/06/2015;
“Foram à guerra e não voltaram”, CS n.º 4574, de 04/07/2015.

(Artigo de Mário Leitão, publicado no semanário “Cardeal Saraiva” de 13/08/2015)
(gentelimiana@gmail.com)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14854: Efemérides (194): No passado dia 20 de Junho, em São Miguel, foram inauguradas as obras de conservação e renovação do Museu Militar Militar dos Açores e impostas ao nosso camarada Carlos Cordeiro, a Medalha Comemorativa das Campanhas e a Medalha de Cobre de Comportamento Exemplar (José Câmara)

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13071: In Memoriam (189): Domingos Gomes Nabais, soldado da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), morto por afogamento nas tranquilas águas do Rio Geba, em Bafatá, em 13/4/65 (José Colaço / Francisco dos Santos)



Guiné-Bissau > Bafatá > Rio Geba > Margem direita > Duas fotos do mesmo local, com 40 anos de distãncia: a primeira, em cima, de 1968; a segunda, de 2010... Cortesia de Fernando Gouveia.

Fotos: © Fernando Gouveia (2010). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem com data de 28 do corrente, do José Colaço [ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65]:

Para facilitar quando vasculhares o blogue sobre os mortos por afogamento na guerra da Guiné: aqui só há a rectificar o nome,  que é Domingos Gomes Nabais e não Fernando ou Francisco como por lapso aparece escrito (*), inclusive na lista do António Marques Lopes dos que nem no caixão tiveram direito a regressar (**).

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Zé. Já corrigi o poste P4199 (*). Mas vamos republicá-lo,  com data de hoje. Até por respeito à memória do teu/nosso camarada Domingos Gomes Nabais. Também pode ser que apareçam mais casos. Afinal houve 143  afogamentos, no TO da Guiné, em 11 anos de guerra...


3. Quem era o Domingos Gomes  Nabais ? Pertencia à  CCAÇ 557... e morreu por acidente, quando se banhava nas águas tranquilas do Rio Geba, em Bafatá... A nossa curiosidade foi despertada pelos versos do Francisco dos Santos (***) e logo prontamente satisfeito pelo seu e nosso camarada José Colaço:

(...) Éramos a família unida,
Por isso não digo nomes,
Sacrificámos a vida,
Que heróis todos nós fomos.

Mas veio então a mudança,
Bafatá que era a norte,
Havia mais esperança
E talvez melhor sorte.

Não queríamos muito mais,
O tempo passa a correr,
Mas o soldado Nabais
No rio viria a morrer.

A morte por afogamento
Que já ninguém o previa,
Este triste acontecimento
Chocou muito a Companhia....


Francisco dos Santos

4. Ficha necrológica (*):

Nome: Domingos Gomes Nabais,
Posto: Soldado
Subunidade: CCAÇ 557, Cachil, Bissau e  Bafatá, 1963/65,
Local e data: Bafatá, Rio Geba, 13 de Abril de 1965
Causa: Afogamento
Naturalidade: Aldeia Velha, Sabugal
Última morada: Cemitério de Bafatá, Guiné-Bissau.


5. Escreveu  o José Colaço, em 16/4/2009:

o Nabais era um rapaz muito simples, por esse motivo era muito apoiado por todos os camaradas. Quem lhe escrevia as cartas e os aerogramas era o Francisco dos Santos.

A sua morte não teve nada a ver com combates de guerra, não sei se por ironia do destino, ou sei lá, assisti praticamente aos últimos minutos de vida do Nabais.

Era uma tarde bonita, cheia de sol, o Geba, em Bafatá, convidava-nos a tomar banho. Então um grupo de 10 ou 12 militares fomos tomar banho. O Nabais não sabia nadar, ele estava neste caso mais ou menos à beira rio...

Entretanto notou-se a falta do Nabais mas, como do grupo nenhum sabia mergulhar com capacidade para procurar o Nabais, houve uma corrida até ao quartel para chamar o Fernando, 1º cabo condutor auto, óptimo mergulhador que, em poucos segundos, aparece com o Nabais na palma da mão,  ao cimo da água mas sem sinais de vida.

Ainda se tentou a recuperação mas o Nabais estava morto, não se sabe se por afogamento ou problemas por estar a fazer a digestão.

Ficou sepultado em Bafatá,  no talhão dos militares. Morreu em 13/04/1965. (****)
___________

Notas de L.G

(*) Vd. poste de 16 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4199: In Memoriam (18): Domingos  Gomes Nabais, morto por afogamento no Rio Geba, Bafatá, 13/4/65 (José Colaço / Francisco dos Santos).

(**) Vd. poste de 30 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2802: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (2): 1965 (A. Marques Lopes)

(***) 16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

domingo, 27 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13054: Aqueles que nem no caixão regressaram (8): Terão morrido, no CTIG, entre 1963 e 1974, 143 combatentes nossos, por afogamento (6,9% do total de mortos) (José Martins)





Fonte: CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8º Volume -Mortos em campanha, Tomo II, Guiné - Livro 2. Lisboa: Estado Maior do Exército, 2001, p. 265.


1.  Pedido ao José Martins, nosso colaborador permanente [, foto à esquerda], com data de 22 do corrente:

Zé: Vê se tens alguma ideia sobre isto, números ou lista de desaparecidos na Guiné ... (Já não falo do resto). Vou vasculhar o blogue...

Precisavamos disto com urgência... Vê os postes sobre o José Mateus Henriques, da minha terra, Lourinhã... O Jaime Silva está a organizar uma homenagem no própximo dia 11 e a preprarar uma pequena brochura ou folheto... 

Um abração. Luis


2. Pronta resposta, no mesmo dia (!),  do José Martins:

Luís: Aqui vai o mais rápido que me foi possivel.  Não há uma estatística acerca dos desaparecidos por afogamento. 

Nas estatísticas que anexo das três frentes, não se “vislumbra” onde foram incluídos estes camaradas.

Baseio esta opinião no facto de, em 1969, ter havido, num único afogamento, 47 mortes [, no desastre do Cheche, Rio Corubal, 6/2/1969, Op Mabecos Bravios].

Se observarmos, na Guiné, no ano de 1969,  temos [, vd. quadro acima]:

Mortes em combate > 119
Acidente com arma de fogo  > 31
Acidente de viação > 14
Outras causas > 43

Só poderiam “caber” em combate, mas nota-se que o nº de mortos em combate (119) “está em linha com os anos anteriores” e “não difere muito" dos anos seguintes.

Segue estatística anual dos afogamentos na Guiné (1963-1974):





Fonte: José Martins (2014)


A percentagem dos afogados no total de mortes Guiné seria, pois, de  6,9 % .

Se mantivermos a mesma percentagem para outros teatros de operações  teremos:

Angola  > Total mortes > 3258 >  Por afogamento:  224

Moçambique > Total mortes >  2962  > Por afogamento: 204

Total dos 3 teatros seriam cerca de 571 afogamentos





Fonte: CECA e José Martins (2014)
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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P478: Efemérides: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)

Guiné > Canjadude > 1973 > Restos de uma autometralhadora Daimler no itinerário entre Canjadude e Cheche.

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006)

Texto escrito e enviado pelo José Martins, "para lembrar o 37º aniversário do desastre do Cheche", occorido no Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, na operação de retirada de Madina do Boé (1)

Madina do Boé: contributo para sua história

OS HOMENS

Falar de Madina do Boé é falar dos homens que ao longo do tempo, e muito concretamente entre Maio de 1965 e 6 Fevereiro de 1969, estiveram em quadrícula naquela parcela do território português, hoje independente, e sobre o qual flutuou a Bandeira de Portugal.

Consultando o terceiro volume da Resenha Histórica-Militar das Campanhas de África (1961-1974) (Dispositivo das Nossas Forças - Guiné), e encontrei os seguintes elementos sobre as companhias que passaram/estiveram/permanecem para sempre, nos factos que constituem a história desta zona da actual Guiné-Bissau.

A primeira unidade a instalar-se em Madina do Boé, foi a Companhia de Cavalaria nº 702 – Batalhão de Cavalaria nº 705 - formada no Regimento de Cavalaria 7 em Lisboa (já extinto) que chegou à Guiné em Julho de 1964 e ficou instalada em Bissau. Posteriormente foi transferida para Bula (Janeiro de 1965) e Contubuel (Março de 1965). Foi colocada em Madina do Boé em Maio de 1965 onde permaneceu até Abril de 1966, quando terminou a sua comissão de serviço.

Foi substituída pela Companhia de Caçadores nº 1416 – Batalhão de Caçadores nº 1856 - formada no Regimento de Infantaria 1 e ainda instalado na Serra da Carregueira na região de Lisboa e onde, actualmente, se encontra o Regimento de Comandos, foi colocada em Nova Lamego em Agosto de 1965. Posteriormente, em Maio de 1966 foi substituir a CCAV 702 em Madina do Boé, onde permaneceu até Abril de 1967, quando terminou a sua comissão de serviço.
A Companhia de Caçadores nº 1589 – Batalhão de Caçadores nº 1894, formada no Regimento de Infantaria 15, em Tomar (uma das unidades que mobilizou militares para a I Grande Guerra), chegou à Guiné em Agosto de 1966 ficando instalada em Bissau. Daqui foi enviada para Fá Mandinga em Dezembro de 1966 e para Madina do Boé, para substituir a CCaç 1416, em Abril de 1967, onde permaneceu até Janeiro de 1968, altura em que foi transferida para Nova Lamego, e, em Março de 1968 foi enviada para Bissau onde permaneceu até Maio de 1968, altura em que terminou a sua comissão de serviço.

Em Pirada, em Março de 1965, foi criada a Companhia de Milícias nº 15 que foi enviada em Junho de 1967 para Madina do Boé para reforço das forças ali estacionadas. Não existe registo para onde foi transferida depois de retirada de Madina. Foi desactivada em Dezembro de 1971.

A última unidade a permanecer naquela zona foi a Companhia de Caçadores nº 1790 – Batalhão de Caçadores nº 1933, formada no Regimento de Infantaria 15 em Tomar. Quando chegou à Guiné em Outubro de 1967 ficou estacionada em Fá Mandinga. Daqui foi transferida para Madina do Boé em Janeiro de 1968 onde permaneceu até Fevereiro de 1969, seguindo nesta data para Nova Lamego e em Abril de 1969 foi transferida para S. Domingos, onde se manteve até ao final da sua comissão de serviço em Julho de 1969. Esta unidade tinha um destacamento em Beli, que foi mandado regressar e juntar-se à companhia em Junho de 1968.

O LOCAL

Conheci Madina do Boé numa altura em que regressava ao aquartelamento do minha unidade, a Companhia de Caçadores nº 5 estacionada em Canjadude, indo de Nova Lamego onde tinha estado, já não me recordo, se em serviço ou no regresso de férias. Viajava numa Dornier e conheci o aquartelamento do ar. Sei que só aterramos depois de dois bombardeiros T 6, que nos escoltaram a partir da altura do Rio Corubal, terem feito uma observação dos locais onde era normal estarem e/ou atacarem o aquartelamento os elementos do PAIGC. Íamos buscar o Padre Libório, Alferes/Capelão do Batalhão de Caçadores nº 2835, que tinha estado junto daquela unidade durante alguns dias.

As instruções do Furriel que pilotava a aeronave foram precisas: assim que o aparelho parar saltas e corres para junto dos abrigos.

Assim fizemos e, ao chegar junto dos militares que não tinham saído de junto dos abrigos, fomos recebidos com algumas dezenas de abraços e palmadas nas costas daqueles homens que, só muito raramente, viam alguém que não fossem os seus camaradas habituais. Das manifestações havidas, já não sei se foram de boas vindas ou de despedida, pois o tempo de permanência da DO em terra teria que ser mínimo.

Do local ficou-me a sensação de que era uma terra inóspita, sem população civil, e, portanto, apenas a teimosia de alguém que não sabe o que é “estar no terreno de operações” fazia permanecer tropas naquele local.

A guerra que travávamos tinha como primeiro objectivo captar a simpatia e apoio das populações, transmitir-lhe alguns ensinamentos, e, sobretudo, prepará-los para “Um Futuro numa Guiné melhor”. Neste cenário não havia razão para sacrificar aqueles homens ao isolamento e ao sofrimento da incerteza da sorte das armas.

A RETIRADA

A saída da zona do Boé começou em Junho de 1968, com o desmantelamento do destacamento de Beli, guarnecido por uma força destacada de Madina de Boé. Participei nessa operação, como pira já que ainda não tinha um mês de Guiné, para visitar os destacamentos de Canjadude e Cheche, locais que se encontravam guarnecidos por forças da CCAÇ 5, unidade em que fora colocado como Sargento de Transmissões.

A minha missa terminava no Cheche. Aí ficaria a aguardar o regresso da coluna que, depois de proceder ao desmantelamento de Beli e deslocar a guarnição para Madina do Boé, voltaria, pelo mesmo e único caminho, a Nova Lamego.

Presenciei o nervosismo, e porque não dizer o medo, do pessoal que ia em primeiro lugar, na jangada, ocupar posições na outra margem, para montar a segurança para a passagem do restante da coluna.

Só os meios aéreos poderiam antecipar dados que permitissem cambar o rio com relativa segurança.

Já não assisti ao regresso da coluna nem aos trabalhos da passagem para a margem norte do Corubal, pois a primeira crise de paludismo originou novo baptismo: a evacuação aérea para Nova Lamego. Dias mais tarde assisti ao regresso da coluna e, naturalmente, à descompressão das tropas utilizadas nessa operação.

Toda esta manobra obedecia a uma directiva, a nº 1/68, do Comandante Chefe recentemente empossado, o então Brigadeiro António de Spínola que previa o estabelecimento de uma grande base operacional na região do Cheche. Nessa região ficariam instaladas forças de intervenção, seria construída uma pista para aviões do tipo Dakota, além de uma jangada para a travessia do rio. As canoas, que seriam a estrutura base dessa jangada, passariam mais tarde por Canjadude, em mais uma das muitas colunas que por lá passaram, tendo como destino o Cheche.

Assim, mesmo sem que a base tivesse sido instalada, a guarnição de Madina do Boé seria retirada desse destacamento, numa operação montada e que seria realizada no início de Fevereiro de 1969. A coluna constituída por cinquenta e seis viaturas foi escoltada, entre outras forças, por elementos da Companhia de Caçadores nº 2405 – Batalhão de Caçadores nº 2852 (2)rmado no Regimento de Infantaria nº 2.

DESASTRE DO CHECHE

Constou, na altura, que tinha havido uma alteração na "ordem de operações". Previa-se que, aquando da travessia do Corubal, as últimas unidades a atravessar o rio seriam as de armas pesadas, ao contrário do que se verificou, que foram tropas de infantaria.

Imagino que, ao verem na outra margem do rio Corubal e para a qual se deslocavam, uma série de morteiros e canhões-sem-recuo prontos a responder a qualquer ataque, os militares tivessem descomprimido um pouco, podendo eventualmente ter tentado encher os cantis com água do rio, cuja falta se fazia sentir naquela altura do ano, desconhecendo que um Unimog, guarnecido por uma secção que eu próprio comandava, se encontrava muito próximo para reabastecer quem necessitasse, uma vez que a companhia retirada e as que haviam procedido à sua escolta, não entrariam no perímetro militar de Canjadude, não só por questões logísticas mas também operacionais.

A determinada altura, conforme se refere num filme realizado por José Manuel Saraiva, de 1995, e editado em cassete vídeo pelo Diário de Notícias, um som abafado, muito semelhante "à saída de uma morteirada ", teria gerado agitação entre os elementos que eram transportados na jangada, e eram bastantes. Da agitação resultou o desequilíbrio da jangada e a queda nas águas de uma parte substancial dos homens que estavam a ser transportados na mesma. O receio era de que tivessem sido seguidos à distância por forças IN e que as mesmas estivessem a preparar um ataque à jangada, que se deslocava lentamente.

A grande preocupação foi a ajuda aos que tinham caído à água, pois que transportavam consigo todo o equipamento normal numa missão de patrulhamento que, além da arma, do cantil e do bornal, munições de reserva não só para as armas ligeiras, mas também para as bazucas e para os morteiros.

Não foi só o equipamento individual que foi o responsável pelo afogamento de tantos homens. Os habitantes daquele rio também tiveram uma intervenção pouco amigável. Diz quem também esteve no centro daquele acontecimento, que as águas tomaram um tom avermelhado.

Naquela tarde de 6 de Fevereiro de 1969, o Corubal roubou a todos e a cada um de nós, quarenta e sete amigos e camaradas dos quais, poucos, viriam a ser encontrados e sepultados nas margens do Rio Corubal.

OS HERÓIS/MÁRTIRES

É com emoção que, quando falo ou escrevo sobre este tema, me perfilo em continência, os meus lábios murmuram uma breve oração, e me curvo perante a memória daqueles que não voltaram e cujo espírito permanece sobre as águas do Rio Corubal:

Furriéis Milicianos:

Carlos Augusto da Rocha, natural de Angústias – Horta – Açores – CCAÇ 1790
Gregório dos Santos Corvelo Rebelo, natural de Terra Chã – Angra do Heroísmo – Açores – CCAÇ 2405


Primeiros-cabos:

Alfredo António Rocha Guedes, natural de Vila Jusa – Mesão Frio – CCAÇ 2405
Augusto Maria Gamito, natural de S. Francisco da Serra – Santiago do Cacém – CCAÇ 1790
Francisco de Jesus Gonçalves Ferreira, natural de Tortosendo - Covilhã – CCAÇ 1790
Joaquim Rita Coutinho, natural de Samora Correia - Benavente – CCAÇ 1790José Antunes Claudino, natural de Alcanhões - Santarém – CCAÇ 2405
José Simões Correia de Araújo, natural de Telhado – Vila Nova de Famalicão – CCAÇ 1790
Luís Francisco da Conceição Jóia, natural de Alvor - Portimão – CCAÇ 1790

Soldados:

Alberto da Silva Mendes, natural de Sande - Guimarães – CCAÇ 2405
Alfa Jau, natural da Guiné – CCAÇ 1790
Américo Alberto Dias Saraiva, natural de S. Sebastião da Pedreira - Lisboa – CCAÇ 1790
Aníbal Jorge da Costa, natural de Rossas – Vieira do Minho – CCAÇ 1790António Domingos Nascimento, natural de Santa Maria - Trancoso – CCAÇ 2405
António dos Santos Lobo, natural de Favaios do Douro - Alijó – CCAÇ 1790
António dos Santos Marques, natural de Lorvão - Penacova – CCAÇ 2405
António Jesus da Silva, natural de Arazedo – Montemor-o-velho – CCAÇ 2405
António Marques Faria, natural de Telhado – Vila Nova de Famalicão – CCAÇ 1790António Martins de Oliveira, natural de Rio Tinto - Gondomar – C.Caç 1790
Augusto Caril Correia, natural de Santa Cruz - Coimbra – CCAÇ 1790
Avelino Madail de Almeida, natural de Glória - Aveiro – CCAÇ 1790
Celestino Gonçalves Sousa, natural de Poiares – Ponte de Lima – CCAÇ 1790
David Pacheco de Sousa, natural de Lustosa - Lousada – CCAÇ 1790
Francisco da Cruz, natural de Lebução - Valpaços – CCAÇ 2405
Joaquim Nunes Alcobia, natural de Igreja Nova – Ferreira do Zêzere – CCAÇ 1790
Joel Santos Silva, natural de Guisande – Vila da Feira – CCAÇ 1790
José da Silva Coelho, natural de Recarei - Paredes – CCAÇ 1790
José da Silva Góis, natural de Meãs do Campo – Montemor-o-novo – CCAÇ 2405
José da Silva Marques, natural de Marmeleira - Mortágua – CCAÇ 2405
José de Almeida Mateus, natural de Santa Comba Dão – CCAÇ 1790
José Fernando Alves Gomes, natural de Carvalhosa – Paços de Ferreira – CCAÇ 1790
José Ferreira Martins, natural de Pousada de Saramagos – Vila Nova de Famalicão – CCAÇ 1790
José Loureiro, natural de S. João de Fontoura Resende – CCAÇ 2405
José Maria Leal de Barros, natural de Vilela - Paredes – CCAÇ 1790
José Pereira Simão, natural de Salzedas - Tarouca – CCAÇ 2405
Judite Embuque, natural de Guiné – CCAÇ 1790
Laurentino Anjos Pessoa, natural de Sonim - Valpaços – CCAÇ 2405
Manuel António Cunha Fernandes, natural de Arão – Valença do Minho – CCAÇ 1790
Manuel Conceição Silva Ferreira, natural de Pombalinho - Santarém – CCAÇ 2405
Manuel da Silva Pereira, natural de Penude - Lamego – CCAÇ 1790
Octávio Augusto Barreira, natural de Suçães - Mirandela – CCAÇ 2405
Ricardo Pereira da Silva, natural de Serzedo – Vila Nova de Gaia – CCAÇ 1790
Tijane Jaló, natural de Piche – Gabu – CCAÇ 1790
Valentim Pinto Faria, natural de Valdigem - Lamego – CCAÇ 2405
Victor Manuel Oliveira Neto, natural de Buarcos – Figueira da Foz – CCAÇ 2405

Civis:

Um caçador nativo não identificado

José Martins – Sócio da L.C. [ Liga dos Combatentes] nº 80.393
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1969/70)
Janeiro de 2006
_________

Notas de L.G.

(1) Vd posts anteriores sobre este tópico:

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
"Apresentação do livro de Gustavo Pimenta, sairómeM - Guerra Colonial (Palimage Editores, 1999), no Porto, Cooperativa Árvore, em 10 de Dezembro de 1999. Autor do texto: José Manuel Saraiva, jornalista do Expresso" (...)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre do Cheche, na retirada de Madina ...

"Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata aa dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC"...

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

"O mês de Fevereiro de 1969 tivera inicio há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXI: Comentário de Afonso Sousa ao texto sobre a retirada de Madina do Boé

"Emociona este seu testemunho. Eu só faço uma pequena ideia do sofrimento de todos vocês, naquele momento trágico, nas horas e nos dias seguintes - em terras de solidão, em paragens dos confins da Guiné" (...).

(2) O BCAÇ 2852 estava sediado em Bambadinca, e a CCAÇ 2405 era a unidade de quadrícula de Galomaro

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Guiné 63/64 - P237: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé (José Martins)

Texto de José Martins:

Caro Luis Graça:

Ví no blogue-fora-nada o texto sobre a retirada de Madina do Boé (1). Na realidade morreram nesse desastre quarenta e sete homens, apesar da maioria das referência apontar para 46. Efectivamente a 47ª vítima era um caçador nativo (2), pelo que não consta das estatísticas militares.

Sei do que se passou, dado ter sido eu, na altura, Furriel de Transmissões da CCAÇ 5, de Canjadude (3), a proceder ao levantamento dos desaparecidos, junto de cada companhia, e de ter redigido a mensagem que foi enviada, momentos depois, para todos os escalões superiores.

Em nota de rodapé, registe-se a preocupação dos sobreviventes, traduzida na tentativa de enviar TELEGRAMAS, para avisar a família de que se encontravam bem. Não foi enviada nenhuma mensagem/telegrama, dado que, mesmo que transmitidos para o batalhão os enviar depois via Marconi, seriam fatalmente censurados no percurso (4) (5).

Um abraço do camarada
José Martins
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (1969)

(2) Presumo que o autor do texto quer dizer soldado africano de um Pelotão de Caçadores Nativos, tropa regular, emboar de recrutamento local, que deve ser confundida com as milícias.

(3) Vd. Carta da Guiné (1961). Na zona leste da Guiné, hoje região do Gabu, entre Nova Lamego (hoje Gabu) e Cheche (ou Ché Ché), na estrada Nova Lamego-Madina do Boé que atravessa o Rio Corubal precisamente em Cheche, sítio onde se deu a tragédia que vitimou os 47 militares.

(4) Madina do Boé tem um significado mítico tanto para nós, que fizemos a guerra colonial, como para os guerrilheiros do PAIGC. Depois da nossa retirada, o aquartelamento, abandonado e armadilhado pelas NT, terá sido imediatamente ocupado pelos sitiantes.

Em Julho de 1973, o PAIGC realiza em Fulamor, a oeste de Madina do Boé, o 2º seu Congresso. E, finalmente, em 24 de Setembro de 1973 é ali proclamada a Independência Unilateral da Guiné-Bissau pelo PAIGC, sendo Luís Cabral eleito Presidente do Conselho de Estado.