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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas







Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car (a página já não existe) (reprodução com a devida vénia...)


1. O nosso querido amigo e camarada Mário Beja Santos, nosso correspondente permanente (que é um verdadeiro "rato de biblioteca", no bom sentido do termo) mandou-nos esta "preciosidade"  

Data - segunda, 15/01/2024, 13:58

Assunto - Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas Campanhã • OLX Portugal

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car

Abrimos o link, no portal do OLX (passe publicidade..., é um sítio "on line", uma verdaderia "feira da ladra digital"  onde tudo se compra e vende: velharias, livros, móveis, documentos, etc.), e fomos saber algo mais :

Anúncio publicado em 2 de janeiro de 2024

Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas 

470 € | Negociável

Descrição:

"Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. E m bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291.

O anúncio estava "on line" esta manhã... Depois do almoço já não consegui abri-lo. O maço de aerogramas já tem outro dono... Esperemos que os saiba estimar e faça bom uso deles...


2. Comentário do editor LG.:

É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)

O remetente pode já ter morrido. Os aerogramas foram remetidos a uma senhora que ele tratava (pelo que conseguimos reconhecer nalgumas imagens de que fizemos um "print screen", com pouca resolução) como "menina", "meu amor", "minha mulherzinha"... Tanto podia ser uma namorada, como uma esposa ou até uma madrinha de guerra...  

Muito provavelmente,  um dos dois terá morrido e os herdeiros "mandaram para o lixo" ou puseram à venda na "feira da Vandoma" o maço de aerogramas...agora na posse de um tal Jorge, de Campanhã, Porto, que os quer vender por 470 euros (valor "negociável").. Aliás, a esta hora, já os vendeu..

Fica aqui mais uma veemente  apelo: camaradas e amigos, não mandam para o lixo as vossas cartas e aerogramas, dirigidas em muitos casos "às nossas mulheres que, afinal, também foram à guerra"... Façam-nas chegar aos vossos netos, bisnetos e trisnetos... 

Recorde-se que a nossa amiga  Alice Carneiro disponibilizou a sua coleção de cartas e areogramas da guerra colonial (cerca de três centenas e meia, que lhe foram envidadas por irmãos, familiares, vizinhos, "afilhados", etc., dos três teatros de operações da guerra colonial) para um projeto de investigação, chamado FLY. Todos os documentos foram devidamente digitalizados, sendo depois devolvidos à proprietária (e, no caso das cartas do mano, José Ferreira Carneiro, fiel depositária). 

Citámos aqui, há uns anos, a investigadora e doutoranda Leonor Tavares, da Equipa FLY, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (*):

(...) "O projecto FLY - Cartas Esquecidas (1900-1974) é um projecto que procura recolher, digitalizar e editar cartas do século XX dos contextos de prisão, exílio, guerra (colonial e mundial) e emigração. Este projecto continua o projecto CARDS - Cartas Desconhecidas (1500-1900) que já conta com 2000 cartas transcritas. Os dois projectos estão neste momento parcialmente disponíveis no site http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/.

"O objectivo do projecto FLY é recolher e editar 2000 cartas dos contextos referidos, sendo que se estipulou um total de 700 cartas para o contexto da guerra colonial. Este arquivo digital (composto pelas 2000 cartas do projecto CARDS e as 2000 do projecto FLY) estará disponível para investigadores de várias áreas (principalmente as áreas da Linguística, da História e da Sociologia), para que os documentos (as cartas) sejam imortalizados como objectos históricos de grande relevância linguística. Os estudos que podem ser feitos a respeito deste tipo de documentos compreendem, entre muitas outras hipóteses, aspectos relacionados com a sintaxe, a fonologia, a pragmática, a história cultural e/ou social e aspectos da sociologia das migrações, das desigualdades e classes sociais.

"O projecto FLY compromete-se a omitir todos os dados pessoais dos intervenientes nas cartas, nas transcrições e nas imagens disponibilizadas on-line. (...)".

Recolha de cartas portugueses do Século XX (1900 a 1974) > Apelo

“Se guarda em sua casa cartas particulares e deseja que ela sejam dignificadas enquanto objeto de conhecimento, por favor contacte os investigadores do projeto FLY 1900-1974 (Cartas Esquecidas).”

Rita Marquilhas
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
Avenida Professor Gama Pinto, 2, 1649-003 Lisboa
Telefone : 21 790 49 57 | Fax : 21 796 56 22

Email : fly@clul.ul.pt
Endereço do site : http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/

(Parece-me que o projeto já acabou em meados de 2013. 

Descrição:

O projeto FLY 1900-1974 corresponde a uma campanha de recolha, edição eletrónica e estudo interdisciplinar de um conjunto de documentos do século XX produzidos na esfera privada e escritos por autores de todos os estratos sociais. Trata-se de uma amostra de 2.000 cartas portuguesas compostas em contexto de guerra, emigração, prisão ou exílio entre 1900 e 1974, amostra essa que tem o duplo formato de corpus linguístico e de edição crítica disponibilizada na internet e comentada nas perspetivas histórica, linguística e sociológica. O FLY oferecerá ao público neste endereço, e até finais de 2013, a edição electrónica de 2.000 cartas particulares do século XX acompanhadas de indexação linguística, histórica e sociológica.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24642: Manuscrito(s) (Luís Graça) (228): Uma romã e um cacho de uvas douradas, para ti, querida Nita(s), com a nossa (e)terna saudade

 

Foto nº 1 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023) (*)

Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), a Mi (cunhada) e a Chita (Alice, irmã)

Foto nº 3 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (1)...



Foto nº 4 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (2)...



Foto nº 5 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Os cachos  (arinto / pedernã) que a Nita(s) adorava apanhar...


Foto nº 6 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindimas...Este ano começou a vondimar-se mais cedo, foi um ano "atípico", diz o nosso engenheiro e enólogo... Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos..., para dar uma mãozinha.


Foto nº 7 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindima...Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos... Filhos, sobrinhos/as, sobrinhos-netos...


Foto nº 8 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Antigamente acarretava-se os "cestos de vime" às costas até ao lagar... Hoje, felizmente, o trator alivia-nos as costas...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Tud0 gente da casa, da 2ª e 3ª geração...



Foto nº 10  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Cestos (de plástico...) cheios de uvas de castas (loureiro, avesso, algum alvarinho...),  que amadurecem mais cedo.


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 9 de setembro de 2023 > A "romãzeira da tia Nita(s)", na borda de um dos nossos campos... (Nome científico: Punica granatum)


Foto nº 12  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > As primeiras romãs maduras para a "tia Nita(s)" com a nossa (e)terna saudade...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Amigos e camaradas, deixem-me falar de outra das minhas geografias emocionais, que é Candoz, a Quinta de Candoz, ou Tabanca de Candoz, como eu também gosto de lhe chamar.  

Há quase meio século, desde 1975, que venho aqui, à casa  e à terra onde nasceu a mãe dos meus filhos. Por herança (e opção), somos sócios da Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal).  Havia momentos especiais do ano, festivos, em que não podíamos faltar: o Natal,  a Páscoa, as vindimas... Mesmo estando longe, a 350 km de distância, eu, a Alice, os nossos filhos, procuramos estar aqui em Candoz nessas datas...

As vindimas são um momento mágico e agregador das famílias que nasceram no campo e sempre conviveram com a terra e a vinha. Mesmo quando se partia para a cidade (Porto, Lisboa) e depois para o Brasil, a França e a guerra em África, Moçambique e Angola (como foi o caso dos très rapazes da família),  quem podia vir, vinha dar uma ajuda quem não podia vir, escrevia cartas ou aerogramas cheios de saudade...  

Dos seis filhos do casal José Carneiro e Maria Ferreira, quatro (três raparigas e um rapaz) decidiram constituir, nos anos 80, a Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal) e constuir uma vinha inteiramente nova, nos solcalcos roubados ao longo dos séculos à floresta de carvalhos e castanheiros, sustentados por grossos muros de pedra, e que está na família Ferreira Carneiro desde pelo menos os primeiros decénios do séc. XIX. 

Era uma pequena exploração familiar projetada, há 40 anos, para produzir no máximo 20 pipas (c. 15 toneladas de uvas),  de vinho verde branco, das castas arinto/pedernã e azal (maioritariamente, mas também com videiras  de loureiro, alvarinho e avesso), a uma cota entre os 250 e 0s 300 metros acima do nível do mar.

Durante estes anos todos a nossa Nita (para o marido e os filhos) ou Nitas, a "tia Notas" (para os restantes familiares e amigos) foi a "alma" desta pequena comnunidade. A morte, traiçoeira, levou-a aos 76 anos, depois de trabalhar uma vida inteira como engenheira química no laboratório do Departamento de Engenheiria Química do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto (*)

Este  é o primeiro ano que fazemos a vindima sem a sua presença física. Nas duas primeiras fotos acima, de 18 de setembro de 2020, ela já sabia o diagnóstico da doença que a haveria de matar, e a que não teria sido alheia a exposição profissional a substàncias cancerígenas.  Estóica e digna na doença, e ainda em tempo de pandemia de Covid-19, a Nita(s) não deixava de nos brindar com o seu sorriso luminoso, a sua gentileza, a sua fotogenia, o seu carinho , a ternura, o amor, o desvelo, a entrega, a generosidade e a alegria que sempre pôs em tudo o que fazia,  bem como nas relações que mantinha com  os outros. 

Foi fada e rainha deste lar.

Estas primeiras fotos da primeira vindima de 2023 (vamos fazer três, e no próximo fim de semana a maior) é dedicada à nossa querida Nita(s), figura tutelar da nossa Quinta de Candoz. Para ela vai um cacho de uvas douradas e a primeira romã madura que colhemos da sua romãzeira. (**)

________

Notas do editor:

(*) 26 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)

(**) Último poste desta série : 18 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

 


Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 14 de agosto de 2018 > Paisagens jurássicas > A Alice, ao fundo, virada para as Berlengas, o Cabo Carvoeiro, o forte de Paimogo...  


Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Querida Chita:

 Há dias escrevi uns versinhos,

por ocasião da efeméride do nosso casamento,

em 7 de agosto de 1976, 

versinhos esses que não cheguei a acabar (*)…

Acabo-os hoje, no dia do teu 78º aniversário (**):

 

Há já quarenta e sete

Que estamos os dois casados,

Mas um só,  de namorados,

Que fique aqui de lembrete.

 

Teve momentos bonitos,

Alegrias e tristezas,

Dúvidas e incertezas,

Sorrisos e alguns gritos.

 

Eu não estou arrependido,

Feito o deve e o haver,

Que posso amanhã morrer,

Fica aqui o registo devido.

 

Gostei do nosso casório,

Lá na Quinta de Candoz,

Com os pais,  manos e nós,

Só faltou o foguetório.

 

E tu também, aposto,

Com o "anho" à maneira,

Houve “bailo” lá na eira,

 Nesse querido mês de Agosto.

 

Tu escolheste a pousada,

Lá no alto do Marão,

Eu roubei teu coração,

Tu dizes que foste enganada.

Querias Braga para morar,

Ou o Porto, ali mais perto,

Não, eu não fui mais esperto,

Se a Lisboa fomos parar.


São teus filhos alfacinhas,

De Lisboa gostam de sê-lo,

O teu amor não vão perdê-lo,

São eternas criancinhas.

 

E, a juntar à Joana e João,

Há agora uma Clarinha,

Que, diz a avó, babadinha,

Não lhe cabe no coração.

 

Setenta e oito degraus,

Muitos anos e canseiras,

Mutos erros e asneiras,

Nesta escada de calhaus.

 

Não vale a pena parar,

A vida é p’ra se viver,

Com momentos p’ra sofrer,

É tudo sempre a somar.

 

Se for a dois, tem mais graça,

Tu e eu, mesmo de muletas,

Fui-me abaixo das calhetas,

Tenho esperança, isto passa.

 

A melhor prenda que te dei,

Foi ontem os seiscentos passos,

Para ti podem ser escassos,

Mas foram os que eu andei.

 

Do ginásio ao café,

Sem muletas nem encosto,

Deu-me ânimo e gosto,

Ter andado tanto a pé.

 

E p´ró ano, fica agendado,

Irmos a uma ilha, os dois,

Mas sem muletas, pois, pois,

Provando que estou... curado.

 

Teu Nhicas.

 Praia da Areia Branca, 7 e 18 de agosto de 2023.

 

_______________

Notas do editor:

(*) +Ultimo poste da série > 12 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24550: Manuscrito(s) (Luís Graça) (226): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IVB: Enfermagem, Misoginia e Sexismo

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24562: Parabéns a você (2194): Maria Alice Carneiro, amiga Grã-Tabanqueira

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24559: Convívios (969): CCAÇ 3398 (Buba, 1971/73): Cinquentenário do regresso (1 set 1973): Freiriz, Vila Verde, a "terra dos lencinhos dos namorados", 2 de setembro de 2023 (José da Silva Lourenço / Joaquim Pinto Carvalho)


Inscrições até ao dia 19 de agosto: telem 916 653 615 (José da Silva Lourenço)





1. Mensagem que nos chegou ontem, às 21h19, da parte do nosso amigo e camarada Joaquim Pinto Carvalho, que tem mais de 60 referências no nosso blogue, e é membro nº 633 da Tabanca Grande, foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73); natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; é autor de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021.


Assunto - Convívio da CCAÇ 3398, em 2 de setembro de 2023

Olá! Mando-te anúncio do convívio que fiz e digitalização da carta qu recebi do organizador. Vê se dá para aproveitar alguma coisa para colocares no blogue.
Obrigado

Um abraço, J. Pinto de Carvalho



Vila Verde, no distrito de Braga,  é a terra dos lenços dos namorados... "Amor juro ser / Sempre tua até morrer / Garda bem este lencinho / Nele tens  o meu saber."

domingo, 26 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)



Ana Ferreira Carneiro, na sua casa da Madalena, Vila Nova de Gaia, em 19/6/2019, no dia do casamento do filho mais novo, mas já com o diagnóstico da doença, a mielodisplasia, que deveria estar na origem da sua morte, quatro anos depois,  em 24 de março de 2023.


Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

A Tabanca de Candoz ficou mais pobre, a partir de anteontem,  com a morte da "Nitas"... Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 15/1/1947 - Porto, 24/3/2023)

A engenheira técnica Ana Carneiro, carinhosamente conhecida por "Nitas", formou-se em 1973 e trabalhou desde então, e durante quatro décadas, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto, no departamento de Engenharia Química, Laboratório de Tecnologia Química. Fez parte, já reformada, de vários grupos musicais (coros e cavaquinhos). Era irmã da Alice Carneiro e cunhada do nosso editor Luís Graça. Era casada com o Augusto Pinto Soares, "Gusto", economista, e gestor, reformado, mãe do médico José Soares e do inspetor tributário Luís Filipe. Tinha dois netos. Morava na Madalena, Vila Nova de Gaia. As cerimónias fúnebres realizaram-se em dois locais: (i) igreja do Padrão da Légua, São Mamede de Infesta, Matosinhos, com velório a partir das 18h00: missa de corpo presente às 10h00, amanhã, sábado; (ii) seguindo depois o féretro para a sua terra natal, que ela tanto amava; o corpo desceu à terra por volta das 15h00, no cemitério da freguesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.





 

Marco de Canaveses >  Paredes de Viadores >  Festa da família Ferreira >  7 de setembro de 2013 > Juntou mais de 100 pessoas. A festa realiza-se há cerca de 30 anos. A última tinha sido em 2011. 

Neste vídeo mostra-se a exibição de um grupo de mulheres da família que cantam lindamente os tradicionais cantaréus da região do Douro Litoral (que só podem ou devem ser cantados pelas mulheres, e estão hoje praticamenmte extintos, o termo aliás nem sequer está, lamentavelmente,  grafado pelo Dicionário Periberam da Língua Portuguesa): "Nitas", Mi, São (mulher do maior violonista da região, Júlio Veira Marques, também presente na festa, nosso camaradas da CCAÇ 1418, Bissau, Bula, Buruntuma, Camajabá, Ponte Caium e Fá Mandinga, 19654(/67)... e Dolores Carneiro... A "Nitas" está de óculos escuros e xaile tradicional.

Vídeo (1' 59''). Alojado em You Tube / Luís Graça (2013) (*)

1. Oração fúnebre dita da missa de corpo presente, igreja do Padrão da Légua, Matosinhos, dia 15 de março de 2023, cerca das 11h00 (**):

Querida Nitas:

Hoje há lágrimas e suspiros. Hoje é o dia mais triste das nossas vidas. Agora que partiste para a tua última viagem, aquela que não tem retorno, há um nó na garganta que nos sufoca e não nos deixa dizer tudo o que nos vai na alma.

Sabes, na hora da morte dos que nos são queridos, as palavras de pouco nos servem de consolo. Escrevi-te tantos sonetos, quadras e outros textos poéticos, ao longo da tua vida, por ocasião dos teus aniversários e em outros momentos felizes que passámos juntos no seio das nossas famílias… Mas ficou, afinal, tanto por te dizer e partilhar contigo!...

Contra toda a evidência médica, fomos resistindo à ideia de te perder e fomos sempre alimentando a luzinha que, embora muito trémula, ainda era visível ao fundo do túnel, há uns meses atrás. Mas tu sabias que a vida te estava a escapar… não obstante a dedicação e a competência dos “anjos”, que no Hospital de São João, cuidaram de ti, a começar pelo teu hematologista, dr. Ricardo Pinto.

Recordo o que me escreveste, há um ano, agradecendo as palavras que eu te mandei, em meu nome e da tua mana Alice, por ocasião dos teus 75 anos. “Querido Luís: Quando partirmos para o outro lado do rio de Caronte, como tu dizes, o que fica para a posteridade, é o que tu escreves agora para nós… Tantas e tão lindas recordações. De nós pouco fica… Obrigada mais uma vez, a todos, por todo o carinho que recebo.” (Fim de citação).

Não, Nitas, de ti fica muito. Antes de mais, fica, em nós, uma saudade imensa. De ti, fica o teu sorriso luminoso, a tua grande bondade, a contagiante alegria de viver, a tua beleza interior, a tua gentileza, a tua fotogenia, o carinho com que tratavas as tuas plantas e flores na Madalena e em Candoz, o prazer com que ias para o coro e o cavaquinho, o orgulho, a ternura e o amor que tinhas  pelo teu marido, Gusto, e pelos teus filhos Luís Filipe e José Tiago, o desvelo e o carinho que manifestavas pelos teus netos, e as tuas noras e a tua grande família: manos, cunhados, sobrinhos, etc.

Fica o exemplo extraordinário de abnegação e de resistência que deste ao longo de quatro anos de luta contra uma doença crónica degenerativa, cruel, irreversível, incurável, injusta. Tu não merecias este desfecho.

E fica o teu Gusto, sempre discreto mas eficiente e presente, sempre a teu lado, nos piores e melhores momentos, o Gusto, o teu grande companheiro de jornada, de estrada, o grande amor da tua vida. Fica o seu exemplo, para todos nós, de um extraordinário cuidador. Sem um ai, sem um ui, escudando-se muitas vezes na sombra, fora das luzes da ribalta, sem procurar protagonismo. Porque ele sabia que tu farias exatamente o mesmo por ele. Essa, sim, é uma grande prova de amor.

Fica ainda o exemplo do resto da tua família, que esteve sempre a teu lado, que soube ser carinhosa, fraterna e solidária na grande provação que foi a tua doença. Sem esquecer os teus bons amigos e antigos colegas, do ISEP - Instituto Superior de Engenhria do Pporto e dos grupos do coro e do cavaquinho…

Na tua morte, querida Nitas, todos morremos um pouco contigo. Falo em meu nome, em nome dos meus e dos teus, e de todos os demais que muito te amaram e que te vão recordar pela vida fora. Prometemos nunca te esquecer enquanto ainda tivermos do lado de cá do rio. Também já temos a moeda para dar ao barqueiro Caronte que nos há levar ao teu encontro, na outra margem. Até lá vamos falando contigo, mesmo por entre lágrimas e suspiros. Recusamos dizer-te adeus, até sempre. Apenas, adeus, até um dia destes, querida Nitas!

Luís Graça


2. Letra da canção do cancioneiro minhoto, "Ó Farol de Montedor",  interpretado por um coro "ad hoc" (sem acompanhamento instrumental),  Cemitério de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 25 de março de 2023, 15h00

Ó Farol de Montedor


Instrumental 
 

Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai,
Ó farol de Montedor,
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai

Instrumental

Eu perdi o meu amor, ó ai, ó ai
Eu perdi o meu amor, 
Às escuras não no acho, ó ai, ó ai
À escuras não no acho, ó ai, ó ai

Instrumental

É noite, e o sol já está posto, ó ai, ó ai
É noite, e o sol já está posto 
E o meu amor que não vem, ó ai, ó ai
E o meu amor que não vem, ó ai, ó ai

Instrumental

Ou o mataram a ele, ó ai, ó ai
Ou o mataram a ele, 
Ou ele matou alguém, ó ai, ó ai
Ou ele matou alguém, ó ai, ó ai

Instrumental

Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai
Ó farol de Montedor,
Iça a bandeira de luto, ó ai, ó ai
Iça a bandeira de luto, ó ai, ó ai

Instrumental

Foi-se embora o meu amor, ó ai, ó ai
Foi-se embora o meu amor, 
Tenho pena, choro muito, ó ai, ó ai
Tenho pena, choro muito, ó ai, ó ai

Instrumental

 Ó farol de Montedor, ó ai, ó ai,
Ó farol de Montedor,
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai
Alumia cá pra baixo, ó ai, ó ai


(Vd. aqui a interpretação do Coro Académico da Universidade do Minho com o Grupo de Música Popular da Universidade do Minho: Ó farol de Montedor - Trad. do Minho / harm.: Mário Nascimento XIII Encontro de Coros Universitários - 2017)

3. Joaquim Costa comentou na Tabanca Grande Luís Graça, com data de 24 de março último:

Amigo Luís, é nestes momentos que as palavras nos faltam para exteriorizar a tristeza que nos aperta o coração, pelo amigo que perde alguém muito querido.

As minhas condolências a toda a família e amigos da minha colega Eng Tec, que não tive o prazer de conhecer mas que com certeza nos cruzámos nos corredores do então IIP - Instituto Industrial do Porto (hoje ISEP)

Um grande abraço deste amigo que muito te considera.

Joaquim Costa

______________

Notas do editor: 

(*) Vd. 24 de setemebro de  2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24076: In Memoriam (469): Manuela Gonçalves (Nela) (Castelo Branco, 1946 - Caldas da Rainha, 2019), professora aposentada, cooperante, esposa do ex-alf mil, Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60, 1969/70, vítima de mina A/C , em 13/11/1969, na estrada São Domingos-Susana


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > 1981 > A caminho de Ingoré... A Nela, turista, de perfil...Aqui com os filhos 
.


Guiné-Bissau > Bissau > 1982 >  A Nela, cooperante,  e os filhos...


Cortesia do seu blogue Viagens, Fotos e Palavras 
(https://viagensdanela.blogspot.com/)


1. Há muito que não tínhamos notícia da nossa amiga Manuela Gonçalves (Nela), que residia as Caldas da Rainha, professora do ensino secundário, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes (o segundo, por ordem cronológica) do Pel Caç Nat 60 (criado em São Domingos em 1968).

Foi a primeira, ou uma das primeiras mulheres, companheiras de camaradas nossos, a integrar a nossa Tabanca Grande. Não eram (nem são)  muitas, contam-e pelos dedos... O marido (o "maridão", como ela o chamava) foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1969/70): o Nelson Gonçalves foi vítima de uma mina anticarro, nas imediações de Nhambalá, na estrada São Domingos-Susana, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (*).

Infelizmente, confirmámos há dias que a nossa amiga, que estava reformada e era avó , já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves". Confirmámos a notícia noutra fonte: segundo a AgênciaNeves - Serviços Funerários, das Caldas da Rainha, a nossa amiga Nela, de seu nome completo, Maria Manuela Fernandes Gonçalves , nasceu a 12 de dezembro de 1946, em Castelo Branco,  e morreu, nas Caldas da Rainha, em 2 de setembro de 2019. Era casada com Nelson Gonçalves, mãe de Tânia Manuela Gonçalves e do  Nelson Alexandre Gonçalves.

Daí a razão de ser deste In Memoriam (**). 

Apaixonada por viagens à volta do mundo, escrevia no blogue Viagens, Fotos e Palavras, em 26 de janeiro de 2019: 

"Faltam-me Tantos Países Para Visitar....Visitei 37 países das Nações Unidas (19.1%) num total de 193"... (Do México ao Japão, da Guiné-Bissau à Suécia, do Brasil à Índia, de Marrocos à África do Sul, de São Tomé e Príncipe a Moçambique, do Reino Unido à Itália...).   Seria já uma despedida ?... Aliás, é em meados desse ano, 2019,  que os seus blogues ficam inativos.


2. A Nela manteve ao longo do tempo da sua vida ativa (e depois na reforma) diversos blogues (nada menos que seis) e seguia muitos mais (cerca de duas dezenas e meia), incluindo o nosso, blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e o blogue do Pel Caç Nat 60, criado pelo Manuel Seleiro.

Na altura, em 1970,  a Nela, jovem estudante universitára, a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  e então namorada do Nelson, viveu a guerra à distância, com a morte na alma (***)... 

Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com o marido e os seus dois filhos pequenos, em 1981, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Viveu lá, na Guiné-Bissau, em 1981/82 (***)... 

Mais tarde, no início de 2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente, e mais do que isso mantinha nessa altura o seu próprio blogue: Caminhos por onde andei...(infelizmente já descontinuado, não foi sequer capturado pelo Arquivo.pt) (****).
 
No seu perfil, no Bogger, definia-se nestes termos: "Mulher, sempre pronta a fazer malas e partir... com uma máquina fotográfica, uns livrinhos e, claro, de tenis... Também gosto de dar a minha opinião... e não prescindo dos meus direitos".

Era natural de Castelo Branco. Viveu e trabalhou nas Caldas da Rainha. Um abraço na dor ao marido (e nosso camarada Nelson Gonçalves, de quem não temos nenhum contacto), filhos  e restante família.

Requiescat in Pace, Nela!


(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [o NEpson Gonçalves] e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60,  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial.  A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



Sábado, Janeiro 7, 2006

Guiné- Bissau (1)

Esta noite, ao navegar pelos blogs que visito habitualmente, fui parar , através de hiperligações de posts, ao Blogue Fora-Nada, que reúne documentos e memórias de ex-combatentes da Guiné-Bissau!

Não fui combatente na Guiné, mas esses caminhos foram percorridos por mim de modo e tempo diferentes... Tornaram-se mesmo decisivos na minha vida de jovem estudante universitária rebelde , namorada de um alferes miliciano que para ali fora enviado para a guerra , mais tarde meu companheiro de vida (já lá vão 35 anos) e de mulher e mãe, que considerou importante ir para Bissau, como cooperante!

A Guiné dos aerogramas despertara um desejo imenso de conhecer a Guiné das bolanhas, das tabancas, dos mosquitos, dos rios e pântanos e das gentes que ali viviam, dos felupes, dos mandingas, dos papéis, de Amílcar Cabral, dos guerrilheiros do PAIGC...

Nunca tinha aceite a Guerra Colonial, mas uma vez que ela tinha entrado nas nossas vidas abruptamente e deixado incapacidades físicas ao maridão, senti uma vontade imensa de viajar para aquele pequeno país e conhecê-lo bem!

Era como que uma necessidade intrínseca de compreender bem uma etapa importante da vida vivida pelo companheiro de route!

Bissau, Bafatá, Mansoa, São Domingos, Ingoré eram locais que precisávamos (re)visitar.

E fomos lá! Também os nossos filhos nos acompanharam , crianças ainda, viram e pisaram as picadas que, anos antes, o pai cruzara, sempre alerta! Agora podíamos circular livremente, apesar do mau estado das estradas, mas em paz e liberdade!

Gostei da Guiné-Bissau! Voltar lá foi um modo de "exorcizar" fantasmas de guerra que habitavam a nossa casa! (...)

sábado, 26 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"


Rui Alexandrino Ferreira (Angola, Sá da Bandeira, 
h0je Lubango, 1943 - Viseu, 2022) (*)





Guiné > Região de Tombali Aldeia Formosa > CCAÇ 18 (jan 197/set 72) > 1971 > Os primeiros foguetões 122 a serem capturados aos guerrilheiros do PAIGC. No foto, ao centro Cap Mil Rui Ferreira, comandante da CCAÇ 18, com dois dos seus homens, guineenses: o furriel mil Aristóteles Tomé Pires Nunes  e o furriel  mil Carlos Solai Só. Foto, com a devida vénia, reproduzida de "Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra, Palimage, 2014, pág. 107. 




Capa do livro "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).
Um exemplar deste segundo livro do Eui Alexandrino Ferreira, foi-me gentilmente ofertado pelo Manuel Gonçalves, ex-alf mil mec auto, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), Reproduzo aqui a sua dedicatória: "Tendo estado em Aldeia Formosa com o autor, quero partilhar com o meu ilustríssimo amigo Luís Graça alguma dessa vivência. Manuel Gonçalves, s/d  [2022] ".



1. Em homenagem ao nosso ten cor inf ref Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), deixamos aqui a sua versão sobre os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971,  sob a forma de confrontos armados, opondo militares, guineenses, da CCAÇ 18, a camaradas, metropolitanos da CCS e da CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, jul 1971 / set 1973).  O Rui Alexandrino Ferreira estava então na sua segunda comissão no CTIG, desta vez a comandar a CCAÇ 18 (de janeiro de 1971 e setembro de 1972).

Trata-se de um excerto do seu livro "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014). Com a devida vénia aos herdeiros do autor e à editora, a Palimage. É também uma homenagem à sua esposa, a quem dedica (a ela e às filhas) este livro, com palavras  de enorme ternura e humanidade que merecem ficar aqui registadas no nosso blogue:

"Este livro  (...) é principamente dedicado à minha esposa, que continua a ser dos meus sonhos o mais lindo, pro quem tive a ousadia de pedir a Deus: "Senhor! Cuida bem dela. Dá-lhe uma velhice calma e sem abrolhos, que a compense da imensidão de sacrifícios que por mim temfeito. Quando a tiveres de a chamar a Ti, não o faças sem primeiro o teres feito a mim, pois  sem ela nem o mundo seria o mesmo, nem a  minha vida teria qualquer sentido" (pág. 19).

Chama-se a atenção para o facto de haver outras versões dos acontecimentos a seguir relatados: vd. por exemplo, o testemunho do soldado do pelotão de morteiros que estva a altura em Aldeia Formosa, Joaquim dos Reis Martins ("Quebo: nos confins da Guiné", op cit, 2014,  cap 12º, ponto 10.5. A Revolta dos Militares Nativos, pp. 330-335); ou ainda a versão do nosso camarada Manuel Gonçalves, já aqui citado (**). 



Capítulo décimo primeiro – A noite dos horrores, ou o conflito armado entre metropolitanos e africanos e ainda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer (pp. 197 – 202)


Por Rui Alexandrino Ferreira 



(...) Se durante a permanência do [BCAÇ] 2892, a coexistência entre brancos e africanos decorreu de forma natural, (…) dentro do aquartelamento e da povoação [de Aldeia Formosa] (…), com a chegada do [BCAÇ] 3852 tudo se tinha modificado.

(…) Sucedia que entre os fulas, para publicamemte mostrarem a grande amizade que os unia, estes se passeavam de mão dada. Tal facto foi originando alguns piropos da parte dos soldados metropolitanos, que foram agravando com o correr do tempo.

Longe de qualquer prática homossexual, que aliás não foi detetada nenhuma, na CCAÇ 18, durante todo o tempo em que lá estive (…). Os militares do [BCAÇ] 3852 pareciam, a este respeito, estar desinformados, pouco mentalizados, como se fosse coisa de que nunca tivessem ouvido falar.

Foram-se assim agravando as relações. E, se não me custa aceitar que havia alguns militares da [CCAÇ] 18, que estariam mais perto dos ideais do PAIGC, e atentos a uma oportunidade para lançar uma confusão, tal não me parece ter sido esse o presente caso.

Confusão que acabou por acontecer na noite da consoada de 1971. Foi seguramente, se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida.

E tudo começou por uma violenta discussão entre africanos e metropolitanos no bar do Cabo Verdiano, envolvendo o campeonato de futebol da primeira divisão. Do Benfica ao Sporting (…), foi subindo de tom e passou para o futebol de Aldeia Formosa, onde tinha recentemente terminado o campeonato inter-unidades.

E assim, normalmente, acabava por vir a lume a minha própria pessoa. Não sendo efetivamente um elemento muito disciplinado, usando e abusando da força que então tinha, era extremamente corajoso, lutador e, sem ser violento, impunha o físico, nunca tirava o pé do sítio onde metia e raramente perdia um confronto a dois.

Tendo sido injustamente expulso durante um desafio por um furriel árbitro que, na busca de protagonismo, não encontrara melhor solução que me pôr fora de campo, ordenei então à equipa da 18 que abandonasse o terreno, pois o futebol para nós tinha acabado naquele momento.

Foi um alvoroço. Chamado às preces
 [ou à pressa ?]    o comandante [ten cor inf António Afonso Fernandes Barata], [este ] ordenou-me que fizesse reentrar o pessoal no campo, ao que lhe respondi que nem pensar.

− Então mando-os eu entrar – retorquiu.

−Essa é que eu gostava de ver, entrar um que fosse, depois de eu ter dito para o não fazerem.

− Então, eu prego-lhe uma porrada.

− E eu preocupado com isso, seguramente viu daqui para melhor, porque não há nada mais perigoso em matéria operacional do que uma companhia africana. E venha quem os ature.

− Mau…, então vamos conversar. O que é o senhor quer ?

− Mande substituir o árbitro.

E assim foi feito (…).

Do futebol se passaram às malévolas insinuações, se julgaram ações, se estabeleceram suposições, numa alusão a eventuais práticas homossexuais, metendo pelo meio o uso dos balandraus, alguns ricamente costurados, que os fulas usavam em ocasiões especiais, mas que efetivamente mais pareciam vestimenta de mulher.

E tudo acabou num confronto físico, quando um soldado africano enfiou pela cabeça abaixo de um soldado africano uma cadeira. Criadas fixaram assim as condições para o pandemónio que se seguiu.

Impotente para reagir fisicamente, dada a diferença de arcaboiço, o soldado africano foi a casa buscar a arma. Os soldados metropolitanos refugiaram-se no quartel e os africanos instalaram-se numa casa fronteiriça a este, de onde desencadearam o ataque.

A notícia chegou como uma bomba à tabanca da [CCAÇ ] 18 [fora do quartel, onde ficavam o comandante e os demais graduados da companhia].

− Nosso capitão, o pessoal está todo aos tiros uns aos outros.

(…) Desatmado, usando, tal como me encontrava, as calças do camuflado e uma t-shirt branca, dirigi-me rapidamente ao local do conflito.

Já então o tiroteio era verdadeiramente infernal. Os soldados metropolitanos tinham começado a responder de dentro para fora do quartel. Tendo feito rapidamente um balanço à situação, só havia um solução: terminar imediatamente com a troca de tiros, antes que a situação ficasse incontrolável.

Identificando-me e ordenando, tão alto quanto consegui, que pusessem fim ao tiroteio, avancei direto à casa onde se encontravam entrincheirados os soldados da 18.

Os tiros passaram por mim zumbindo, dilagramas iam rebentando um pouco por todo o lado. E fosse por intervenção divina, por interferência de Nossa Senhora de Fátima que protege os portugueses quando estes se encontram em más situações, ou pela intervenção que era conferida pelo amuleto que me fora dado pelo Cherno Rachid Jaló, não sofri nem a mais ligeira beliscadura.

Continuando a avançar em direção à casa, consegui que os meus soldados a abandonassem e assim se findou o tiroteio. No rescaldo, e num balanço final, tinha um dos majores um dos lados da cara completamente esfacelado, por se ter mandado abaixo do jipe que estava a ser atacado.

Mais grave, estava o Virgolino Ribeiro Spencer, um dois furriéis da 18, que transitava de boleia na motorizada do Ganga, outro furriel da mesma 18, que era avançado de centro da seleção da Guiné (…)[com família no Pilão]… [E a propósito do Pilão], ainda estava bem presente na mente de todos a morte de quatro elementos da polícia militar, vítimas de uma granada que lhes meteram dentro do jipe.

Virgolino Ribeiro Spencer foi inacreditavelmente atingido por uma bala que, tendo feito ricochete no farolim, o foi apanhar naquele exíguo pedaço do seu corpo, que não estava protegido pelo corpo do Ganga. (…)

Evacuado para Bissau, na madrugado do dia seguinte, morreu um dia depois [na realidade, umas três semanas depois, em 15 de janeiro de 1972]. Para o seu velório e enterro, Spínola mandou-me buscar a Aldeia Formosa.

Foi mais uma noite de profundo desgaste psíquico, físico e mental. Com o calor que se fazia sentir, o corpo já tinha começado a decompor-se. A família, num cantochão, misto de prece e oração, lamentava em conjunto a sua morte. Toda a noite, sem descanso, sem tréguas, sem intervalos. De madrugada, [eu] tinha os nervos arrasados. O enterro constituiu mais uma provação.

Mas voltando a Aldeia Formosa e à noite das facas longas, findo o tiroteio e após ter passado pela enfermaria, dirige-me à sala de operações onde se encontrava reunido o comando do batalhão. O comandante propôs-me então que se esquecesse o que se tinha passado, não informando Bissau do sucedido.

Ao que lhe respondi que não precisava ele de se preocupar em prestar qualquer esclarecimento, pois a essa hora já por toda a cidade de Bissau se sabia o que se tinha passado, com base no agente da PIDE, em Aldeia Formosa.

− E mais, temos de nos preparar para amanhã receber a visita de Spínola.

E assim foi. Formadas as unidades, Spínola determinou que os comandantes das companhias fizessem sair os cabecilhas. E quando viu que os elementos da 18, que tinha mandado sair, estava um cabo com uma cruz de guerra (que ostensivamente colocara), dirigiu-se-me dizendo que não era forma de tratar um herói nacional. Ao que eu respondi:

−Que em matéria de cruzes de guerra, ele ainda ficava a perder comigo.

A verdade é que Spínola estava absolutamente determinado a arranjar alguém que arcasse com as culpas e, se eu não lhe tenho respondido com a mesma arrogância, ele tinha-me passado por cima.

Embarcados os elementos que tinham sido dados como cabecilhas, Spínola regressou a Bissau.

De seguida, mandou quês e apresentasse em Bissau o comandante do [BCAÇ] 3852 e enviou, para Aldeia Formosa, o brigadeiro Ramires, comandante do CTIG, que, tendo como escrivão o major Carlos Azeredo, elaborou o auto respetivo. (Aliás, Carlos Azeredo conhecia muito bem Aldeia Formosa, pois tinha aí comandado um COP).

Ouvidos exaustivamente todos os possíveis intervenientes, foi o comandante punido. Salvo erro, com 12 dias de prisão disciplinar, findos os quais, foi mandado regressar à Metrópole.

No rescaldo, a vida regressou a uma efetiva normalidade, melhoram as relações entre militares, e eu sentia que o grosso que tinha que fazer naquela comissão já estava feito.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Parênteses retos / Negritos , para efeitos de publicação deste poste:  LG]

2. Comentário adicional do editor LG:

Chama-se a atenção para o facto de haver outras versões dos acontecimentos acima relatados, que podem divergir, nalguns aspetos circunstanciais ou até essenciais, da versão do Rui Alexandrino Ferreira. Costuma dizer-se que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto. Neste caso, ver por exemplo:

(i)  o testemunho do soldado do pelotão de morteiros que estava a altura em Aldeia Formosa, fotógrafo amador, e amigo do coamndante da CCAÇ 18, de seu nome Joaquim dos Reis Martins: ele próprio doou sangue para fazer uma transfusão ao furriel Spencer, assistido de imediato pelos quatro médicos do batalhão, por sorte todos reunidos nesse dia festivo em Aldeia Formosa: levado de helicóptero para o HM 241, logo no dia seguinte de manhã,   foi recuperando dos ferimentos de bala; mas terá morrido de uma hepatite no hospital (in "Quebo: nos confins da Guiné", op cit, 2014,  cap 12º, ponto 10.5. A Revolta dos Militares Nativos, pp. 330-335).

(ii) ou ainda a versão do nosso camarada Manuel Gonçalves, já aqui citado (**):. 

(...) Oficialmente, o exército considerou a  (...) morte   [do furriel mil Spencer] como "acidente". Na realidade, ele terá sido assassinado, quando circulava pela tabanca com a sua motorizada. Era um guineense, de origem cabo-verdiana,  sendo natural de Nª Sra. Natividade, Pecixe, Cacheu.

Era o único militar, ao que parece, que possuía uma motorizada  [o alf mil João Marcelino, da CCS, também tinha uma Honda, não sei se nessa altura, se mais tarde... LG] . 

Para o Manuel Gonçalves, terá sido morto mais provavelmnete morto por alguém da sua própria companhia. a CCAÇ 18,  As praças da CCAÇ 18 viviam na tabanca, estando por isso armados.

A haver crime. não se apurou o móbil do crime, nem se identificou o autor do disparo.. Pode-se pôr a hipótese de vingança ou racismo. Esta história acabou por ser um "pretexto" para uma "insubordinação militar", com o pessoal da CCAÇ 18,  a revoltar-se e virar as suas armas contra os "tugas" da CCS/BCAÇ 3852.

Foi preciso mandar avançar uma Panhard para serenar os ânimos... Isto passa-se na véspera de Natal, na noite de Consoada, 24/12/1971. O Spencer, evacuado para o HM 241, em Bissau, acabou por não resistir aos ferimentos, três semanas depois. (...)

Há outras referêcncias a estes acontecimentos da noite de Natal de 1971 em depoimentos prestados no livro do Rui Ferreira por militares que o conheceram e que com ele conviveram em Aldeia Formosa, quer pertencentes à CCAÇ 18 quer ao BCAÇ 3852. Não vamos, por ora, citá-los. Os seus depoimentos são importantes para se melhor conhecer o homem e o militar que foi o Rui Alexandrino Ferreira.

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Notas do editor:

(*) Último poste da sérue > 24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23813: In Memoriam (462): Rui Alexandrino Ferreira (ex-Sá da Bandeira, Lubango, 1943 - Viseu, 2022), ten cor inf ref, ex-alf mil inf, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67); ex- cap mil, CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, 1970/72); autor de 3 livros de memórias: Rumo a Fulacunda (2000), Quebo (2014) e A Caminho de Viseu (2017)

(**) Vd. poste de 12 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19006: (De) Caras (120): A morte do fur mil, da CCAÇ 18, Virgolino Ribeiro Spencer, em Aldeia Formosa, em 15 de janeiro de 1972... Acidente ou homicídio na Consoada de Natal de 1971 ? A versão do Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73).