Mostrar mensagens com a etiqueta censura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta censura. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17050: Efemérides (245): "Black out" noticioso sobre a partida do T/T "João Belo" com os expedicionários do RI 11 (Setúbal) para Cabo Verde em 16 de junho de 1941...Nesse mesmo dia, o velho transporte-hospital "Gil Eanes" partia para dar assistência sanitária à frota de pesca do bacalhau na Terra Nova e Groenlândia... (Um ano e tal depois o "Gil Eanes" esteve para ser afundado pelos ingleses, por suspeita de espionagem do seu operador de rádio a favor dos alemães)




 

Capa e excertos do "Diário de Lisboa", do dia 16 de junho de 1941... Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos (Com a devida vénia...)


Citação:
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6668, Ano 21, Segunda, 16 de Junho de 1941, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_24964 (2017-2-15)

  1. Era uma segunda feira e o verão parece que estava a chegar... Os homens do RI 11, os expedicionários do 1º Batalhão, partiam para a Cabo Verde, no vapor "João Belo" (*)... 

Nem uma única notícia nos jornais!... Ou pelo menos no vespertino "Diário de Lisboa", não alinhado com o regime... Presume-se que este "black out" noticioso sobre movimento de tropas portuguesas fosse justificado  por razões de segurança, mais do que óbvias... No entanto, o embarque era público, realizado à luz do dia, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, e acompanhado por centenas de familiares e amigos dos expedicionários...

O  mar, e em especial o Atlântico Norte, estava infestado de "tubarões"... Os submarinos alemães eram o terror dos mares... Portugal, país neutral, acautela a defesa dos Açores e de Cabo Verde, arquipélagos potencialmente cobiçados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo, Alemanha e Itália (que tinha construído uma aeródromo justamente na ilha do Salvo, tendo estado operacional até à entrada na guerra, já em 1940, em 10 de junho)...

A edição deste vespertino tem então 8 páginas, o que se deve  entender como um sinal do racionamento de matérias-primas, alimentos e outros produtos... Toda a primeira página desta edição é dedicada ao conflito que devasta a Europa e já se estendia ao norte de África, ao Mediterrâneo e ao Atlântico...

A guerra estava longe e, ao mesmo tempo,  perto de nós.. Nas imediações de  Moura, no Alentejo, na véspera, 15/6/1941, um bombardeiro alemão, quadrimotor [, um Focke-Wulf 200 Condor, o "carrasco do Atlântico"!...] despenha-se e morre a sua tripulação, depois de se ter liberto da sua carga mortífera, perto da Amareleja...

O funeral das vítimas realizava-se em Moura, no dia seguinte, ao fim da tarde, com a presença de representantes políticos, diplomáticos e militares da Alemanha. [Sobre este caso ver aqui um dossiê organizado pelo Hotel de Moura]

2. Nesse mesmo dia (**)  partia, do cais do Ginjal, em Almada,  para a Terra Nova e Groenlândia, com escala nos Açores, o transporte-hospital Gil Eanes (, era assim que se chamava), com regresso marcado para outubro de 1941.  

Na altura ainda pertencia à marinha de guerra e era comandado pelo comandante Zolá da Silva,  capitão de fragata. Por sue turno, Henrique Tenreiro, delegado do Governo, o "patrão das pescas", era uma figura sempre presente nestas cerimónias de despedida. 

 A missão do "Gil Eanes" era fundamentalmente a da assistência sanitária à rota bacalhoeiro  e aos seus bravos marinheiros e pescadores que trabalhava a bordo em condições duríssimas.  Levava também algumas centenas de toneladas de isco, bem como centenas de bidões de gasóleo para os lugres da frota branca, peças sobresselentes e outros materiais de apoio....

Não se trata do último navio-hospital, com o mesmo nome, construído nos Estaleiros de Viana do Castelo em 1955... Estamos a falar do "velho Gil Eanes", um dos navios alemãos apresados no Tejo em 1916:

Originalmente tinha, pois, nome alemão: "Lahneck", sendo propriedade da companhia alemã "Deutsche Dampfschiffarts GeselIschaft Hansa". Tinha a capacidade para 2000 toneladas de carga e para navegar a 10 a 11 nós, media 84.79 m de comprimento e dispunha de um potente motor de 2000 hp.

(...) " Foi um dos navios alemães requisitados pelo Governo em 23 de fevereiro [de  1916], em consequência do que a Alemanha nos declarou guerra a 9 de março. Dias depois, era rebaptizado. Foi-lhe posto o nome dum daqueles homens que revolucionaram a história e que só sabemos que era algarvio e se chamava Gil Eannes. Mas foi ele que, numa simples barca, ousou desafiar os medos medievais e passar além do Bojador.

"E, do lugar aonde 'passou além da dor´, como diz o Poeta, apareceu ao Infante, não com uma espada sangrando nem com um grupo de cativos, mas com um ramo de flores, que os portugueses dedicaram à Padroeira de África e se ficaram chamando 'rosas de Santa Maria'.  Foi 'Gil Eannes' que este alemão aportuguesado se passou agora a chamar". (...)

Andou inicialmente no  transporte de tropas durante o resto da I Grande Guerra, sendo depois  fretado para os Transportes Marítimos, e servido na carreira dos Açores. Até que surge a ideia de o  adaptar a navio de assistência à frota da pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova.

(...) "Na Holanda recebeu as modificações necessárias, e a 16 de maio de 1927 partia, enfim, para a Terra Nova, donde regressava a Lisboa em 14 de novembro.

"Estávamos, porém, já sob novo regime: o da Revolução do 28 de Maio, donde sairia o Estado Novo. Ora, não obstante a situação de infra-humanidade em que viviam e trabalhavam os nossos pescadores nos bancos da Terra Nova, as prioridades eram outras. E o Gil Eannee foi empregue no transporte de presos [políticos, e nomeadamente em 1928, para Angola e Guiné).

Em 1929 e 1930 faz a sua 2ª e 3ª viagem à Terra Nova. Só voltará lá em 1937...

(...) "A situação dos nossos pescadores era aflitiva. As doenças e mortes pairavam como mal permanente. Os portugueses eram até, por isso, alvo das maiores atenções por parte da população de St John's e dos pescadores esquimós que nutriam pelos nossos compatriotas uma grande solidariedade, em grande parte por compaixão. 

"Ao mesmo tempo, o regime apoiava os armadores no sentido de incrementar a pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova e já também da Gronelândia, a fim de nos tomar pelo menos auto-suficientes num produto de intensa procura no espectro do consumo nacional. Foi então que o Gil Eannes, integrado na Marinha de Guerra, passou a dar apoio regular aos nossos pescadores do bacalhau, até 1941. 

"Foi, depois disso, desarmado, em 1942, data em que foi entregue à Sociedade Nacional de Armadores do Bacalhau, a cujo serviço efectuou 27 viagens, 14 das quais de comércio e assistência. Quando a prestava, fornecia à nossa frota bacalhoeira água, óleo, carvão, isco, sal e alimentos. Possuía a bordo um serviço médico, transportava correio e expedia e recebia telegramas.

"Entretanto, com a viragem do meio século, Portugal beneficiava da crise das economias europeias do após-guerra e, muito embora não tenha entrado na II Guerra Mundial, também beneficiava dos subsídios para reconstrução nacional e entrava na OCDE. Ora, o regime, pela via corporativa, desenvolvia uma política social de assistência voltada para os problemas dos trabalhadores e orientando-se pela doutrina social da Igreja que dizia professar..

"Foi por isso que, por esforços conjugados do Ministério da Marinha e do Grémio dos Armadores dos Navios da Pesca do Bacalhau, se decidiu substituir o velho Gil Eannes, ronceiro, esclerosado e sempre vestido de empréstimo nas roupas de navio de assistência, por um navio hospital dotado de outros meios, inclusivamente médicos, de assistência, com enfermarias, sala de tratamentos, gabinete de radiologia, bloco operatório, capela, e até salas de lazer, para prestar uma assistência médica compatível com a dignidade humana dos nossos pescadores do bacalhau." (...)

E é aqui que surge o novo "Gil Eanes", em 1955. Essa história pode ser aqui (pros)seguida... no sítio da Fundação Gil Eanes. (O navio-hospital "Gil Eanes" é hoje um museu, que pode ser visitado no porto de Viana do Castelo.)

Sobre as misérias e grandezas do velho Gil Eanes [ou Gil Eannes, como foi matriculado] (incluindo a prisão, pelos ingleses,  em  alto mar, do operador de rádio, Gastão Crawford de Freitas Ferraz, agente alemão...) , ver também aqui: Licínio Ferreira Amador > O Gil Eanes



O velho transporte-hospital "Gil Eannes" (ou "Gilç Eannes")



3. Esssa história, desconhecida da maior parte dos nossos leitores, merece ser contada aqui, com a devida vénia ao Licínio Ferreira Amador, escritor ilhavense, nascido em 1940... 

Afinal, no Portugal de Salazar também havia muitos amigos da Alemanha nazi, e alguns eram mesmo espiões, capazes de pôr em perigo a segurança de toda a tripulação de um navio e, mais, mudar o curso da história....  

Foi o caso do espião Gastão Crawford de Freitas Ferraz, nascido no Funchal. que, por 15 contos por més (!), passava informações aos alemães sobre o movimento dos navios no Atlântico Norte. Felizmente o operador de rádio do "Gil Eanes" foi capturado, em alto mar,  por um comando inglês, antes de conseguir avisar a Alemanha de que uma frota aliada se preparava para invadir o Norte de África, o que aconteceu a 8 de novembro de 1942.

Sobre a espionagem detectada em barcos de pesca do bacalhau no Atlântico Norte, durante a 2ª Guerra Mundial consultar a obra do jornalista  Rui Araújo,  "O Diário Secreto que Salazar não leu", Lisboa, Oficina do Livro, 2008, em especial as pp.  86-138.

(...) "A partir de 1937, a missão do Lahneck / Gil Eannes começou então a ser mais frequente, tornando-se ainda mais forte o elo de ligação entre os marinheiros e as famílias em Portugal; levava-lhes as cartas e lembranças que mitigavam as saudades, distribuídas no final da escala e salga e todos os mantimentos que eram necessários à campanha. 

Entretanto a partir de setembro de 1939, a Europa e o mundo foram assolados pela 2ª Guerra Mundial com os veleiros a pescar nos Grandes Bancos da Terra Nova e agora também na Groenlândia. Estes pesqueiros situavam-se nas rotas de navegação entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos tão apetecíveis para os nazis com os seus submarinos escondidos no seio daquelas frias e perigosas águas.

Em fevereiro de 1942, o Lahneck / Gil Eanes deixou de pertencer à Marinha de Guerra e passou para as mãos da Sociedade Nacional dos Armadores de Bacalhau.

Em novembro do referido ano, os aliados preparavam-se para invadir o norte de África numa operação com o nome de código Torche. Os serviços secretos do Reino Unido começaram então a verificar procedimentos fora do normal de navios portugueses a pescar no Atlântico Norte, equipados com aparelhos de transmissão de rádio. Aqueles serviços desconfiaram especialmente do arrastão Álvaro Martins Homem, que tinha como radiotelegrafista Carlos Maria Tomás Teixeira, e do navio-hospital, que, nos dias 4 e 5 de Agosto do referido ano, teria comunicado aos alemães alguns movimentos de navios aliados naquelas paragens. Estas transmissões foram recebidas por uma estação clandestina alemã na Linha do Estoril, mais propriamente em Cascais.

Numa estadia do Lahneck / Gil Eanes em St. John´s [, na Terra Nova,] , os ingleses fizeram-lhe uma busca,decidindo que o seu operador de rádio, Gastão Crawford de Freitas Ferraz, fosse detido. Porém, alguns erros de estratégia impediram que a sua prisão se realizasse de imediato e o navio iniciou a viagem de regresso a Portugal.

Os ingleses resolveram pôr a embarcação portuguesa ao fundo sem deixar quaisquer vestígios, incluindo sobreviventes, porque era preferível que morressem algumas dezenas de pessoas, facto que seria um mal menor, comparado com os milhares de vítimas na operação Torche.

Os aliados escolheram aquela última decisão devido à proporcionalidade da ameaça, ou seja, de o operador do navio-hospital conseguir informar os nazis do itinerário dos barcos aliados para a referida operação no norte de África.

Posteriormente, os serviços secretos ingleses mudaram de ideias, pensando que não seria desejável atacar os portugueses, porque forneciam combustível nos Açores e Cabo Verde à Royal Navy. Decidiram então interceptar o barco já a caminho de Portugal; prenderam o espião Gastão Ferraz, evitando que este informasse atempadamente os alemães dos planos de invasão dos Aliados na operação Torche, caso os conhecesse. A prisão em alto mar deu-se no dia 3 de Novembro de 1942, tendo sido escolhido para esta missão o destroyer HMS Oribi (G66) que acompanhava o comboio de navios W24.

Os agentes secretos que detiveram o espião português permaneceram a bordo do Lahneck/ Gil Eanes até chegarem a águas portuguesas, onde o radiotelegrafista foi transferido para uma fragata da Royal Navy que o conduziu para Gibraltar.

A detenção do operador de rádio apanhou de surpresa as tropas alemãs e francesas do governo pró-nazi de Vichy, que estavam no norte de África, porque acreditavam que os aliados iriam desembarcar em França ou Noruega e não em Marrocos e na Argélia como veio a acontecer.

O eventual relatório redigido pelo capitão-de-fragata António José Martins, delegado do governo junto do Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, na referida viagem a bordo do navio-hospital, desapareceu dos arquivos da Marinha. (...) 


_______

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17028: Efemérides (244): Zeca Afonso (Aveiro, 1929 - Lisboa, 1987)... 30 anos depois... Lembro-me do ex-fur mil Aurélio Duarte, que era de Coimbra, ouvir músicas dele, proibidas, num gravador a pilhas, em cima da caserna dos soldados, em Paunca... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné-Bissau > Região de Gabu >  Dezembro de 2015 >  Paunca> Antigo quartel... Agora funciona aqui uma... discoteca.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


Guiné > Região de Bafatá  > Contuboel > Centro de Instrução Militar >  1969 > Da direita para a esquerda: "Eu, o Macias, o Pais, o Abílio Pinto, o Aurélio Duarte... Saudades desta rapaziada"...

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Nelas > Canas de Senhorim > 31 de maio de 2014 > 24º convívio da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) >  ​"Da esquerda para a direita, o Valdemar Queiroz, eu, e o Aurélio Duarte,  de Coimbra. Grande seita!".

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz, com data de 4 do corrente:

Assunto - Efemérides: Zeca Afonso (1929-1987), 30 anos depois

[ Foto à esquerda, Valdemar Queiroz , ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, 

[Vai fazer 30 anos que morreu, em 18 de fevereiro de 1987, o  Zeca Afonso.] Lembro-me de, em Paunca, uns dias antes de virmos para Bissau, eu e outros,  para regressar à metrópole, o ex-fur mil Aurélio Duarte, da nossa CArt 11, estar em cima da caserna dos soldados, a ouvir num gravador a pilhas músicas do Zeca Afonso, ainda com um braço ao peito, por o ter partido em Canquelifá, quando eu e ele, teimosamente e com um grande 'bioxene' nos queixos, resolvemos o problema de 'ver quem ganha' aos matrecos, mas de joelhos e sem ver o jogadores e chegar ao 'eu ganhei' com discussão, sozinhos, já de noite, em plena via principal, com um 'combate' de judo que eu ganhei por ele ser mais pesado e quando cai  partiu um braço.

O  Aurélio Duarte, de Coimbra, era o que tinha os discos do Zeca, Fanhais e Adriano. Ainda me lembro de ouvirmos, com frequência: 'e os mortos apontam em frente, mais flores, mais flores', ou ' nunca mais acenderás no meu o teu cigarro'.

O Aurélio Duarte fez parte da Secção de Quarteis, parece que era assim que esse chamava, ele mais um oficial partiram de cá muito antes de nós chegarmos a Bissau, mas também regressaram depois
de nós.

Parece que o Aurélio Duarte, que tem um grande álbum fotográfico, está a arranjar um texto para enviar à Tabanca Grande. Estamos todos à espera.

Abraços
Valdemar Queiroz
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17008: Efemérides (243): Acontecimentos no mês de Janeiro, entre 1963 e 1974, na Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16691: Agenda cultural (512): SIC: Programa Perdidos e Achados, em 29 de outubro passado: onde estavam os repórteres da guerra colonial, onde estavam os nossos fotocines?


Fotograma do vídeo "Os repórteres da guerra colonial", que passou no passado dia 29 de outubro na SIC, no programa "Perdidos e Achados". (Reproduzido com a devida vénia.)


1. No passado 29 de outubro passou na SIC o programa "Perdidos e Achados", para a produção do qual o nosso blogue também deu alguns contributos (*)

SIC | Programa Perdidos e Achados > "Os Repórteres da Guerra Colonial"

29.10.2016 | 22h19


Vídeo 16' 53'', aqui disponível

Sinopse

O Perdidos e Achados dão a conhecer os jornalistas e militares que relataram e retrataram a guerra colonial. Deixaram fotografias, filmes e crónicas, que ajudam hoje a compreender o que se passou em Angola, Moçambique e na Guiné entre 1961 e 1974. Reencontrámos quem esteve na guerra para contar o que via, e questionar o que se passava, mesmo que muitas das notícias fossem sujeitas à censura do regime.

Como aconteceu com as peças que Fernando Correia enviava a partir de Angola. Aquele que hoje é um reconhecido jornalista desportivo, chegou a ser repórter de guerra, mas mudou de área jornalística para não pactuar com a mentira.

Fomos também ao encontro daqueles que filmavam as tradicionais mensagens de Natal dos soldados e encontrámos o repórter de guerra que esteve durante 13 anos, tantos quanto durou  o conflito.


2. Comentários dos nossos camaradas Alcídio Marinho e José Colaço (*)

(i) Alcídio Marinho

Quando a nossa Companhia  foi formada, 24 de setembro de 1962 (em Chaves),  foi chamada de Companhia de Caçadores Independente nº 412, aliás como a 411 e  mais outras três Companhias, pela simples razão de que tinham pessoal de  todas as especialidades; carpinteiros, pedreiros, alfaiate, cozinheiros, etc., e até fotocine. 

Era o 1.º Cabo Fotocine, Virgílio Albino Casaca Barradas, natural de Lisboa, que tinha a especialidade de fotocine, mas material foto e cine, só o que era dele, pois na vida civil era fotógrafo. Na Guiné serviu apenas como  atirador como os outros. Infelizmente ele já faleceu há alguns anos com um tumor no pâncreas. Mas a curiosidade maior é a sua viúva (D. Antónia) e suas  filhas, genros e netos que continuam a honrar-nos, todos os anos, com a sua  presença nos nossos almoços comemorativos.


(ii) José Colaço

Também a CCAÇ 557 tinha um 1.º Cabo Fotocine que apareceu lá no Cachil passados aí uns 3 meses,  já depois de concluída a Operação Tridente, mas de material para exercer a especialidade nada e durante a comissão também não o recebeu, ainda hoje me interrogo para que servia aquela especialidade sem material para exercer "publicidade enganosa".

Mas, como eu tinha uma máquina fotográfica, fomos grandes amigos até conseguimos fazer um pequeno estúdio de revelação dentro do posto rádio onde eu, por inerência da especialidade, cumpria 12 horas seguidas de serviço.

O capitão, como ele não era atirador,  também não o escalava nas saídas para o mato.
Não veio connosco, ficou a trabalhar na Foto Serra, em Bissau, e por lá faleceu ainda novo, mais ou menos entre os 50 e 60 anos de idade.  


 (iii) Editor LG:

Fomos nós que chamámos a atenção da produtora Madalena Perdigão para o nosso poste P7734, de  6 de fevereiro de 2011 (**).

E mais uma vez lá passaram pelos nossos ecrãs as imagens da equipa da ORTF, a televisão francesa, que filmou as cenas dramáticas, já no final,  da Op Ostra Amarga... Infelizmente, não havia lá nenhum fotocine português... E, o que é mais revoltante, é sabermos hoje, pela boca de antigo fotocine Joaquim Pessoa, que se encenavam operações, se não erro, na ilha de Bubaque, no arquipélago de Bijagós, para "mostrar" ao Zé Povinho, na RTP, o único canal de televisão que tínhamos, como é que os bravos soldados portugueses faziam a guerra na portuguesíssima Guiné...

O que é que os pobres fotocines podiam fazer, senão alinhar na farsa, amouchar como nós amouchávamos quando apanhávamos uma emboscada, um sinal de resto que só revelava inteligência emocional, serenidade, realismo, bom senso... e bravura! (***),

Obrigado ao Alcídio Marinho e ao José Colaço pelas preciosas informações sobre os camaradas fotocines das suas companhias...  No meu tempo (1969/71), não tenham ideia de haver fotocines nas CCS dos batalhões. Aliás, pode-se confirmar pela composição orgânica dos batalhões. Já existiriam então os Destacamentos de Fotografia e Cinema (DFC), dependentes do QG, suponho.

Em 2008 foi criado um blogue, de vida efémera, chamado “Fotocines”, por alguém que esteve, em Luanda, no Destacamento de Fotografia e Cinema (DFC) nº 3011 (1972/74)… Até à data publicaram-se 3 postes… Tratava-se de um “espaço criado para reunir todos os Foto-Cines que prestaram serviço militar obrigatório no Exército Português, tendo sido distribuídos na altura por Destacamentos Foto-Cines em Angola, Guiné e Moçambique, para além dos premiados que conseguiram passar toda a sua comissão de serviço nos SCE-Serviços Cartográficos do Exército que agregava toda a comunidade Fotocine debaixo da égide do saudoso major Baptista Rosa [Niza, 1925- Lisboa, 1982], e por onde passaram parte dos expoentes do cinema feito em Portugal.”
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de setembro de 2016 Guiné 63/74 - P16542: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (38): Ajuda para reportagem da SIC, antigos militares fotocines que tenham gravado as mensagens de Natal da RTP... precisam-se! (Madalena Durão, produtora)

(**) Vd. postes de

8 de novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)


10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7415: (Ex)citações (118): A propósito do vídeo da ORTF sobre a Op Ostra Amarga: "As imagens que vi, foram uma espécie de murro no estômago e cimentaram a admiração que nutro por todos aqueles que sentiram o silêncio bem no meio do capim" (Miguel Sentieiro)



sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16542: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (38): Ajuda para reportagem da SIC, antigos militares fotocines que tenham gravado as mensagens de Natal da RTP... precisam-se! (Madalena Durão, produtora)



1. Mensagerm de Madalena Durão, Produtora da SIC

Data: 26 de setembro de 2016 às 15:24

Assunto: SIC - ajuda para reportagem

Muito bom dia,

Contacto-o por indicação do administrador da página do Facebook Guerra Colonial Portuguesa 1961-1974.

Sou produtora na SIC informação. Neste momento estamos a preparar uma reportagem sobre repórteres da guerra colonial para a rubrica "Perdidos e Achados".

É uma rubrica emitida aos sábados no Jornal da Noite que procura saber que o que é feito de pessoas, locais,  acontecimentos que tenham marcado o país em determinada altura. Na sequência deste trabalho, venho pedir a sua ajuda para encontrar algum militar fotocine que tenha gravado as mensagens de Natal da RTP, para nos ajudar a perceber qual o seu papel, assim como algumas histórias que possa acrescentar à nossa reportagem.

Agradeço a colaboração,

Com os melhores cumprimentos
Madalena Durão
Produtora


2. Resposta do editor LG:

Madalema: Estive quase dois anos na Guiné, entre 1969/71, numa companhia africana, sempre no mato, e nunca vi nenhum bicho chamado "fotocine"... e muito menos equipas da RTP por altura do Natal...

Em todo o caso, no nosso blogue, pode encontrar uma referência a Vicente Batalha que foi Comandante do Departamento de Fotografia e Cinema 3011 (Angola, 1972/74), tendo tido em Mafra (EPI) instrutores ligados ao cinema como Jorge Botelho Moniz, Lauro António e Fernando Matos Silva... Tentem contactá-lo, vive em Santarém.

Caso a Madalena não veja inconveniente, vou publicar um poste com o seu pedido. Pode ser que apareça algum fotocine ou alguém que tenha conhecido um fotocine no teatro de operações da Guiné... O nosso blogue tem uma grande audiência e temos também uma página no Facebook.

Veja aqui uma história passada com uma equipa da RTP que foi gravar as mensagens de Natal num aquartelamento junto à fronteira com o Senegal:

Por outro lado, temos um camarada nosso, Constantino (ou Tino) Neves que aparece num vídeo de Natal da RTP... Vou-lhe dar conhecimento do seu pedido... mas é pouco provável que ele se lembre do nome do fotocine. Ele vive na Cova da Piedade, Almada.


Sobre o Natal na guerra, temos 189 referências... O Jorge Félix, por exemplo, que foi piloto de helicóptero, na BA 12, Bissalanca (1968/70), lembra-se de um operador da RTP, Serra Fernandes, que virá a encontrar mais tarde justamente na RTP. Hoje 
é natural que há esteja reformado (*).

Enfim, Madalena, aqui tem alguns contributos do nosso blogue em resposta ao seu pedido.(**).

Boa saúde, bom trabalho. E obrigado por se lembrar destes portugueses que pertencem a uma espécie em vias de extinção...

Boa pesquisa, boa sorte. LG
Luís Graça

PS - Ainda sobre os "fotocines", a tal dúvida que me persegue e que pus ao Fernando Matos Silva, numa sessão na Cinemateca, há uns meses, em que ele apresentou o seu filme "Acto dos Feitos da Guiné" (1980):

A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de fotocine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos...

E, se sim, por onde pára hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75)?

Ele, sim, foi "fotocine"... Mas não tenho o seu contacto. Conheci-o através da Catarina Laranjeiro, jovem cineasta... Talvez contactando a RTP, a Cinemateca... Veja mais sobre ele, neste sítio, da UBI
_________________

Notas do editor:


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16510: Recortes de imprensa (82): A notícia da morte de Amílcar Cabral e as cinco razões apresentadas para uma eventual explicação do crime, dadas pelo "Diário de Lisboa", de 22/1/1973, jornal vespertino conotado com a oposição democrática ao Estado Novo. que se pubicou entre 1921 e 1990




1. Edição do "Diário de Lisboa (diretor: António Ruella Ramos),  22 de janeiro de 1973, com a notícia do assassinato de Amílcar Cabral, que saiu na capa, com desenvolvimento,  não na última página, mas na página 24... Muito possivelmente devido à censura /(ou "exame prévio" a que estava sujeita a impresnsa escrita da época), não é feita qualquer alusão ao alegado envolvimento da PIDE/DGS...

A peça baseia-em em duas agências noticiosas estrangeiras: Reuters (R) e France Press (FP)... Na notícia avançam-se com cinco hípóteses de explicação para o assassinato da Amílcar Cabral (sublinhados nossos, a vermelho), entre elas,  o conhecido "ateismo" de Amílcar Cabral (5) e o alegado "ódio aos fulas" (4), para além da conflitualidade latente enter caboverdianos e guineenses (1), os "ciúmes" do Sekou Touré (3) e a "desconfiança" dos russos (2)...

 Recorde-se que entre os implicados terá estado o nosso conhecido e mal amado Mamadu Indjai (ou N'Djai), mandinga (ou, mais provavelmente, biafada, segundo o nosso conselheiro para as questões étnico-linguísticas e culturais, o dr. Cherno Baldé) e, ao que parece, bom muçulmano (*).

A "colagem dos excertos" é da  responsabilidade dos editores do blogue, e foi feita a partir de um exemplar, digitalizado, disponível no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares. (**)

Cortesia de Casa Comum / Fundação Mário Soares: 

Citação:(1973), "Diário de Lisboa", nº 17989, Ano 52, Segunda, 22 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5387 (2016-9-20)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16506: (De)Caras (45): Médicos cubanos 'versus' comandante Mamadu Indjai (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/74)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16481: Agenda cultural (500): conferência sobre "A Censura e os Manuais Escolares do Ensino Primário (De Carneiro Pacheco aos fins da década de 60", Museu Bernardino Machado, V. N. Famalicão, 6ª feira, 16 de setembro, 21h30, entrada gratuita




Pedido de divulgação e convite, em mensagem  enviada em 8 do corrente  pelo Museu Bernardino Machado, com sede em Vila Nova de Famalicão, para a conferência de Augusto Monteiro sobre A Censura e os Manuais Escolares do Ensino Primário (De Carneiro Pacheco aos fins da década de 60). Recorde-se que toda a nossa geração, que fez a guerra colonial ou do  Utramar, estudou por estes manuais. Talvez o mais famoso (e "ideológico")  fosse o "livro de leitura da 3ª classe"... O mais famoso, o mais icónico, o mais saudoso, apesar de ser talvez o mais "ideológico" dos nossos manuais escolares do ensino primário... Como eu gostava de ler e reler aquele livro... Acho que o sabia de cor e salteado... (LG)




CONVITE

O Museu Bernardino Machado tem a honra e o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à conferência A Censura e os Manuais Escolares do Ensino Primário (De Carneiro Pacheco aos fins da década de 60), no âmbito do Ciclo de Conferências de 2016, que se realizará no próximo dia 16 de setembro (sexta-feira), pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado, em Vila Nova de Famalicão
.

 O museu tem página no Facebook.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16030: Agenda cultural (477): Ciclo de conferências 2016: "A censura na Ditadura Militar e no Estado Novo (1926-1974)": Museu Bernardino Machado, V. N. Famalicão, hoje, às 21h30, entrada gratuita



CONVITE

O Museu Bernardino Machado tem a honra e o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à conferência A Censura do Estado Novo sobre o Jornal de Notícias , no âmbito do Ciclo de Conferências de 2016, que se realizará no próximo dia 29 de abril (sexta-feira), pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado, em Vila Nova de Famalicão.
______________

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15714: Efemérides (211): "Desastre na Guiné", título de caixa alta, da 2ª edição do "Diário de Lisboa", de 8/2/1969






Primeira página do "Diário de Lisboa", de 8 de fevereiro de 1969, 2ª edição. Apesar da censura, a notícia (lacónica) da tragédia no Rio Corubal, ocorrida em 6/2/1969, passou na imprensa escrita da época. (Repare-se que não há qualquer referência à retirada de Madina do Boé; o leitor fica com a ideia de que foi apenas um acidente com um jangada,  embora com trágicas consequências; não sei se chegou a ser dado conhecimento aos portugueses dos resultados do "inquérito às circunstâncias que envolveram, o acidente"). 

Recordo-me de ter lido esta notícia e de ter ficado perturbado. Era então 1º cabo miliciano em Castelo Branco, no BC6, e ainda não sabia que já estava (ou estava para ser) mobilizado para a Guiné... LG



(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2016-2-6)


_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15713: Efemérides (210): Triângulo do Boé, num total de 119 militares tombados, 47 só no dia 6 de Fevereiro de 1969, no Rio Corubal, no desastre da jangada, na sequência da retirada de Madina do Boé (José Martins)

sábado, 5 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

  

A mascote do Programa [de Informação]  das Forças Armadas (PIFAS), da responsabilidade da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica. Autor desconhecido. 

Imagem, enviada pelo nosso camarada Miguel Pessoa, cor pilav ref (ten pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74). 



1. O Armando Carvalhêda é outro dos grandes senhores da rádio (*) que passou pelo Programa das Forças Armadas, o popular PIFAS, entre abril de 1972 e  setembro de  1973, conforme ele recorda em conversa com o Luís Marinho, no programa da Antena Um, Canções da Guerra.  O seu depoimento pode ser aqui ouvido, em ficheiro áudio de 4' 55''.

Segundo o Armando Carvalhêda, o PIFAS,  transmitido pela Emissora Oficial da Guiné, era "mais liberal" do que a estação oficial, transmitindo  canções de "autores malditos",  como José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que não faziam parte da "playlist" (como se diz agora) da Emissora Nacional, em Lisboa.

Armando Carvalhêda.
 Foto: cortesia do blogue Expressões Lusitanas
Eram os próprios radialistas, os locutores de serviço, jovens a cumprir o serviço militar e coaptados para a Rep Apsico, para o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, que faziam "a pior das censuras", que era a autocensura...

O Armando dá um exemplo,  com o LP do José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (que tinha sido editado em Paris, em 1971)... Havia um consenso tácito sobre algumas músicas que não deviam passar no PIFAS. Neste LP, era,  por exemplo,  o "Casa comigo, Marta!"...



Estava-se na época do vinil, o LP tinha seis faixas, de cada lado,... Intencionalmente ou não, ele uma vez deixou "cair" a agulha da cabeça do gira-disco na faixa do "Casa comigo, Marta" (cuja letra, "subversiva",  para a época, de crítica social corrosiva, se repoduz abaixo; recorde-se que o portuense José Mário Branco, compositor e músico,  era um conhecido opositor ao regime e à guerra colonial, estando exilado em Paris)... 

Ainda de acordo com o Armando Carvalhêda, o PIFAS era o produzido pela  Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, a APSICO, a 2ª Rep do Com-Chefe, na Amura, por onde passaram nomes ligados ao 25 de Abril como Ramalho Eanes  e Otelo Saraiva de Carvalho. [Em 1969/71, o Serviço de  Radiodifusão e Imprensa foi chefiado por Ramalho Eanes.]

Mais diz  o conhecido autor e realizador de rádio, que não havia "confronto direto" com a Rádio Libertação do PAIGC  (e, portanto, com a "Maria Turra", a locutora do IN, a Amélia Araújo), "embora a gente os ouvisse e eles a nós"...

O Armando Carvalhêda lembra-se com emoção das gravações áudio  que fez, por toda a Guiné,  por ocasião das gravação das mensagens de Natal e Ano Novo. Recorda-se, em particular,  do Natal de 1972: havia soldados emocionados que recebiam o pessoal do PIFAS com grande entusiasmo e carinho. Num aquartelamento, o comandante já tinha selecionado quem iria falar para a rádio.  Um dos soldados que ficara de fora da lista,   quis "meter uma cunha" ao Armando Carvalhêda, oferecendo-lhe o fio de ouro que trazia ao pescoço...

Também se lembra do programa de discos pedidos, que era feito pelo  "senhor primeiro" [, o 1º sargento Silvério Dias] e a "senhora tenente [, a esposa, Maria Eugénia Valente dos Santos Dias]. Em geral o que passava então, nesse programa de discos pedidos, eram as "canções românticas", em voga na época, com letras de fazer chorar as pedras da calçada… O PIFAS recebia centenas, milhares de cartas/aerogramas com pedidos para passarem canções...

Já aqui temos falado do Armando Carvalheda, de resto conhecido do nosso grã-tabanqueiro Hélder Sousa,  dos tempos de juventude. Não sei se ele nos acompanha, ao nosso blogue, de qualquer modo ele tem a "porta aberta", na Tabanca Grande, para partilhar, connosco, mais memórias do tempo de Guiné, em geral,  e do PIFAS, em particular. Alguém aqui escreveu que ele estava colocado em Gadamael quando foi requisitado para o PIFAS. Já trabalhava na rádio, na vida civil, antes de ir para a tropa. (LG)




Um poema de Natal enviado de Farim, dezembro de 1967,  pelo  2º srgt art  Silvério Dias,  da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974)... O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

________________
  
Casa Comigo, Marta
Música e ntérpretação: José Mário Branco
Álbum: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971)

Chamava-se ela Marta,
Ele Doutor Dom Gaspar,
Ela pobre e gaiata,
Ele rico e tutelar,
Gaspar tinha por Marta uma paixão sem par
Mas Marta estava farta, mais que farta de o aturar.
- Casa comigo, Marta,
Que estou morto por casar.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo, deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar,
Tenho talheres de prata
Que estão todos por lavar,
Tenho um faisão no forno e não sei cozinhar,
Camisas, camisolas, lenços, fatos por passar
Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar.
- Casar contigo, não, maganão
Não te metas comigo, deixa-me da mão

- Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos,
Tenho uma cama larga
Num dos meus apartamentos,
Tenho ouro na Suíça e padrinhos aos centos,
Empresto e hipoteco e transacciono investimentos.
Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho rédeas p´ra mandar,
Tenho gente que trata
De me fazer respeitar,
Tenho meios de sobra p´ra te nomear
Rainha dos pacóvios de aquém e além mar.
Casas comigo, Marta,
Que eu obrigo-te a casar
- Casar contigo, não, maganão,
Só me levas contigo dentro de um caixão.

A música pode ser aqui ouvida.
A letra foi aqui recolhida. [Fixação de texto por LG.]

 ________________

Notas do editor:

(*) VIVA A MÚSICA! - Música ao vivo cantada na nossa língua. Um programa de Armando Carvalhêda.

Desde 1996, a ANTENA 1 tem no ar o programa VIVA A MÚSICA!, único espaço regular no panorama áudio-visual nacional que apresenta semanalmente, durante uma hora música cantada na nossa língua, ao vivo e em directo.

O programa desenrola-se no Teatro da Luz, em frente ao Colégio Militar, em Lisboa, todas as Quinta-feiras, entre as 15h00 e as 16h00, e é produzido por Ana Sofia Carvalhêda e realizado e apresentado por Armando Carvalhêda.
Por aqui desfilaram já quase todas as grandes figuras da música cantada em português como são os exemplos de: Carlos do Carmo, Pedro Abrunhosa, Ala dos Namorados,..

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15127: Agenda cultural (424): "Canções da Guerra", um programa da Antena 1, todos os dias, a partir de 14 do corrente, de 2ª a 6ª feira, às 10h45, 14h55 e 20h55, com António Luís Marinho...

1. Canções da Guerra, um programa da RTP, Antena 1, todos os dias, de 2ª a 6ª feira, a partir de 14 do corrente:

Sinopse:

A guerra colonial, tendo em conta o seu enorme impacto social, foi motivo de canções. Desde logo, o hino "Angola é Nossa", criado logo após o início da rebelião em Angola que levou a uma guerra que durou 14 anos.

As canções ligadas à guerra falam da vida dos soldados, da saudade da terra, ou criticam, de forma mais dissimulada ou mais direta, a própria guerra.

Em programas diários de cerca de 5 minutos, vão apresentar-se as canções cujo tema é a guerra colonial, enquadradas por uma pequena história, que pode ser a da própria canção, do seu autor, ou um episódio que com ela esteja relacionado.

Antena 1, de 2ª a 6ª feira às 10h45, 14h55 e 20h55. (*)


2. Ficha Técnica:

Título Original: Canções da Guerra
Com: António Luis Marinho
Produção: Joana Jorge
Autoria: António Luis Marinho (**)

3. Cinco episódios disponíveis até hoje:



(...) Como sigo o seu blog, que é um referencial importante para quem se interessa pelo tema da guerra de África, gostaria de lhe propor que divulgasse o programa mas, sobretudo, que incentive os seguidores do seu blog a enviarem sugestões de músicas e histórias ligadas a elas. (...)

(***) Letra de Santos Braga e música de Duarte Pestana:

(...) Quando a guerra teve início em Angola, em Março de 1961, o governo português decidiu responder prontamente, enviando milhares de soldados para combater naquele território africano. No final de 1961, já combatem em Angola 33 mil e 500 soldados portugueses. Era necessário, no entanto, convencer a população portuguesa, de aquém e além- mar, para a necessidade daquela guerra.

Era preciso que ninguém duvidasse de que Angola fazia parte de Portugal.

Assim nasceu, em Junho de 1961, o hino “Angola é nossa”, com música de Duarte Pestana e letra de Santos Braga, interpretado pelo coro e orquestra da FNAT – Federação Nacional para a Alegria no Trabalho.

Trata-se de uma notável peça de propaganda. Um hino heróico e triunfalista, que se tornou de imediato numa espécie de hino de Angola, que fechava e abria as emissões de rádio e era cantado nas escolas. (...)




(****) Letra de Felix Bermudes e João Bastos, música de António Melo:

(...) Nos primeiros meses a seguir ao início da guerra em Angola, não houve inspiração para construir canções inspiradas no conflito. Só quando a guerra entrou na rotina das famílias portuguesas é que começaram também a surgir as primeiras canções, inicialmente de apoio aos soldados e à sua participação naquela guerra.

Por isso, o “Fado das trincheiras”, composto em 1940 para o filme “João Ratão”, de Jorge Brum do Canto, que conta o regresso de um soldado português da frente de batalha da I guerra mundial, começou na ser tocado assiduamente nas rádios, agora interpretado pelo grande fadista Fernando Farinha.

A letra é de Felix Bermudes e João Bastos, e a música de António Melo. (...)



(*****) Na Hora da Despedida:

(..:) Em 1966, a fadista Ada de Castro estreia-se no teatro de revista, no teatro Maria Vitória, na peça “Tudo à Mostra”. Foi ali que cantou o fado “Na hora da despedida”, que se tornaria num grande êxito.

Numa altura em que as opiniões já se dividiam claramente entre o apoio e a rejeição à guerra do ultramar, este fado cumpria inteiramente as três características destas canções de apoio aos soldados portugueses: a resposta ao apelo da pátria e o cumprimento do dever, a despedida e as saudades e desejo de regresso. (...)




(******) Raul Solnado:

(...) Com a guerra no ultramar ainda localizada só na frente de Angola, Raul Solnado apresenta, em outubro de 1961, na revista “Bate o Pé”, um dos maiores êxitos da sua longa carreira: “A guerra de 1908”.

O disco seria editado em abril de 1962 e bateu todos os recordes de venda de discos.

Ainda em 1962, Raul Solnado volta ao tema da guerra, com um número genial: “É do inimigo?”, na revista “Lisboa à Noite”, no Teatro Variedades.

A ridicularização da guerra, num texto notável, que a implacável censura deixou passar. (...)



(*******) Letra de Reinaldo Ferreira e música de Adriano Correia de Oliveira:

(...) Em 1964, Adriano Correia de Oliveira grava um disco de quatro faixas, onde inclui um poema do luso-moçambicano Reinaldo Ferreira, musicado por José Afonso: “Menina dos olhos tristes”.

O disco é rapidamente proibido, mas a canção fica e circula pelos meios clandestinos.

Em 1969, José Afonso grava um single com o título “Menina dos olhos tristes”, também retirado pela censura.

Falar de soldados que morriam, não era possível para a censura do regime. Na verdade, nos 14 anos de guerra, morreram perto de nove mil soldados portugueses, 14 mil ficaram deficientes físicos e muitas dezenas de milhares afetados psicologicamente. (...)



segunda-feira, 20 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)






As notícias, mesmo censuradas, da tragédia que se abateu sobre a grande Lisboa na noite de 25 para 26 de novembro de 1967... Capas do Diário de Lisboa. Cortesia da Fundação Mário Soares > Fundo:  DRR - Documentos Ruelle Ramos



1. "Bate-estradas" do Mário Gaspar (*)


[ Mário Gaspar, foto atual à direita; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:



 Data: 18 de julho de 2015 às 01:04

Assunto: Os CTT para Telefonar

Comrades:

Nos dias 19 e 20 de Novembro de 1967, participei na "Operação Raiana. Missão: Executar um golpe de mão ao acampamento de Boror. Não se chegou a descobrir o objectivo. No dia 26 de Novembro, dormindo na cama ao lado do Furriel Mecânico José Manuel Guerreiro Justo, e tendo este comprado um rádio onde ouvíamos somente Guiné Conacri, mexendo por mero acaso nos botões, oiço uma rádio portuguesa, dando notícias da nossa terra.

Contente, mas logo amargurado quando tenho conhecimento não existirem notícias animadoras. Pelo contrário acontecera uma tragédia, as inundações da Grande Lisboa, com indicações de muitos mortos e feridos e o dramatismo de algumas povoações terem sido tragadas pelas enxurradas e inundações (**).

Tudo se iniciara por volta das 19 horas. Parecia mais tratar-se de um milagre, estar a escutar, e com nitidez notícias de Portugal, nós escondidos naquele recanto no sul da Guiné – ouvi falar em Alhandra – povoação em que vivia, portanto terra onde viviam os meus pais e igualmente um irmão. Falavam para além de Lisboa escutava os nomes das vilas, entre outras de Odivelas, Loures, Alenquer, Vila Franca de Xira, Povos, e muito mais.

Parecia estar a ser atacado pelo PAIGC. Então escutava o nome de Alhandra. Recordava os anos passados, em que as cheias levavam água ao interior da vila. Cheguei a andar de botins altos e alguns barcos percorrem as ruas mais encostadas ao Tejo. Durante anos acostumei-me à ideia de ver todas as portas dos rés-chão tapadas com tábuas seguras com lama. Falava-se em enxurradas de lama que soterraram terras.

Fiquei atordoado, e resolvi falar com o Comandante da Companhia o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha. Fiquei admiradíssimo depois de contar o que se passava, tendo dito não ter notícias da família e saber que Alhandra tinha alguns mortos, o Capitão disse para ir com ele e enviámos um telegrama para os meus pais. Desconhecia essa possibilidade. Mas foi verdade.

Depois de sofrer,  recebo então um Telegrama onde a minha mãe dizia para estar sossegado por a água não ter chegado a atingir a casa. Na Praça 7 de Março em Alhandra está marcada a altura das águas neste dia fatídico para inúmeros portugueses. Portanto a minha casa, embora não tenha chegado ao 1.º andar, esteve muito perto. Curioso, nunca perguntei como a minha mãe se deslocou aos Correios,  se era uma zona inundadíssima. Recebi o tal telegrama, desta vez o sistema funcionou. O rádio de plástico do meu amigo algarvio, de Loulé,e Furriel Miliciano Justo, foi justo em informar-me desta tragédia. Ainda o ouvimos, mas depois voltam músicas de Guiné Conacri e muitas mornas e coladeras.

Notícias? O correio atrasado. Muito atrasado sem justificação. Isolados, com o mato à vista, paliçadas, abrigos e arame farpado. Telefonar? Telefonava na esquina da morança do Mamadu? Ou no Baldé? O meu telefone era a cerveja, falava dela, falava com ela e palava por causa dela. O que ingeri devia dar inundação se o seu líquido colocado numa piscina Olímpica.

Tive azar e sorte também. O azar é para esquecer, a sorte foi ter dinheiro para gozar licença na minha terra. Gozei mesmo, gastei bem, não me arrependo. Para mim a licença de Setembro/ Outubro de 1967 foi uma coroa de glória. Já estava em guerra, sabia o que ela era. Para mim era a despedida. Aproveitei aqueles 35 dias como os derradeiros dias da minha vida. Chegado a Bissau, escrevi quando se falava já naquela que seria a "Operação Revistar", para alguém – possuo essa carta mas não lhe toco mais – pois escrevi isto: – "Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra". O que significa que antes desejava a guerra do que falar dela. Fui, entrei em Gadamael numa avioneta, mas nem vi os Correios, nem muito menos o telefone. O único privilégio que gozei, nos domingos ia até o Posto Rádio saber notícias do futebol em Alhandra. Na Aldeia Formosa estava o meu amigo Cordeiro, era radiotelegrafista e sabia o resultado do Alhandra.

Acho que fomos muito maltratados por não haver vontade de dar uma resposta adequada a nós que estávamos desterrados nos confins do mundo, antes, no cu do mundo. Muito pouca vontade, depois com a agravante de sermos obrigados ir buscar o Correio a Sangonhá para nos castigarem com patrulhas, quando nas vésperas tínhamos patrulhado a zona. Éramos uns imbecis e com a agravante de não termos a equivalência à tropa de elite – "Os Especiais". Olha porra! Mas sou também "Especial", "Tropa Especial", até tinha uma treta que se lia: – "Minas e Armadilhas".

Lembro-me dos Correios de Bissau, existia de facto a possibilidade de se pernoitar na cama de uma das suas funcionárias. No guiché assustei-me e desisti dessa noite entre lençóis. Foram poucos os dias de Bissau. E mesmo na cidade nunca fiz um telefonema. Fui ameaçado de castigo. Em Setembro de 1967 um Senhor Coronel disse-me após dois ou três dias seguidos no Café Benfica, estava fardado:
– Onde está, em que quartel?

Respondi-lhe que estava "no mato, em Gadamael Porto". Insistiu:
– Quem é o seu Comandante de Companhia?

Como não havia telefone em Gadamael, só respondi que era o Capitão Mansilha. Respondeu conhecê-lo e enviou cumprimentos. E se não fosse da Companhia… Estava tramado. Logo de seguida, na Agência de Viagens Sagres, estava eu e o meu amigo Jorge a tratar da documentação para entrarmos de licença, era no dia seguinte. Entraram três Capitães, passado algum tempo, berrou um deles:
– Os nossos Furriéis desconhecem os postos! Não cumprimentam? – Respondi:
– Então bom dia!

O meu amigo Jorge, a uns dias de concluir a comissão, após o almoço de despedida, trazia um garrafão de 5 litros de verde. Mesmo defronte do Hotel Portugal, completamente embriagado, agarra nas divisas e pisa-as. Aparece a Polícia Militar, comandada por um Furriel Miliciano. Segue na nossa direcção. Olho para o Jorge e para o Furriel da PM e digo-lhe:
– Vai-te embora, nada vistes, vira as costas.

Olha para mim… Respondo:
– Olha para a esquerda! – E à esquerda, e na esplanada, toda a CART 1659 se colocou de pé. A PM desandou. Não usávamos o telefone, que no mato não existia.

Cumprimentos aos Camaradas Combatentes.

Mário Vitorino Gaspar

____________


(**) Vd. entre outros recortes de imprensa:

DN - Diário de Notícias > 25 de novembro de 2007 

Nunca choveu tanto como em 67
por KÁTIA CATULO

(...) Cheias de 1967 - Memória. Mais de 700 pessoas terão morrido nas cheias que, no dia 25 de Novembro de 1967, apanharam desprevenidas as populações que viviam na região da Grande Lisboa. DN ouviu os relatos dos sobreviventes que têm memórias tão vivas como há 40 anos.

Cinco horas de chuvas torrenciais mergulharam a Grande Lisboa na maior inundação que a região alguma vez conheceu. Faz hoje 40 anos que as cheias de 1967 provocaram mais de 700 mortos e cerca de 1100 desalojados em Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. A enxurrada matou famílias inteiras, arrastou carros, árvores e animais e destruiu pontes, estradas e casas.

A chuva atingiu entre as 19.00 e a meia- -noite do dia 25 de Novembro as zonas baixas dos quatro concelhos da Grande Lisboa, mas só na manhã seguinte é que os portugueses se depararam com a verdadeira dimensão da tragédia. Urmeira, Póvoa de Santo Adrião, Frielas - povoações da bacia do rio Trancão-, e a Quinta dos Silvados, em Odivelas, foram os aglomerados urbanos mais atingidos. As casas eram de madeira e centenas de moradores foram engolidos pelas águas.

Lisboa, por seu turno, ficou irreconhecível. A Avenida de Ceuta, em Alcântara, esteve submersa e o mar de lama desceu até à Avenida da Índia. A água entrou em todas as bifurcações, subiu e desceu escadarias, derrubou as portas de tabernas, lojas e rés-do-chão, arrastando mesas, cadeiras, bilhas de gás, contentores e bidões da estação ferroviária.

Perto das 23.00 a chuva caiu ainda com mais força e as enxurradas atingiram um carro que circulava na Rua de Alcântara, encurralando os três ocupantes. O repórter do DN que na altura acompanhou as inundações, em Alcântara, conta que um soldado mergulhou nas águas e conseguiu retirar os três passageiros, minutos antes de o carro ser arrastado. Interrupções no trânsito sucederam-se desde a Avenida 24 de Julho ao Campo Pequeno, da zona do aeroporto da Portela à Avenida Almirante Reis, da Baixa a Santa Apolónia. Na Praça de Espanha e na Avenida da Liberdade, só se passava de barco e, na estação de caminhos-de-ferro, centenas de pessoas ficaram retidas nas carruagens porque a água submergiu as linhas.

O regime salazarista tentou minimizar os impactos das chuvas, mas as suas repercussões atravessaram fronteiras e desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Chegaram donativos dos governos britânico e italiano, do Principado do Mónaco e até o chefe do Estado francês, o general De Gaulle, contribuiu com uma "dádiva pessoal" de 30 mil francos (900 euros, no câmbio da época). O apoio em meios sanitários veio de França, Suíça e sobretudo de Espanha, que ofereceu mil doses de vacina contra a febre tifóide. (...)

terça-feira, 24 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14404: Notas de leitura (696): "Os Segredos da Censura", por César Príncipe (Manuel Joaquim)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 21 de Março de 2015:

Meus caros editores:
A leitura do livro "Os Segredos da Censura", de César Príncipe, levou-me a redigir este texto.
Acho que o tema tem algum interesse mas o texto está um pouco comprido. Eu bem tentei mas não consegui pô-lo mais curto nem saber por onde o separar para publicação em duas partes.
Se no vosso entender for publicável, estejam à vontade no seu modo de edição.

Muito obrigado pelo vosso trabalho. Nem imaginam quanto vos estou grato e vos admiro!

Fraternalmente, um grande abraço para cada um de vós, meus caros amigos e camaradas.
Manuel Joaquim


Guerra Colonial 
O controlo da informação na política ultramarina portuguesa

Manuel Joaquim

Durante os governos de Salazar e de Caetano, um dos meios usados para controlar politicamente o país era o exame prévio da matéria que os órgãos de informação quisessem publicar. Para isso havia uma “Comissão de Censura”, nome alterado por M. Caetano para “Comissão de Exame Prévio”. Esta Comissão vigiava todo o tipo de informação, desde a escrita (jornais, livros e revistas, etc.) até à radiofónica e televisiva. Também as artes e espectáculos estavam sujeitos ao mesmo exame prévio (teatro, cinema, canções, cartazes, etc.). Era proibida a publicação ou a exibição de tudo o que a “Censura” achasse não estar de acordo com as ideias do poder vigente (político e religioso).

A este propósito tenho presente o livro do jornalista César Príncipe, “OS SEGREDOS DA CENSURA” (3ª edição, 1994). Nele estão transcritos os telegramas telefonados pela Comissão de Exame Prévio do Porto para o Jornal de Notícias (JN) desde 05/01/1967 até 24/04/1974, assim como “Circulares dos Correios e Telecomunicações de Portugal sobre livros e revistas proibidos de circular” emitidas nos anos 1970 a 1974.
São quase sete centenas de telegramas e é de ficar de boca aberta perante o que neles se lê. Tendo sido dirigidos a um só jornal e num certo período de tempo, podemos imaginar a enormidade da soma de todos os telegramas deste género enviados pelos “coronéis da censura” para todos os órgãos de informação, durante as dezenas de anos de vigência do regime do Estado Novo!

Capa de "OS SEGREDOS DA CENSURA", de César Príncipe 
Editorial Caminho - 156 páginas - 3ª edição, 1994

Pelos referidos telegramas se vê que tudo era assunto sujeito a censura prévia: qualquer tipo de ideologia e actividade políticas, órgãos de comunicação social, trabalho e relações laborais, religião, epidemias, desastres naturais, guerras, fome, apoios sociais, cooperativas, aumentos de preços, barracas, abortos, emigração, ensino, suicídios, adultérios, homossexualidade, proxenetismo, prostituição, pedofilia, assassínios, fraudes, roubos, etc. etc. O resultado de tudo isto foi a criação de um país-ficção, um país idealizado e propagandeado pelo Governo como um país exemplar habitado por um povo exemplar. A verdade do país real era bem diferente.

Para o Governo de então, não havia guerra no Ultramar mas acções de manutenção da ordem pública. Portugal nunca admitiu, oficialmente, a existência de guerra nas colónias portuguesas em África. Veja-se este telegrama da Comissão de Exame Prévio, dirigido ao JN em 12-01-1970:

«Na posse do 2.º comandante da PSP de Lisboa – disse-se que ele já fez três comissões de serviço no Ultramar, a primeira “logo na eclosão da guerra”. Ora, não há guerra. Não se pode dizer isso. Deve ter sido confusão do repórter … Coronel Saraiva.»

Repare-se na data, Janeiro de 1970! O Governo continuava a dizer que não havia guerra, nove anos depois dela iniciada! “Deve ter sido confusão do repórter” – ironiza (?) o coronel censor!

Numa recente emissão da RTP, onde se falava de “mulheres na guerra colonial”, a esposa de um combatente diz que ao chegar a Lourenço Marques alguém lhe disse que não havia guerra nenhuma em Moçambique, que essa ideia de guerra era uma invenção dos militares para justificarem a sua presença ali, o que eles queriam era ganhar bom dinheiro. De nada lhe valeu reafirmar a certeza de que o marido estava mesmo a combater.
Também recentemente o historiador António Costa Pinto disse que a gravidade da guerra colonial passou despercebida a muita gente em Angola e Moçambique. Disse-o na apresentação de um estudo sobre a chamada “população retornada” que, no fim da guerra, abandonou precipitadamente os territórios africanos. Gente que vivia alheada do conflito bélico, com pouca ou mesmo nenhuma consciência dos perigos que a guerra representava para o seu futuro, foi violentamente surpreendida pelo processo de descolonização e pelo modo como esta foi feita. A verdade do que se passava tinha-lhes passado ao lado. E não só por sua culpa mas também por causa do minucioso controlo oficial da informação, falada e escrita. Tudo isto lhes criou uma falsa realidade, o que em grande parte poderá explicar o seu não entendimento dos problemas político-sociais que depois as atingiriam.

Percebo agora a verdade de uma frase ouvida algumas vezes a pessoas escorraçadas de África, após o fim da guerra colonial: “nunca pensei que isto (me, nos) pudesse acontecer”.

Mas não foi só nos palcos de guerra que isto aconteceu. Também na então chamada “Metrópole” aconteceu algo parecido. O poder político tentava impedir que se viesse a criar uma consciência nacional do que se passava nos palcos de guerra em África.
É verdade que os ex-combatentes regressados traziam milhares de notícias sobre a realidade do que se passava na guerra colonial. Mas, como todos sabemos hoje, a maior parte deles portou-se como se tivesse assinado um pacto de silêncio sobre a guerra, muitas vezes só quebrado no seio da própria família. Esquecer os seus tempos de combatente era o que mais queria e o mais depressa possível.

Assim, as reais histórias da guerra iam ficando abafadas. Só passavam notícias, crónicas e reportagens que estivessem devidamente alinhadas com a política em vigor e cuja divulgação não viesse alterar a pacatez da vida pública e social e não causasse contestação à política seguida pelo Governo. Quem quisesse falar publicamente da sua vida de combatente, só com muita sorte não seria incomodado se esses seus relatos fossem contra a orientação governamental.
O país, em geral, não tinha grande noção do que se passava em África com os seus combatentes. À primeira vista, não havia notícias de mortos e feridos já que era difícil encontrá-las nos órgãos de informação. Os nomes dos militares falecidos eram divulgados em sintéticos comunicados do Serviço de Informação Pública das Forças Armadas e publicados num pequeno e obscuro espaço de um ou outro jornal.
Tudo se fazia para fazer crer que a chamada guerra do ultramar pouco mais era que um conjunto de fortes escaramuças, a deixarem de existir mais dia menos dia.
“Se não há guerra, não há combatentes”. Foi esta orientação que impediu a criação oficial da figura cívica de “ex-combatente do ultramar” e a sua agregação em associação de veteranos de guerra. Era politicamente perigosa tal instituição pelo que poderia fazer na divulgação da verdade do que se passava. E economicamente também o seria. Veja-se a este propósito o telegrama de 27/03/1973, enviado ao JN:
«O Diário Popular queria dar uma notícia muito grande sobre as regalias que os Estados Unidos concedem (muitas) aos desmobilizados do Vietnam – CORTAR. Dr. Ornelas». “Muitas” regalias, diz o censor.

Em Março de 1964, a Comissão de Censura definia assim o modo de tratamento das notícias sobre um levantamento popular em Moçambique, na área do Niassa:
“Quanto aos acontecimentos na Niassalândia (Moçambique), eliminar as estatísticas que as Agências estão fazendo do total de mortos e feridos. CORTAR todas as notícias relativas a violências executadas sobre os pretos pelos brancos. Não dar publicidade às atitudes anti-nativas das tropas locais europeias na repressão da revolta. Não dar notícias sobre tiroteio ou fogo aberto sobre multidões a fim de evitar especulações. Não há inconveniente em que se relatem violências exercidas pelos negros sobre os brancos nem que se diga que os motins são instigados pelos comunistas”.

É exemplar esta orientação noticiosa do regime de Salazar. Veja-se a duplicidade: nada de relatar violências dos brancos sobre os negros mas não há inconveniente em relatar violências dos negros sobre os brancos. Esta orientação é exemplar também por tudo o mais que pede: a negação total da verdade e a permissão política para criar uma mentira que passe por verdade. Imagine-se alguém, na altura, a dizer-se bem informado sobre o que se tinha passado na Niassalândia baseado na informação dada pelos órgãos de comunicação social!

Comissão de Exame Prévio do Porto. Telegramas telefonados ao JN, de 05/01/1967 a 24/04/1974:

De entre todos os telegramas referidos, seleccionei 62 dos 112 relacionados com a política ultramarina portuguesa e a guerra colonial.

30/4/67. «Pampilhosa. Actos de loucura de um sargento do exército. Não dizer que é sargento do exército. Senhora de Vila Maior, S. Pedro do Sul, morreu ao tomar conhecimento de que o filho embarcava para o Ultramar. Não falar em Ultramar. (…)»

10/11/67. «A Direcção dos Serviços de Censura pede aos jornais que, ao referirem-se à política portuguesa em África nunca digam: política do Governo. É que isso pode induzir em erro os estrangeiros, levando-os a crer que se trata de uma política de facção. Por isso convém: política portuguesa em África e política de Portugal em África.»

6/6/68. «O bispo de Carmona, D. Francisco da Mata Mourisca, efectuou (…) uma conferência sobre o 3º Congresso Mundial de Apostolado dos Leigos – CORTAR TUDO. (…).

30/7/68. «Em Soutelo, uma rapariga suicidou-se depois do namorado ter seguido para Angola, mobilizado. Não falar na ida para Angola. (…).»

6/8/68. «Forças rodesianas ou sul-africanas (passagem pelo nosso território) – CORTAR. (…).»

14/9/68. «Na Candeia-Bar foi preso um rapazola que ali praticou distúrbios. Não dizer que regressou há pouco do Ultramar. (…).»

22/2/69. «O ministro da Defesa pede que não se noticie o aparecimento dos corpos irreconhecíveis de militares mortos na Guiné. (…).»

30/10/69. «Quanto ao Ultramar – NADA. Verbas despendidas na Defesa – NADA. (…).

12/1/70. «Na posse do 2º comandante da PSP de Lisboa – disse-se que ele já fez três comissões de serviço no Ultramar, a primeira logo na “eclosão da guerra”. Ora, não há guerra. Não se pode dizer isso. Deve ter sido confusão do repórter … (…).» [Depois de 9 anos de guerra, não se pode dizer que há guerra !!! ... ]

20/1/70. (…). Agressão mortal a um soldado indígena – não dizer, em título, que o morto era soldado. (…).»

2/7/70. «O Papa recebeu, no Vaticano, terroristas portugueses – CORTAR TUDO. MUITO CUIDADO. (…)»

4/7/70. «Nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca da audiência concedida pelo Papa a chefes terroristas de Angola, Guiné e Moçambique – CORTAR o último período: “Por esse motivo o governo entende que não podem tais factos deixar de ser levados, desde já, ao conhecimento da Nação.” (…)» [Até comunicados do Governo eram censurados!]

9/7/70. «Entrevista do general Deslandes, em Moçambique – CORTAR referência à necessidade de 1 milhão de europeus. (…)»

13/11/70. O bispo do Porto visitou, na cadeia de Caxias, o Rev. Mário de Oliveira – CORTAR. (…).» [Mais conhecido por padre Mário da Lixa, foi capelão militar em Mansoa (BCaç. 1912), de Novembro/1967 a Março/1968. É membro deste blogue.]

18/11/70. «Julgamento de um alferes miliciano considerado responsável por um desastre em que morreram 47 militares. Só pode sair a composição do Tribunal, nomes de advogados e a sentença. (…).»

22/11/70. «Regresso do Niassa a Cascais para desembarcar um furriel ferido. Não dizer que foram a bordo almirantes ou autoridades. (…).»

15/12/70. «Assembleia Nacional. Deputado falou do progresso de Angola, mas disse que ainda há travões. Em título ou subtítulo – não falar em travões. (…)»

23/12/70. «Oferta de auxílio militar da África do Sul a Portugal. Poderá ser: “Portugal recusou auxílio militar da África do Sul”. (…)»

21/1/71. «No Supremo Tribunal de Justiça foi julgado o recurso de um chefe de posto de Angola que bateu num preto e o preto veio a falecer. Foi julgado e condenado – CORTE TOTAL. (…)»

23/3/71. «Criança morta em Guimarães. Lançou uma granada à lareira. Não pode sair em título: “Recordação do Ultramar”, como um jornal de Lisboa pretendeu pôr. (…).»

14/5/71.«Não pôr, em título, 1 milhão e meio de contos para acorrer a despesas da Armada e da Aeronáutica. (…).»

12/6/71. «Foguetões na Guiné. Não usar: “Bissau alvejada por foguetões de longo alcance”. Desvio de táxi aéreo para o Congo – Não falar, em título, no alferes miliciano. (…).»

24/6/71. «(…). Tenente do exército, agora regressado do Ultramar, António Madeira, suicidou-se. Lançou-se, de uma janela da pensão, à rua – CORTAR TUDO. (…).»

31/7/71. «Angoche – não se pode publicar notícia alguma. Só notas oficiosas. (…)»

15/9/71. «Em Tete um automóvel terá tocado numa mina, morrendo os ocupantes. É para CORTAR. (…).»

7/11/71. «Amílcar Cabral nos Estados Unidos – CORTAR. (…)»

2/12/71. «(…). Não destacar os títulos da intervenção do almirante Reboredo e Silva sobre a chefia política e militar em Angola e Moçambique. (…)»

14/12/71. «Sessão de homenagem aos combatentes do Ultramar, em Viana do Castelo (Câmara ou Governo Civil) – MANDAR. É que parece que só apareceu um mutilado porque os outros faltaram, visto terem recebido convites para a sessão mas não para o banquete… (…).»

10/1/72. «(…). Candidatura independente pelo círculo da Guiné do Dr. Baticão [sic] Ferreira ou qualquer homenagem a ele – TUDO CORTADO. (…)»

22/1/72. «(…). Soldado da Guiné escreveu uma carta aos jornais dizendo que esteve ferido e ninguém ligava às suas exposições.SUSPENDER.(…).»

17/2/72. «Proposto o bloqueio dos portos de Lourenço Marques e Beira. Não pôr, em título, bloqueio. Um título que não chame a atenção.(…)»

14/3/72. «Visita do ministro da Defesa ao Quartel-General do Porto. Ele disse: “há toda a conveniência em eliminar problemas criados em unidades da Metrópole que se reflectem grandemente no Ultramar”. Esta parte é CORTADA TOTALMENTE. (…).»

14/4/72. «Inspecções militares em Chaves. (…) não pôr em título que os aleijados substituem os sãos. É verdade. Passou-se. Mas … (…).»

9/6/72. «Assalto em Sintra. Não dizer que os autores desertaram, quando em serviço em unidades combatentes na Guiné. (…).»

7/8/72. «Presença do ministro das Finanças de França (Giscard d’Estaing) no continente e no Ultramar – NADA. (…)»

3/9/72. «Homenagem em Angola ao coronel Rebocho Vaz. Não pode sair qualquer referência ao facto de o jantar lhe ter sido oferecido por haver terminado a sua comissão de serviço. (…)»

6/10/72. «Quanto ao ministro Iam Smith, não dizer que no regresso está prevista uma reunião com o presidente do Conselho, ou que a vinda dele cá seria para um acordo prevendo a intensificação da luta contra o terrorismo. (…).

7/10/72. «Comunicado das Forças Armadas de Moçambique sobre dois acidentes de viação. No título pôr só “Comunicado”. Não se pode falar em mortos. (…).»

13/11/72. «Avião desviado pelos pretos – CUIDADO com os títulos. (…)»

25/11/72. «Carta aberta de capelães militares – MANDAR. (…).»

21/1/73. «Sobre a morte de Amílcar Cabral pode sair o que consta dos telegramas. Pode ser na 1ª página com o relevo que entenderem – duas ou três colunas. (…). Comentários é que terão de ser MANDADOS.(…)»

1/2/73. «(…). Amílcar Cabral é assunto que morreu. Não se pode falar mais. (…)»

7/2/73. «(…). Caso do avião que foi para Tânger. Não dizer que o piloto é cabo miliciano. (…).»

5/3/73. «(…). Rui Patrício. Qualquer referência a que a viagem à África do Sul é motivada pelo “aumento de tensão nas fronteiras setentrionais da Rodésia e de Moçambique” – CORTAR. (…)»

27/3/73. «O Diário Popular queria dar uma notícia muito grande sobre as regalias que os Estados Unidos concedem (muitas) aos desmobilizados do Vietname – CORTAR. (…)»

21/5/73. «Relato da reunião da Assembleia Legislativa da Guiné. Discurso do padre Cruz Amaral – MANDAR. Tem CORTES. (…). Dr. Ornelas.»

23/5/73. «Ajudas de custo mais altas para os militares. No título, não pôr mais altas. Só ajudas de custo para militares. (…).»

6/6/73. «Telegrama sobre o Congresso dos Combatentes. 400 combatentes da Guiné contra o Congresso – MANDAR para CORTAR. (…).»

22/8/73. «Oficiais milicianos. O decreto pode publicar-se. Mas sem comentários. (…).»

3/9/73. «Comunicado do Episcopado de Moçambique sobre o alegado massacre [Wiriamu] – TOTALMENTE PROIBIDO. (…).»

5/11/73. «Permanência em Portugal do ministro das Finanças da África do Sul – PROIBIDO. Só é autorizado a sua partida. (…)» 7/11/73. «Relatório da Diamoc (Diamantes de Moçambique), falando em prejuízos devido ao terrorismo na região de Tete – MANDAR. (…)»

11/12/73. «Racionamento de gasolina no Exército. Circular do Quartel-Mestre General – PROIBIDA. (…).»

3/1/74.«De Lisboa mandaram avisar todos os jornais: “Não é autorizada a publicação de qualquer comunicado ou notícia referentes a problemas de carreira militar ou de situação de qualquer categoria das Forças Armadas. (…).»

21/1/74. «Adis-Abeba estuda embargo de petróleo a Portugal – não referir, em título, “a Portugal”. (…)»

14/2/74. «Artigo de um jornalista francês que esteve em Timor - TRANSCRIÇÃO PROIBIDA. Dizia mal de nós e que os indonésios não tinham desistido de ocupar Timor. (…)»

2/3/74. «Africanos na Sociedade das Nações [sic]. Não lhes chamar, em título, nacionalistas. (…)»

16/3/74 .« (…). 0.45: Demissão de Costa Gomes e António Spínola – EMBARGO até às 5 horas da manhã. Se o jornal sair antes, não pode.» 1.10: «O caso de Lamego é para PROIBIR. Quanto ao caso das Caldas da Rainha parece que o senhor director do EXAME PRÉVIO vai autorizar mais qualquer coisa. Mas ainda não se sabe o que é. Ele ainda está a ler os papéis todos e depois é que dirá. Portanto, mandem o que têm.» (23.35) «Rebentou uma mina entre Viseu e Lamego – feriu um soldado e matou outro. É para PROIBIR. (…).»

19/3/74. «Regresso do general Luz Cunha – PROIBIDA qualquer referência ao Spínola. (…).»

24/3/74. «Acidente de Castelo Branco com camioneta de explosivos. Notícia puramente objectiva. NADA que as pessoas fiquem a pensar que era uma camioneta militar.(…).»

11/4/74. «Niassa – já se pode dizer que saiu. Notícia pequena. O barco só largou às 23 horas por ter tido necessidade de fazer novas provisões para substituir as estragadas pela explosão. Quanto aos nomes dos feridos – NADA! (…).»

18/4/74. « (…). Confraternização dos alunos do Colégio Militar – PROIBIDAS indicações dos nomes dos oficiais que fizeram parte do curso X ou do curso Y. Isto para não referir os assuntos que os senhores têm de MANDAR SEMPRE CÁ, mas que às vezes se esquecem … (…).»

Por esta pequena amostra (só de um jornal) ficamos a perceber um pouco da política governamental usada para ocultar da opinião pública a verdade sobre o que se passava no âmbito militar/guerra no ultramar.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14400: Notas de leitura (695): "Império Ultramarino Português", Empresa Nacional de Publicidade, 1950 (1) (Mário Beja Santos)