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sexta-feira, 6 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18817: (In)citações (120): SOS, Língua Portuguesa: a situação na Guiné-Bissau e em Angola (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)

1. Texto enviado ontem, para publicação,  pelos nossos amigos e grã-tabanqueiros Paulo e São Salgado, um casal com larga experiência de cooperação nalguns PALOP, como é o caso da Guiné-Bissau e de Angola, e em particular nas áreas da saúde e da educação. O Paulo, além de gestor e consultor em gestão de saúde,  foi alf mil op esp da CAV 2721, (Olossato e Nhacra, 1970/72). A São é economista. Ambos são transmontanos de Torre de Moncorvo, e vivem em Vila Nova de Gaia.

SOS – Língua Portuguesa!

O que vamos escrever sobre a língua portuguesa nas ex-colónias portuguesas, países independentes há várias décadas, não são comentários de comentários, glosas de glosas, sobre o muito que já foi referido sobre este assunto (*).

Pode esta ser uma apreciação ou um contributo nossos; não mais do que isso (**). E reflecte a nossa experiência e, de algum modo, as preocupações de quem foi cooperante na área da educação e na área da saúde. Desde já pedimos indulgências a quem souber mais do que nós – e há muitos que sim, em especial quem trabalha no Instituto Camões, ou por alguns estudiosos atentos e historicamente isentos. Apenas focamos o que sabemos sobre a Guiné-Bissau e Angola, não obstante termos visitado Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

Primeiro: O português falado na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique, em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e em Timor apresenta diversos matizes e dimensões. Tendo sido declarado como a língua oficial, verifica-se o seguinte relativamente à Guiné-Bissau e a Angola, mas considerando que se trata de uma visão parcelar:

a) Na Guiné-Bissau, os textos oficiais são em português, seja nos Tribunais, seja na Presidência da República, seja no Governo, nas escolas e noutros serviços públicos (embora nas escola, haja tendência para “fugir para o crioulo…). 

Nos eventos a que assistimos e ou em que participámos, como congressos, workshops, jornadas, etc., se a língua oficial era e é o português, muitas vezes, ou quase sempre, se encaminhava para o crioulo, porque era mais fácil e envolvente a comunicação para todos os participantes. 

Recordamos três exemplos, entre muitos: 

(i) as orientações de natureza clínica às matronas (parteiras das e nas tabancas) eram em crioulo e as próprias imagens ilustrativas tinham as designações nesta língua – o que, nestas circunstâncias, era correcto de forma que as mensagens passassem plenamente para as destinatárias; 

(ii) nas sessões de formação que orientámos tivemos de usar muitas vezes o nosso fraco crioulo; num determinado momento, o então Secretário de Estado da Saúde, pessoa que domina perfeitamente o português e que eu estimo muito, referiu-me, a mim, Paulo Salgado, que deveria aprender o crioulo. 

(iii) uma nota mais: existia o Centro Cultural de Portugal e existia, à data das nossas várias presenças na Guiné-Bissau, o Centro Cultural do Brasil – duas instituições interessantes, operacionais e interventivas; mas existia, em edifício, pujante e em crescendo de influência, o Centro Cultural Francês; decerto, acreditamos, que desde 2006 muitos factos concretos terão ocorrido em matéria de cultura e de ensino das línguas portuguesa e francesa.

b) Em Angola, nas cidades, fala-se o português, por vezes com um ligeiro sotaque, frequentemente em bom português; no interior (aldeias e comunas), que visitámos, não se falava o português ou falava-se mal. São as línguas nativas que servem de meio de comunicação. 

No entanto, por exemplo, nos congressos das Ordens dos Médicos, dos Advogados e noutros eventos fala-se o português, embora houvesse situações, compreensíveis, de intervenções em inglês e espanhol. Uma nota: os brasileiros têm contribuído, de algum modo, para difusão da língua portuguesa.

Segundo: Nas tabancas da Guiné-Bissau ensina-se o árabe (ensino praticado pelos marabus), junto dos povos que seguem o Islão, e ali aprendem as crianças a língua árabe; recorda-se que a língua árabe tem mais falantes do que qualquer outro idioma e é falada por mais de 280 milhões que a usam como língua materna, seja no Norte de África e boa parte da África Subsariana, seja no Sudoeste Asiático e Médico Oriente. É a língua oficial de 26 países; o Corão, o livro sagrado islâmico, foi escrito nesta língua. Falada em 58 países, o árabe só é menos difundida no mundo do que o inglês

Terceiro: Na época da guerra colonial, que o escriba Paulo Salgado viveu durante 23 meses, Cabral procurou fomentar o português, que se ensinava nas matas, não obstante as dificuldades; há livros e cadernos interessantes desta atitude do grande pensador, político e lutador, e de outros seus companheiros de jornadas. Quem, militar que tenha sido na Guiné, não sabia que jovens professores ensinavam disciplinas, sobretudo aprender a ler e escrever e a contar, nas zonas libertadas, em português?

Quarto: Em Angola, com a presença de várias centenas de milhares portugueses da Metrópole durante os séculos XIX e XX, houve um processo de disseminação da língua, aliás uma forma de assimilação amplamente fomentada pelas autoridades coloniais, assimilação tão cara e defendida pelos europeus em África e noutras partes do Mundo.

Quinto: Portugal não tem sabido efectuar, em partilha saudável, de forma eficaz e efectiva, o desenvolvimento da língua. Não tecemos comentários sobre este fenómeno. Mas dizemos o seguinte: por que razões não se instalaram escolas de ensino do português nas cidades dos Países que adoptaram o Português? Por que razão não soubemos fazer como os ingleses e franceses que têm abundantes escolas nos países anglófonos e francófonos, respectivamente? 

Decerto que instalar uma escola em cada cidade e vila mais importantes destes países de expressão portuguesa, enviar professores portugueses e recrutar alguns locais, e formar outros em cada País seria dispendioso. Mas não valeria o sacrifício? Isto, não com a ideia de “colonizar”, mas de ajuda num registo de cooperação autêntica, fraterna, solidária, de acordo com o princípio da reciprocidade. Bem sabemos que são meritórias algumas iniciativas, quer institucionais, quer individuais, nestes dois países, interessantes, mas episódicas, não duradouras.

Sexto: Seria na educação e na saúde o grande exemplo de Portugal de cooperar com estes países. É, cremos nós, um imperativo ético e histórico.

Duas notas finais:

Primeira – Nós respeitamos o que alguns camaradas do blogue afirmam, ou que transmitem nas mensagens, como é óbvio; no entanto, se estamos no mundo da globalização, para o qual contribuímos de forma intensa no período das Descobertas (ou expansão), qual o nosso papel no Mundo? É o de deixar correr? É o de pôr a cabeça debaixo da areia?

Segunda – A nós interessa a História; passar ao lado da História é como desistir, e isso nós não queremos.

Os tabanqueiros,

Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) Último poste de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16907: Notas de leitura (916): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Estas crónicas do confrade Paulo Salgado desobedecem às narrativas convencionais de um barco a partir, de um contingente a chegar, o choque das culturas, os desatinos da guerra, até à hora em que se dá a missão por cumprida. O autor pretende pôr ao espelho, de forma sincopada, a presença portuguesa até aos alvores da luta pela independência, umas vezes é um alferes combatente no Olossato, outras vezes cooperante, e neste caso a narrativa tem dois tempos e dois olhares ao espelho. Dir-se-á que uma guerra nunca acaba, são sulcos profundos e as memórias desaguam quando, no mesmo palco, e num outro quadro político, se dá um doloroso confronto: fez-se tanta guerra, usou-se de tanto heroísmo para que quem venceu ficasse tão apoucado?

Um abraço do
Mário


Guiné, crónicas de guerra e amor, por Paulo Salgado (2)

Beja Santos

“Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, Lema d’Origem Editora, 2016, de Paulo Salgado, faz parte da literatura de regressos, tem trama imaginativa: um alferes que combateu no Olossato e que regressa 20 anos depois; um entremeado de enredos com arco histórico amplo, desde a chegada à Senegâmbia até uma quase atualidade.

Vimos, em trecho anterior, que o alferes Alberto combate na região do Morés, Ponte de Maqué e Olossato são aquartelamentos que conhece na perfeição, as narrativas desdobram-se sob emboscadas, patrulhamentos, homens de carne e osso, brancos e pretos, há desejos de mulheres e há mulheres prisioneiras que depois voltam para o Morés.

Intui-se que o autor pretende dar-nos uma grande angular desses Descobrimentos, das relações interétnicas e cruzar a história de Portugal com a da Guiné, antes e depois da luta armada. Nesta literatura de regressos é bem possível, e não há que contestar, que se socorra da retórica e de uma verbosidade que supere distâncias e cronologias. Assim, se deve entender a filípica de Meireles, um subordinado de Alberto, quando diz:

“Apercebi-me em Santa Margarida que poderia resistir. A vacina era coletiva, envolvia todos, tomava todos pela mesma medida. Mas apercebi-me, ainda lá, que seria possível resistir sem quebrar todos os sentimentos de decência e de humanidade que cada um tem à sua medida; apercebi-me que alguns companheiros de sorte, ou de má sorte, contribuiriam para passarmos este cabo de tormentas. Mas tanto vilipêndio, tanta degradação, nunca imaginei!”.

Alberto interroga-o:

“Vais dizer-me o que efetivamente tens calado bem no fundo do teu ser, vais contar-me o que verdadeiramente te preocupa”. E Meireles soluça: “Meu alferes, o meu maior amigo, que brincou comigo na escola, na minha rua e o no meu bairro; que namorou as mesmas garotas; e com quem, já crescido, percorri as praias e as montanhas de Sintra nas nossas motas; aquele que considerava um irmão morreu numa emboscada em Guileje…”.

E termina o trecho, interrogativamente: “Os homens, os militares, também choram?”. Nesta literatura de regressos pode haver uma retórica que ajude a relevar as dores inultrapassáveis, as perdas afetivas irremissíveis.

É uma história de Portugal onde se fala da epopeia da construção da fortaleza de S. José ou de Amura, também da epopeia da missionação, e daí Frei Cipriano que andou por Caió, e dá-se toda a ênfase à visita ao Morés, 20 anos depois de por ali, nas fímbrias, se ter combatido. Descreve-se o modelo daquela base que nunca se conquistou a despeito de bombardeamentos contínuos, do uso maciço das forças especiais, de por ali terem tentado entrar vários batalhões. Um ancião combatente descreve a Alberto a vida no Morés, o seu hospital, a mudança permanente das casas de mato. Aquele ancião é um homem de convicções, mas não esconde o seu desalento:

“Estou velho, cansado, com mil dificuldades. O Partido prometeu; mas agora o governo não cumpre; não temos nada de nada. Os olhos entristeciam-se-lhe”.

A narrativa move-se numa corrediça entre o passado e o presente: fala-se das urnas que estavam em Bissorã e que os do Olossato recusaram; numa atualidade que nos é próxima, o cooperante Alberto encontrou um caçador que vive há décadas na Guiné, um autêntico “lançado”; o mesmo cooperante Alberto ouve desabafos do médico no Hospital Simão Mendes, um médico que não tem recursos para mitigar sofrimentos e salvar vidas… E dentro deste arco histórico, o autor destaca páginas onde é patente a frágil presença colonial portuguesa é o caso da carta enviada pelo governador de Cabo Verde, Maldonado de Eça, ao ministro da Fazenda, Marquês de Ponte Lima, estamos nos fins do século XVIII, diz cabalmente:

“A Praça de S. José está em estado de desgraça, pois as construções estão em ruínas, a guarnição de 190 soldados sem pagamentos e sem vestuário, andando os homens trajando como os nativos, e a população católica sem serviço religioso. A Praça de Cacheu está quase abandonada, a artilharia sem reparos, os soldados como os de Bissau, o serviço religioso nesta dita Praça e na de Ziguinchor não é celebrado, pois o padre se refugiou na povoação, em concubinato, os soldados e os poucos particulares são obrigados a vender escravos para comprar mantimentos”.

E há os medos, sempre enleantes, no crescendo de ansiedade antes das operações, apresentam-se pretextos para não participar, ter medo não é desumano. Fala-se de um lançado célebre, Ganagoga, de nome João Ferreira, perdido de amores por Kali. E depois aquele cooperante na área da saúde, que já foi Alberto, o combatente do Olossato, sobe à Pensão Central, que descreve e vê-se que tem uma memória intacta:

“Subiu as escadas íngremes exteriores, em ferro forjado, antiquíssimas, talvez dos anos 30 do século passado, e acedeu, já no patamar, a um amplo piso, onde, à maneira colonial, uma larga varanda circunda todo o prédio. Ao cimo das escadas, numa sala de jantar mais reservada a clientes especiais, um grupo de comensais vai no fim da refeição”. E aparece D.ª Berta: “Depara com a proprietária, sentada diante da mesa comprida e larga, coberta por uma toalha asseada, aguardando, de forma amistosa, convivial, simpática, maternal, os seus clientes”.

Vai ser o tempo da guerra civil, e daí se salta para um episódio das campanhas da pacificação, recorda-se que a cólera se reacende décadas depois da independência e por fim, quando a guerra praticamente acabou para Alberto, prova uma dura flagelação em Mansabá, onde permanece na atividade de realização de exames de quarta classe a soldados e milícias.

Vivera-se o nervosíssimo da espera do embarque, houvera patrulhamentos, emboscadas, um golpe de mão falhado algures em Amina Dala ou em Iracunda ou em Consonco ou Bissancage ou Ionfarim ou em Changue Bedeta, houvera muita coisa, e agora este imprevisto em Mansabá. Assim se põe termo a estas crónicas de guerra e amor e não será por acaso que se evoca o poema Liberdade por Sophia de Mello Breyner Andresen, que assim culmina: Aqui o tempo apaixonadamente/Encontra a própria liberdade.
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16894: Notas de leitura (915): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16894: Notas de leitura (915): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Fica bem começar com uma declaração de interesses. Conheci Paulo Salgado na cidade de Bissau, em 1991, ele cooperante no Ministério da Saúde, eu cooperante no Ministério da Indústria e Recursos Naturais. Fomos consolidando estima, e depois de muita conversa avulsa veio à tona de água a guerra de cada um. Levou-me ao Olossato, senti que estava em Sintra, tal o deslumbramento que me suscitou aquela verdura e o frescor, estávamos na época das chuvas. Falei-lhe do comandante do PAIGC da minha zona, agora coronel, Mamadu Jaquité, que me deixava na picada advertências extremosas, tais como "meu alferes de merda, se fores vivo para o teu país, será a minha vergonha".
Quis conhecer Mamadú Jaquité, e o Paulo Salgado levou-me ao Cumeré, foi cena inesquecível, dela já aqui falei, naquele local alguém que fora encarregado de me matar pedia-me ardentemente uns escassos pesos para comprar arroz, óleo e sabão, foi naquele preciso instante que me apercebi, graças à ajuda do Paulo Salgado, que nem sempre de uma vitória de libertação e independência saímos vitoriosos - nada mais custa que pedir ajuda a quem nos colonizou e a quem mandámos embora.

Um abraço do
Mário


Guiné, crónicas de guerra e amor, por Paulo Salgado (1)

Beja Santos

Creio tratar-se do livro de estreia nas lides espaçosas da literatura da guerra colonial de Paulo Salgado. O seu “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, Lema d’Origem Editora, 2016, é o produto, como ele próprio observa, da sua comissão na Guiné entre 1970/1972, a sua experiência como cooperante na Guiné-Bissau por dois largos períodos e muitas interrogações sobre a presença portuguesa num local que se convencionou chamar Terra dos Negros, Senegâmbia, Rios da Guiné de Cabo Verde, nos primeiros séculos da chegada, da presença na orla, com tráfico de escravos e uma escassa missionação à mistura.

A estrutura da obra é de uma literatura de regressos: 20 anos depois de ali ter feito guerra, é tempo de relembrança de locais onde se experimentou a solidariedade e o sofrimento e que também dão pelo nome de Maqué ou Olossato ou Bissorã, por exemplo Paulo Salgado agora chama-se Alberto e comporta-se afim a quem aqui combateu, guarda imagens e odores que jamais se diluíram, na passagem do tempo: “os mil odores da floresta densa, do capinzal crescido, da bolanha encharcada, da terra lavrada aqui e ali; mas sempre a humidade levemente pegajosa. Redescobria o centro verde, intensamente verde das variadas árvores e arbustos, o constante castanho-avermelhado da terra; e remirava a estreiteza da picada longilínea sobre a qual pendiam os ramos frondosos de poilões soberbamente grandiosos; e vislumbrava estreitos carreiros semelhantes àqueles que calcorreara anos antes e que saíam da picada em direção aos longes”. É a relembrança de todos nós que tivemos a dita de ali voltar, décadas depois, impossível apagar aquele verde tropical, os sons da noite, o afogueado do amanhecer, a angústia daquele sol que cai a pique e nos deixa mergulhados no túnel da escuridão vegetal. Alberto interroga-se, como qualquer combatente na hora do regresso: “Com que direito venho aqui recordar factos, vasculhar misérias, relembrar horrores, levantar fantasmas, lembrar conflitos antigos e recentes?”. Então, as lembranças da guerra fazem caminho, fala-se de Bissancaje, surgem os primeiros nomes dos companheiros da guerra, Incanha é guia ou pisteiro do grupo de combate, é ali que surge a morte, a tão próxima morte, naqueles seis ou sete homens que eles vão foguear, um fica estendido no trilho, “dentro da bolsa, caída ao lado da espingarda, um passarinho morto, para dar sorte”. Há histórias como a de Bacar, que muitas vezes se sentia português, que faz frequentemente os longos 17 quilómetros do Olossato a Bissorã, a picar a estrada, é destro, parece não deixar um milímetro por picar até que se ouve um estrondo, um pedaço da sua perna esquerda voou. Por onde param os sonhos deste Bacar, tão diligente e tão companheiro?

Entremeiam-se episódios históricos, não há dúvida que a Crónica da Guiné, de Zurara, entusiasmou Paulo Salgado, seguir-se-ão outros autores, vêm ao de cima histórias avulsas de descobridores, de companheiros e de lugares, é o caso de a Ponte de Maqué, um local obrigatório a proteger, vários autores já classificaram esta referência, convém reter o que dela conserva a memória de Paulo Salgado: “No exterior, em largo amplo, que se destina a estacionamento das viaturas militares e a heliporto, separado do forte, um barraco para banhos e latrina. À volta, a cerca de 100 metros, duas fiadas de arame farpado, entre as quais armadilhas, minas e garrafas partidas servem para afastar ou ferir ou matar eventual intromissão. A estrada que vem de Bissorã para o Olossato atravessa o riacho, passando sob a pequena ponte e em frente do forte. A estrada é fechada, ao fim do dia, através de armadilhas, e com cavalos de pau, para ser reaberta, pela madrugada, desarmadilhando o que fora armadilhado. No destacamento, os soldados vigiam, os soldados armadilham e desarmadilham, indiferentes à guerra que se faz a 5 quilómetros, no Olossato, ou a 15 quilómetros em Bissorã, ou a 30 quilómetros em Mansabá, ou sabe-se lá onde por essa Guiné fora".

Sucedem-se os relatos em pequenos trechos: advertência do comandante de companhia quanto ao respeito que é devido às lavadeiras e nas aquisições de víveres, as ações psicológicas junto da população, os medos da mata, a história de um alferes que se afeiçoa por Rosa, uma bajuda de lábios carnudos perfeitos, de seios direitos e que bamboleava as cochas debaixo da pequena saia, a lembrança daquele rei de Bermoim que é trazido por Pêro Vaz da Cunha à Corte de D. João II, aqui batizado e que no regresso à Guiné o mesmo Pêro Vaz da Cunha matou à punhalada e que o monarca depois mandou enforcar, o interrogatório a Kadi, uma enfermeira do partido, na região do Morés, procedeu-se ao aliciamento, ela parecia anuir até que fugiu para a sua terra livre.

Há cartas de amor, há o soldado Julião, aparece o alferes Boaventura que, em 1917, se irá confrontar com o soberbo e delinquente régulo Abdul Indjai. Momentos há em que os retratos desses combatentes ganham um vigor inusitado, estou a pensar no que o autor nos descreve de Horácio, Moita, Zé Faquista e o Ratão, quedemo-nos neste último:  
“De doces era perfeito conhecedor, o rapaz. Transmontano de nascença, aos dez aos, feito o último ano da escola primária, que esperteza tinha o ganapo, o mandaram para a capital na mira de empreguinho em mercearia que um familiar lhe aprontara. Tinha tanto de esperto como de franzino e como de malandreco, o Ratão, como lhe chamavam os camaradas, fazedores de alcunhas. Em Lisboa, àquela data, empregos não faltavam a quem queria dar o corpo ao manifesto, a quem se sujeitasse a recados e mandiletes, a quem não custasse aturar patrão, capataz ou vigilante. Emprego aqui, emprego ali, sempre na busca de melhores dias. E quem porfia sempre alcança. Caiu finalmente no local certo: uma pastelaria onde aprendeu rapidamente a confecionar deliciosos doces, servidos a preceito no salão de chá, à hora do lanche, às madamas que acorriam e que os saboreavam acompanhados de chazinho cheiroso.
Calhou-lhe diversas vezes atender essas diversas senhoras, nas folgas dos empregados de mesa, algumas verdadeiras senhoras, outras nem tanto, e foi-lhe adivinhado as origens, descobrindo as fraquezas e os desgostos, e conquistando a sua amizade e estima e respeito, e até confidências. Não tardou que se travasse de relações com uma senhora, cinquentona da idade, queixosa do marido idoso e mais interessado nos negócios de ferragens na Baixa. Primeiro, foi no dia de folga, em casa da dona, que o recebia em roupão transparente, e, pegando-lhe na mão o transportava para a alcova adulta, deliciando-se com a carne tenra, virgem, do jovem imberbe. Depois, os encontros repetiram-se à hora em que ele, oferecendo-se ao patrão para tal tarefa, e entregar ao domicílio os bolinhos encomendados. Finalmente, o desejo tornou-se forte e exigente – foi então que o moço abandonou o ofício de pasteleiro para abraçar a profissão de amante.
Mas a carne mais velha enfastia, as exigências mútuas, cada qual com seu sentido, tornaram-se insuportáveis, a desconfiança do velho e atraiçoado marido cresceu, a dependência em relação à amante era grande, e o cansaço físico e espiritual, verdade seja dita, fizeram-no fugir para a zona de Alvalade onde um amigo o empregou em pastelaria aberta recentemente.
Franzino, traquina, vaidoso do seu passado femeeiro, gabarola bastante, o Ratão, não leva bolinhos ao domicílio, não atende as madamas na sua pastelaria. Transporta a G3 derreado, afogueado, de canseira que cansa”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16883: Notas de leitura (914): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16747: Agenda cultural (522): No passado dia 17 de Novembro de 2016, foi apresentado no Porto, no Auditório da "Fundação Portugal África", o livro "Guiné Crónicas de Guerra e Amor" da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721 (Carlos Vinhal)

Fundação Portugal África - Rua de Serralves - Porto
Foto: Carlos Vinhal

1 - No passado dia 17 de Novembro de 2016, foi apresentado no Porto, no Auditório da "Fundação Portugal África", o livro "Guiné Crónicas de Guerra e Amor"[1] da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, que teve como Comandante o então Cap Cav Mário Tomé, que prefaciou o livro.

No auditório, praticamente esgotado, via-se entre a assistência: médicos, colegas de profissão do autor, camaradas dos tempos do Olossato, guineenses e representantes da Tabanca Grande e Tabanca Pequena de Matosinhos, além de outras pessoas que se quiseram associar ao momento.

 Uma vista do auditório
Foto: Carlos Vinhal

Nesta foto reconhecem-se: João Rebola, José Teixeira e, de pé, o editor de serviço trocando algumas palavras com o ex-Alf Mil Médico, Amaral Bernardo.
Foto: João Rebola

Na primeira fila, ainda antes do início da sessão e da chegada do filho, netos e demais família do casal, Maria da Conceição Salgado.
Foto: Carlos Vinhal

José Teixeira com um dos guineenses presentes na sala
Foto: João Rebola, editada por Carlos Vinhal

Na Mesa, da esquerda para a direita: Paulo Cordeiro Salgado, o autor; Dr. José Manuel Pavão, o apresentador da obra, e António Lopes, o editor. 
Foto: Carlos Vinhal

A sessão teve início com a intervenção do editor António Manuel Lopes, também ele transmontano como o autor. Falou da sua editora, Lema d'Origem, e da aventura que é editar livros.
Teceu elogiosas palavras ao autor e enalteceu a qualidade da obra em apreço.

Seguiu-se a intervenção do Dr. José Manuel Pavão, cirurgião pediátrico, a quem cabia a apresentação de "Guiné Crónicas de Guerra e Amor", que além de ler algumas partes mais significativas da obra, prendeu a assistência e ajudou a conhecer melhor a personalidade do autor, que foi Gestor Hospitalar em diversos hospitais, no país, e cooperante durante anos na Guiné-Bissau.

Chegada a vez do autor, este agradeceu a presença de quem, àquela hora, teve a gentileza de se deslocar à Rua de Serralves para ouvir falar do seu livro de crónicas, pequenas histórias reais com ficção à mistura, que se destina a deixar aos mais novos algum conhecimento do que foi a guerra, que ele e os seus contemporâneos travaram em África. Concordando ou não com ela, o certo é que muitos milhares de jovens sofreram na pele, alguns mesmo perdendo a própria vida.

Seguiu-se uma concorrida sessão de autógrafos.

O autor, Paulo Cordeiro Salgado, quando se dirigia aos presentes
Foto: Carlos Vinhal

Sessão de autógrafos com João Rebola
Foto: João Rebola

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2 - Nota pessoal do editor:

Em duas semanas consecutivas tive o prazer de reencontrar dois camaradas que não via há já alguns anos, o Dr. Paulo Salgado, Gestor Hospitalar, como atrás foi dito, e o Prof Dr. Amaral Bernardo, distinto médico e professor jubilado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Neste dia tive ainda o grato prazer de rever e abraçar o "meu" cirurgião, o Dr. Artur Cabanelas, para quem tenho uma enorme dívida de gratidão por ter retirado, com sucesso, um tumor maligno do cólon à minha mãe. 
E, por a mim remover uma parótida, também afectada por um tumor, não tendo eu ficado com qualquer efeito secundário, além da inevitável cicatriz e do ligeiro aprofundamento no pescoço.

O Dr. Cabanelas é familiar do Paulo Salgado, o que prova que o Mundo é mesmo pequeno, salvando-se a nossa Tabanca, que é grande e nos permite estes encontros "imediatos". 
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 26 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16639: Notas de leitura (895): "Guiné: crónicas de guerra e amor", de Paulo Salgado: texto da apresentação do livro, pelo poeta e jornalista Rogério Rodrigues

Último poste da série de 22 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16746: Agenda cultural (515): "Amílcar Cabral (1924-1973): vida e morte de um revolucionário africano", nova edição, revista, corrigida e aumentada (622 pp.): convite da embaixada guineense para o lançamento do livro do prof doutor Julião Soares Sousa, na Universidade Lusófona, Lisboa, sábado, dia 26, às 15h00

domingo, 29 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16144: Ser solidário (197): Ler faz crescer - uma alegria em Cumura: texto e fotos dos nossos amigos Ana Maria Gala e João Martel















Guiné-Bissau > Cumura >  Missão da Cumura > A nova biblioteca!


1. Mensagem dos nossos amigos Ana Maria e João Martel:


Foto da página do Facebook  Um Pé na Guiné

 Data: 16 de abril de 2016 às 22:16

Assunto: Ler faz crescer - uma alegria em Cumura


Não podíamos deixar de partilhar com os amigos deste projecto "um pé na Guiné" mais esta grande alegria!

Damos graças a Deus e desejamos que uma luz única e maravilhosa se abra em cada uma destas pequenas mentes.

Agradecemos profundamente a todos os amigos e benfeitores que vão tornando isto possível.

Um abraço da Guiné!

Ana Maria e João

2. Ser solidário > Um pé na Guiné > 13 de abril de 2016 > Ler Faz Crescer!


[Um pé na Guiné: projeto criado por dois jovens profissionais portugueses, um médico, João Martel,  e uma professora do 1º e 2º  nciclos,, Ana Maria Gala,  que se propuseram a colaborar, pelo período de um ano, com a Missão de Cumura - uma missão humanitária Franciscana, na Guiné-Bissau. Cumura é uma pequena aldeia que se situa a 12 km de Bissau e que há mais de 50 anos conta com a presença Franciscana. Estes jovens, e nossos amigos, nossos grã-tabanqueiros, estão aqui deste setembro de 2015... e vão ficar  até ao próximo mês de junho, portanto mais uns dias ou mais umas semanas. O seu objetivo é(era) trabalhar para a continuidade da missão e para a formação de recursos humanos, colaborando no hospital e na escola de Cumura.  Parabéns pela obra feita e sobretudo pelo exemplo generoso e solidário. Bom regresso a casa.  LG]


Texto e fotos por  Ana Maria Gala e João Martel

– "É amanhã que libertamos aquela sala!"..,
– "Já pedi para limparem a sala",..
– "Tem de ser aquela, tem mais luz"...

Muito andávamos a conspirar para começar os trabalhos da nova biblioteca dos mais pequenos. Hesitações sobre o espaço, a disposição das estantes, a catalogação das obras, os novos bibliotecários a contratar e ensinar… Como em todos os empreendimentos, havia que começar!

Num sábado de Fevereiro pela manhã, arregaçámos as mangas, caixotes para dentro do carro, panos na mão e entrámos em acção! Uma pequena equipa de trabalho de 5 maduros fez-se ao pó e às tralhas da velha sala de professores, para fazer nascer ali um novo espaço para o conhecimento. Fazer a triagem dos materiais ali esquecidos, dar o justo destino aos livros de ponto do século passado, tirar grandes teias de aranha, arrastar as pesadas estantes,  tudo se justificava para aproveitar a boa luz daquela sala! Os professores iriam ter um novo espaço também, mais funcional e arrumado.
Desencantaram-se algumas mesinhas que os amigos de Itália tinham doado, reaproveitaram-se estantes que não estavam em uso e, praticamente a custo zero, o novo espaço começou a ganhar forma.

Para dar as boas-vindas aos nossos alunos, prontificou-se o nosso amigo “Honório Leitor” – um pequeno peixe que tinha chegado aos mares da Guiné, pela amizade de quem o enviou de Portugal, e que encontrou o seu lugar de anfitrião.

Se o Honório já tinha lugar….. era hora de inaugurar! E assim foi: no dia 31 de Março, fez-se a abertura e apresentação do espaço aos professores e alunos. A curiosidade já era muita e, ao verem a sua nova biblioteca, os sorrisos mostraram-se, com ânsia de folhear aqueles mundos desconhecidos (e houve quem o fizesse logo, não conseguindo esperar).

No fim da apresentação a cada turma e respectivos professores, muitos agradeceram a generosidade dos amigos de Portugal. Os professores salientaram a importância desta doação para os alunos de Cumura, dado que as crianças e jovens na Guiné têm muito pouco acesso a livros, no geral, e particularmente a literatura adaptada à sua idade.

O funcionamento da biblioteca só é possível garantindo o apoio e vigilância do espaço nos períodos da manhã e da tarde. A escola comprometeu-se com a contratação de dois bibliotecários, dois jovens da comunidade de Cumura, um deles ainda aluno do Secundário. Têm recebido alguma formação e começaram já a desempenhar as suas tarefas de forma aplicada, recebendo uma pequena quantia mensal.

Desde a abertura da biblioteca, assim que toca a sineta, fazem-se corridas para chegar primeiro, já que a capacidade do espaço não é grande (cerca de 18 alunos sentados). Muitos decoram o lugar do seu livro na estante para conseguir apanhá-lo antes de outros.

E a nós é isto que nos faz correr. Os resultados são bonitos de se ver.

Nota: Esta biblioteca só se tornou possível com o contributo de muitos amigos e benfeitores de Portugal. Desde a doação, à reunião, triagem e encaixotamento, expedição e recepção dos livros, inúmeras pessoas trabalharam afanosamente para este resultado. Queremos lembrar aqui:

– Familiares e amigos – em especial a Inês Martel e a Maria e Isabel Gala, que foram pontos de contacto, embaladoras e verdadeiras promotoras e dinamizadoras deste projecto;

– Os alunos do Secundário do Liceu Pedro Nunes, que reuniram e continuam a reunir várias obras para os colegas de Cumura;

– A Fundação João XXII [, com sede em Ribamar, Lourinhã], que tornou possível o transporte da maioria destas obras para a Guiné, sem custo para nós;

– Os colaboradores da Fundação Calouste Gulbenkian, que se mobilizaram para reunir um conjunto importante de obras de literatura infanto-juvenil.

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Nota do editoral:

Último poste da série > 5 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15822: Ser solidário (196): Vamos ajudar a ONGD "Ajuda Amiga", com a consignação de 0,5% do IRS... Notícias: A "Ajuda Amiga" (i) tem novo sítio na Net; (ii) tem novos corpos sociais para o biénio de 2016-17; e (iii) os seus dois cententores deste ano já chegaram a Bissau (Carlos Silva)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas

1. Texto do Antº Rosinha:

[, foto à direita: emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, "cooperante", na Guiné-Bissau, em 1979/93; é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]



Data: 12 de fevereiro de 2016 às 15:47
Assunto: As riquezas das matéria primas Africanas e as fantasias criadas


Ou seja, falemos de coisas que toda a gente fala, mas que os responsáveis não  abordam  politicamente, menorizando um assunto imensamente importante e grave.

Toda a África daqueles anos em que nós aqui andámos por lá, era alvo  de enorme atenção mundial quanto às suas riquezas por explorar.

Falava-se no ouro da África do Sul, uma realidade e que muita gente acreditava que todos os países africanos só precisavam de "brancos" ou "amarelos" para explorar da mesma maneira que faziam os boeres e o explorador Rhodes.

No nosso caso, de portugueses das riquezas do azeitinho, do vinhinho, e da corticinha, queixávamo-nos da culpa do atrasado do Salazar, que  escondia as riquezas das colónias para ninguém cobiçar o que era nosso.

Tudo isto não é novidade para quase ninguém, mas estas coisas ouvidas em Angola antes e durante a guerra,  por independentistas tipo pessoas em que podemos enquadrar gente como  os futuros dirigentes do MPLA e PAIGC, servia para aliciar os nativos, e  principalmente quem vivia nas cidades, criados, serventes nas obras, vendedores de jornais e pipocas, estudantes nas escolas e liceus, e em geral todos os jovens citadinos.

Todos, menos os velhos sobas e régulos que desconfiavam das farturas, e sabemos que uma grande maioria pagou com a vida e a destruição e perseguição, principalmente em Angola com 3 movimentos inimigos.

Mas nós, muito  povo português da metrópole, caíamos também nessa cantilena, das riquezas e diamantes a pontapé, e até hoje passados 40 anos muito patinho ainda escorregou na casca da banana, alguns até foram ao parlamento explicar aos deputados para onde foi tanto dinheiro.

Na Guiné, essa miragem das riquezas «escondidas» também foi vendida e de que maneira. Estrangeiro que chegasse a Bissau, nos primeiros vários anos após a independência com partido único, PAIGC, verificava que  essa fantasia das riquezas escondidas, ainda era vendida entre os jovens e principalmente entre a Juventude Amílcar Cabral (JAC).

E, embora Amílcar Cabral chamasse à atenção,  em discursos, que não queria uma Guiné igual aos países que continuavam  a ser explorados  por neocolonialistas, não evitou que o PAIGC criasse macaquinhos na cabeça de toda a gente.

Então estava criada uma ideia na cabeça de toda a gente, em Bissau, que a Guiné estava deitada sobre um enorme lençol de petróleo, e um grande travesseiro de fosfatos, que os portugueses escondiam.

Como tal, nem era  preciso semear o arrozinho, a mancarrazinha e o cajuzinho!,,, Alguém viria para explorar aquelas riquezas e era a felicidade total.

E assistiu-se vários anos a uma Guiné absolutamente paralizada, sem produzir nada, à espera das ofertas de dadores e doadores que tudo o que enviavam era distribuído entre os "membru" do partido, ou exportado para os vizinhos, e o povo naquela fome.

Outra ideia criada pelo PAIGC, e que  todas as ex-colónias alimentam, até os brasileiros, era que os portugueses, atrasados, não deram educação e ensino, por isso "estamos atrasados".

E os dadores e doadores vai  de recuperar o atraso dos portugueses,  a fazer com bolsas de estudo doutores e engenheiros como uma linha de montagem, e não havia mais  jovens  que quisesse permanecer na sua tabanca original, nem para criar vaca ou cultivar arroz.

Ora, como até agora não apareceram as tais riquezas que Salazar «escondeu»,  e é aí que eu quero chegar, podemos hoje, 40 anos após a independência, contraditoriamente, podemos confirmar que hoje os guineenses são dos povos menos pobres da toda a África e precisamente por essas riquezas continuarem escondidas.

Mais pobres que a Guiné são os Estados petrolíficos e diamantinos, como Angola, os Congos , Nigéria, Serra Leoa e muitos  outros, em que têm enormes cidades  com milhões de jovens a vaguear pelas ruas, sem qualquer perspectiva de vida, quer na agricultura, que ninguém produz porque há dinheiro para importar, nem na construção e indústria porque há dinheiro para pagar a portugueses e chineses e franceses e brasileiros fazerem, nem nas escolas porque não adianta estudar porque vêm engenheiros e doutores  europeus, chineses e  americanos  e ocupam os bons lugares de trabalho.

Um caso paradigmático quanto às riquezas petrolíferas é São Tomé, que são duas ilhas num mar de petróleo. E fantasiando riquezas mirabolantes, abandonaram aquelas maravilhosas e modelares fazendas de cacau do "colon" explorador, e agora estão esperando que um branco qualquer venha restaurar a exploração cacaueira, já passaram 40 anos.

Todos os países europeu coloniais sabiam das riquezas que havia naquelas colónias, e a melhor e mais económica e  "humana" maneira  de explorar essas riquezas, era a independência.

Mas,  exceptuando nós portugueses e os brancos do apartheid sul-africanos e rodesianos é que de uma maneira ou outra lutaram contra a demagogia de libertadores irresponsáveis daqueles "ventos da história", que ajudados pelo cinismo de neocolonialistas, iludiram com fantasias mirabolantes milhões de jovens que hoje (os pretos velhos nunca acreditaram) estão completamente desorientados.

Muitos desses jovens estão há vários anos  junto ao funil da mancha, outros no arame farpado de Ceuta, outros na Tunísia a olhar para Lampedusa. Estão a perguntar de quem é a responsabilidade sobre o desaparecimento daquelas riquezas, porque a eles não calhou nada.

Sabemos que África tem regiões com muitas riquezas naturais, mas sabemos que há outras tão pobres que nem a água das chuvas é regular. E podem nem ser essas as que vivem pior, Cabo Verde é um exemplo. Mas Cabo Verde é um caso africano à parte, não tem as mesmas contradições  da maioria dos outros países. Para os cabo-verdianos, o que conta são as únicas riquezas que têm: O seu tchon e as pessoas.

Nós,  portugueses, como os mais antigos colonizadores em África, bons ou maus colonizadores,  (não há colonizadores bons, mas dizem alguns guineenses que os franceses colonizam melhor que os portugueses),  temos obrigação, através dos que andámos na Guerra do Ultramar, escrever na história da África e da Europa que lutámos enquanto pudemos contra o caos daquelas descolonizações, que de terras onde não havia fome, hoje há fome, guerra, diamantes, petróleo, abandono e invasões indiscriminadas, até de religiões estranhas vindas de todas as latitudes, e não sabemos onde as coisas vão parar.

E uma das causas de muitos problemas africanos, são mesmo as riquezas «escondidas». A Europa, como vizinha de África,  e com algum sentimento de culpa, vai (está) a sentir na pele o que aí vem.

Cumprimentos

 Antº Rosinha



Suécia > s/l > s/d > Visita de uma delegação de um país africano... Segundo indicação do Cherno Baldé,  pelas vestes e traços fisionómicos, seriam representantes do povo massai, seminómadas; são menos de um milhão, e vivem no Quénia e no norte da Tanzânia.

Foto do arquivo de José Belo (sem indicação da fonte).
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de 2016  > Guiné 63/74 - P15623: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (41): o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor"


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15532: Ser solidário (189): Notícias de Cumura: estamos muito gratos a todos os que têm apoiado este projecto, sabendo que não há verdadeiramente um projecto 'de alguém', somos todos a remar na mesma canoa da amizade entre os povos (João Martel e Ana Maria Gala)




Vídeo (1'34'') > You Tube > João Martel

Publicado a 30/07/2015. Vídeo de apoio ao projecto "Um pé na Guiné", de voluntariado na Guiné-Bissau. Música de José Braima Galissá, título desconhecido, retirada de vídeo do canal de Carlos Narciso.


1. Mensagem dos nossos grã-tabanqueiros, João Martel, médico, e Ana Maria Gala, professora, a partir da Guiné-Bissau, onde estão a  fazer voluntariado social, na Missão da Cumura:


Data: 23 de dezembro de 2015 às 18:54
Assunto: Notícias de Cumura!


Caros Camaradas da Guiné! Saudações da terra de Amílcar!

Já com alguns meses de presença na terra quente, fazemos então um pequeno relatório para a base de como tem sido a nossa presença aqui.

É difícil expressar em poucas palavras o impacto que causa em dois "novatos" a chegada a uma terra nova e tão diferente como a Guiné-Bissau. Mas por estarmos a falar para gente que  a conhece bem, sabemos que podem subentender por detrás do texto o nosso espanto. (*)

Foi já há 3 meses, na madrugada de 12 de Setembro, que pusemos os pés no Osvaldo Vieira, sentindo o impacto da humidade quente assim que se passa a porta do avião. Tralhas e bagagens (chegou tudo inteiro!) e a recepção calorosa dos frades aqui de Cumura, que nos foram buscar. Uma viagem nocturna, cerca das 4 da manhã, por uma Bissau desconhecida e depois pela estrada de Prábis, com o seu q.b. de buracos e quebra-molas, e a boca aberta de espanto. Apesar da hora avançada, ainda várias fogueiras acesas nas palhotas ao longo do caminho, uma ou outra discoteca com música "a bombar" e os nossos olhos esbugalhados, entrando num mundo diferente.

Os primeiros dois dias foram passados a conhecer a Missão. Quem conhece Cumura,  sabe com certeza que já tem infraestruturas significativas, erigidas ao longo dos 60 anos de presença dos frades aqui. Foi sem dúvida decisivo termos embarcado nesta aventura ao lado da drª Alice Ferreira, uma veterana desta guerra já, que colabora com Cumura desde 2001. Entrar aqui "pela sua mão" foi uma vantagem enorme e permitiu-nos muito mais rapidamente sentirmo-nos em casa. A ela, a nossa homenagem (que sabemos que se junta à de Cumura e de outras terras da Guiné, num justo agradecimento pelo incansável trabalho e entrega).

Eu, João, fiquei ligado à Pediatria aqui de Cumura, a trabalhar ao lado da drª Alice, para uma mais rápida adaptação ao terreno. A Ana Maria, professora do 1º e 2º ciclo, ficou a co-coordenar esses mesmos ciclos aqui na escola de Cumura, o que significa supervisionar cerca de 30 professores(as) e cerca de 450 alunos(as)!... Tudo isto implicou uma entrada gradual, claro, e foi decisivo, sob todos os aspectos, o apoio dos frades e irmãs, que são para nós, neste momento, como família.

Em 3 meses já dezenas de peripécias e surpresas tiveram lugar e tempo para acontecer e, agora que nos sentimos já bastante "guineenses", podemos olhar para trás e sentir grande gratidão – para com Deus e com todos os que possibilitaram a nossa presença aqui, entre os quais estão, inegavelmente, os Camaradas da Guiné – em cujo poilão, orgulhosamente, habitamos.

Já tivemos a oportunidade de visitar Cacheu (numa visita de estudo com a escola – momento historicamente muito simbólico!), Nhoma, Nhacra e Buba, numa viagem que fizemos para o Sul, onde ficámos a conhecer a congregação portuguesa das irmãs Hospitaleiras, que lá residem. Outros sítios aqui mais perto também: Prábis, Bôr, Quelele, e claro, Bissau, a velha e hoje tristonha Bissau – podemos calcular um pouco a diferença que sentirá quem lá esteve há 40 anos e olha para ela hoje – pelas fotos, pelos relatos e pelo descuido que se vê hoje nas ruas da cidade, assim como pela espessa cortina de fumo, da decrépita frota automóvel, toda ela mais antiga que nós e em muito pior estado de saúde.

Além dos lugares, muito para além, as gentes, o povo guineense, bom e gentil mas que precisa de tempo para nos deixar entrar no coração (quem não precisa?). Na ligação a toda a comunidade aqui de Cumura, nas várias actividades da paróquia e dos sítios onde trabalhamos, sentimos já que uma larga família aqui nos estima e acolhe e sabemos já de antemão, quando ainda faltam 6 meses para partir (se as coisas correrem bem), que vai ser difícil deixar esta terra, que caiu verdadeiramente "no goto".




Blogue "Um pé na Guiné", de João Martel e Ana Maria, dois jovens cooperantes portugueses que estão a trabalhar no Hospital da Cumura.  Têm igualmente página no Facebook. Só não sabemos onde é que os nossos amigos foram buscar esta imagem, que não é da Guiné, pode ser do Quénia ou outro país da África Oriental, de grandes savanas e acácias, rodeadas de montanhas...   A Guiné é completamente plana, com exceção da região do Boé que tem umas colinas que chegam aos 100/200/300 metros... (Dizem, que eu nunca cheguei a lá ir...) (LG)



Há muito mais para contar mas, à falta de mais tempo para já, lembramos mais uma vez o endereço do nosso blogue (www.umpenaguine.com), onde vamos tentando reunir algumas reflexões e partilhas, ao sabor do tempo disponível e da capacidade de processar as novidades.

Aproveitamos para fazer alguns apelos:

(i) A Ana Maria tem pensado, para este 2º período de aulas na escola, que seria interessante para os alunos do 2º ciclo (10-12 anos – alguns com 15, 16 anos), ouvirem o relato na 1ª pessoa do que foi a luta de libertação na Guiné-Bissau.

Será que os Camaradas nos conseguiam indicar alguém, português ou guineense, de ambos os lados "da trincheira", que esteja cá pela zona de Bissau/Cumura ou arredores e quisesse dar o seu testemunho? Seria uma verdadeira aula viva, ou um simples momento de conversa amena, num formato a combinar. 

Uma das coisas de que enferma o modelo de ensino aqui é o ser extremamente teórico, sem se apelar ao conhecimento prático e a novas formas, mais estimulantes, de passar os conteúdos do programa. As visitas de estudo, que não tinham sido feitas antes, já deram muito bons frutos e tiveram boa recepção. Qualquer contributo que nos dessem teria grande significado para estes alunos!

(ii) Outra questão: conhecemos também pelo blogue dos Camaradas a associação "AD Bissau", que se percebe ser um dos grandes actores do esforço para o desenvolvimento aqui na Guiné. 

Apesar de estarmos relativamente perto, ainda não tivemos a oportunidade de conhecer melhor o seu trabalho. Sabemos que após a morte do Pepito as coisas também se estão ainda a reorganizar… Será que nos podiam dar o contacto de alguém que nos mostrasse um pouco o trabalho da associação?

(iii) O centro cultural "José Carlos Schwarz" em Bôr está a funcionar?

Já agora, para informar todos os nossos benfeitores, o 1º contentor com muitas das vossas ajudas generosas (em género e as que foram compradas com os vossos contributos) já está em Bissau, e o Raúl, director da cooperativa escolar de São José em Bôr, está a pôr todos os contactos a mexer para o conseguir desalfandegar. O 2º contentor já zarpou de Lisboa, ainda está a navegar por estes dias…

Estamos muito gratos a todos os que têm apoiado este projecto, sabendo que não há verdadeiramente um projecto "de alguém", somos todos a remar na mesma canoa da amizade entre os povos.

Um abraço aqui de Cumura para todos, com os votos de um Feliz Natal e umas excelentes entradas em 2016!

Aguardamos notícias vossas ;)

Ana Maria e João (**)

2. Comentário do editor LG:

Queridos amigos e grã-tabanqueiros  João e Ana!... Que bom saber de vocês!.. Obrigado pelo vosso "relatório"... Tínhamos a certeza que se iriam adaptar bem!... E parabéns pelo vosso pequeno vídeo, feito com tanto engenho, arte e amor.   Bem como pelo blogue que passa a fazer parte da nossa blogosfera.

Vão passar, pela primeira vez, presuno, o natal nos trópicos, em África, nessa terra quente e calorosa que é a Guiné-Bissau, mas onde falta tudo ou quase tudo, em termos de satisfação das necessidades humanas básicas. Os problemas são tantos, da saúde à educação, do emprego à segurança, que é uma dor de alma...  Mas eu sei que vocês têm, sobre as coisas e as pessoas, um outro olhar, humano e cristão, de fé, esperança e caridade, enquadrando-se no espírito missionário da Cumura. É bom que tenham uma visão integrada da Guiné-Bissau, ligando o passado, o presente e o futuro. É bom que sinta que os guineenses têm futuro, quando daqui a seis meses regressarem a cas.

Sobre os vossos apelos, e embora o dia não seja o mais apropriado, já que estamos em vésperas de Natal, na azáfama dos"últimos preparativos" para a noite da Consoada, vamos dar-vos, para já,  o contacto de alguns grã-tabanqueiros que vivem aí em Bissau, com destaque para o  Cherno Baldé (para vos falar dos antes e depois da independência) e o Patrício Ribeiro, também conhecido com o "pai dos tugas" (para vos pôr em contacto com AD - Acção para o Desenvolvimento). São dois seres humanos de grande estatura, que muito nos honram com a sua presença (ativa) na Tabanca Grande. Espero que eles vos possam ajudar.

Um grande xicoração para vocês, João e Ana. Oxalá / inshallah / enxalé o ano de 2016 vos traga ainda mais alegrias com as cores, os sons e os sabores da Guiné-Bissau, mas também de Portugal e do resto do mundo.

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Notas do editor:

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15350: Ser solidário (188): Parabéns, Bambadinca!... Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB) que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo: notícia e vídeo (Belarmino Sardinha)





Sinopse: 

A inauguração do Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB), que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo, decorreu no dia 4 de Março de 2015 com a participação do Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo da Guiné-Bissau, bem como do Embaixador da União Europeia em Bissau e do Comissário da CEDEAO para Energia e Minas.

O SCEB permite aos 8 mil habitantes de Bambadinca ultrapassar os constrangimentos no acesso à electricidade, beneficiando de um abastecimento permanente de energia renovável, garantido por uma inovadora central fotovoltaica híbrida de 312 kW de potência.


Sobre a promotora do vídeo:

TESE - Associação para o Desenvolvimento: é uma ONGD criada em 2002, que foca a sua intervenção numa abordagem positiva e inovadora, encontrando nas necessidades sociais oportunidades para atuar.

Sede: Av. do Brasil 155 A | 1700-067 Lisboa
Contactos: (+351) 213 868 404 | info@tese.org.pt | http://tese.org.pt


1. Mensagem, com data de ontem, do nosso amigo e camarada Belarmino Sardinha [ (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74; trabalhou na Sociedade Portuguesa de Autores; vive hoje no Cadaval]:


Luís e Carlos,

Através de um antigo companheiro de trabalho e amigo, chegou-me a informação de uma central fotovoltaica em Bambadinca. Julgo interessante, e não tendo visto no blogue nenhuma referência à mesma, admito que poderá ter sido por desatenção minha, parece-me tratar-se de matéria com interesse e envio o endereço do vídeo [, reproduzido acima].


Posso acrescentar que a esposa deste meu amigo viveu na Guiné durante os anos de guerra, o seu pai era militar, andou na escola primária em Gabú.

Vem tudo isto a propósito porque um dos elementos da equipa que integrou o projecto é filho deste casal, não sei se não será o responsável, é engeheiro e a sua especialidade é a energia fotovoltaica, mas não tive ainda tempo nem vi interesse em aprofundar.

Tenho feito tentativas no sentido de colaborarem com o blogue, parece-me haver agora essa disposição, esperemos, pois regressaram recentemente da Guiné-Bissau, onde estiveram em gozo de férias e têm imensas fotos de vários locais.

Um abraço,
BS

2. Resposta do editor LG:

Ótimo, Belarmino, mantemos sempre uma especial relação de carinho pelos sítios da Guiné onde vivemos durante a comissão ou parte da comissão. É o caso de Bambadinca, onde alguns de nós, membros da Tabanca Grandem  estiveram e dela guardam boas recordações.

Por acaso essa central híbrida fotovoltaica, de base comunitária, já aqui foi referida no nosso blogue em março passado, no poste P14322 [, clicar aqui].

Mas saúdo a tua louvável iniciativa, vamos publicar o teu texto. Diz aos teus amigos que serão bem vindos à nossa Tabanca Grande e esperamos,  com interesse e apreço, as notícias que eles trouxeram dessa terra verde e vermelha que nos une a todos, portugueses e guineenses, de ontem e de hoje.

Um abraço fraterno do Luís

PS - No passado dia 4 de março de 2015, ouvi a notícia da inauguração, através da Antena 1 e deixei este apontamento no blogue:

(...) "Com um clique e faz-se luz por Bambadinca!", relata Sara Dourado, uma "portuguesa no mundo", em entrevista à Antena 1, a 'minha rádio'. Por ela fico a saber do trabalho da ONGD TESE e do projeto-piloto, na Guiné-Bissau, de uma central híbrida fotovoltaica em vias de ser inaugurada, e e pssar a fornecer eletricidade a 6 ou 8 mil pessoas, em Bambadinca...

Hoje, de manhã, na 2ª circular, a caminho do trabalho, ouvi deliciado esta entrevista com esta portuguesa que se deixou encontar pela gente boa de Bambadinca (de maioria mandinga e fula, com núcleos balantas)... Oito mil habitantes, quatro ou cinco vezes mais do que há 45 anos, no meu tempo!

É trabalho de seis anos, se bem percebi, trabalho de gente solidária, muito jovem e qualificada, para quem vão as nossas palmas!... Hoje gostava de estar em Bambadinca para ser testemunha da felicidade dos seus habitantes!... Mesmo não falando, a maior parte, em português (, o que é pena!), é uma delícia ouvi-los em crioulo e ler a felicidade estampada no seu rosto!... Não é preciso muito para os seres humanos serem felizes, na Guiné-Bissau... Basta que sejam donos do seu destino e possam participar na resolução de problemas e na tomada de decisão, relevantes para a melhoria das suas vidas !... Vou querer saber mais sobre o trabalho desta ONGD TESE - Sem Fronteiras" (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15068: Ser solidário (188): Conseguimos! Campanha de "crowdfunding" completada com sucesso!.. Dinheiro (c. 2 mil euros) para investir em material para a escola e o hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15026: Notas de leitura (749): "Kassumai", por David Campos, publicado pela Associação Chili com Carne, Dezembro de 2012 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Um jovem sai do Montijo e aterra em chão felupe como cooperante em colaboração com a AD de Pepito.
A sua vida revoluciona-se na descoberta de coisas simples, na ascensão de grandes vínculos afetivos. Viverá seis meses na região de S. Domingos e cantará em Kassumai a nova grande família que se forjou.
Acho que a cooperação portuguesa devia distribuir um exemplar de Kassumai a todo e qualquer cooperante que partisse para África, tão intensa é esta generosidade, tão autêntica foi esta dádiva, tão festiva é toda esta experiência realçada por um desenho ingénuo, franco e leal, como leal é a amizade que ele estabeleceu com aquele chão felupe, sabe-se lá se para todo o sempre.

Um abraço do
Mário


Kassumai (em Felupe: liberdade, paz e felicidade)

Beja Santos

Chama-se David Campos, visitou a Guiné-Bissau entre Novembro de 2006 e Maio de 2007, no âmbito de um projeto de apoio à população de S. Domingos, numa parceria entre a AD – Acção para o Desenvolvimento e a Câmara Municipal do Montijo. Durante a sua estadia apaixonou-se pelas pessoas que conheceu e escreveu um diário fragmentado de vivências e contactos humanos, possui um desenho sugestivo e terno, temos aqui um potencial grande criador de BD. David Campos nasceu em Medons la Florett (França) mas veio para Portugal aos 4 anos, cresceu no Montijo. Tirou o curso de Formação Profissional de Desenho Animado e também o de Escrita para Multimédia e Audiovisuais. "Kassumai" foi publicado na coleção Lowcccost, publicado pela Associação Chili com Carne (chilicomcarne.com), imprenso em Dezembro de 2012.

Kassumai é um hino à amizade, à solidariedade que se entretece na cooperação. As dificuldades superam-se, os sorrisos valem tudo, as famílias felupes abrem as portas, há muitas privações mas sempre se encontram ovos e latas de salsichas. Existe a rádio Kassumai que até tem o espaço para música romântica. Do chão felupe a Bissau há que atravessar rios e rias, é uma odisseia a jangada de S. Vicente, que já prestava serviço no tempo da guerra, agora chama-se Saco Vaz, em memória de um combatente do PAIGC morto na luta em 20 de Abril de 1974, a jangada faz a travessia do rio Cacheu, é uma viagem que pode demorar entre dez minutos a uma hora, tudo depende das correntes do rio. As amizades vão crescendo, a curiosidade pela etnologia e etnografia não tem limites, os cooperantes interessam-se pelas escarificações, interessam-se pelos ritmos africanos, provam vinho de caju. A missão destes cooperantes é pôr a ludoteca a funcionar. David Campos não esconde a sua alegria quando aquele espaço passou a ter as paredes pintadas, quando um escuro depósito de crianças se tornou num lugar divertido e encantado. Criou-se uma sala de informática no contexto de um centro de formação rural, os cooperantes viajam, trocam experiências, em Cacheu, atónitos, percorrem a fortaleza onde se agigantam fantasmas de pedra, nossos antepassados ilustres que eram estátuas, sobretudo em Bissau, e que o PAIGC, nos primeiros tempos da independência, removeu à pressa, atirou-as para a velha fortaleza de Cacheu, com ingenuidade de que o passado não conta. Os cooperantes estão também impressionados com o isolamento e abatimento de Cacheu.

David Campos descreve a vida da ONG, vê-se que todo o seu desenho transmite o que lhe vai no coração. Diz coisas como estas: “Dou apoio às aulas de costura e tinturaria africana, no bungalow do centro de formação rural. A turma tem a volta de 30 alunos, todas mulheres entre os 16 e 50 e tais, todas do setor S. Domingos, neste espaço também damos aulas de produção de sabão e de português”. E tece o seguinte comentário: “O trabalho duro na Guiné é esmagadoramente representado por mulheres e crianças, são elas que iluminam os quiosques, as praças, os mercados e as bermas da estrada, no fundo são elas que fazem funcionar este país”. Nunca reprime a alegria da descoberta: “Primeira vez que vi um nascer do sol na Guiné foi no caminho para Varela, numa carrinha de caixa aberta. A distância entre S. Domingos e Varela é de 50 km. Estes 50 km podem variar entre duas a quatro horas. A estrada de areia que nos leva até lá é muito acidentada. Passa-se o tempo aos saltos. Cerca de seis meses antes da nossa chegada, esta estrada foi cortada pelos separatistas do Casamansa. Puseram minas e uma candonga rebentou com 30 passageiros a bordo, 14 morreram. Era impossível fazer este trajeto sem fazer um minuto de silêncio. Varela é hoje uma das tabancas mais pobres do país, em Setembro de 2006 entrou oficialmente no tráfico de emigrantes”.

As amizades aprofundam-se, os jovens de idade do David não escondem a sua repulsa pelos dirigentes e ele escreve: “Todos culpavam Nino Vieira pela pobreza do país, chamavam-lhe ditador e tirano, falavam dos carrões, jipes, das casas e dos luxos de Nino, e no estado do país. Luzes se acendiam nos olhos destes jovens quando recordavam Amílcar Cabral e todos eles diziam que se não tivesse sido assassinado se viveria muito melhor”.

É difícil não nos rendermos às alegrias de David Campos, ao retrato que faz à criançada felupe, às amizades constituídas e às saudades que restam. Kassumai é a apologia do simples, da fidelidade nas relações humanas, um credo no desenvolvimento entre pessoas estruturalmente boas. E deixamos alguns desenhos de David Campos para que os nossos confrades avaliem a intensidade da experiência vivida por alguém que não esquece o malogrado Pepito:



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Nota do editor

Último poste da série de 17 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15013: Notas de leitura (748): “Do Colonialismo como Nosso Impensado", Organização e Prefácio de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, Gradiva Publicações, 2014 (Mário Beja Santos)