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terça-feira, 18 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)



Foto 1 – Base Aérea 12, em Bissalanca. 




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais de 260 registos no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS

ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS A AMÍLCAR CABRAL EM JANEIRO DE 1963

- O CASO DE ANTÓNIO BRITO LANÇA, DA CART 250 (1961-1963) -


► Resposta (a possível!) aos comentários ao P21250 (13.08.20) (*) sobre o «Plano de assalto ao quartel de Varela» proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral, em Janeiro de 1963, três semanas antes do início do conflito armado no CTIG.



◙ Sem prejuízo de voltar a este assunto, que acontecerá logo que tenhamos outras informações

relevantes, tomámos a iniciativa de acrescentar outros detalhes "historiográficos", já coletados anteriormente, mas que, como por nós foi referido na narrativa anterior [ponto 2.3], não se enquadravam naquele fragmento.

Com efeito, e ainda que não seja uma resposta objectiva ao pretendido pelo camarada Cmdt Pereira da Costa: "os arquivos militares (histórico e geral) devem ter algo, mesmo que pouco sobre estes homens" (…) "parece-me que a procura dos 'dois homens' será a via a seguir".


O que desde já poderei adiantar são alguns antecedentes que culminaram com a "elaboração do Plano" em título, nomeadamente alguns factos atribuídos ao António Augusto de Brito Lança, fur mil art da CART 250 (1961-1963), com início na mobilização da sua Unidade.



1. - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto. 



1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250


A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2. - ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" ELABORADO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Partindo dos vários registos que encontrámos relacionados com a pessoa do António Augusto de Brito Lança, leva-nos a concluir que, para além do seu envolvimento no «Plano Varela», existem outros a merecerem destaque.


Vejamos outros antecedentes, por ordem cronológica:


2.1 - DAKAR; 31-10-1962 = CONTACTO ESCRITO COM AMÍLCAR CABRAL


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta manuscrita por António Augusto de Brito Lança, em Dakar, em 31 de Outubro de 1962, 4.ª feira, e dirigida a Amílcar Cabral:


"Exmo. Sr. Eng. Amílcar Cabral


Devido às dificuldades de vida aqui no Senegal penso em partir para a Argélia, por intermédio de Marrocos, visto aqui não haver embaixada Argelina. Já falei com o consulado de Marrocos, mas como não possuo passaporte, ofereceram-me algumas dificuldades. Perguntaram-me se eu não conhecia lá ninguém e eu disse-lhe que a única pessoa que conhecia era V. Exª.


Perguntaram-me ainda se eu não levava intenções de ir matar alguém. Evidentemente, disse que queria ir para um país, onde possa trabalhar e viver tranquilo, devido às condições em que me encontro e se possível trabalhar com o movimento democrata português.


Então queria pedir a V. Exª se me podia auxiliar a ir para Marrocos. Antecipadamente agradeço no que V. Exª me poder auxiliar.


Muito respeitosamente. António Brito Lança.



Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37783, com a devida vénia. (1)


A morada indicada em rodapé: (137, Rue Blanchot, Dakar) era provavelmente a da «Maison Augustin Ly (Casa de Hóspedes)», situada na Ilha de Gorée [, ou Goreia, símbolo da escravatura], e que ainda hoje existe, conforme localização sinalizada no mapa abaixo (Google)




Mapa da região de Dakar (Senegal) com infografia da provável residência do António Brito Lança em Outubro de 1962 (fonte: imagem satélite da Google, com a devida vénia).


2.2 - Memória descritiva do Aeroporto de Bissalanca, em 08 de Dezembro de 1962 e respectivo croqui


As informações detalhadas do Aeroporto de Bissalanca, bem como o seu respectivo croqui, foram elaboradas por António Lança e enviadas, em 08 de Dezembro de 1962, para o Bureau de Dakar, ao cuidado de Amílcar Cabral, conforme se dá conta abaixo.


"A aeronáutica tem cerca de cem homens, mas o serviço de segurança do aeroporto é mantido pelo exército, se bem que a todos os homens da aeronáutica esteja distribuída uma pistola-metralhadora F.B.P.


A aeronáutica tem somente dois a três homens de serviço diário. Um encontra-se em frente da aerogare militar, outro pelos lados da aerogare civil ou da torre de controlo. Tem ainda um oficial de serviço. O exército envia de manhã para o aeroporto uma secção que fica na casa da guarda e montam dois postos: um no cimo da torre e outro junto à porta de entrada.


Por volta das 7 horas da tarde, chegam mais duas secções e então montam os postos designados na figura por letras maiúsculas.


As armas que utilizam nos postos são G-3 (espingarda automática e semiautomática que carrega vinte munições). Quando estão de alarme, entregam a cada sentinela uma granada ofensiva. Durante a noite o jeep faz várias rondas à pista e costumam por vezes passar nas estradas indicadas na figura, por traços vermelhos. Durante o dia está uma autometralhadora antiaérea de 4 cm com uma secção de cavalaria e à noite vem outra, ficando ambas dentro da aerogare militar.


Os traços que fiz a lápis na gravura indicam ervas ou pequenos arbustos. Sobre árvores não sei dar um esquema mais ou menos exacto, pois quando abalei andavam a cortar muitas e não sei como aquilo está presentemente. Agora os postos de sentinela devem permanecer na mesma pois são os pontos melhores que têm. Os sentinelas não têm abrigos feitos no terreno para se esconderem só por detrás das paredes e se o fizerem ficam sem qualquer possibilidade de fazerem fogo.


No paiol do aeroporto encontram-se duas secções e montam os pontos os postos indicados na gravura por letras maiúsculas. Em volta do paiol há um muto de arame farpado. Nos quatro cantos principais há uma guarita de sentinela mas estes só a utilizam quando chove.

08/12/962, António Augusto de Brito Lança.



 Citação: (1962), "Informações sobre o aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40304, com a devida vénia. (2)




Citação: (1962), "Mapa do aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40236, com a devida vénia. (3)




Foto 2 – Base Aérea 12, em Bissalanca. [Foto do álbum do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando – P15303], com a devida vénia.


2.3 - DAKAR; 03-01-1963 = CONTACTO ESCRITO DE JOSÉ ARAÚJO


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta dactilografada por José Eduardo Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, enviada a António Augusto de Brito Lança, com data de 03 de Janeiro de 1963, ou seja, no dia anterior à elaboração do «Plano de Ataque ao Quartel de Varela».


"Prezado companheiro,


Cá me chegou às mãos a sua carta de 25 último [Dez'62]. Tenho a agradecer-lhe a prontidão com que me respondeu, e que revela que o conteúdo da minha primeira carta lhe mereceu a atenção que eu esperava.


Sobre o que me pede, envio-lhe aqui junto uma lista contendo os dados sobre os nossos amigos portugueses.


Devo dizer-lhe que na Embaixada do Brasil se mostraram um tanto pessimistas quanto à possibilidade da ida daqueles seus compatriotas para o Brasil. Não falei com o Embaixador mas sim com uma pessoa próxima dele. Parece que a dificuldade resulta de aqueles companheiros não terem passaporte. Julgo, porém, que uma ordem vinda de ai eliminará todos os obstáculos. A si agora de agir.


Espero, no entanto, uma resposta sua com as sugestões que tenha a fazer.

Saúdo-o cordialmente o amigo."

 



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35963, com a devida vénia. (4)


3 - MEMÓRIAS CRUZADAS DA AUTORIA DE ZAIN LOPES [RAFAEL BARBOSA] EM 1961


Transcreve-se do texto original manuscrito por Zain Lopes [Rafael Barbosa] os diferentes pedidos/acções a desenvolver pelo Partido, incluindo o ataque ao Aeroporto de Bissalanca.


▬ Ponto 1 = Insistimos



"Continuamos a insistir sobre o pedido que, até agora, não foi atendido, o que ignoramos o motivo disso. Materiais de grande necessidade, sem os quais é imprescindível [para] continuarmos na luta; botes de borracha ou qualquer outro material necessário ao transporte dos [nos] rios. Salva-vidas de tipo colete, visto haver pessoas que não sabem nadar; granadas de mão muito mais vantajosas, em certos casos, do que pistolas e metralhadoras, equipamento completo para um soldado, viveres e medicamentos."

 

▬ Ponto 2 = Ataque




"Há necessidade de atacar o aeroporto [Bissalanca] com granadas de mão em pleno dia e destruição dos depósitos de gasolina à noite. Após o ataque convém avançar logo para a capital [Bissau]. É necessário armas antiaéreas para as diversas localidades do país."

 

▬ Ponto 3 = Fronteira do Senegal




"Avisamos e continuamos a avisar em manter muito cuidado com aquela fronteira, pois há toda a conveniência de fechar toda a fronteira com o Senegal, e há ainda pessoas a quem devem ser entregues armas até depois da luta."

 

▬ Ponto 4 = Fotografias




"Fotografia n.º 1 – Braima Sori Djalló, de 29 anos de idade [n-1932], natural de Guileje, área de Bedanda, guarda da P.S.P., tendo ingressado no Partido em 17-11-1960.


Fotografia n.º 2 – Albino Sampa, guarda do arquivo, da tribo mancanha, de 28 anos de idade [n-1933], natural de Bula, ingressou no Partido a 22-08-1960."

 

Citação: (s.d.), "Mensagem de Zain Lopes sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41719, com a devida vénia. (5)


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04604.039.093. Assunto: Solicita ajuda para entrar em Marrocos a fim de seguir para a Argélia com o objectivo de trabalhar com o movimento democrata português. Remetente: António Brito Lança, Dakar. Destinatário: Amílcar Cabral. Data: Quarta, 31 de Outubro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna PAIGC, MPLA, FRELIMO, UGEAN, CONCP). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.024. Título: Informações sobre o aeroporto de Bissalanca. Assunto: Documento assinado por António Augusto de Brito Lança com informações sobre o serviço de manutenção da segurança do aeroporto de Bissalanca. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.023. Título: Mapa do aeroporto de Bissalanca. Assunto: Mapa desenhado do aeroporto de Bissalanca contendo informações sobre as forças militares portuguesas de serviço na base. Desenhado por António Augusto Brito Lança. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04622.146.014. Assunto: Envio de lista contendo dados sobre amigos [desertores?] portugueses. Remetente: José Eduardo Araújo. Destinatário: Não identificado. Data: Quinta, 3 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07063.036.044. Título: Mensagem de Zain Lopes [Rafael Barbosa] sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal. Assunto: Mensagem assinada por Zain Lopes [dirigida a Amílcar Cabral] solicitando o envio de botes de borracha, coletes salva-vidas, granadas e pistolas-metralhadoras, e mencionando o ataque ao aeroporto de Bissau e o cuidado a ter com a fronteira do Senegal. Data: s.d. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas de Bissau 1960-1961. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 434.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15AGO2020


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15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21254: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): António Augusto de Brito Lança, natural de Castro Verde, fur mil art, da CART 250, e António de Jesus Marques, natural da Covilhã, sold aux enf, CART 240, que desertaram em 1962, e que são os presumíveis autores do "plano de assalto ao quartel de Varela"

sábado, 15 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21254: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): António Augusto de Brito Lança, natural de Castro Verde, fur mil art, da CART 250, e António de Jesus Marques, natural da Covilhã, sold aux enf, CART 240, que desertaram em 1962, e que são os presumíveis autores do "plano de assalto ao quartel de Varela"









Cartam, dactilografa. em francês, do José Araujo (1933-1992), do Bureau de Dacar, do PAIGC; enviada ao Secretário Geral com  dados sobre três desertores do Exército Português (, António Augusto de Brito Lança, António de Jesus Marques e Augusto Cabrita Paixão),  refugiados em Dacar, e a solicita meios para suportar a viagem até Argel. Tem a data de 17 e fevereiro de 1963.

Citação:
(1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36111 (2020-8-15)

 



Documento, dactilografado,  assinado por António Augusto de Brito Lança com informações sobre o  dispositivo de segurança do aeroporto de Bissalanca. Data: Sábado, 8 de Dezembro de 1962.


Citação:
(1962), "Informações sobre o aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40304 (2020-8-15



"Croquis" do aeroporto de Bissalanca,  em finais de 1962, da autoria de António Augusto de Brito Lança

Citação:
(1962), "Mapa do aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40236 (2020-8-15


 (Com a devia vénia ao portal Casa Comum / Fundação Mário Soares / Arquivo Amílcar Canral)




1. Desertores sempre os houve, em todas as guerras, em todas as épocas... A "nossa" guerra do ultramar / guerra colonial também teve os seus, de um lado e do outro. 

Na Guiné, o PAIGC teve que lidar com este problema, cuja dimensão ninguém é capaz de quantificar. Já aqui temos referido esse problema das deserções do lado da guerrilha (*), se bem que se reconheça que, no interior da Guiné, como no caso do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole (Setor L1), "não havia condições para desertar", sendo "a hierarquia e os outros elementos guerrilheiros (...) muito violentos na repressão" (...). Mais: "o medo também pesava e, admito eu, sequelas das repressões antigas evitavam que tal sucedesse". Em resumo, "os campos estavam extremados e, 'se não és por mim, és contra mim' " (António J. Pereira da Costa)(*).

No seio das NT, também não era fácil desertar, noTO da Guiné, a menos que se estivesse na fronteira (com o Senegal, a norte, não com a Guiné-Conacri cuja governo apoiava abertmente o PAIGC e, portanto, era mais hostil para com as forças armadas portuguesas). É o caso, por exemplo, de 2 militares que terão desertado em 1962, e a quem é atribuída a autoria do "plano de assalto ao Quartel de Varela", elaborado em Dacar, em 4 de janeiro de 1963, 6.ª feira, e dirigido a Amílcar Cabral (1924-1973) por intermédio de José Araújo (1933-1992), responsável do Bureau de Dacar, do PIGC,  os quais que  pertenciam às CART 240 e CART 250, respectivamente, António de Jesus Marques (1.º cabo enfermeiro) e António Augusto de Brito Lança (furriel mil de artilharia) (**)

Apesar da crescente impopularidade da guerra na Guiné, não há muitas deserções de militares portugueses dentro do território. Pode ter havido mais, antes do embarque e por ocasião do gozo de licença de férias. Mas falta-nos números. Já aqui contámos alguns casos. Mas esta questão continua a ser fracturante num blogue como o nosso que é de combatentes (ou ex-combatentes), originando às vezes acessas discussões (***).

2. Como a guerra acabou há muito, e houve uma amnistia, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, relarivamente aos crimes (militars)  inputados aos desetores e refractários,  podemos hoje satisfazer a nossa legítma curiosidade sobre estes nossos antigos camaradas que decidiram, num dado momento da sua vida militar, "dar o salto" para o outro lado da barricada...

Na maior parte dos casos não sabemos (nem nunca saberemos) as razões do seu ato de deserção. E sobre isso podemios tão apenas  especular: das razões "mais nobtes" (como a objeção de consciência à sinpatia política pela causa nacuionalista) às razões "mais mesquinhas" (, como, por exemplo,  as de ordem disciplinar...), cada caso será um caso.

Sabemos a identidade destes  dois desertores portugueses de Varela... O Brito Lança era de Castro Verde, estudante, no liceu de Beja quando foi chamado para a tropa. Tinha a  frequência do 7º ano do liceu... E sabemos, pro consulta a outras fontes na Net, que já morreur.  O Jesus Marques, pot sua vez, era natural da Covilhã, operarário metalúrgico, com a 4ª classe. Não sabemos exatamente quando nem como desertaram. Desertaram individualmente ? Encontraram-se em Dacar ? Entregaram-se às autoridades senegalesas ? Ou foram incertados por forças do PAIGC, ainda antes do início "oficial" da guerra ? Sabemos apenas que ficaram "à guarda" do cabo.verdiano José Araújo (1933-1992), do Bureau de Dacar, do PAIGC.

O "plano de assalto ao quartel de Varela"  era tão infantil que o Amílcar Cabral, que era um homem inteligente, se limitou a mandar arquivá-lo... Pela letra do "croquis" (**), este  só podia ser do António Augusto Brito Lança. Como tambeém era dele o iomforme detalhado sobre o aeroporto de Bissalanca e o seu dispositivo de segurança.

 Há, no máximo, meia dúzia de referências a estes dois nosssos concidadãos, no Arquivo Amílcar Cabral / Casa Cimun... Tenho a ideia que, para o PAIGC; eram mais um estorvo do que outra coisa: tinha que os hospedar e assegurar a viagem até ao exílio... 

Sendo militares de baixa patente, pouco ou nenuma utilidade tinham para o Amílcar Cabral. . No Arquivo Amílcar Cabral, há uma carta do Jorge Araújo com diligências para os colocar, a estes dois e mais um terceiro, no Brasil...

O Brito Lança e o Jesus Marques devem ter querido pagar a "estadia no hotel" com o fornecimento à gierrilha de algumas "informações militares. Na guerra da Indochina, no tempo dos franceses, também se chegou a usar este truque de envenenar o café (por parte de agentes do Viet-MInh, infiltrados nas tropas francesas)... O Brito Lança deve.se ter inspirado numa história dessas...

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(*) Vd. postes de:

16 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18746: (D)o outro lado do combate (32): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (1) (Jorge Araújo)

17 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18749: (D)o outro lado do combate (33): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (2) (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 13 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21250: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Plano (macabro) de assalto ao quartel de Varela, proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral - Janeiro de 1963 (Jorge Araújo)

(***) Últimos postes da série >

4 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16680: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): que país terá acolhido o sold básico a aux cozinheiro Manuel Agusto Gomes Miranda ? Talvez a Holanda, em maio de 1970, com o apoio do Comité Angola de Amsterdão (Tino Neves, ex- 1º cabo escriturário, CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)

2 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16672: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (16): o caso do soldado básico auxiliar de cozinheiro Miranda (Tino Neves, ex- 1º cabo escriturário da CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)


24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)

17 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1606: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (13): Jorge Cabral

17 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1604: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (12): J. L. Mendes Gomes

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado

Os primeiros posts da série:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21250: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Plano (macabro) de assalto ao quartel de Varela, proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral - Janeiro de 1963 (Jorge Araújo)


Foto 1> Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, em Maio de 1968.  O quartel situava-se à direita.[Poste P18183 > Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil, CCS/BVAÇ 1933 (1967/69)], com a devida vénia. 

 


Foto 2  > Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, Acesso à praia de Varela, em Maio de 1968 [P18183 > Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil, CCS/BVAÇ 1933 (1967/69)], com a devida vénia.

 

Foto 3 > Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela > Junho de 2011 > Vestígios do quartel de Varela (imagem retirada do Youtube [https://www.youtube.com/watch?v=ODFTcpeGwHQ] com o título: "Varela, Dégradation d'un site paradisiaque - Juin 2011 (Après la fête du 1º mai)" ["Varela, Degradação de um local paradisíaco - Junho de 2011 (após a festa do 1º de maio"), tradução do francês], com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais  de 260 registos no nosso blogue.
 


MEMÓRIAS CRUZADAS

DA REGIÃO DO CACHEU ANTES DO INÍCIO DA GUERRA

O (CRUEL) PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA, PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS

A AMÍLCAR CABRAL, EM JANEIRO DE 1963,

E QUE FELIZMENTE NÃO PASSOU DE UMA INTENÇÃO

 

 

1.   - INTRODUÇÃO


Sabemos todos que não existem sociedades sem história, o mesmo acontecendo com todas as «Guerras», onde a ciência militar produz as suas… "Histórias". Porém, convém referir que nos casos da nossa (continuada) investigação historiográfica, nem sempre é possível misturar "relato" e "explicação", mas tão só investir no aprofundamento do primeiro conceito, como condição de saber histórico do passado, tornando-o, assim, objecto da história através da sua reconstrução, na agregação «História e Memória».


Quanto ao "puzzle da memória da guerra colonial da Guiné", acredito que a sua História global continuará a escrever-se no plural, pela importância do papel que a memória colectiva desempenha. NÓS ("EU" e "TU"), todos observadores e actores nos diferentes "palcos da missão", constituímo-nos como um valioso espólio da história de década e meia, no mínimo, unindo e reforçando as fontes de informação privilegiada, num processo dinâmico "entre contrários", porque, como diz o povo, "na guerra não se combate sozinho".   


Por outro lado, o que não sei (nem ninguém poderá saber!) é "SE" os propósitos da "História" que está na origem desta narrativa, que hoje partilho no Fórum, tivessem sido concretizados com sucesso, "SE" o início da guerra colonial no CTIG, simbolicamente aceite com o ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, 4.ª feira, onde efectivos do Batalhão de Caçadores 237 [BCAÇ 237] – [25Jul61-19Out63, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito] – se encontravam estacionados, teria sido o/a mesmo/a? Provavelmente não teria sido!


O que também sei (sabemos) é que na ciência historiográfica ou histórica o "SE" não existe.

No presente caso, o que faz parte da História são os registos documentais encontrados, uma vez mais nos arquivos de Amílcar Cabral existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, onde estão plasmadas crenças, atitudes, comportamentos, valores, mudanças e modos de vida…, como se prova no documento abaixo reproduzido.


Sabemos que antes do ataque ao Aquartelamento de Tite [23Jan63] haviam já ocorrido diversas actividades subversivas, as primeiras dois anos antes, por iniciativa de grupos armados sediados no Senegal, de que são exemplos as acções em S. Domingos, Susana e Varela.

 


Foto 4 > Guiné > Região de Cacheu > Varela >  Um dos edifícios existentes em Varela, propriedade do Banco Nacional Ultramarino, complexo vandalizado em 1961, por grupos de indivíduos oriundos do Senegal, e onde ficaram alojadas as primeiras forças militares portuguesas (um Gr Comb da CART 240). Foto do acervo documental do BNU (P18534), com a devida vénia.

 

Sobre estas actividades subversivas de Julho de 1961, sugiro a leitura do P18534 «Historiografia da presença portuguesa em África: imagens e relatórios dos actos de vandalismo praticados pelo MLG, na Praia de Varela, encontrados no acervo documental do Banco Nacional Ultramarino», trabalho elaborado pelo camarada Mário Beja Santos.


Na mesma perspectiva histórica segue o artigo de José Matos - O início da Guerra na Guiné (1961-1964) - publicado na «Revista Militar» n.º 2566, de Novembro de 2015.

 

 

Capa da Revista Militar – 2566 – Novembro de 2015

 


Mapa da região norte da Guiné (fronteira com o Senegal), assinalando-se as linhas de infiltração da guerrilha nos anos de 1961/1963 (fonte: op. cit), com a devida vénia.

 

Como fonte oficial, que naquele período era considerada confidencial, recupera-se parte do documento publicado no P15962 - "O que dizem os Perintreps: Violações da fronteira e assaltos no chão felupe, em Julho de 1961: S. Domingos (a 18, 21 e 24), Ingoré (a 21), Susana (a 24) e Varela (a 25)", da autoria de Nuno Rubim (Cmdt da CCAÇ 726 (Out64-Jul66) e CCAÇ 1424 (Jan66-Dez66) e, em segunda comissão, no Quartel-General (QG).






2.   - PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA, ELABORADO EM DAKAR POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Os autores do "plano de assalto ao Quartel de Varela", elaborado em Dakar, em 04 de Janeiro de 1963, 6.ª feira, e dirigido a Amílcar Cabral (1924-1973) por intermédio de José Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, que felizmente não se concretizou, pertenciam às CART 240 e CART 250, respectivamente, António de Jesus Marques (1.º cabo enfermeiro) e António Augusto de Brito Lança (furriel mil de artilharia).


Uma vez que nos Arquivos do Exército nada consta, no que à "História" das duas Unidades diz respeito, pois essa prática não abrangeu o período inicial das "Campanhas", procedemos à elaboração de uma resenha histórica "a nível operacional" durante a sua presença no CTIG.


2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 240


Mobilizada pelo Grupo de Artilharia Contra Aeronaves 2 (GACA 2), de Torres Novas, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, provavelmente por via aérea, em 30 de Julho de 1961, domingo, sob o comando do Capitão Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva, tendo chegado a Bissau na mesma data.   


2.1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 240


A CART 240 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (30Jul61-19Out63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [21Jul61-19Out63, do TCor Inf José Alves Moreira], a fim de colaborar na segurança e defesa das instalações e das populações da área. 


Em princípios de Fev72, destacou um Gr Comb para guarnecer a povoação de Varela, em substituição da CCAÇ 74 [18Mar61-12Fev63, do Cap Inf Alcides José Sacramento Marques], o qual ficou integrado no dispositivo do BCAÇ 239 [06Jul61-24Jul63, do Maj Inf António Maria Filipe (1.º) e TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas (2.º)]. Ao fim de um ano de permanência em Varela (finais de Fev63), este Gr Comb foi transferido para Susana, recolhendo a Bissau no mês seguinte.


A CART 240 destacou ainda Grs Comb para Quinhamel, de princípios de Ago62 a meados de Set62 e novamente a partir de Abr63, e para Nhacra, a partir de meados de Jul63. De 01 a 27Jun63, foi atribuída em reforço do BCAÇ 356 [23Jan62-17Jan64; do TCor Inf João Maria da Silva Delgado], com vista à realização da «Operação Seta», na região do Quinara-Fulacunda, nas áreas de Iusse, Bissássema, Nova Sintra e Jabadá.


Em 18Out63, foi rendida pela CART 564 [14Out63-27Out65; do Cap Mil Art Rodrigo Claro de Albuquerque Menezes de Vasconcelos (1.º) e Cap Art António Manuel Fevereiro Chambel (2.º)], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 433).


2.2 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto.

  

2.2.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250



A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2.3 - O PLANO DE ATAQUE AO QUARTEL DE VARELA – JAN1963


A ideia perversa e macabra que levou à elaboração do projecto (plano) de "ataque ao quartel de Varela" é atribuída a dois desertores do Exército Português, conforme referido anteriormente: o António de Jesus Marques, da CART 240, e o António de Brito Lança, da CART 250.

Essa prova pode ser conferida no documento que abaixo se reproduz.


Chegados ao CTIG no início do 2.º semestre de 1961, um Gr Comb da CART 240, onde estaria incluído o António de Jesus Marques [?], seguiu para Varela, com o objectivo de guarnecer essa povoação situada na região do Cacheu (Norte), enquanto o António de Brito Lança, da CART 250, permaneceu em Bissau, provavelmente em instalações situadas nos arredores do Aeroporto, em Bissalanca.


Em função de outras informações de que dispomos, mas que não se enquadram na presente narrativa, é de acreditar que destes dois militares, o primeiro a desertar para o Senegal tenha sido o António Lança, durante o Outono de 1962, e o António Marques, algumas semanas depois, mas ainda no decurso do mesmo ano. Portanto, antes do início do conflito armado.


Considerando que o António Marques estivera destacado em Varela, é de admitir (!?) que tenha sido ele o autor do croqui do "quartel a atacar" (o seu, em Varela). 


   

Esboço da planta do quartel de Varela em 1962/1963, atribuível ao desertor António de Jesus Marques, da CART 240

 


 

Fotos 5 e 6 (Varela, Junho de 2011) – Vestígios do quartel de Varela (imagem retirada do Youtube [https://www.youtube.com/watch?v=ODFTcpeGwHQ] com o título: "Varela, Dégradation d'un site paradisiaque - Juin 2011 (Après la fête du 1º mai)" [Varela, Degradação de um local paradisíaco - Junho de 2011 (após a festa do 1.º de maio), tradução do francês], com a devida vénia.

 


Quanto à descrição apresentada na proposta, não nos é possível identificar o seu autor (moral), na medida em que a carta foi dactilografada (em máquina portátil), acto realizado em Dakar, com data de 4/1/963, 6.ª feira, mas assinada por ambos.


 

Citação: (1963), "Plano de assalto ao quartel de Varela", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível http: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40296 (com a devida vénia)

Aqui vai um excerto do plano (!) dos desertores que conheciam os hábitos dos seus camaradas da guarnição de Varela: 

(...) "Como eles costumam fazer o café de véspera e guardá-lo dentro de um armário na cozinha, nós íamos lá uma noite e envenenávamos o café e a água que se encontram onde a figura indica.

"Depois de o fazermos. deixávamos um sentinela onde ele pudesse ver as sentinelas do quartel. Logo que o nosso sentinela visse cair o sentinela da porta principal, procurava prestar-lhe socorro e ir comunicar lá dentro para ver o ambiente. Logo que ele visse que poderíamos entrar, dar-nos-ia um sinal. Traríamos um soldado connosco e enterravamo-lo para eles virem a pensar que o que faltava teria sido o autor do sucedido. 

"O material la existente é:  cerca de trinta armas automáticas de marca  G-3; oito  pistolas metralhadoras de marca UZI: três  bazucas ou lança granadas-foguete;  três metralhadoras de marca Drise. Têm ainda munições suficientes para fazerem fogo durante vinte e quatro horas seguidas" (...) .


► Em suma:

1.    - Não estando explícitos, na carta/plano, os objectivos do "ataque ao Quartel de Varela", creio que da sua leitura se pode inferir que o alvo principal seria o "roubo de armas": 30 G-3; 8 pistolas UZI: 3 bazucas; 3 metralhadoras Drise e uma determinada quantidade de munições que "dariam para vinte e quatro horas de fogo".

 

2.    - Na prática, para que os autores deste plano pudessem ser bem-sucedidos, alguns dos seus antigos camaradas com quem fizeram a viagem até à Guiné, em Agosto de 1961, e com quem viveram e conviveram durante alguns meses, seriam envenenados... e um deles seria enterrado.

 

3.    - Felizmente que tal não aconteceu.

 

4.    - Caso contrário teria sido uma "cena" Brutal… Cruel… e… e… e…

► Fontes consultadas:

Ø  Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07061.032.004 Título: Plano de assalto ao quartel de Varela. Assunto: Plano de assalto ao quartel de Varela apresentado a Amílcar Cabral por dois elementos do Bureau de Dakar, António Brito Lança e António de Jesus Marques. Contém ainda uma apresentação destinada a acompanhar uma brochura com a declaração de Amílcar Cabral perante a IV Comissão da ONU. Data: Sexta, 4 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 433-434.

 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço

Jorge Araújo.

23JUL2020