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terça-feira, 6 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18384: (In)citações (117): Devaneios com sustentação na História (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Península Ibérica
Com a devida vénia a Infoescola


1. Em mensagem datada de 5 de Março de 2018, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


Devaneios com sustentação na História

Amílcar Cabral teria sido um líder bem-aventurado, se tivesse começado por pugnar, junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, a agregação da Galiza a Portugal, em troca da independência da Guiné!...

Pela facilidade com que pôs todas essas instituições do seu lado, fez da guerra o seu caminho.
A principal razão avocada: Portugal era ocupante ilegal da Guiné, havia mais de 500 anos!
Nem de facto nem de direito, senhor PAIGC (antigo), meu e nosso IN, antes de 1974.

A Guiné, abrangendo os futuros Senegal, Casamansa, Guiné-Conacri, Gâmbia e Serra Leoa, tornaram-se portugueses de direito, entre 1445-1974, pela Bula Manifestis Pontifex, de 8 de Janeiro de 1445, do Papa Nicolau V.
A Santa Sé foi detentora e geriu os poderes de Direito Internacional, até à Sociedade das Nações e à actual ONU, terminados com a fundação desta, após a II Guerra Mundial.

Continuemos a evocar a História.

Andava o nosso rei Afonso V, o Africano, a marchar por Castela com o Exército Português, encorajado a dar batalha aos “reis católicos” Isabel e Fernando, na sua ânsia pela dilatação do Portugal europeu, mas teve de pedir reforços ao filho, Príncipe João (futuro rei D. João II), para se poder apurar o vencedor da Batalha do Toro. O príncipe foi resolver habilmente a batalha a seu favor, os beligerantes chegaram a “capítulos” e o Rei Fernando permutou a Galiza com a desistência de Afonso V do seu expansionismo.

A Rainha Isabel não concordou, desautorizou o marido, mandou defender a Galiza e mandou os seus melhores capitães fazer guerra de corso aos interesses portugueses nos mares da Guiné, objectivada ao seu enfraquecimento.
Em reacção, D. Afonso V reiterou o pedido de reforços ao príncipe que, em vez de mandar tropas, mandou uma lição política e estratégica ao pai: “Desista da Galiza; o futuro de Portugal está traçado no mar”.

O Príncipe D. João desempenhava a regência e assumia a gestão dos assuntos da Guiné, desde os 19 anos. O PAIGC teve o Nino Vieira, o Arafan Mané, o Pansau Na Isna, etc. mas não teve o exclusivo dos iniciados aos 19 anos…

E, para pôr termo a essa guerra de corso e ficar com a Guiné, Portugal teve de deixar a Galiza e de reiterar a desistência da sua expansão à Espanha.

A independência da Guiné seria ética, justa, se Portugal recebesse a Galiza em troca. Mas o prejuízo sobrou só para Portugal.

Assim, se houvesse moral nas relações internacionais ou se ela não estivesse sujeita a tantas contingências e avarias, Amílcar Cabral sentir-se-ia obrigado a aplicar o seu talento diplomático e o seu poder de sedução junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, nesse sentido.

Se Cabral tivesse de recorrer à guerra, seria um justum bellum, segundo o Luís Graça, o seu teatro seria a Galiza e não a Guiné. Teria os mais de 300 km da linha de fronteira no Minho e Trás-os-Montes, para dar largas à sua eficiência em corredores e infiltrações, e teria contado com os comandos, fusos, páras e pilav's tugas, sobre a terra e sobre o mar galegos, que não teve do seu lado, sobre a terra e sobre os rios da Guiné; poderia ter mantido o casamento com uma portuguesa e uma casa em Chaves. A Guiné seria uma Suíça africana, com lei e ordem e, ao invés dos guineenses, os galegos, os portugueses e os guineenses retribuíam-lhe o feito, com gratidão e estima e os próprios independentistas da Catalunha lhe reconheceriam o seu meio caminho andado.

A imitação por aqueles da Declaração independentista do PAIGC no Boé correu bem, mas com consequências – dos seus promotores, o principal fugiu e alguns foram hospedados na cadeia.

Moral da história: os veteranos da sua guerra, de ambos os campos, andam com a imagem churcilliana de uma Guiné de sangue, suor e lágrimas, colada às suas almas; e por que não a ver por outros prismas?…
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18295: (In)citações (116): A 'mindjer grandi' Anabela Pires, de visita a Iemberém, até 2ª feira... Vai ser confrontada com uma série de memórias dolorosas: as perdas sucessivas dos nossos amigos comuns Cadi, Pepito, Alicinha... Esperemos que tenha notícias do nosso grã-tabanqueiro António Baldé, que voltou de mãos vazias, de Alfragide para Caboxanque, com o sonho desfeito de ser apicultor e dar um futuro melhor à Cadi e à Alicinha

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18330: Agenda cultural (628): Apresentação do livro "Guiné-Bolama, História e Memórias", da autoria de Fernando Tabanez Ribeiro, dia 26 de Fevereiro de 2018, pelas 15 horas, no Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11 em Lisboa (António Estácio)



Sobre o autor:

FERNANDO TABANEZ RIBEIRO 
Nasceu em Coimbra a 11 de Junho de 1946. 
Viajou para a Guiné Portuguesa ainda na primeira infância, onde fez a escola primária e o antigo primeiro ciclo dos Liceus na modalidade de ensino particular, em Teixeira Pinto (Canchungo) e Bolama. 
Voltou à Metrópole para concluir o ensino secundário em Coimbra e seguidamente, o curso de Engenharia Química (1971) do Instituto Superior Técnico em Lisboa. 
Cumpriu o serviço militar na Armada entre 1971 e 1973, tendo sido mobilizado para a Guiné como oficial imediato de uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG), navio patrulha das águas territoriais e dos principais rios da Província, durante a guerra colonial. 
O conhecimento da sociedade na Guiné e particularmente em Bolama, nestes dois períodos marcantes da sua vida, em criança e na fase adulta, analisado à luz da nossa histórica presença naquele território, está na origem deste livro. 
Regressado à Metrópole em 1973, desempenhou a sua actividade profissional na área da indústria alimentar como engenheiro, consultor e gestor, em Portugal e na R. P. Angola, encontrando-se hoje aposentado.

(Com a devida vénia a Âncora Editora
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18302: Agenda cultural (627): Foi inaugurado hoje, às 14h30, o Dino Parque da Lourinhã: mais de 400 milhões de anos de vida na terra, no maior museu ao ar livre do país... Mais de 120 réplicas de dinossauro em tamanho natural... Um projeto de ciência, educação e entretenimento, na Lourinhã, a "capital dos dinossauros"

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18265: Agenda cultural (625): Workshop "Viagens pela História do Fado" com Rui Vieira Nery, no Museu do Fado, todos sábados, das 17h30-19h00, de 10 de fevereiro a 3 de março de 2018



1. VIAGENS PELA HISTÓRIA DO FADO > SINOPSE:

Da Lisboa oitocentista à atualidade, dos bairros castiços às grandes salas de concerto em todo o mundo, conheça melhor as histórias da canção de Lisboa!

Desenvolvido no século XIX, o Fado resulta de um processo de fusão multicultural que envolve as mais variadas influências, das danças afro-brasileiras às tradições vindas de zonas rurais, passando pelos padrões cosmopolitas da época. 

No século XX, a sua disseminação pela Europa e Américas, inicialmente por via da emigração, depois através dos circuitos de world music, contribuiu para a troca de sinergias com outros géneros musicais e reforçou o Fado, no campo internacional, como símbolo da identidade portuguesa.

Neste workshop, faça uma viagem pela História do Fado, conduzida pelo musicólogo e historiador Rui Vieira Nery.


2.  LOCAL E DATAS:

Local: Museu do Fado
Largo do Chafariz de Dentro, nº 1
1100-139 Lisboa

Data de início: 2018-02-10  | Data de fim: 2018-03-03

Sábados, 17h30 - 19h

Preço: 5 € por sessão

Inscrições: telef +351 218 823 470 | email: info@museudofado.pt

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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16624: Notas de leitura (893): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (3) (Mário Beja Santos)

Bissau - Monumento ao Infante D. Henrique


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Os programas comemorativos da gesta dos Descobrimentos foram perfeitamente lineares entre 1880 e 1960, de monárquicos, passando por republicanos, até aos aficionados do Estado Novo, tudo fizeram para exaltar a epopeia encetada pelo Infante D. Henrique, e que imprimiu um cunho indelével à História de Portugal. O fim do Império não significou o fim do estudo dos Descobrimentos portugueses, pelo contrário, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses procurou responder, até que foi extinta, aos ditames do rigor da investigação científica, distinguindo a comemoração da propaganda. Conhecer as sucessivas fases destas comemorações é penetrar no quadro mental e nos conceitos ideológicos dos nacionalistas e de quem lhes sucedeu.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (3)

Beja Santos

Graças ao importante trabalho de investigação intitulado “Ritualizações da História”, de Fernando Catroga, incluído no II volume da “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, Temas e Debates, 1998, é possível encontrar uma sequência das grandes manifestações nacionalistas-imperialistas entre o jubileu de Camões (1880) e as comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique (1960), podendo, por conseguinte, descodificar as razões políticas para as exaltações da “questão imperial”.

Estamos agora nesse grande acontecimento que foi a Exposição do Mundo Português de 1940. António Ferro não iludiu o móbil do que estava a propor para as comemorações: Fundação, Restauração e Descobrimentos. Ou seja, a Fundação e a Refundação da Nação deviam ser simbolizadas como momentos matriciais da construção do Império daí o deslumbramento do Cortejo Imperial do Mundo Português. O Portugal de hoje, síntese do Portugal imperial desfilava com trajes típicos de todas as províncias, ilhas e colónias. E quanto ao Portugal de amanhã lá tínhamos o Carro Alegórico da Mocidade Portuguesa. Catroga é minucioso na descrição de todas as etapas deste programa onde era peça importante a “Exposição Histórica do Mundo Português”.

O V Centenário da descoberta da Guiné é a primeira comemoração depois da II Guerra Mundial, no ar do tempo já espreita a descolonização, ela é desejada e incentivada pelas duas superpotências. A Guiné dispõe de um governador ativíssimo, diligente, reformador como muito poucos. Em Lisboa, é a Sociedade de Geografia quem vai promover as promoções centradas em Nuno Tristão. Em Bissau, as cerimónias terão lugar entre Janeiro de 1946 e Janeiro de 1947, houve conferências, o Centro de Estudos e o Boletim Cultural aparecem sob a batuta de Teixeira da Mota, realiza-se uma exposição histórica na ampla praça em frente do Palácio do Governador. E discursa-se coisas como esta: “O Império, a eternidade de Portugal, nasceu em Sagres. Portugal, sem Império, seria hoje uma anquilose, uma petrificação histórica”.

Para a ciência histórica, são tempos de refrescamento. Um jovem cientista, opositor do regime, Vitorino Magalhães Godinho, alertava: “Os aniversários e centenários só podem ser úteis se constituírem ensejo para estudar problemas, meditar diretrizes, criticar certezas dogmáticas; caso contrário, mumificam-se os vivos sem ressuscitar os mortos”. Godinho traz novas hipóteses interpretativas, envolveu-se em polémica suave com Teixeira da Mota que lhe lançara uma farpa de que era antipatriótico criticar os Descobrimentos, ou de diminuir a ação do Infante ou de pôr em dúvida a existência da Escola de Sagres. A verdade é que Teixeira da Mota nunca mais voltou a escrever em tom apologético.

E estamos chegados às festas henriquinas de 1960, já há movimentos anticoloniais a trabalhar nas colónias portuguesas. É nesta atmosfera de ofensiva anticolonialista que o governo retoma a consigna de uma só Nação, de Minho a Timor. Revogara-se o Ato Colonial de 1930 e as Colónias passaram a designar-se por Províncias Ultramarinas. O que se traçou para as comemorações henriquinas é anunciado publicamente: “Exaltar, através da evocação da figura e obra do Infante D. Henrique, a grande gesta dos Descobrimentos e ação civilizadora dos portugueses. Estas comemorações não estão voltadas exclusivamente para o passado, mas serão a demonstração do valor e das possibilidades das gerações de hoje e como que um ato de fé nos destinos da Pátria – bem necessário nesta hora incerta da vida no mundo”. À semelhança do Duplo Centenário, voltávamos ao conceito de Portugal como baluarte cristão, a sustar o comunismo. A nova lógica era a seguinte: já não estávamos em 1940, a exaltação imperial teria que ser proclamada num contexto em que ainda pudesse gozar de alguma credibilidade, por isso se imprimiu ao discurso oficial português o tom de resistência e os valores da civilização Ocidental. E a proclamação das festas henriquinas, subliminarmente, usava o tom triunfal do passado: “Nesta hora em que o mundo, cada vez mais dividido e disperso, sofre de tão grandes doenças mortais e em que tudo parece ter entrado em dissolução: os espíritos e os corações, a autoridade e a estabilidades dos governos, o sentido de solidariedade e da unidade dos povos, sabemos nós, Portugueses, manter essa crença, essa virtude que iluminou com os seus fogos a nossa grandeza no passado e que nos dias de hoje marca o nosso inconfundível êxito aos olhos do mundo”. Um dos pontos mais altos das comemorações passou pela construção do Padrão dos Descobrimentos, da autoria de Cottinelli Telmo e de Leopoldo Almeida.

E agora? Agora comemoramos a descoberta do “outro”. Extinto o Império, comemoram-se os Descobrimentos portugueses, foi esta a tarefa que recaiu sobre a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, o objetivo era impulsionar a investigação científica, e Vitorino Magalhães Godinho veio novamente à estacada, defendendo a necessidade de se dar prioridade ao estudo erudito e crítico das fontes e à elaboração de trabalhos que refletissem uma posição interdisciplinar. Havia que renovar a historiografia dos Descobrimentos, dominada por estudos marcantes de Orlando Ribeiro, Teixeira da Mota, Luís de Albuquerque e do próprio Godinho. Estes propósitos irão ser plasmados num elevado número de publicações e em comemorações como as do 450.º aniversário da chegada dos portugueses ao Japão, na Expo 98 e na celebração da viagem de Pedro Álvares Cabral.

Revista Oceanos, o cartão-de-visita da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses 

Extinto o Império, tem sido notório o embaraço com o culto cívico dos mortos da guerra colonial, bem ao contrário do que aconteceu no termo da I Guerra Colonial que deixou dezenas e dezenas de monumentos, lápides, colunas ou pilares espalhadas pelo país. De 1921 a 1936, houve uma Comissão de Padrões da Grande Guerra que apoiou a construção de memoriais no Sul de Angola e no Norte de Moçambique, Açores, mas também em França (o escultor Teixeira Lopes é o responsável pela obra mais relevante que se ergue em La Couture, região em que morreram muitos soldados portugueses. Parece ter ficado bem claro que a consolidação da memória através de comemorações, exposições, cortejos, edições de selos, medalhas, filmes e tantas expressões iconográficas é fruto de um quadro mental em dada conjuntura. Há um fio condutor em que estiveram envolvidos monárquicos de todos os matizes, republicanos e aficionados do Estado Novo: Portugal era indissociável da gesta dos Descobrimentos. Este quadro mental é severamente afetado pelo ciclo da descolonização, pela declaração universal dos direitos humanos, pela carta da ONU, pelo reconhecimento de que os povos eram livres de escolher o seu destino. A historiografia pós 25 de Abril espelha a rejeição da propaganda e a necessidade de estudar numa visão que ultrapassa o eurocentrismo de que se alimentou o sonho nacionalista-imperialista.

Monumento do escultor Teixeira Lopes em La Couture
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Notas do editor

Postes anteriores de:

14 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)
e
17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)

A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Neste itinerário das comemorações entre 1880 e 1960, assistimos às diferentes matizes a que foi sujeito o ciclo nacionalista-imperialista, desde o jubileu de Camões no aflitivo momento em que grandes potências coloniais se preparavam para negociar parcelas do nosso Império até ao centenário do Infante D. Henrique, em 1960, a derradeira festividade em que se procurava o maior fausto para justificar a gesta dos Descobrimentos e a presença de Portugal em África. Sem se entender todo este percurso, é extremamente espinhoso procurar linearidade no relacionamento entre Portugal e as suas ex-colónias africanas, após os acontecimentos de 1974 e 1975.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (2)

Beja Santos

Em “História da História de Portugal, Séculos XIX-XX”, Temas e Debates, 1998, o historiador Fernando Catroga, a propósito da temática das ritualizações da História, trata minuciosamente o ciclo nacionalista-imperialista e a sua associação direta à questão colonial. Já se referiram várias comemorações, retenha-se que o centenário da Índia foi alvo de cortejo, de exposições, de memórias, de apoteose de iluminações, repiques de sinos e, claro está, de Te Deum. A Sociedade de Geografia de Lisboa, o núcleo duro da defesa dos interesses coloniais de Portugal, lançou mão de uma série de iniciativas, incentivou importantes contributos historiográficos.

A República não ficou atrás na exaltação nacionalista-imperialista. E não podia ficar. Berlim continuava a cobiçar largas porções de Angola e Moçambique. Ao deflagrar a I Guerra Mundial, os republicanos deram a máxima prioridade à questão colonial. Mobilizaram a opinião pública para entrar na guerra e uma das razões capitais dadas foi a de se dever garantir a soberania portuguesa em África. O regime republicano é confrontado com os centenários de Ceuta e de Afonso de Albuquerque, que balizavam o início e o apogeu da gesta dos Descobrimentos. Previram-se congressos internacionais, a transladação dos ossos de Afonso de Albuquerque da Igreja da Graça para os Jerónimos. Foram iniciativas que receberam fraco acolhimento, embora se tenha produzido e editado obras relevantes, conforme o historiador Fernando Catroga enumera.

À volta da viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral no hidroavião Lusitânia, em 1922, na passagem do I Centenário da Independência do Brasil, a questão colonial era bem evidente. Os governos republicanos depois dos tratados de Versalhes (1919), e da conferência de S. Remo (1920), e perante o facto das antigas colónias alemãs terem passado a ser governadas por potências administrantes, começaram por se mostrar tranquilos mas o presidente norte-americano Wilson trouxe uma nova preocupação: Washington exigia a criação de condições que gradualmente elevassem os povos colonizados à autodeterminação e independência, em conformidade com o art.º 22.º do Pacto da Sociedade das Nações.

Viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral no Atlântico Sul, 1922. 
(Imagem retirada, com a devida vénia, do blogue Estado Sentido.)

Voltemos a Camões, em 1922, a Câmara Municipal de Lisboa lançou a ideia de nova consagração do vate, a propósito da passagem do quarto centenário do seu nascimento. Houve sarau na Sociedade de Geografia de Lisboa, sessões públicas e algumas conferências. Como recorda o historiador, numa conferência realizada por António Cabreira, a descoberta do caminho marítimo para a Índia era apresentada em termos em que o elemento rácico tinha um lugar proeminente: a aventura portuguesa devia ser apreciada como uma libertação da Europa da pressão muçulmana e turca porque salvou “a Civilização Ocidental de uma derrocada certa, salvando o próprio sangue europeu da mestiçagem bárbara que daria, fatalmente, a quebra de índice encefálico e, portanto, a perda irremediável do brilho mental das raças mais nobres do planeta”.

E estamos chegados à era de Salazar. O ditador maneja com mestria a sua visão de unidade nacional, que incorpora republicanos conservadores, católicos, monárquicos liberais, integralistas e grupos afins. Move-os a todos o culto da independência e a defesa das colónias. Os republicanos já tinham dado o exemplo. Ainda antes do 28 de Maio, a Sociedade de Geografia de Lisboa apoiou a constituição de uma Comissão de Defesa das Colónias, onde estava a quase totalidade do grupo da Seara Nova. Armando Cortesão escrevia abertamente: “O Império de além-mar é para Portugal uma questão de vida ou de morte”. E saiu do punho de Afonso Costa esta definição: Portugal não é um pequeno país. Os que sustentam isso esquecem que as províncias ultramarinas fazem com o território metropolitano de Portugal um todo uno e indivisível.

Salazar faz aprovar o Acto Colonial em 1930, e o seu art.º 3.º é esclarecedor: “Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se Colónias e constituem o império colonial português”. A Constituição de 1933 irá ratificar este preceito. O regime apresenta-se com parte integrante da herança dos Descobrimentos, o Império é a justificação da missão de Portugal no mundo. Procura-se institucionalizar o Império, o mito da grandeza imperial, aprovam-se publicações que têm a finalidade de sensibilizar os portugueses para essa grandeza imperial. Sucedem-se as conferências e exposições, visa-se alicerçar o conceito de Império como forma de dar credibilidade ao culto nacionalista da Pátria.

O ponto alto destas celebrações será a Exposição do Mundo Português, António Ferro, à frente do Secretariado de Propaganda Nacional, é o manobrador esforçado para pôr em prática iniciativas como as exposições coloniais ou fazer representar a questão colonial em exposições internacionais, como a de Paris, em 1937. As colónias são a questão central da Exposição Colonial Portuguesa, 1934, da Exposição Histórica da Ocupação no Século XIX, 1937, e assim chegámos ao faustoso acontecimento da Exposição do Mundo Português [Vd. foto acima].
Atenda-se ao que Fernando Catroga escreve para distinguir as iniciativas liberais e republicanas das do Estado Novo. Eventos como o jubileu camoniano de 1880 serviram para contestar a decadência e trazer esperança à regeneração. O Estado Novo impunha a ideia de refundação, como escreveu António Ferro na sua célebre “Carta aberta aos portugueses de 1940”, 1140, 1640 e 1940 simbolizavam três anos sagrados da nossa História: o ano do nascimento, o ano do renascimento e o ano apoteótico do ressurgimento. As comemorações anteriores nasceram de múltiplas iniciativas de grupos de cidadãos, de associações culturais, só mais tarde se juntava (ou não o apoio governamental; agora era o regime de Salazar que tomava a iniciativa, definia os programas e precisava as metas que deviam ser alcançadas.

O mundo está em guerra, Franco saiu vitorioso da guerra civil de Espanha, Salazar estabeleceu com ele a aliança peninsular e reforçou a sua arreigada convicção de que a defesa das colónias passava pela manutenção da tradicional aliança com Inglaterra. Por isso, comemorar era regenerar, mostrar progresso, como a autoestrada de Lisboa-Cascais. Propõem-se inúmeras obras públicas e projetos desmedidos para a exposição do mundo português, e Salazar, cortante, sentencia: “Acho de mais. Temos de reduzir. Não vamos supor que pretendemos comparar a obra da Junta Autónoma das Estradas, aliás notável, com os Descobrimentos do Caminho para a Índia”.

Vejamos de seguida como as comemorações de 1940 assentavam como uma luva no orgulho nacional-imperialista.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
O ciclo imperial ganha novos revérberos nas vésperas da Conferência de Berlim, está em marcha um plano anglo-germânico para subtrair às colónias de Angola e Moçambique boas fatias a Sul, para satisfazer os ideais de Berlim. O ciclo nacionalista-imperialista ganha impulso, comemora-se Camões, o nascimento do Infante D. Henrique, a chegada de Mouzinho e de Paiva Couceiro ou o Centenário da Índia, a questão colonial atravessa o país todo, é uma questão de regime, os próprios republicanos são contundentes a partir do Ultimato.
Iniciara-se um ciclo que só findará com a descolonização, a partir de 1974.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (1)

Beja Santos

Em “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga, Temas e Debates, 1998, volume II, o historiador Fernando Catroga debruça-se detalhadamente sobre as comemorações como liturgias cívicas. Vamos ver como a natureza das comemorações, regra-geral, têm como alibi a “questão colonial”. A primeira grande manifestação do ciclo nacionalista-imperialista foi o jubileu de Camões, em 1880, para os seus festejos envolveram-se personalidades como Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Luciano Cordeiro, Pinheiro Chagas e Magalhães Lima, ou seja uma composição plural, com democratas e monárquicos, o evento envolveu prémios literários, a transladação dos restos mortais de Camões e Vasco da Gama para os Jerónimos, Lisboa engalanou-se. Era latente questão colonial, Portugal estava diminuído perante as novas potências, era necessário que este centenário constituísse uma prova de vitalidade perante o estrangeiro. Como escreve o historiador a propósito deste evento “Camões é interpretado como figura cimeira do Renascimento e, através dele, os Descobrimentos são elevados a acontecimento – inaugurador da modernidade”. Não foi por acaso que Teófilo Braga associou o problema colonial. Na época, a questão de Lourenço Marques entre Portugal e Inglaterra ganhava tons virulentos. Em 1894, ocorre a passagem do centenário do nascimento do Infante D. Henrique. Com a independência do Brasil, retoma-se a “coisa africana” com redobrado interesse. Descobrira-se a “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”, de Azurara, em 1841, o Infante ganhara uma visão mítico-romântica. A crise do Ultimato ocorreu em 1890 e abalou a monarquia. Recordar o Infante, encarado como a figura máxima da epopeia dos Descobrimentos, era um excelente motivo para esconjurar traumas. A monarquia empenhou-se, a começar pela família real. Depois de tudo o que se passou na Conferência de Berlim, depois do lançamento de ofensivas científicas, de expedições ao interior africano, com o nascimento do prestígio da Sociedade de Geografia de Lisboa, esta liturgia henriquina veio mesmo a calhar, celebrou-se no Porto, local de nascimento do Infante. Como escreve o autor:
“O cortejo cívico realizou-se no dia 3 de Março e constituiu uma espécie de parada histórica, em que os participantes, representando as forças vivas da Nação, desfilaram sob os auspícios do rei, tendo em vista suscitar um clima de consenso nacional”.
Mas os republicanos demarcaram-se das comemorações oficiais, as academias de Coimbra e Porto e muitos estudantes promoveram uma contracomemoração, cantou-se A Portuguesa.

De 1897 a 1898, a propósito do centenário da viagem de Vasco da Gama, em associação com as vibrações nacionalistas provocadas pelas campanhas de Paiva Couceiro e de Mouzinho de Albuquerque, as comemorações ganharam outra vibração. Nasceu o acordo secreto entre a Inglaterra e a Alemanha (1898) que poderia pôr em causa a soberania portuguesa sobre o Sul de Moçambique e de Angola. Felizmente que o conflito anglo-bóer jogou a favor da diplomacia portuguesa:
com o Tratado de Windsor (1899) anularam-se os efeitos do negócio anglo-germânico, pois a Inglaterra procurou salvaguardar a neutralidade de Portugal no conflito do Transval, de modo a impedir a entrada de material de guerra por Lourenço Marques.

É altura de introduzirmos nesta descrição um texto de Amador Patrício publicado no seu livro “Grandes reportagens de outros tempos”, Empresa Nacional de Publicidade, 1938 e intitulado “Chegada dos heróis de África-Lisboa”:
“Lisboa vestiu as suas melhores galas para receber os heróicos expedicionários que em terras africanas escreveram páginas das mais fulgurantes da História de Portugal. Os bravos combatentes de Marracuene, de Magul e de Coolela podem bem pôr-se a par dos cavaleiros de Aljubarrota ou dos defensores de Diu. Honra ao Comissário António Enes, ao Comandante Galhardo, à memória de Caldas Xavier, aos nomes de Sousa Machado, de Freire de Andrade, de Paiva Couceiro e, muito especialmente, de Mouzinho, que no lanço temerário de Chaimite pôs um remate triunfal às campanhas de África que asseguraram e consolidaram o nosso império de além-mar!”.

É uma exaltante reportagem, as multidões à espera da chegada do navio Zaire, Lisboa engalanada, D. Carlos vestido de Generalíssimo, a pompa e circunstância do desembarque, a família real não poupou esforços para receber os heróis do império:
“A Rainha Senhora D. Amélia convidou o Comissário Régio Sr. António Enes a subir para a sua carruagem. Às três e meia, uma salva de 21 tiros anunciava que El-Rei, seguido do seu luzido Estado-Maior, ia começar a revista às tropas. Foi muito saudado o Tenente-Coronel Machado, Comandante de Caçadores 3, que levava o braço esquerdo ao peito, ferido em combate.
Deram-se então algumas cenas comoventes. Uma praça de Engenharia saiu da forma para pegar num filhinho ao colo; e uma velhinha pobre, que assistia ao desfile, não se conteve que não gritasse cheia de entusiasmo: viva o meu neto!
A revista durou apenas 20 minutos, após a qual El-Rei se dirigiu para o Quartel de Caçadores 2 a esperar os expedicionários. Pelo caminho foi muito aclamado.
Começou depois o desfile. À frente, a cavalo, o Coronel Galhardo, acompanhado do seu Ajudante e do Capitão do Estado-Maior, Costa, ferido em Coolela; seguiam-se o Corpo de Marinheiros, com a sua charanga, as Forças de Engenharia, de Artilharia e de Lanceiros 1, Caçadores 1, comandados pelo Tenente-Coronel Ribeiro, Caçadores 3, como seu Comandante Sousa Machado, e Infantaria 2, sob o comando de Gomes Pereira”.

Na Avenida da Liberdade o povo aclamava delirante. Seguiu-se o Te Deum nos Jerónimos, a família real comparece em peso, o Ministério, o Cardeal Patriarca, a aristocracia, incluindo a religiosa. Segue-se uma récita de gala em S. Carlos. E temos a seguinte passagem:
“O maior entusiasmo foi no intervalo do segundo para o terceiro ato. Durante três quartos de hora soaram ininterruptos os vivas e as aclamações a António Enes e Galhardo, a Mouzinho de Albuquerque, Machado, Freire de Andrade, etc. O Capitão Paiva Couceiro, que estava na plateia e que no combate de Magul cometeu prodígios de bravura, foi levado em triunfo aos ombros dos espectadores e alvo de enorme ovação (…) Hoje realiza-se a visita de Suas Majestades ao Hospital da Estrela, onde se encontram os feridos da Campanha de África, e a distribuição da Medalha Rainha D. Amélia”.

Comemorações do Centenário de Camões (1880)

Desenho de Martins Barata alusivo à chegada dos heróis de África, 1896

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15441: Agenda cultural (442): Lançamento do livro HISTÓRIA(S) DA GUINÉ PORTUGUESA, da autoria de Mário Beja Santos, com apresentação do Professor Eduardo Costa Dias, do ISCTE, e Dr. António Duarte Silva, investigador, dia 10 de Dezembro, 5.ª feira, às 18 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Rua de S. Mamede ao Caldas, n.º 21 - Lisboa

C O N V I T E

Lançamento do livro HISTÓRIA(S) DA GUINÉ PORTUGUESA, da autoria de Mário Beja Santos, com apresentação do Professor Eduardo Costa Dias, do ISCTE, e Dr. António Duarte Silva, investigador, dia 10 de Dezembro, 5.ª feira, às 18 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Rua de S. Mamede ao Caldas, n.º 21 - Lisboa.



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2015:

A todos os meus amigos, 
As "História(s) da Guiné Portuguesa" procuram avançar com mais hipóteses que venham no futuro a ser consideradas com alguma pertinência pela equipa de historiadores que meter ombros nessa tremenda lacuna da nossa cultura que é a ausência de uma história da Guiné Portuguesa. 
O meu livro procura introduzir dados novos que a moderna historiografia tem vindo a considerar, entre outros: a presença dos judeus na região da Senegâmbia; a natureza do tráfico de escravos na região; o impacto das guerras de pacificação, do século XIX para o século XX, na natureza de uma Guiné transformada em colónia-modelo; mais alguma iluminação sobre a natureza dos movimentos nacionalistas e o desenvolvimento da luta de libertação. 
Carreei, em sequência cronológica, muita documentação que não utilizei no livro a quatro mãos que escrevi em 2014 "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro". Pedi a dois investigadores eméritos, Eduardo Costa Dias e António Duarte Silva, que na sessão de apresentação procedessem a um debate sobre as lacunas existentes e o modo de as preencher. 
Havendo hoje tanta investigação sobre o período colonial, tantas obras referentes à guerra colonial da Guiné, não se conhece nenhum estudo que abarque os quatros anos da governação de Arnaldo Schulz. 
Conto com a vossa companhia nesta sessão de lançamento e dentro das vossas possibilidades agradeço-vos a mais ampla divulgação possível. 

O reconhecimento e a cordialidade do 
Mário

Capa e contra-capa

Abas da capa e contra-capa
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15440: Agenda cultural (441): Joana Graça > "Riscos & Rabiscos: Estórias Abensonhadas" > Exposição de ilustração, Oeiras, Carnaxide, Biblioteca Municipal de Carnaxide, até ao final do ano...

domingo, 29 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15422: Libertando-me (Tony Borié) (45): Antes éramos cowboys

Quadragésimo quinto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Antes, éramos Cowboys, agora somos Índios!

Era ainda manhã, a estrada rápida número 75, no sentido norte, nas proximidades da cidade de Atlanta, no estado da Geórgia, era uma azáfama, todos procuravam o seu rumo, a estrada dividia-se, havia seis ou sete pistas para cada lado, mas passavam uns pelos outros, fazendo sinal para esquerda ou para a direita, procurando a saída para o seu destino. O nosso rumo era o norte, lá íamos seguindo, até que o trânsito ficou mais livre, já tínhamos passado a cidade, estávamos quase na fronteira, passando-a, para o estado de Tennessee, continuámos no sentido norte, passando ao lado da cidade de Chattanooga, até nos surgir a placa de sinalização da estrada estadual número 60, depois a 58, tomando em seguida uma estrada rural, que dá pelo nome de Blythe Ferry Lane, que segue entre pequenas povoações, quintas, pequenos lagos e pântanos, acabando em frente ao rio Tennessee, onde está localizado o “Cherokee Removal Memorial Park”, onde parámos.

Companheiros, temos que interromper para vos dizer que hoje, nas nossas viagens por aqui, vamos falar de um local que nos merece muito respeito, onde a história nos diz que uma nação se constrói por períodos bons e outros menos bons, como esta grande Nação que nos recebeu de “mãos abertas”, a nós europeus e nos deu aquilo que o nosso País de nascimento, por quem todos demos a vida numa frente de combate, e agora falando de nós, pessoas simples do povo que éramos, sem educação superior e, essa mãe Pátria, esse nosso querido Portugal, sempre nos colocou numa posição de pessoa inferior, talvez por entre outras coisas, os nossos progenitores sempre dizerem não a certas situações que privilegiavam outros, que nada faziam para contribuir para uma sociedade mais justa.

Perdoem lá, já me estou a desviar com palavras que nada têm a ver com a nossa conversa de hoje, vamos continuar. Este local, cujo nome já mencionámos, que quer dizer mais ou menos, “Parque Memorial da Remoção do Povo Cherokee”, é visitado por quem tem, ou quer ter, algum conhecimento do que foi o destino dos verdadeiros americanos, aqueles a quem ainda chamam “Índios”.


Aqui, neste local, existe alguma informação daquilo que foi um dos capítulos mais sombrios da história americana, que foi o acto desprezível da remoção de alguns povos, entre eles os “Cherokees”, os “Chickasaw”, os “Choctaw”, os “Creeks” e “Seminoles”, na altura chamadas de “As Cinco Tribos Civilizadas”, que por aqui viviam com alguma autonomia política e que deveriam ser considerados americanos do sul. Aqui começou o “Trail of Tears”, que tem muitas traduções, mas para nós quer dizer mais ou menos o Caminho das Lágrimas, mas na linguagem Cherokee é chamado de “Nunna daul Isunyi”, “O caminho onde eles choraram”, que fez correr muitas lágrimas e é uma marca negra na história americana, que nunca poderá ser justificada ou explicada, mas como em tudo na vida, nenhum de nós tem qualquer culpa de actos menos felizes, praticados pelos nossos antepassados, temos é que aprender e fazer com que nunca mais se repitam.

Em 1835, alguns representantes auto-nomeados da nação Cherokee, ao fim de alguns anos de negociações, assinaram o Tratado de “New Echota”, onde diziam que trocavam as suas terras a leste de Mississippi por cinco milhões de dólares, que envolvia assistência para a deslocalização assim como a compensação pela propriedade perdida, deste modo, as tribos indígenas localizadas a leste do rio Mississippi foram forçadas a viajar no “Caminho Cherokee das Lágrimas”.


A história diz que, pelo resultado deste tratado, documento com base numa lei de 1830 (Indian Removal Act), assinado pelo Partido Ridge nunca foi aceite pelos líderes ou pela maioria da tribo Cherokee, representada no Partido Ross, mas esse pormenor pouca influência iria ter, pois as tensões entre os representantes do estado da Georgia e do povo Cherokee ficaram tensas com a descoberta de ouro nas proximidades de Dahlonega, no estado da Georgia, em 1829, onde alguns historiadores dizem que esta foi a primeira “corrida ao ouro” na história dos EUA.

Quando o povo Cherokee assinou o tratado, foi-lhe prometida a tal quantia em dinheiro, que devia ser paga em ouro, todavia não sabemos se foi paga em ouro ou em papel impresso, cedendo as suas terras ao governo federal, começando assim a sua migração forçada por mais de 1200 milhas para o chamado Território Indígena, que é hoje o actual estado de Oklahoma. Os nativos sofreram muito com esta migração, e vários morreram durante as viagens e nos acampamentos forçados, que se formavam durante esta migração, estimando-se que, da tribo Cherokee, de uma população de 15.000, vieram a falecer cerca de 4000.

Centenas de escravos e afro-americanos libertos, que viviam com os índios, acompanharam-nos nesta migração, por este Caminho das Lágrimas, muitos foram transportados em grandes carroças, mas a neve e o frio de inverno dificultavam este procedimento e, com a diminuição da comida, havia racionamento, alguns moradores das aldeias por onde passavam iam ajudando, viajando em barcos ou jangadas, quando era possível pelos rios ou pântanos, mas quando a temperatura baixava, os rios congelavam, forçando a pararem e formarem acampamentos onde iam morrendo, principalmente por serem mal alimentados, onde a maioria das mortes ocorria por coqueluche, tifo, disenteria, cólera, infecções ou gripes, assim como a fome, foram essas as epidemias que ao longo do caminho assolavam esses acampamentos.


O Presidente Martin Van Buren enviou o General Winfield Scott 7000 soldados para organizar o processo de remoção. Scott e as suas tropas forçaram o povo Cherokee para fora das suas casas, na ponta das suas baionetas, enquanto outros saqueavam casas e pertences. Um dos soldados da operação, sob as ordens do general Winfield Scott, escreveu: “Eu lutei nas guerras entre países e disparei contra muitos homens, mas a remoção Cherokee foi o trabalho mais cruel que eu conheci”.

Um filósofo francês, no ano de 1831, testemunhou esta migração forçada, escrevendo na altura: “Pairava no ar um sentimento de ruína e destruição, era o fim destes atraiçoados, era o seu adeus, ninguém poderia aqui assistir sem sentir um aperto no coração. Os Índios estavam quietos, sombrios e tactiturnos, perguntei a um deles por que deixavam as suas terras, responderam-me, “para serem livres”. Assistimos à expulsão de um dos mais famosos e antigos povos americanos”.

Aqueles que resistiram, querendo ficar nas suas terras, foram objecto de intimidação legal e perseguição, tendo as suas casas sido derrubadas e queimadas, assim como o seu gado.

O governo federal prometeu ao povo Cherokee, que a sua nova terra, ou seja o tal “Indian Territory”, que é hoje o estado de Oklahoma, iria permanecer sua para sempre, sem serem molestados, mas a força da colonização branca empurrou-o para o oeste e foi encolhendo, encolhendo, o espaço do “Indian Territory” e, claro, quando em 1907, Oklahoma se tornou num estado, o “Indian Territory”, tinha ido embora para sempre. Muitos anos passaram, hoje a população Cherokee, que mantém o seu próprio alfabeto, portanto fala a sua língua, teve alguma recuperação e são esses índios o maior grupo nativo americano.

Depois de algum tempo de meditação, deixámos este parque, localizado no meio de alguns pântanos, em silêncio, também sombrios e taciturnos, passados quase dois séculos, em respeito por este povo.

Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15394: Libertando-me (Tony Borié) (44): Simplesmente Fernando

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15408: Manuscrito(s) (Luís Graça) (70): O Alzheimer da história



Lisboa > Torre de Belém, 500 anos de história > Novembro de 2015


Foto: © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados. 



O Alzheimer da história

por Luís Graça


Davam longos passeios,
ao domingo,
de jardim em jardim,
ao longo do rio,
os lisboetas.
A pé.


Tinham trocado,
na feitoria de Arguim,
os seus cavalos brancos,
puros lusitanos,
com os seus belos arreios,
por escravos negros,
da Guiné.


E no seu encalce,
os turistas,
com as suas superzooms digitais,
subiam as sete colinas,
os voyeuristas,
para melhor ver as vistas
e os vitrais das catedrais.


Grande era o mundo.
e Portugal,
tão pequenino e caleidoscópico,
ali ao fundo.


Já não passavam mais
nem caravelas nem naus
ao largo do Bugio.
Perderam-se, por má sorte das armas,
as joias da coroa,
Goa, Damão e Dio.


Junto às ruínas do palácio dos Estaus,
um manjaco do Canchungo
varria o lixo da história.
E era feliz,
duplamente feliz:
feliz  por ter um emprego,
com cama, mesa e roupa lavada,
da União das Freguesias da Mouraria e da Judiaria;
e feliz por não ter memória:
- Teixeira Pinto ?...
- Sim, o capitão diabo!
… Não, nunca ouvira falar.


Coitados dos povos
que sofrem da doença do Alzheimer da história!
Mas pode ser que tenhas mais sorte,
meu irmão,
na próxima reencarnação,
na girândola da vida e da morte.


Em novembro era verão,
ainda davam longos passeios pelo rio,
os lisboetas,
sortudos,
levando pela mão
os seus loucos, os seus cegos,
os seus mudos, os seus surdos,
os seus anões e os seus poetas.


Lisboa, 25 de novembro de 2015


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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15326: Blogpoesia (423): E é esta a História de Portugal (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)

1. Em mensagem do dia 30 de Outubro de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este poema da sua autoria alusivo à História de Portugal:


E é esta a História de Portugal

Mário Vitorino Gaspar

Portugal é Pátria/ Mátria.
O seu Povo tem História!
O Povo possui sua mestria:
– Contos vastos da memória!

Mas o Povo foi esquecido…
Narrados feitos da fidalguia
Povo sem nome naufraga perdido.
O Povo tem seu cenário do dia-a-dia.

História de reis. Povo a lutar:
– Fica História, Político e o Doutor!
O Povo ergue-se sempre a batalhar.
Republica? História do rei e senhor!

Guerra Colonial? É a Liberdade…
Meio século de povos colonizados.
Aos oprimidos reposta a verdade.
Opressores/oprimidos os Soldados.

Nostalgia da Revolução dos Cravos:
– Militares junto do Povo, é a Liberdade!
A luta foi vencida pelo Povo, seus bravos.
Vitória do Político, que mente de verdade.

O Povo! Tem sua História esquecida?
Heróis, evaporadas as façanhas na escrita.
E a História sem o Povo é empobrecida
Esta e a nossa História. Acredita?

Como sempre lá está a sofrer o Povo…
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15308: Blogpoesia (422): Com trastes e trapos velhos... (J. L. Mendes Gomes)

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15060: Notas de leitura (753): "Diário dos Caminhos de Santiago", do nosso camarada Abílio Machado, português e minhoto, com costela galega, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72... Um livro que nos ajuda a aprender a envelhecer de maneira saudável, ativa e produtiva... (Luís Graça)

1. A obra:

Título: Diário dos Caminhos de Santiago

Autor: Abílio Machado

Número de páginas: 358

Editora: Edita-me
[Rua Barata Feyo, 140, sala 1.10,
4250-076 Porto]

Ano: 2013

Ilustrações (capa e interior): Miguel Teixeira

Tamanho: 235 x 153 mm


ISBN 987-989-743-011-4

Preço: 15 €

Excerto da obra


2. Nota biográfica > Abílio Machado

Abílio Machado nasceu em janeiro de 1947, em Guardizela, Guimarães, numa família humilde, sendo o mais velho de oito irmãos.

Frequentou a escola primária de 53 a 56.

Aos 10 anos ingressou no seminário, o que terá marcado a sua personalidade e o interesse pela vida cultural.

Abandonado o seminário, vai para Coimbra, em 66, onde segue a vida académica, no curso de Direito. Fez o serviço militar obrigatório de 1969 a 1972, tendo sido mobilizado para a guerra colonial, na Guiné, de 1970 a 1972 [, CCS/BART 2917, Bambadinca].

Trabalhou como delegado de informação médica durante 31 anos. Aos 60 anos aposentou-se.

Em 1985, dinamiza um grupo de jovens desafiando-os para cantarem as janeiras e... desde aí a música como que fez acordes com a amizade mantendo-se uma presença constante na sua vida.
Narrador de histórias, amante da boa gastronomia, a sabedoria é um acento tónico no seu dia a dia, que gosta de partilhar como bom conversador.

Não guarda para si o que aprende e com frequência o ouvimos transmitir histórias deste e doutros mundos. 

Amante da natureza e dos homens, com a teimosia que lhe corre nas veias, iniciou-se como peregrino a Santiago em agosto de 1993, após - segundo diz - uma conversa tida com o Santo.

Os motivos culturais, do espírito, a curiosidade histórica fizeram com que se apaixonasse por estes caminhos e não mais parou, somou ao registo do olhar, as palavras salpicadas da alma, no seu exponente máximo de sentido crítico e sensibilidade... 

A 10 ade gosto de 1993, “a torre da velha igreja exultou, batendo as nove badaladas...” e os primeiros caminhos de Santiago surgem enternecidos e eternizados, por vontade e por paixão, estreando-se na literatura com os seus diários, pincelados de um humor característico.

Redescobre-se um narrador que estava adormecido. O seu destino era mesmo este e isso o deve a um santo...

A natureza e os caminhos foram os seus cúmplices... e no silêncio das folhas quase se ouve o resvalar das pedras... avancemos, rumo a Compostela!

Fonte: texto e fotos: Edita-me [com a devida vénia].


3. Comentário de L.G.:

Já aqui temos falado do Abílio Machado, nosso camarada e amigo de Bambadinca (CCS / BART 2917, 1970/72). E sobretudo a propósito de música. Ele é um dos fundadores, em finais de 1985, na Maia, de um notável grupo musical, o Toque de Caixa, de que saíram, além de inúmeros espetáculos ao vivo,  dois CD,  Histórias do Som (1993) e  Cruzes, Canhoto (2010).

 O seu gosto pela música, as suas excecionais qualidades humanas, o sentido da camaradagem, a afabilidade,  o gosto pelo convívio, o "espírito coimbrão", a irrequietude intelectual... eu já os conhecida de Bambadinca: o "Bilocas", como era tratado carinhosamente, esteve connosco em Bambadinca, entre maio de 1970 e março de 1971. Alf mil, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72, fizemos lá uma bela amizade: ele, "baladeiro", tocava viola, mas era um "periquito", um alferes de secretaria, e nós, operacionais, já calejados da guerra, "pretos de 1ª classe", da CCAÇ 12, uma companhia de intervenção africana, ao serviço dos senhores da guerra de Bambadinca e de Bafatá...

Quando digo nós, refiro- me a mim, ao Humberto Reis, ao Tony Levezinho, ao Zé da Ilha (José Vieira de Sousa), o GG  ( Gabriel Gonçalves, o nosso cripto), e outros, noctívagos, que gostávamos de cantar, beber, conviver, de preferência, pelas horas altas da noite... Ele era dos poucos alferes, para além do Zé Luís Vacas de Carvalho,  que nos acompanhava nessas noites de insónia,  de copos e de tertúlia... Como se o bar de sargentos de Bambadinca (e os nossos quartos...) fosse uma república coimbrã...

Perdi-o de vista até 2007.  Foi a música e, claro, o nosso blogue e a Guiné, por mão do Humberto Reis e do Benjamim Durães, que de novo nos aproximou... Em boa hora!...  O que não conhecia do Abílio era o gosto pela escrita e a paixão pelo sagradlo e pelo profano, onde se incluen os caminhos de Santiago, o "matamouros"...

Mandou-me em março passado, uma cópia do seu livro, o "Diário dos Caminhos de Santiago", com a seguinte dedicatória:

"Para o Luís, velho amigo, com quem, noutras guerras, os caminhos da vida me fizeram encontrado. Com a amizade do Abílio Machado, 9/3/2015".

No "meu querido mês de agosto" de 2015, tentei pôr as leituras em dia, e um dos livros de praia e de cabeceira, que li de um fôlego,  foi justamente o "Diário dos Caminhos de Santiago". De maneira obsessiva, empenhada, determinada, o "português e minhoto" Abílio Machado, com costela galega, meteu-se nas suas tamanquinhas, e de cajado na mão, começou por fazer o "caminho português" (Vila Nova da Telha / Santiago de Compostela), entre 10 e 16 de agosto de 1993, o ano do Jubileu...

Treze anos depois, já reformado da indústria farmacêutica, retomou os caminhos de Santiago, sem nunca se esquecer do seu "vade mecum", o caderninho de notas ou diário de caminhante: caminho aragonês (Col de Somport / Puente la Reina, 2 a 9 de abril de 2006); caminho inglês (Ferrol / Pontedeume / Betanzos / Ardemil / Santiago,  13 a 18 de abril de 2009); caminho de Finisterra ou Fisterra (Santiago / Negreira / Oliveiroa / Muxia / Fisterra, 16 a 20 de agosto de 2010) e, por fim, caminho de Navarra ou caminho de Prisciliano (18 de maio a 17 de junho de 2011).

A minha primeira reação foi de "inveja": como eu gostaria de ter estado, não no lugar do caminheiro, mas a seu lado... E depois, não menos emocional, a de admiração e de regozijo. Passei ainda a ter mais orgulho deste amigo e camarada da Guiné que foi capaz de realizar um sonho e superar-se a si próprio... Porque a vida e o sonho são como os caminhos de Santiago... "A onde ira o meu romeiro /, Meu romeiro a onde ira, / Caminho de Compostela, / Não sey se la chegara"... O provérbio é galego, a citação, logo no início do livro, dá o mote, e mostra o tamanho do desafio.

Tomei uma série de notas, a lápis, nas margens do livro, que quero compartilhar com o autor e os seus leitores, atuais e potenciais. Fica para um próximo poste. Quero apenas registar, agora,  quanto me agradou a escrita, viva, fresca, solta, criativa, muitas vezes "caligráfica". O tom é o do bom humor, da ironia e da auto-ironia: nos caminhos de Santiago, também há saudações provocações e piropos brejeiros... As referências, no texto,  historiográficas, geográficas e toponímicas são muito úteis, sem nem nunca serem pesadas como nos trabalhos académicos da gente erudita (...e chata). O Abílio foi um fantástico caminheiro, quase sempre solitário, mas que fazia antes o seu TPC, o seu trabalho de casa. Aprendi muito com ele.

Parabéns, "Bilocas", amigo e camarada, pela capacidade de sofrimento, superação e realização, e pelo teu trabalho, literário, que passa a ser uma referência útil e até obrigatória para os futuros romeiros de Santiago.

Já desafiei a Alice para pegar na trouxa e zarpar: ela é muito mais caminheira (e gaiteira) do que eu,.. Confesso que o teu exemplo é contagiante... Mais importante: é a prova provada de que os "camaradas da Guiné" podem, apesar da idade e o do contexto societal depressivo, aprender a envelhecer de maneira saudável, ativa e até produtiva. Afinal, o(s) caminho(s) de Santiago, para além do mito e da realidade, é(são) sobretudo um estado de espírito, sem deixar(em) de ter o requsito da boa forma... física!

Um grande alfabravo fraterno. LG

PS - Falei esta manhã, através do telemóvel, com o Abílio, que estava em Albufeira, fazendo de avô baboso (e talentoso) de dois netos gémeos, da sua sua filha Rita (que é diretora de 2 hoteis  em terra de mouros). A música agora pode esperar e o Santiago também. Diz-me que vai falando com o santo, e que ainda não cumpriu a promessa (ou a penitência ?) toda,., Antes dos 70 anos, ainda vai ter que pamilhar, desta vez com companhia, o difícil mas deslumbrante caminho do norte, que segue entre mar e montanha.

Também confirmei, com ele, o ano em que voltou á Guiné, por terra, de jipe: foi no início de 2013. Tenho o relato em papel, falta-me o ficheiro digital e algumas fotos.

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15058: Notas de leitura (752): “O Guardião”, por Fernando Antunes, Edição de Setembro de 2011 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14587: Efemérides (186): 8 de maio de 1945: o fim da II Guerra Mundial na Europa, com a capitulação da Alemanha nazi... O mundo não voltaria mais a ser o mesmo...


Brlim > 3 de junho de 1945 > O Reichstag em ru+inaa, um mês depois da rendição dos alemães (a 2 de maio, em Berlim, e a 8 de maio, em todos os teatros de operações). Imagem do Imperial War Museum, Londres. Domínio público. Cortesia de Wiki Commons.


Berlim > 21 de março de 2015 > O histórico edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999). O edifício foi profundamente remodelado sob a direção do arquiteto inglês Sir Norman Foster.



Berlim > 21 de março de 2015 > Ediífício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > A famosa cúpula de vidro e aço desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster. A original (de 1894) foi destruída pelo incêndio de 1933 e pelos bombardeamentos da II Guerra Mundial...


Berlim > 21 de março de 2015 > Edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Aspeto do interior da famosa cúpula de vidro e aço, desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster, e que é um os ex-libris da cidade, "fénix renascida" do triplo pesadelo que foi o regime nazi (1933-1945), a II Guerra Mundial e a divisão da Alemanha e da cidade de Berlim durante a ocupação e o período da guerra fria... Recorde-se que o muro de Berlim caiu em 1989 e a reunificação da Alemanha é do ano seguinte.


Berlim > 21 de março de 2015 > Edifício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Aspeto, já ao pôr do sol,  do interior da famosa cúpula de vidro e aço, desenhada pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster



Berlim > 21 de março de 2015 > Ediífício do Reichtag, hoje sede do parlamento federal alemão (Bundestag) (desde 1999) > Interior da cúpula > Exposição documental sobre a história do parlamento alemão (construído em 1894, e já um cúpula de vidro e aço. no tempo do Kaiser Guilherme I),  > Imagem das primeiras tropas soviéticas que ocuparam o edifício em 2 de maio de 1945.


Berlim > 21 de março de 2015 > A porta de Brandemburgo vista da cúpula do edífício do Reichtag.


Berlim > 22 de março de 2015 > Com a porta de Brandemburgo, um numeroso grupo de adolescentes nipónicos tira a sua "foto de família"... Recorde-se que a rendição incondicional  do Japão, na II Guerra Mundial,  só se vai verificar no dia 2 de setembro de 1945, três meses do colapso de Berlim...



Berlim > 22 de março de 2015 > As portas de Brandemburgo, Lê-se  na Infopédia, e reproduz-se aqui com a devida vénia:

"As Portas de Brandemburgo, construídas entre 1788 e 1791, são o que resta da entrada na cidade de Berlim pela Avenida Unter den Linden [, a famosa Avenida das Tílias]. A construção do monumento ficou a dever-se ao arquiteto Carl Gottard Langhans, na época em que era Diretor de Arquitetura em Berlim.Trata-se de um pórtico colunado com seis pares de colunas dóricas encimadas por entablamento como se apresentam os propileus gregos. A famosa Quadriga da Vitória, uma estátua com um coche de gala puxado por quatro cavalos, remata todo o conjunto.  É ainda ladeado por dois corpos laterais simétricos, porticados e sobrepujados com frontão triangular. A sobriedade monumental reflete a vontade que a Alemanha exprimia em ser uma continuadora da tradição arquitetónica da Grécia. A ordem dórica, embora exprimindo mais eficazmente a simplicidade e grandeza clássica, era ao mesmo tempo pouco flexível, razão pela qual não foi extensivamente usada durante o período neoclássico.

"O monumento reflete os ideais autocráticos pela sua monumentalidade, conseguida através do uso de elementos classicistas. Evocando os arcos de triunfo, apresenta uma maior frieza precisamente pelo uso da ordem dórica. A estrutura ficou bastante danificada durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido restaurada em 1957-58. Entre 1961 e 1989 o muro de Berlim vedava o acesso a esta entrada por alemães orientais e ocidentais. Em consequência da reunificação alemã, as portas foram reabertas em 1989."...



Berlim > 21 de março de 2015 > > Portas de Brandemburgo > A Quadriga, a escultura que reprsenta a deusa (romana) Vitória a conduzir o seu coche, é da autoria do alemão Johann Gottfried Schadow (1764-1850), tendo sido adicionada à porta em 1793/94. Em 1806, Napoleão, derrotados os prussianos em Jena, trouxe a quadriga como troféu para Paris. Derrotado Napoleão oito anos depois, a escultura é trazida  de volta. É então, que recebe a cruz de ferro (uma condecoração militar instituída pelo rei da Prússia,  Fredereco Guilherme III) com uma águia prussiana no topo. Concebida originalmente como uma "porta da paz", acabou sempre por estar associado aos valores do militarismo... Em 1933, a porta é atravessada pelo cortejo de archotes dos nazis, marcando simbolicamente o início do Reich dos mil anos...


Berlim > 22 de março de 2015 >Portas de Brandemburgo, A deusa Vitória conduzindo a Quadriga...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados

1. Em todas as guerras e em todos os regimes, ninguém dispensa o poder da propaganda... Umas das fotos-ícone do séc. XX foi tirada justamente aqui, no Reichtag, em 2 de maio de 1945, pelo fotojornalista Yevgeny Khaldei (Donetsk, Ucrânia, 1917- Moscovo, Rússia, 1997)... 

Não reproduzimos aqui a foto por não estar inteiramente esclarecido se é do domínio público ou não. Mas continua, por enquanto, disponível na Wikipedia: um soldado soviético, em pose heróica, crava a bandeira vermelha, com a foice e o martelo, num dos cantos do telhado do Reichtag [, a antiga sede do parlamento da República de Weimar, proclamada em 9/11/1918], em Berlim. A capital do poderoso Reich dos mil anos tinha acabado de cair, sem honra nem glória, às mãos do exército de Staline. 

Soube-se, todavia, mais tarde que a foto sofreu sucessivos  "retoques artísticos"... por imperativos de propaganda. Uma das razões foi ditada pela necessidade de "limpar" a imagem do heróico soldado soviético... Afinal, o porta-bandeira de ocasião ostentava nos braços pelo menos dois  relógios, supostamente provenientes de um saque...

No dia 2 maio de 1945, de manhãzinha, Yevgeny Khaldei estava no edifício do Reichstag, que os soviéticos tomavam erradamente como um dos símbolos do nazismo. (O Parlamento da república de Weimar foi incendiado  em 1933, e esse cabo tenebroso acabou por dar pelnos poderes a Hitler)...

Três horas antes, o último comandante alemão que defendia a cida tinha capitulado, mas ainda havia combates esporádicos. Khaldei tinha sua câmera Leica com ele, além de uma bandeira soviética.

O fotógrafo militar, de 28 anos, tenente da marinha, de origem judia, encontrou um jovem camarada junto ao edifício do antigo parlamento, seriamente destruído pelas chamas e pelos bombardeamentos, persuadindo-o a subir ao telhado com a bandeira. Dois outros soldados do exército vermelho se juntaram a eles..

Khaldei tirou um rolo inteiro, ou seja, 36 fotografias. Uma delas tornou-se célebre, ao simbolizar a derrota da Alemanha nazi e a vitória do exército vermelho. Foi sabiamente usadas pela propaganda soviética, para quem o Reichtag tinha um valor simbólico... e não propriamente militar.

Vtima, ao que parece, do antissemitismo estalinista no pós-guerra, Khaldei caiu no esquecimento, e ele e a sua foto. Seria só em 1991, já depois da queda do muro de Berlim, e do desmoronamento da URSS, que um artista berlinense, Ernst Volland, se deparou por acaso com estas fotos de Khaldei em Moscovo, tendo decidiu publicá-las em livro.

Em 8 de maio de 2008, no aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, o museu Martin Gropius Bau, em Berlim, fez uma retrospectiva da obra de Khaldei, considerado o mais importanbe fotojornalista da era soviética. A exposição mostrou fotografias da "Grande Guerra Patriótica": a conquista, pelo exército vermelho, de Sofia, Bucareste, Budapeste e Viena, bem como a conferência de Potsdam e os julgamentos de Nuremberg. Também contava com fotografias da vida quotidiana na União Soviética, de antes e depois da guerra.

Khaldei não era, técnica, formal e esteticamente, um fotógrafo de grande estilo. Em contrapartida, teve o mérito de captar momentos historicamente importantes (e alguns únicos), ao longo de uma carreira de seis décadas. Pode-se lamentar que, do ponto de vista deontológico, o seu comportamento nem sempre tenha sido correto, como no caso da sua obra-prima fotográfica, a foto da bandeira vermelha no Reichtag. De qualquer modo, não deixa de ser um dos grandes fotojornalistas do séc. XX.

2. A história dessa falsificação, o "making off" da foto do Reichtag, foi reconstituída por Volland, o curador da exposição de Berlim.  Segundo ele, Khaldei nessa mesma noite de 2 maio seguiu de avião para  Moscovo, levando os negativos. Quando a imagem apareceu na revista Ogonjok,  em 13 de maio de 1945, já havia um detalhe modificado. Na realidade, o soldado que está apoar o seu camarada com a bandeira tinha um relógio em cada pulso, o que só podia ser produto de roubo. Khaldei admitirá mais tarde que tinha riscado o relógio no braço direito do homem num dos negativos,  usando uma agulha... Por outro lado, as  nuvens negras de fumo, dando maior carga dramática e tom épica à foto, terão sido adicionadas mais tarde.... Enfim, na versão final, há uma nova bandeira, ondulando dramaticamente no vento.

Khaldei justificou-se, alegando que manipulou a foto por uma boa causa, o seu ódio ao nazismo... O seu pai e três das suas quatro irmãs foram assassinados pelos alemães... Uns anos antes de morrer (em 1997), disse publicamente que perdoava aos alemães, mas nunca poderia esquecer... O que se entende, porque é humano. 

Conheceu grandes fotógrafos do seu tempo como Robert Capa (1913-1954), de seu nome verdadeiro, Endre Ernő Friedmann, judeu de origem húngara,  um dos fundadores da agência Magnum. Tornaram-se amigos e Capa deu a Khaldei uma câmera "Speed ​​Graphic", quando ambos faziam a cobertura dos julgamentos de crimes de guerra em  Nuremberg.

  by Michael Sontheimer, in Berlin. Spiegel on line International, 7 may 2008.

3. O fim da I Guerra Mundial foi o fim da Europa imperial, e a emergência dos EUA como grande potência... O fim da II Guerra Mundil foi o fim dos impérios coloniais, logo com a Inglaterra, em 1947, a abrir mão da "joia da coroa" que era a Índia... Foi também a divisão do mundo em dois blocos, polítco-militares, com um longo período de guerra fria, a emergência do movimento dos não-alinhados, o 3º Mundo, a descolonização...

Mas foram também os "trinta gloriosos", as três décadas de crescimento económico ininterrupto dos países europeus, sob a tutela dos EUA: o "milagre económico" alemão, francês, italiano... Um mundo (e um modelo de desenvolvimento) que entrou em crise, a partir de 1973, com o choque petrolífero, e acabou em 1989, com a queda do muro de Berlim...  No meio de tudo isto, Portugal, país milenar, viu-se reduzido, em 1975, às fronteiras do séc. XIV e aos seus modestos 89 km mil quadrados, depois de ter levado a cabo, ingloriamente, a maior guerra do séc. XX, de baixa intensidade, em três teatros de operações, a milhares de quilómetros de distância, mobilizando mais de um milhão de homens, ao longo de quase década e meia... Essa guerra calhou-nos na rifa, à geração nascida com a (ou depois da) II Guerra Mundial... Feita a paz, e as contas, verficamos que o português é hoje a língua de 250 milhões de seres humanos, da Guiné ao Brasil, de Angola a Timor...O português é, verdadeiramente, a nossa "joia da coroa" e não é mais uma língua imperial...

De facto, a partir de  1945, o mundo não mais voltaria a ser como dantes...  (LG)