Mostrar mensagens com a etiqueta livros. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta livros. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Guiné 61/74 – P20345: Agenda cultural (712): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Camaradas, 
Vou apresentar a minha nova obra (o nona), em Beja a 10 de dezembro, a seguir Lisboa (Casa do Alentejo), entre outras iniciativas que já tenho programadas.

Uma ida ao Porto não está fora dos meus planos.



“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 MEMÓRIAS DE GABU”

“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 – MEMÓRIAS DE GABU” é o nono livro do meu pecúlio como jornalista/escritor e o segundo como ex-combatente em solo guineense.

A temática, agora sustentada com novos textos, sendo certo que alguns deles foram recuperados e trabalhados face ao tema tratado da primeira edição – “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU” -, é mais um desafio à nossa existência como antigos militares lançados à força para as frentes de combate.

Procurei, embora sinteticamente, ser o mais abrangente possível, diligenciando trazer à estampa temáticas que mexem irreversivelmente com a nossa comum presença num espaço que nos fora substancialmente cruel.

As memórias da guerra não se apagam e cada um de nós ainda hoje revive situações horripilantes pelas quais passou. Reconheço que existem camaradas que recusam abordar vivências passadas que lhe vão na alma. Respeito escrupulosamente essa forma de sentir.

Há camaradas que procuram olvidar realidades que na generalidade todos ou quase todos conhecemos. Recusam o confronto com cenas atrozes onde foram incontestáveis guerrilheiros numa luta por vezes desigual. Fica, pois, a nossa plena aceitação.

Mas esta obra contempla, também, a presunção deste vosso velho camarada que não se esconde num templo onde as lamentações jamais deverão esbarrar num muro em que as lamúrias tendem em cair no esquecimento.

A guerra Colonial não está assim tão distante no tempo. É recente. Porém, raros têm sido os órgãos de decisão governamental, e não só, a abordar o tema que mexeu com gerações e abalou futuros que se perspetivavam risonhos.

Neste contexto, o livro aborda temáticas exuberantes no que concerne a vicissitudes de que fomos alvos por terras da Guiné e simultaneamente ao agitar gritos de revolta quando em causa se coloca o nosso próprio estatuto como antigos combatentes.




Hoje, a guerra Colonial perdeu visibilidade. Poucos são aqueles que dela falam em público, sobretudo em meios de comunicação social nacional e que por ordem analógica das coisas se deixam levar por tédios e brandos costumes. Poucos são, também, aqueles que se debruçam sobre a inequívoca veracidade onde a morte, estropiados, ou os stressados de guerra, de entre outras doutrinas que recaem sobre os climas dos pós traumáticos, designadamente, são meras personagens de um país que simplesmente os esqueceu.

O livro aborda também o tema dos abandonados. Sim, os abandonados, aqueles que ingloriamente lutaram pela Pátria, uma Pátria que não sendo aquele sumptuoso manto doutrinal que nos fora “vendido” nos bancos da escola, foi também aquela na qual todos nós nos envolvemos.

A guerra, essa desumana realidade, foi propícia a inegáveis circunstâncias que desabaram para incertezas futuras. Da guerra colonial sobram infalibilidades que há restos mortais de camaradas que por lá ficaram literalmente abandonados.

Camaradas, vale a pena através da leitura deste livro revermo-nos no tempo em que nós jovens fomos atiradas para as frentes de combate como uma mera mercadoria chamada “carne para canhão”.

O livro tem o preço de capa 16 euros, sendo o primeiro lançamento no dia 10 de dezembro de 2019, 21h30, na Biblioteca José Saramago, em Beja.

Depois seguir-se-ão outros lançamentos. Lisboa será, em princípio, o destino seguinte. Por mim estarei disponível em deslocar-me por o País fora, levando na minha “mala de cartão” um rol de experiências que são tão-só as tuas próprias experiências.

Camaradas, bebemos água da mesma fonte e comemos do pão que o diabo amassou. Digamos, em uníssono, que somos gentes e proclamamos simplesmente justiça, não obstante o universo de dificuldades até agora deparadas.

Deixo aqui expresso que a obra “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 - MEMÓRIAS DE GABU” só foi possível vir a público graças aos textos que amiudadamente transcrevo no nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné -. Este foi, para mim, uma rampa de lançamento para investir no cosmos da escrita sobre outras temáticas entretanto não abordadas, neste caso o da guerra.

Por fim, fica o meu profundo agradecimento ao Luís Graça, o fazedor do prefácio, ao meu camarada ranger Magalhães Ribeiro pela sua amável disponibilidade em me colocar os textos no blogue e a todos vocês camaradas que fazem o favor em me aturarem nas minhas eloquentes dissertações guerrilheiras, que também são as vossas, neste terreno de jogo onde fomos meros figurantes no conflito na Guiné.

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

8 DE NOVEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20323: Agenda cultural (711): A não perder: curso, 15 euros por 4 tardes de sábado (, 9, 16, 23 e 30 de novembro), na Livraria-Galeria Municipal Verney, Oeiras, sobre "A Herança Judaica em Portugal": (i) a antiguidade na península ibérica; (ii) sinagogas, judiarias e comunidades; (iii) a Inquisição no património mental; e (iv) Amsterdão e Nova Iorque: duas cosmopolitas comunidades da diáspora.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Guiné 61/74 – P20192: Agenda cultural (703): Livro do nosso camarada ranger António Chaínho "A escrava Domingas". (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Livro do nosso camarada ranger António Chaínho 

"A escrava Domingas"
Escravos africanos


Escravos! Parafraseando o autor, António Chaínho, um camarada ranger do meu curso, 1º de 1973 em Penude, Lamego, e antigo combatente em Angola, proponho uma leitura da sua última obra intitulada: A escrava Domingas.

Escravos é, somente, a palavra inicial de um livro que trata de um assunto real onde se escondem histórias, algumas mórbidas, sendo o patrão da “matéria comprada” uma das figuras proeminentes que geriam a força humana a seu belo prazer.

A escravatura foi, sem dúvida, uma realidade social que transvazou a dignidade de homens e mulheres, trazidos em lotes, para serem vendidos a patrões que procuravam naqueles seres uma exequível razão para um trabalho onde a força física se sobrepunha aos valores morais.

O livro espelha os custos de cada lote de escravos, sendo o preço das mulheres superiores aos dos homens. É fácil entender que a mulher era, além de serviçal, utilizada para os senhorios satisfazerem-se sexualmente. Logo, o procriar era entendido como uma mais valia para o comprador. Um negro nascido era, naturalmente, um novo escravo. 

A escrava Domingas, foi uma negra oriunda de uma sanzala situada na foz do Zaire, Angola, e vendida, entre outros nove escravos, para o morgado de S. Mamede, em Vale do Sado.


Domingas, propriedade de Diogo Menezes de Athayde Lencastre, 3º Morgado de São Mamede, travou uma batalha de resistência ao longo de uma vida marcada pela escravatura e onde se sujeitou a torturas e humilhações. Porém, a sua dignidade humana foi portadora de inconfessáveis segredos que foram hermeticamente guardados no seu coração.

A história, inteligentemente trabalhada pelo autor, onde o leitor se prende com o desenrolar da narrativa, pois cada página traz-nos uma nova mensagem sobre a evolução das personagens envolvidas, remete-nos para uma crueldade racista mas que se associa, em simultâneo, com sentimentos de paixão.

Diogo Lencastre, proprietário de uma herdade muito extensa, incentivado por amigos próximos, resolveu comprar um lote de escravos a qual incorporava a escrava Domingas.

Domingas era uma jovem airosa o que desde logo provocou ao 3º Morgado de São Mamede uma enorme apetência sexual, situação esta considerada então normal nesses idos tempos, século XVIII.

Desse romance amoroso, praticado no segredo dos deuses e longe do pensamento de D. Diana, a esposa do morgado, foi gerada um criança de nome Maria Rosa. Batizada só com o nome da mãe, filha de pai incógnito, a criança cresceu e quando começou a olhar para a sombra apaixonou-se pelo filho do patrão Diogo.

Henrique, irmão de Mafalda, e por ora os únicos herdeiros do morgadio, retribuía esses ensejos e, às escondidas, lá travavam olhares para um romance amoroso futuro mas que após a morte dos pais a verdade seria literalmente desvendada.

Ou seja, após Henrique ter acesso ao testamento deixado pelo seu pai, Diogo Menezes de Athayde Lencastre, este deixou escrito que Maria Rosa era na verdade sua irmã. O clã passou a contar com o triunvirato – Henrique, Mafalda e Maria Rosa -.

No testamento deixou explícito a questão das partilhas, entre os três, e não esqueceu uma pequena dádiva para a escrava Domingas.

Proponho, de novo, a compra da obra A escrava Domingos, de António Chaínho, um camarada que vive em Grândola. 

Abraços, camaradas
José Saúde

Nota: os interessados na compra podem, caso assim o desejem, contactar o telemóvel número 961 482 269 (Zé Saúde). 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

20 DE SETEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20162: Agenda cultural (702): Festival TODOS 2019: "A rapariga mandjako": hoje às 21h00, amanhã às 20h00, na Escola Básica de Santa Clara, Campo de Santa Clara, 200, São Vicente, Lisboa

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19041: Notas de leitura (1103): “Ku Mininos Di Nô Terra, Ideias para a educação pré-escolar”, trabalho coordenado por Carlos Lopes e Olívia Mendes, para o Departamento de Educação Pré-escolar, edição patrocinada pelo Ministério da Educação Nacional da Guiné-Bissau e pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, Genebra, edição DEDILD – Departamento de Edição, Difusão do Livro e do Disco, Bissau; 1982 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Folheando demoradamente esta obra de encantar, ia pensando nos castelos de sonhos daqueles primeiros anos, nas pessoas de bem que queriam construir pessoas diferentes no contexto extraordinário de um movimento de libertação que por conta própria resgatara a independência do território e prometia construir um Estado. Tinha todo o sentido o ideal nesta educação pré-escolar, em prometer o acesso sem descriminação, em criar condições para a compreensão do português num país marcado pelo crioulo e pelas línguas étnicas. Oxalá que a solidariedade internacional não tenha desmerecido nesta dimensão do ensino, reconheça-se o que Carlos Lopes averba na apresentação do que deve ser um manual do educador infantil quando diz que nesta idade o desenvolvimento é das capacidades intelectuais, da formação das qualidades morais e da formação das vontades da criança que irá avançar para o homem.

Um abraço do
Mário



Ku Mininos Di Nô Terra

Beja Santos

Numa visita que fiz às Edições 70, a mexericar em livros exclusivamente da casa, completamente esgotados, dei com esta surpresa: “Ku Mininos Di Nô Terra, Ideias para a educação pré-escolar”, trabalho coordenado por Carlos Lopes e Olívia Mendes, para o Departamento de Educação Pré-escolar, edição patrocinada pelo Ministério da Educação Nacional da Guiné-Bissau e pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, Genebra, edição DEDILD – Departamento de Edição, Difusão do Livro e do Disco, Bissau, 1982. Uma grande ternura! Na apresentação da obra, Maria Dulce Almeida Borges, Diretora-Geral do Ensino refere que a familiarização com a língua oficial, o português, ocupa o lugar correspondente à preparação para o ingresso na primeira classe do ensino básico. Esperava-se com a publicação desta recolha de textos, nomeadamente do jardim infantil “Nhima Sanhá”, obter-se uma visão dos condicionamentos, avanços e recuos de uma experiência de educação pré-escolar no período pós-independência. Importa esclarecer que à data da publicação havia seis jardins-de-infância em Bissau (Nhima Sanhá, Escola Nacional de Música José Carlos Schwartz, Néné Costa, Pefiné, Teresa Badinca e 14 de Novembro), em Bolama o Jardim Infantil Josina Machel e em Fulacunda o Jardim Infantil de Tite.

Carlos Lopes e Olívia Mendes desdobram-se em explicações sobre a transcendência deste período da infância, dizendo mesmo que é a opinião de muitos psicólogos de que a criança vive, nos primeiros anos de idade, a terça parte da sua vida, o que quer dizer que – devido à plasticidade do seu sistema nervoso – as aquisições feitas nesta fase são extraordinárias. E alegam que os jardins infantis se devem transformar no primeiro degrau do sistema educativo, ao garantir uma iniciação e uma melhoria progressiva no uso e compreensão da língua oficial de ensino. Chamou à atenção que este ensino não deve descurar o contexto urbano e o meio da tabanca.

O Jardim Infantil Nhima Sanhá, de Bissau, surgiu no ano letivo de 1976/77, colocado em meio difícil, muito perto do Hospital Simão Mendes e quase à entrada do Bissau Velho, houve que recrutar educadores e outro pessoal especializado, procurar crianças com famílias bem diferenciadas e procurar levar por diante, com algum grau de exigência atividades centrais próprias das classes pré-escolares: jogo, brincadeiras, linguagem, expressão plástica, expressão através do movimento, educação física, expressão dramática, iniciação musical. No ano de 1978/79 abriram dois novos jardins infantis, Teresa Badinca, situada no bairro popular da Tchada e o Jardim Infantil do Bairro da Ajuda.

No comentário às experiências ocorridas, os autores também recordam que a pesquisa orientada na observação das crianças nas suas principais atividades é o caminho mais seguro e apropriado para a libertação da dependência no campo de estudo e compreensão da formação da personalidade das crianças.

O livro descreve uma experiência urbana de educação pré-escolar. Dois capítulos são consagrados à formação pedagógica. Trata-se de um texto sobre o desenvolvimento de conceitos na criança e de um manual do educador infantil. Nesse contexto, Carlos Lopes disserta sobre as teorias de Jean Piaget, inserindo mesmo uma curta antologia de textos essenciais, insistindo que na idade pré-escolar se produz um desenvolvimento intensivo da criança, tanto das suas capacidades intelectuais como na formação das suas qualidades morais e na formação da sua vontade.

Graças à disponibilidade das Edições 70, é possível mostrar a capa e a contracapa desse livro raro, uma fotografia, um desenho de criança e frases avulsas. Enquanto lia toda esta beleza, dava comigo a pensar por onde andam estes jardins-de-infância, o que farão hoje as crianças que escreveram aqueles ditos, que recursos são alocados ao ensino pré-escolar.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19033: Notas de leitura (1102): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (52) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18531: Agenda cultural (635): Convite para a inauguração da exposição "A Biblioteca de Samuel Schwarz, espelho de uma vida", amanhã, dia 18, 4ª feira, às 17h30, na Assembela da República (João Schwarz)


Cinquenta e cinco anos depois da nossa muito querida e saudosa amiga Clara Schwarz (1915-2016) ter chegado a um acordo com o Estado Português para a preservação e conservação da preciosa biblioteca do seu pai, Samuel Schwarz, Portugal homenageia a este homem, avô do Pepito e do João, que nos deixou um importante legado cultural.

Já o seu pai, Isucher Szwarc, nascido em Zgierz, na Polónia,  era detentor de uma um das  maiores bibliotecas  privada do país e a sua casa era o ponto de encontro de intelectuais de primeiro plano da Haskalá (movimento do iluminismo judaico, surgido na Alemanha no séc. XVIII).

Samuel veio para Portugal em 1914, e aqui prosseguiu os estudos sobre a história dos judeus portugueses, a par da sua atividade profissional como engenheiro de minas e homem de negócios. A biblioteca do pai, Isaque., foi pilhada   pelos nazis, desconhecendo-se o seu paradeiro.

A biblioteca do filho, Samuel  (e em especial a "biblioteca hebraica")  foi transferida para os arquivos históricos do Ministério das Finanças em 1953, em condições muito deficientes de transporte e depois de conservação, arquivo e salvaguarda. ...

Só em 1986 (!), a  biblioteca de Samuel Schwarz (ou que restava dela) foi finalmente parar a "boas mãos", a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa...  Foi preciso mais de meio século para, na casa da democracia, se dar a conhecer aos portugueses algumas das raridades da biblioteca de Samuel Schwarz (que em vida reuniu mais de 10 mil livros)...De qualquer modo, o ncleoo importante da biblioteca é chamada "biblioteca hebraica" (c. de mil livros e incunábulos).

Eu lá estarei amanhã para homenagear este homem, a quem se deve, entre muitas outras coisas, a descoberta da antiga sinagoga de Tomar (, edifício que ele próprio comprou, com dinheiro do seu bolso, e de que fez doação ao Estado Português), a par da descoberta da comunidade cripto-judaica de Belmonte. Nunca esquecerei o amor filial e a admiração intelectual que por ele tinha a sua filha Clara Schwarz. Esse trabalho de culto da memória tem sido continuado pelo seu filho João, irmão do Pepito. (LG)


1. Mensagem que nos foi enviada pelo nosso grã-tabanqueiro João Schwarz da Silva, hoje, às 11h38:

Caro Luís

Junto envio um convite para a exposição que terá lugar a partir de amanhã na Assembleia da Republica.

Abraços, João,


2.  Trata-se de um convite da Assembleia da República e da Faculdade de Ciências e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa (UNL) para a inauguração da exposição "A Biblioteca de Samuel Schwarz, espelho de uma vida", no edifício da Assembleia da República, amanhã, 4ª feira, dia 18 de abril,  às 17h30 (no final da sessão plenária).

O engº Samuel Schwarz (Zgierz, Polónia, 1880 - Lisboa, 1953) tem meia dúzia de referências no nosso blogue. Foi pai da nossa grã-tabanqueira Clara Schwarz (Lisboa, 1915-Lisboa, 2016), e avô (materno) do Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (Bissau, 1949-Lisboa, 2014) e do João Schwarz da Silva, ambos membros da nossa Tabanca Grande, bem como bisavô (paterno) da nossa jovem amiga e grã-tabanqueira Catarina Schwarz que vive em Bissau.


3. Excerto da notícia relativa à à Biblioteca de Samuel Schwarz, que vai  ser exposta na Assembleia da República 

(...)  Samuel Schwarz juntou, ao longo de 73 anos de vida, uma extensa biblioteca, principalmente dedicada a temáticas judaicas. Depois de dezenas de anos no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, esta coleção está hoje a cargo da Biblioteca Mário Sottomayor Cardia, da NOVA FCSH. A partir de 18 de abril e até 22 de maio, fica em exposição na Assembleia da República.

Esta mostra biobibliográfica, que fará igualmente parte das comemorações do Parlamento de Portas Abertas, a 25 de abril, estará dividida em três núcleos: um dedicado ao percurso de vida de Samuel Schwarz, com vários objetos pessoais e fotografias, outro com uma seleção de livros da sua biblioteca pessoal (alguns bastante raros, do século XVI e seguintes) e o terceiro com obra do próprio.

Samuel Schwarz, com formação em engenharia de minas, naturalizou-se português em 1939 e distinguiu-se como investigador e historiador, tendo publicado obras de referência acerca da presença dos cripto-judeus, também chamados marranos, em Portugal. O seu trabalho foi fundamental no processo de desocultação dos cripto-judeus portugueses.

Chegou ao nosso país em 1914, para trabalhar na extração de volfrâmio. No entanto, ainda no início dos anos 20, iniciou uma atividade paralela como arqueólogo e etnógrafo, o que lhe permitiu identificar a sinagoga de Tomar, que adquiriu e ofereceu ao Estado português em 1939. Algumas das fotografias que o próprio tirou nessa época farão parte do primeiro núcleo da exposição no Parlamento português, em formato físico ou digital.

Será também exposta uma seleção do seu acervo bibliográfico, que constituirá o segundo núcleo da exposição. Marcel Paiva do Monte, da Divisão de Bibliotecas e Documentação da NOVA FCSH, refere uma biblioteca “de grande coerência”, cujas obras estão maioritariamente relacionadas “com o povo judeu, a sua história, religião, língua e cultura”.

Da sua carreira como investigador serão também expostos alguns exemplares das suas publicações, entre artigos, livros e ensaios, que constituirão o terceiro núcleo desta exposição. Estas obras estão presentes nas suas versões originais, datilografadas ou manuscritas, mas também em versões e edições mais recentes, atualmente disponíveis na Biblioteca Mário Sottomayor Cardia.

Esta exposição teve origem num projeto de estudo e preservação do fundo de Samuel Schwarz, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian com o apoio da Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas.(...)

(Fonte: FCSH / UNL,  14 abr 2018. Adapt. , com a devida vénia)

4. Sobre a biblioteca de Samuel Schwarz, ver ainda aqui, no síto do seu neto, João Schwarz:

Des Gents Interessants > Samuel Schwarz >  La bibliothéque de Samuel Schwarz [2012, em francês]

Vd. também o artigo a “Les bibliothèques de Isucher et Samuel Schwarz” [, em formato pdf, 9 pp., em francês].


Página do nosso amigo e grã-tabanqueiro João Schwarz > Des Gens Intéressants > "Eis aqui um mundo de outrora e de gentes que tiveram uma vida interessante. O que vai de Odessa a Lisboa, passando por Lisboa, Paris, Rio de Janeiro, Dacar, Montreal, Tel-Avive. Bissau e Zgierz. Todos têm por único atributo comum fazer parte da mesma família e ter conhecido sob uma forma ou outra as agruras da gierra ou da perseguição". [tradução do francês, LG]

____________________

Nota do editor:

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17738: Agenda cultural (581): "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade", de José Saúde (Chiado Editora, 2017, 184 pp.): sessão de lançamento no dia 10, domingo, às 17h30, com apresentação do nosso editor, prof Luís Graça; e hoje, dia 7, o autor vai estar no programa de Fátima Lopes, na TVI, " A Tarde é Sua", às 16h30, para falar do seu livro e da sua história clínica extraordinária

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade 


O mundo é um imenso planeta onde se cruzam imagens de seres humanos que a certa altura das suas vidas se deparam com crueldades que a mãe Natureza, infelizmente, a espaços determina. Porém, ninguém se julgue imune a presumíveis doenças que porventura nos tocam e logo inesperadamente. Mas acontece, nada a opor. Há que aceitar.


Camaradas, sou mais um dos inúmeros portadores de um Acidente Vascular Cerebral, vulgo AVC. Fui apanhado numa feroz e traiçoeira emboscada montada pelo IN (AVC) que me atirou para uma resma de incertezas, chegando mesmo a duvidar do dia de amanhã, aliás, do momento seguinte, para ser mais preciso.

Entre uma limitadíssima linha que separa o ser humano entre a vida e a morte, lá fui conduzido para um universo de incapacitados cujo futuro era marcado por uma constante incerteza. Todavia, num ténue lobrigar ao meu estado físico, conclui que o fim, a meu ver, ainda parecia distante.

A afazia, observada no seu início, limitava toda a minha inquietação face à situação emocional. Mas, lá surgiram os primeiros sinais de alerta e eis-me a caminhar seguramente no trilho do reativar competências que entretanto pareciam perdidas.

A minha hemiparesia direita trouxe-me irreversíveis marcas que o tempo jamais ousará remediar. O braço direito ficou esquecido, sendo que o membro inferior deu-me sinais de vitalidade que me proporciona um caminhar pausado, mas seguro.

A luta titânica que travamos quotidianamente no mundo

Capa do 1º livro, editado em 2009
dos silêncios, levou-me a escrever um segundo livro sobre o AVC (*). Entendi, como oportuno, incentivar todos os companheiros apanhados nesta “armadilha”, assim como os potencias portadores de uma doença contextualizada no universo de informações existentes.

E é neste contexto de realidades adquiridas, que me fixei na construção de uma outra obra que nos permite mergulhar no saber sobre as circunstâncias em como lidar com o “mal” que por vezes parece um fim, mas que afinal nem sempre a meta é a derradeira solução.

A obra, 184 páginas, tem a chancela da Chiado Editora e será, inicialmente, lançada em Portugal e no Brasil e, posteriormente, traduzida em inglês para os Estados Unidos da América, Inglaterra, Irlanda do Norte, assim como em castelhano para Espanha, após a venda dos primeiros 3.000 exemplares. (**)

Para trás ficaram momentos áureos em que a nossa irreverente juventude proporcionou instantes de felicidade e apreensão. Reconheço que o meu passado como antigo futebolista, sustentado num serviço militar obrigatório onde a especialidade de Operações Especiais/Ranger, a que acresce uma comissão no Guiné, me trouxe um novo alento e deu incontestáveis forças no debelar deste sinistro “mal”.

Espelhando, humildemente, o que me vai na alma, convido todos os camaradas que residem na grande Lisboa que no próximo dia 10 de setembro, domingo, 17h30, na Chiado Café Concerto, Avenida da Liberdade, nº 180, marquem presença no evento. De resto fica o respetivo Cartaz e, naturalmente, o Convite. 

Estou a contar com a presença do nosso editor, Luís Graça, que é professor de saúde pública, jubilado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa.

Abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________

Notas de M.R.:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12574: Blogoterapia (246): Uma história de vida contada na primeira pessoa (José Saúde)

Vd. também postes de:

12 de outubro de 2011 Guiné 63/74 - P8898: História de uma vida (José Saúde Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 - Nova Lamego e Gabú -, 1973/74)

1 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12664: História de vida (37): O AVC é uma doença subtil que chega sem avisar (José Saúde)

(**) Vd. último poste desta série em: 

1 DE SETEMBRO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17721: Agenda cultural (580): Lourinhã, Ribamar, sábado, dia 2, às 17h00, inauguração da exposição do nosso amigo e camarada Estêvão Alexandre Henriques, "Navegar no passado"... O nosso próximo grã-tabanqueiro foi fur mil radiomontador, CCS/BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)Lourinhã, Ribamar, sábado, dia 2, às 17h00, inauguração da exposição do nosso amigo e camarada Estêvão Alexandre Henriques, "Navegar no passado"... O nosso próximo grã-tabanqueiro foi fur mil radiomontador, CCS/BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17252: Agenda cultural (554): Novo livro. Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem sobre o seu novo livro.


Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense

Neste final do mês de abril, sábado 29, será apresentada mais uma obra deste vosso camarada José Saúde na sede do Clube Atlético Aldenovense, em Aldeia Nova de São Bento, por altura das Festas das Santas Cruzes.

Trata-se de um livro cuja temática se inicia no ano de 1923 e termina em 2016. A curiosidade desta obra, sendo desportiva, prende-se com o facto do boom do clube sul alentejano saltar para a ribalta, oficialmente, após a Revolução dos Cravos, 25 de Abril de 1974, e que originou o regresso dos muitos jovens da terra que prestavam serviço na guerra do Ultramar.

Eu, José Saúde, fui um daqueles rapazes que, não obstante o seu vínculo a uma comissão militar na Guiné e interrompida por força de uma revolta bem sucedida que libertou as antigas colónias, chegou ao seu torrão natal e colocou a máquina do futebol em andamento.

O livro fala, justamente, desse período áureo e da labuta da rapaziada que tentava esquecer a guerra regozijando-se então com a prática do futebol. Assim, na época de 1974/1975 o Atlético Aldenovense filiou-se com uma equipa sénior na AF Beja e não mais parou.

Nesses tempos assistia-se a tardes futebolísticas no antigo campo da feira da Aldeia, sendo que a malta jovem se dedicava efusivamente ao jogo. O livro retrata, também, a evidente evolução desportiva do emblema, quer na componente organizativa, quer na competitiva, ou no campo das infraestruturas entretanto construídas. 

E assim se vão construindo nacos de biografias de exíguos clubes e de freguesias pequenas situadas algures neste país lusitano e que ficarão para as gerações vindouras contemplarem e usufruírem de hilariantes gestas que o tempo paulatinamente consome. Ficam, pois, façanhas escritas que a história jamais omitirá. 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523
___________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

sexta-feira, 31 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17192: Ser solidário (201): A ONG Ajuda Amiga lança um livro solidário com contos da Guiné-Bissau para distribuição gratuita pelas escolas, associados e doadores da ONG presidida pelo Carlos Fortunato



1. Mensagem do nosso camarada Carlos Fortunato (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71), Presidente da Direcção da ONG Ajuda Amiga:

Camaradas e amigos
Junto em anexo um documento de proposta de poste, que coloco à vossa apreciação.

Um abraço e continuação do vosso excelente trabalho.
Carlos Fortunato


Lendas e contos da Guiné-Bissau – um livro solidário distribuído gratuitamente

A ONG Ajuda Amiga lançou um livro solidário que não estará à venda, é apenas para distribuição gratuita, e está a ser distribuído às escolas onde existem grandes comunidades guineenses, bem como aos seus associados e a todos os doadores da Ajuda Amiga que façam doações a partir de 10 euros.

O objetivo do livro é ser uma ferramenta para promover o ensino multicultural, permitindo aos professores poderem incluir lendas e contos da Guiné-Bissau nas suas aulas, esta ação irá decorrer durante o ano de 2017 e será distribuído a todas as escolas e bibliotecas que o peçam, sendo enviado pelo correio.

Membros da Ajuda Amiga irão deslocar-se (a expensas próprias) à Guiné-Bissau em 2018 e ai farão também uma distribuição para as bibliotecas públicas e bibliotecas escolares.

Trata-se um livro escrito por mim, Carlos Fortunato, com o apoio de artistas, professoras de português e técnicos da arte gráfica, e que foi entregue pronto a imprimir à Ajuda Amiga, para o fim referido anteriormente, não existindo aqui quaisquer fins lucrativos ou direitos de autor envolvidos. A edição teve igualmente o apoio de uma outra Associação que tem colaborado connosco, a MIL – Movimento Internacional Lusófono.







O livro tem 102 páginas e 43 ilustrações.

A Ajuda Amiga além desta distribuição do livro que tem o seu maior impacto a nível nacional, tem em preparação outras ações de apoio ao ensino, em que a mais ambiciosa é a construção de uma escola na Guiné-Bissau.

Fazendo um rápido balanço da atividade da Ajuda Amiga desde o inicio em 2008, até 31-12-2016, esta enviou 144,6 toneladas de bens em contentores para a Guiné-Bissau, nas quais se incluem 201.000 livros, o que para um grupo de jovens com mais de 60 e muitos anos, que sem quaisquer apoios se reuniu em 2008 para discutir esta ideia, foi um grande desafio que apenas com um grande trabalho de equipa conseguiu ser superado.

Presentemente o foco da nossa intervenção está na construção de infra-estruturas na área do ensino, mas não vamos deixar de enviar alguns bens por contentor, mas em sistema de grupagem e pagando todas as taxas e impostos, porque o envio de contentores nos moldes que fazíamos anteriormente já não é possível, tendo-se tornado muito difícil, complexo e inviabilizando o acompanhamento que queremos fazer no terreno quando da sua distribuição.

Voltando à questão do livro, as recolhas para o mesmo foram feitas na Guiné-Bissau e em Portugal junto da comunidade guineense, além do estudo feito sobre a bibliografia existente.

As pessoas contactadas foram das mais diversas deste o contador de histórias, que conta as lendas ao som do corá, como foi o caso de Seco Canté, passando por todo o tipo de pessoas, como o ex-presidente Kumba Yalá, crianças, etc.

Seco Canté

Seco Canté é um artista de corá da Guiné-Bissau, que transmite as histórias e as lendas mandingas através das canções que entoa no seu cora. São histórias que passam de pais para os filhos, e remontam ao seu antepassado Djali Uali Dgebatê que desempenhava essa função, como djali bá do Mansa bá Djanqui Uali, o último Imperador de Cabú, cuja capital Cansalá, fica perto da atual cidade de Gabú.

A lenda de Djanqui Uali e da batalha de Cansalá é uma lenda muito interessante, porque aparece pela primeira vez uma versão mandinga, nela Djanqui Uali com 600 guerreiros destrói um exército com 40.000 guerreiros, embora não evite que seja o fim do Império de Cabú.

A lenda mandinga de Sundiata Keita é sem dúvida a mais importante, porque se trata da epopeia que levou à construção do maior império da África Ocidental e um dos maiores da África, o Império do Mali, e é também a mais conhecida, pois existem várias obras sobre ela, nomeadamente em francês e inglês, sendo referida aos alunos nas escolas. Esta lenda conta a história do menino que só aos oito anos começou a andar e que aos dez, teve que fugir com a sua família para não ser morto, e sem nada apenas com a profecia que iria tornar o Mali grande, a sua coragem e a sua inteligência, criou um império.

 Kumba Yala e Carlos Fortunato

A minha conversa com Kumba Yala foi interessante, falamos sobre as lendas da Guiné e nela pude confirmar a origem da história sobre o seu nome “Foi mesmo assim.” – respondeu ele, na verdade o seu nome teve origem no facto de quando era menino, um porco o ter agarrado e fugido com ele para o mato. Porco em balanta diz-se kumba e Yalá era o dono do porco, dai o seu nome Kumba Yalá.

 O jovem Binham Indam

O mais jovem contador de histórias foi o Binham Indam, com o conto “O menino e o patu-feron”. O Binham é um menino com dez anos, e que me disse logo “Não sei contar em português ou crioulo, só em balanta”, o que faz pensar que ainda existe um grande trabalho por fazer na área da educação, e nas enormes dificuldades que deve ter uma criança quando entra para a escola.

O “O menino e o patu-feron”, é um conto que alerta as mães para os perigos quando estão no mato, pois devem levar sempre os filhos amarrados à cintura, fala de coragem, de solidariedade e do prazer de comer arroz. O fim deste conto faz-me sempre sorrir, porque depois do valente caçador conseguir salvar o menino de um patu-feron que o tinha levado, o menino não queria comer arroz porque o patu-feron só lhe dava peixe, mas o caçador com muita paciência foi-lhe dando arroz aos poucos, e depois o menino acabou por perceber o imenso prazer que é comer arroz, e foi assim que o caçador o convenceu a comer arroz ao pequeno almoço, ao almoço e ao jantar.

Ao contrário de outros países na Guiné-Bissau não existem crianças abandonadas, existe sempre um familiar, um amigo, um vizinho que toma conta dela, este conto reflete também esse espírito de solidariedade, mas não quero dizer com isto que a criança não possa passar por vezes fome e não tenha uma vida dura, porque isso infelizmente é frequente.

Aproveito a oportunidade para fazer um apelo à feitura de um IRS solidário em 2017, e para visitarem o nosso site em http://www.ajudamiga.com, estão lá mais detalhes sobre este projeto “Uma escola para todos” e sobre o livro, bem como os nossos relatórios de contas, atividades, fotos, vídeos, etc., etc.

Um alfa bravo romeo alfa charlie oscár.
Carlos Fortunato

Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
Escritório - Rua do Alecrim, nº 8, 1.º Dtº, 2770-007 - Paço de Arcos
Telef. 937 149 143, e-mail: ajudaamiga2008@yahoo.com
http://www.ajudaamiga.com

ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
NIF 508617910
IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26
Joaquim Carlos Martins Fortunato - Presidente da Direção da Ajuda Amiga
Telef. 935 247 306, e-mail: jcfortunato@yahoo.com
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16607: Ser solidário (200): Associação "Fidju di Tuga", com sede em Bissau, vai realizar um recenseamento dos lusodescendentes, filhos de antigos militares portuguieses (Cherno Baldé)

sábado, 3 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16795: Agenda cultural (527): Convite para a sessão lançamento do meu livro "Irmãos de Armas", dia 12 de Dezembro às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, (António Brito)

1. O Cor M. Barão da Cunha reenviou-nos o convite que passamos a publicar da autoria de António Brito, que nasceu em 21 de Novembro de 1949 e aos dezoito anos alistou-se nas tropas pára-quedistas, onde permaneceu quatro anos, tendo sido mobilizado para Moçambique, combateu nalgumas das mais importantes operações militares contra a FRELIMO (1969/71).




CONVITE >  Lançamento do livro de António Brito




Caro Cor. M. Barão da Cunha

Dia 12 de Dezembro, 2ª feira, às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, vamos realizar o lançamento do meu novo livro IRMÃOS DE ARMAS.

Uma história inédita de combatentes, contada antes, durante e depois da guerra.

A apresentação será feita pelo cineasta António-Pedro Vasconcelos.

Será uma honra poder contar com a sua presença.

Se for razoável fazê-lo, pedia-lhe a gentileza de tornar extensivo este convite, reenviando-o, aos membros da Tertúlia Fim do Império.

Receba um abraço de amizade.

António Brito






___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


1 DE DEZEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16786: Agenda cultural (520): Porto, Unicepe, 5 de dezembro de 2016: às 18h15: apresentação do livro do nosso camarada Paulo Salgado "Guiné: crónicas de guerra e amor".

Ver também as postagens sobre o mesmo autor em:

8 DE OUTUBRO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71

12 DE JUNHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14737: Notas de leitura (727): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

3 DE JULHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14830: Notas de leitura (733): “Sagal, um herói em África”, de António Brito, Porto Editora, 2012 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15656: Memórias de Gabú (José Saúde) (60): O meu quartel (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

O meu quartel

Obrigado camarada Amílcar Ramos por este pequeno/grande miminho que trouxeste a público: uma foto do quartel novo de Gabu. Uma imagem que me fez viajar no tempo e recordar o meu, aliás nosso, quartel. Tu, camarada de armas, também por lá passaste. Eras furriel miliciano BAA, estavas alojado em instalações avançadas junto à pista de aviação, mas, lá ias à nossa messe de sargentos.

E tantos foram os almoços e jantares em que fomos companheiros de mesa. A minha memória teima em refazer imagens desses velhos tempos. Recordar espaços comuns, camaradas que o tempo ousou literalmente afastar e um sem número de aventuras acumuladas em pleno palco da guerrilha.

“Uma lágrima ao canto do olho” vagueia pelo meu rosto já crivado de saudosistas recordações. Olho atentamente a foto. Curvo-me perante as lembranças. E são de facto muitas que se concentram nesta já sexagenária e débil mente. Todavia, aquele horizonte leva-me a um cheiro a África. Apetece-me viajar nas ondulantes asas do vento, imaginar-me a envergar o meu camuflado, “viajar” num Unimog, ou a “butes” e desbravar aquele inigualável horizonte.

Na pista alcatroada aterravam e descolavam voo aviões de maior porte (Noratlas, por exemplo) que obrigava o pessoal a uma proteção mais refinada, ou seja, uma proteção feita no interior do mato. Lembro-me da infinidade de horas que por lá passei.

A sensação de alívio sentida pelo grupo quando o avião descolava. Ou, ouvir o barulho dos motores numa aterragem. Ou, a raiva da malta quando a demora na missão se protelava no tempo. A nossa incumbência passava indiscutivelmente pela segurança. Neste contexto, a previsão em aterrar e descolar aconselhava-se rápida. Porém, nem sempre tal acontecia.

A dimensão que a foto monopoliza, leva-me a outros sensações sentidas no tempo áureo da guerrilha. Aquela estrada para Bafatá!... Ui, tantas colunas que fizemos a terras do Geba. Tantas histórias que farão eternamente parte integrante dos nossos baús.

Depois a grandeza e profundidade daquele mato serrado. Os quilómetros palmilhados pelo interior daquele matagal. O contacto com as tabancas que habitualmente cruzávamos. O dialogar com os homens e as mulheres grandes. Ouvir a criançada quando a nossa chegada à tabanca ocorria. A brincadeira dos macacos, ou um inadvertido toque numa árvore que entretanto acolhia um enxame de abelhas e o subsequente delírio da rapaziada. Uma galinha de mato que levantava voo, ou uma cabra de mato apetecível a um tiro que entretanto não se dava, por motivos óbvio. Enfim, uma panóplia de recordações que o guerrilheiro obrigado jamais esquecerá. Momentos inolvidáveis, sublinho eu.

Por outro lado, havia os tais momentos sempre de incerteza. Incerteza no trilho; incerteza na picada; incerteza no que estava para lá da densidade do mato; incerteza no momento seguinte; incerteza numa mina que traiçoeiramente tinha sido colocada pelo IN com a finalidade de causar ronco num jovem em plena idade de afirmação como gente e a incerteza numa emboscada.

Reparo, também, as tabancas à beira da estrada. Revejo o meu quartel. Os aposentos dos oficiais, dos sargentos e do restante pessoal. A porta de armas. O refeitório das praças. As oficinas. A parada. Etc, etc, e etc…

Repito, camarada Amílcar: OBRIGADO! 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 – P15604: Agenda cultural (454): Novo livro: 90 Anos de Memórias e Relatos sobre os Clubes, a sua Criação e Trajetórias, Beja 1888 a 1906 (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Luís, meu amigo e camarada

Acabei de lançar mais um livro, o sexto. É uma viagem aos primórdios da Associação de Futebol de Beja. São os 90 Anos de Memórias e Relatos. Um trabalho exaustivo, mas profícuo, sobre os Clubes, a sua Criação e Trajetórias. Foi um trabalho de investigação, onde relato a chegada do futebol a Portugal, 1888, e a Beja em 1906.

Segue-se, naturalmente, a formação dos grupos populares, depois dos clubes que fizeram, e fazem, parte da Associação. Passo por todos. Confesso que foi um trabalho que muito gozo me deu, sendo a elaboração da narrativa um caso talvez único em Portugal. Tanto mais que a Federação Portuguesa de Futebol apoio o projeto. 

236 páginas onde a existência dos filiados na AF Beja é mencionada.

Para ficares com uma ideia, no passado dia 6 o jornal A BOLA menciona a obra.

Junto a cópia.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência

1. Parte XVII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 14 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XVII

Fima, enfermeira do Partido 

As cordas apertadas demais, os pulsos a inchar, amarrados atrás das costas. Tinha acabado de ser apanhado pelos tugas, ainda nem sabia como, e logo a ele é que deveria acontecer. Como comandante do acampamento, sempre fora muito rigoroso com os homens que estavam sob o seu comando, sempre exigira que se deslocassem separados uns dos outros, que parassem de vez em quando, escutassem a mata e só depois voltariam a caminhar. E afinal, fora apanhado desprevenido, sem arma, sem nada. 

Viera a semana passada1 dos lados de Sano no Senegal. Muito cansado. Estivera com os camaradas do sector, os dias pelas noites fora, analisaram o trabalho do mês, cada um apresentou o seu trabalho, as emboscadas que fizeram, as minas que plantaram, os ataques aos quartéis da tropa. 
Tinham feito o balanço da situação em cada zona, leram em voz alta as directivas do camarada secretário-geral, as orientações gerais para a luta, a referência expressa à luta dos povos da Guiné e Cabo Verde, para a independência nacional, para a libertação, nunca contra o povo português, juntos na mesma luta contra o colonialismo e o imperialismo, depois as orientações locais, o plano para o mês, não descansar a tropa, escrever papel para deixar junto aos quartéis deles, para desmoralizar, e a ordem para mudar, outra vez, o acampamento de Uália. 
Enquanto regressava com os camaradas, ia pensando nos locais, escolheu o melhor, bem dentro da mata, uma centena de metros a seguir à bolanha, um barraco junto a esta para vigiar tudo em volta. 
Sacos de arroz, mancarra, bicicletas, cunhetes de munições, armas, tanta coisa, casas às costas, tão pouca gente, precisaram mais que uma vez.

Acampamento da guerrilha. Foto de Knut Andreasson. Com a devida vénia. 

Tinha acabado de cavar um abrigo, precisava de se lavar. Fora à bolanha para tomar banho e trazer água.
Viu-se cercado por dois soldados de arma apontada, sem saber como, os tugas emboscados ali mesmo, os garrafões na mão dele, que a tropa tinha deixado em Morés da última vez.

Abriram-me a boca à força, eu não sabia para quê, um lenço preto nos dentes, atado na nuca, outra vez que me levantasse, sem palavras, corda nos pés, uma à cintura presa ao soldado fula. 
Tropa diferente esta, não era a que estava habituado a ver passar. Sem emblemas, sem anéis, sem fitas que os outros tugas trazem sempre ao pescoço, ronco nenhum, sem capacetes até, aquele tem barrete diferente, caras pintadas de preto, nunca vira tropa assim. 
Estranhos, calados, o cano das armas deles também têm olhos, vêem por ele, para a esquerda, para a frente, para a direita, aquele está sempre a olhar para as árvores, tudo muito devagar, assim é mais difícil camaradas vê-los. 
Vi-os à frente, no carreiro para Uália, nosso pessoal descuidado a esta hora da manhã, sem aviso, pode ser uma desgraça, tanto trabalho para nada. Todos não estão, felizmente, mandei pessoal para Mansabá, dois para montar mina e mais dois para segurança. 
Aquelas bajudas com os cestos à cabeça vão ser apanhadas, gritai, gritai com toda a força que puderdes, mais alto, mulheres do PAIGC, glória da nossa luta, assim, para camarada ouvir! 
Os tugas todos a correr, o traidor fula amarrado a mim, não deixa andar, se eu pudesse! Aquelas crianças ali também! 
A enfermeira de Morés? A mulher do Ramos, do Pedro Ramos com a criança às costas?! Porque não fugiu? Não, não lhe façam mal, ela trata do nosso pessoal da luta, faz curativos só, os tugas não me ouvem, lenço não deixa.

Enfermaria do PAIGC. Foto de Knut Andreasson. Com a devida vénia. 

Não sei, não tenho nada para dizer, meu nome é Fima2, sou enfermeira, não falo nada de guerra, trato de feridos só, não pode mexer nesse papel, é carta de meu marido, ouviu? Não pode tirar bilhete de meu marido, não pode! Tenho filhinha às costas, não vê? É hora de ela mamar, deixa!

Bilhete encontrado em poder de Fima Siga 
____________

Notas
1 - Adaptado do depoimento do Prisioneiro.
2 - Informações posteriores confirmaram que um dos capturados era uma enfermeira da base de Morés e mulher de Pedro Ramos, comandante da guerrilha.
3 - Uma ou duas semanas depois houve informação sobre queixas que terá apresentado sobre a forma como terá sido tratada no momento da captura.

************

Cassaprica 

Ofegante, braços cruzados, calada, a exigir respostas. Já não tenho novidades, é?
Olhos, uns olhos grandes, agora cinzentos, brilhantes, húmidos, silêncio, tréguas.
A força das mãos nos braços dele, os olhos a exigir-lhe silêncio agora, não digas nada de que te arrependas a seguir, pára um minuto só, pára!
Gente a passar, a olhar para eles, os dois a olharem para o lado, como se nada se passasse, a mão dela na boca dele, a tapá-la.
A história a andar para trás, tudo a correr para o fim e agora outra vez, tentativas para se descolar, ela a arrastá-lo para o jardim, a empurrá-lo para a rede, em cima dele, vencido.
Passou pelo Bento, arranjou transporte para Brá, um bom banho e meteu-se na cama com os documentos que lhe deram na 2.ª Repartição.

"Cassaprica é o maior acampamento IN existente na área deste posto administrativo. Há um caminho bastante perigoso, porém muito importante, uma vez iludida a vigilância dos sentinelas, pois corta a retirada do IN para a República da Guiné-Conakry em caso de operação em Camissorã. Ainda o mesmo disse que em Bagadai perto de Cane Faque, estão a construir uma jangada de paus para transportar a Cane Faque e daí para Caule uma arma bastante pesada. Também informou que mais de metade dos elementos da guerrilha passou para Caule onde existe um acampamento e um pequeno estabelecimento. Que no entroncamento da estrada velha de Cacafal com a estrada de Cambeque, do lado esquerdo de quem vai para Cabo Nepo, junto a uma árvore grande, existe um abrigo onde o IN aguarda oportunidade de montar emboscada à tropa. (...)"
Três folhas com os depoimentos de guerrilheiros apanhados. Tinham dito tudo o que sabiam e, nada de admirações, também coisas que só se recordaram, certamente, quando os polícias lhes apertaram as unhas, localização dos acampamentos, disposição, quantos guerrilheiros em cada, armas, os nomes dos comissários políticos em alguns casos.
Dentro de uma pasta, uma etiqueta na capa a classificá-los. Estivera a lê-los, o sono a chegar, enfiara-os na pasta e fechou o mosquiteiro.

No outro dia, no QG, deu andamento às informações. Documentos vistos outra vez um por um, algumas notas ao lado, localização de guias, onde falar com eles, transportes, esboçar o plano de operação. Na 3.ª Rep. ficaram de marcar a data, os meios, as horas das marés, as coisas do costume.
Entrou no VW preto que tinha alugado para o fim de semana e meteu a pequena pasta dentro do porta-documentos. Começou a descer para Bissau, um fim de tarde agradável, sentia-se bem sem saber porquê, nada que fazer agora, e se passasse pela casa da Teresa, era capaz de ser boa ideia arrumar o assunto hoje, não?
Rua sem movimento àquela hora, viram-se logo, ela sentada na espreguiçadeira a ler, cadernos espalhados pela relva.
Vamos dar uma volta?
É só um instante, vou-me arranjar.
Parecia outra, que nada tinha acontecido no dia anterior. Dentro do carro, à espera, e o pai dela a subir a rua. Olhos a cruzarem-se, teve que sair do carro.
Senhor alferes, então?
Como está, senhor Vasco?
Então o que diz àquela história da orelha?
Orelha?
Então, olhos fixos nele, o caso do Hotel Portugal, não sabe? Toda a cidade sabe, um horror! Um grupo de fuzileiros ao passar na esplanada do hotel, um deles foi directo a uma mesa com gente de cá, puxou pela orelha de um, sem dizer nada, facalhão na mão, zás, cortou-a, a correr pela rua abaixo, a rir-se, o ferido a escorrer sangue atrás deles, dá-ma, dá a minha orelha!
Não acredita? Testemunhas é o que não falta!
Não sabias ainda, a Teresa parecia que tinha acabado de tomar banho, toda fresca a chegar, a dar um beijo ao papá.

Como da primeira vez em que saíram sós, pouco movimento a esta hora, o carro devagar, mal se ouvia o motor, pelas ruas a descer para o porto, algumas fardas verdes na esplanada do Bento, cortaram para a direita, quartel da marinha, a caminho da Sacor.


Encostou o carro, o Geba orgulhoso lá em baixo, o ilhéu do rei em frente, ele a abrir a porta, a pé pela estrada uns metros até lá à frente, a olhar para o rio com a Ricoh na mão, a magicar como abordar o assunto. Deu a volta por dar, olhou para o carro, pareceu-lhe ver a Teresa com a pasta na mão. Deu-lhes a pressa aos dois, ele a voar sem correr, ela atrapalhada, pareceu-lhe, a fechar o porta-documentos.

Para onde vamos? Então ainda agora chegámos, que pressa é que te deu? Não te estou a perceber, andas tão estranho ultimamente, o que se passa contigo?

************

Correspondência

"Faz hoje 15 meses que cheguei. Não é ainda tempo para pensar no fim, muitos meses ainda à frente. Há quem tenha calendário no quarto e todas as noites risque o dia, menos um que falta!
Começo a ter dificuldades em escrever. Não tenho novidades para contar, continua tudo igual, vida calma, sem grandes sobressaltos, o que é óptimo. Estou de boa saúde, desde que estou aqui só tive uma vez paludismo, umas ligeiras febres, aliás, os dentes têm-me deixado sossegado. De vez em quando dou uma corrida para desenferrujar os músculos das pernas. Estou cansado de descansar. Nas horas vagas, que são muitas, leio o que aparece. Os Lartéguys já os li todos, da Indochina à Argélia, as últimas aventuras do império francês a desmoronar-se, os Centuriões, os Pretorianos, os Mercenários. Livros de guerra, que, não sei porquê, são os que se vendem mais aqui. Contraditório, julgo. Livros com outros assuntos vêem-se pouco por aqui. Acabei ontem 'A Confissão do Silêncio' de um tal Shlumberger, uma história de espionagens, passada na 2.ª Guerra. Entre mãos para começar tenho um do Urbano, “Terra ocupada”, a seguir se não tiver outro, a 'Náusea do Sartre', há meses em espera para o retomar. Não sei é se vou conseguir acabá-lo.
O café Bento, uma instituição cá de Bissau, já te falei dele, com uma esplanada enorme debaixo de árvores, onde a gente se junta no final do dia a saborear o fresco, tem um pequeno quiosque onde além do Português Suave, do SG Ventil e de outras marcas de tabaco, rebuçados e chocolates, também vende livros, as últimas novidades literárias acabadas de chegar da metrópole. E é lá que costumo ver o que há de novo.
Cinema não tenho visto nada ultimamente, as fitas que mais passam são coboiadas, o mais interessante destes filmes é ver a assistência, entusiasmada com a cavalaria a chegar quando os peles-vermelhas estão quase a entrar no círculo das carroças dos colonos, ficam tão contentes que se põem a pé, a aplaudir, boinas ao ar. Qualquer coisa serve para o pessoal fazer uma festa. Na montra do cinema está há já algum tempo anunciado um filme do 007, quando vier sou capaz de o ir ver.
Como vês, levo uma vida pacata, tranquila. E pronto já contei a minha vida destes dias, tudo o que escrever daqui para a frente, é só porque não se manda uma carta com tão poucas linhas, até podes pensar que não escrevo mais, por outras coisas, estou a brincar com a menina dos meus olhos, claro.
E por aí, ora conta, como vão as coisas? A vida pelo Porto, pelo Carvalhido, pelo teu trabalho, pelos teus estudos, as aulas de alemão com a Frau Kissau, como vai isso tudo? O 6 ainda não foi substituído pelo trólei? Continua a trilhar pachorrento, da Praça para o Monte dos Burgos para cima e para baixo?
Quando será que nos voltamos a sentar, os dois juntos nesses bancos tão apertados, a ver a chuva do Porto a bater nas vidraças, tu com o teu sobretudo azul escuro, de botões prateados, a cheirar a Madame Rochas ou será Lancôme, e as tuas mãos macias de Atrix? Trouxe os teus cheiros comigo, tenho-os guardado bem pelos vistos, quando me lembro de ti, vêm também.
(…)
Nunca tive muita facilidade em falar de mim, dos meus afectos, em dizer o que sinto. Àqueles de quem gosto, então sempre me foi ainda mais difícil dizer quanto os aprecio, por vezes é-me mais fácil feri-los que reconhecer quanto gosto deles. É uma força mais forte que eu, é uma fraqueza, talvez. Nunca soube como devia fazer, nunca fui capaz de exprimir o afecto que me liga a ti. E, no entanto, foste até agora a melhor coisa que me aconteceu.
Uma estrada tão comprida, falta tanto, tanto tempo ainda, que às vezes penso, será que vamos conseguir?"

************
(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela