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sábado, 20 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas. furrieis,  da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68), unidade de quadrícula do Xime que antecedeu a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974, primeiro como  subuniddae de intervenção ao setor L1 e depois, no final da guerra, como subunidade de quadrícula...  Não sei se a CCAÇ 1550 foi a primeira  subunidade de quadrícula do Xime: estivera antes em Farim,  era comandada pelo cap mil inf Agostinho Duarte Belo; no monumento estão inscritos os lugares (de diferentes setores) por onde passou: Binta, Guidage, Xime, Ponta do Inglês, Galomaro, Candamã, Taibatá, Farim, Dembataco, Samba Silate, Bissau... (LG)


Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos 



reservados.

1. Texto enviado pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 18 do corrente:

 Assunto: Seco Camará

Olá,  Camaradas Tertulianos

Depois da minha ausência prolongada,  já contada anteriormente,  e ao reler páginas antigas do Blogue,  nomeadamente o poste P5578 (*), ocorreu-me relatar o seguinte:

Quando cheguei ao Xime, em Janeiro de 1968,  na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, Milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco  Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas,  o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.

Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.

Numa delas, em Julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação:  MINA!!!

Ao chegar-me aos ouvidos,  avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que que a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado).

Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.

Não mais esqueço a transformação que nele se operou:  o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se lentamente dizendo:
– É mesmo mina,  Capitão!

A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.

Vieram mais operações e num delas um Alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho –  pensei eu.




[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo. Foto:  ©Torcato Mendonça (2007) ]

As razões que me apresentaram não me convenceram, invocavam que aquele posto - chefe dos picadores - devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa. O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e num dos dias seguintes falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.

(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado,  na secretária a mim atribuída,  um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando sinistro chicote. Destruí-o,  pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da Companhia.)

Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e,  falando no Comando do Batalhão, em Bambadinca [, CCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para morar e que ele seria o Picador do Capitão e que seria convocado de vez em quando por mim, coisa que lhe agradou. Depois,  falando com os picadores,  vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do Chefe da Tabanca,  o Mancamam Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.

O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o Chefe da Tabanca que na noite do ataque ao Xime,  na passagem do ano 68 para 69, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do Furriel Dias e os muitos feridos na emboscada passara-se 1 mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança com altos e baixos.

No dia da minha retirada, já com a LDG atracada no Xime, veio o Mancamam ter comigo se eu não lhe deixava uma recordação:
 –Não, Mancamam,  não tenho nada para te dar, mas já dei a ti e ao teu pai a possibilidade de não terem sofrido represálias que numa certe altura pareciam mais que prováveis.

Compreendia que as populações estavam divididas com a guerra e que era natural que familiares ou antigos amigos seus vivessem naquilo que à época eram bases In e que isso era agora a realidade.
 –  Adeus,  Mancamam.

Ele percebeu.

Um abraço do
António Vaz
________________

Nota do editor:

(*) 2 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz
(...) era um homem algo complexo e não facilmente transparente aos nossos olhos europeus, atraindo mesmo algumas suspeitas, para as nossas tropas, de que mantinha contactos com o «outro lado» e dizendo-se, até, que tinha «arroz turra» a vender na tabanca.

Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon, que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.

(...) não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração, porém, por Senghor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.

(...) Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas. (...)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (100): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)







1. Reprodução, com a devida vénia, de um artigo, da autoria de João Ogando e Amílcar Mendes, publicado no Boletim Informativo da delegação de Comandos de Almada e Seixal, nº 11-II Série, Dezembro de 2011, p. 8. Acrescenta, à guisa de explicação, o nosso camarada Amílcar Mendes, grã-tabanqueiro: 

"Todo o relato desta coluna é feito na 1ª pessoa pelo então comandante da 38ª Companhia de Comandos Sr Capitão de Inf Cmd Victor Manuel Pinto Ferreira e constante na história da companhia. Foi publicado neste Boletim com arranjos meus e do ex-furriel mil cmd João Ogando".

Este recorte já tinha sido publicado por nós, em poste de 25 de março último, mas está  lá com resolução mais fraca, e portanto menos legível ou pouco amigável para o leitor... (*). Esta republicação do recorte faz sentido na série Efemérides, numa altura em que estamos a reviver os 39 anos da "batalha de Guidaje" (**) (***), fazendo jus aos vivos e aos mortos.

2. Sobre o "novo tipo de minas", usadas pelo PAIGC em Guidaje, e que é referido  no artigo supra,  logo no segundo parágrafo,  cite-se José Moura Calheiros (A Última Missão, Lisboa: CR - Caminhos Romanos, 2010, pp. 460/461): 

"(...) em quase todos os relatórios  eram referidos rebentamentos de minas anticarro por simples acção de 'picagem' e era-lhes atribuída a designação  de minas antipessoal reforçada com mina anticarro. Apenas o Cap Mil Inf Carlos Alberto Pereira da Silva, comandante da [2ª CCaç/BCaç] 4512/72 (que realizou a coluna de 15 de Maio) refere no seu relatório datado de 1JUN73 que o inimigo utilizava minas com dispositivo eléctrico antipicagem. E, apesar de a Repartição de Operações do Quartel-General ter sido alertada para o novo tipo de mina no final da coluna realizada pela CCP 121 e DFE4, em 23 de Maio, a coluna realizada a 30 de Maio ainda utilizou o mesmo método de detecção de minas, o que originou mais uma morte.

"No seu realatório, o Cap Cav Fernando Salgueiro Maia refere 'face ao accionamento de minas por picas, é de substituir estas por paus aguçados' (...)".

3. Ainda segundo esta fonte (Moura Calheiros, 2010, pp. 458/459), a operação para a abertura de novo itinerário, realizada a 29 de maio de 1973, teve a participação de seis agrupamentos, "cada um deles com efectivos de cerca de uma Companhia"):

(i) Agrup A: 38ª CCmds + Pel Sap / BCaç 4512;
(ii) Agrup B: 1ª CCaç / BCaç 4512 + GEsp Mil 342 (Olossato);
(iii) Agrup C: CCav 3420 + grupo de picadores de Binta;
(iV) Agrup D: CCP 121 / BCP 1;
(v) Agrup E: DFE1;
(vi) Agrup F: CCaç 3414 (Cumeré).

Os agrupamentos A, B, C e F partem de Binta, comandados pelo Cap Inf Comando Pinto Ferreira, da 38ª CCmds.  Os agrupamentos D e E (os páras e os fuzos) partem de Guidaje.

4. Depois da "batalha de Guidaje" e do seu regresso a Mansoa,  foram concedidos ao pessoal da 38ª CCmds 15 dias de descanso operacional em Bolama, na 2ª quinzena de junho de 1973, conforme se pode ler na história da unidade (vd. excertos a seguir):





38ª CCmds (Brá, 1972/74): História da Unidade > Atividade operacional entre os dias 25 de maio  e 19 de junho de 1973 (Documento disponibilizado pelo Amílcar Mendes)
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9662: Guidaje, Maio de 1973: 2ª coluna a 4 companhias, a caminho de Guidage - 29/05/1973 (Amílcar Mendes/João Ogando)


(**) Último poste da série > 31 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9970: Efemérides (65): Guidaje foi há 39 anos: Relembrando a primeira trágica coluna, dos dias 8 e 9 de maio de 1973 (Manuel Marinho, 1ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Nema, Farim e Binta, 1972/74)

(***) Sobre a participação do Salgueiro Maia e dos seus homens, nesta coluna, ver o poste 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8306: Blogpoesia (148): A vida e a morte na ponta de uma vara (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 18 de Maio de 2011:

Caros camaradas Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande
A malta que passou por Galomaro tem uma página no Facebook onde, independentemente da altura em que lá estiveram, há uma constante e salutar troca de impressões, conhecimento e recordações.
Algumas dúvidas aparecem sobre este ou aquele acontecimento, que são prontamente esclarecidas. Também as fotos quartel de Galomaro no inicio da sua construção, se cruzam com as mais recentes. Também as Companhias de Cancolim, Dulombi e Saltinho têm sido largamente faladas, pois nós não podemos esquecer esses sítios, uns com mais bons momentos que os outros, na verdade mas mesmo assim relembrados aqui e ali.

Ontem o nosso camarada Luís Dias membro do blogue, com o qual acabei por dividir a construção deste texto, postou uma foto sobre a árdua e perigosa tarefa da picagem, neste caso do grupo de combate que vinha do Dulombi ao encontro da coluna que progredia de Galomaro.
Ao ver as fotos, achei graça porque eu tenho as fotos das picagem desta feita pelo Pel Rec da CCS, pois lhes calhou nesse dia fazer esse ingrato trabalho para a nossa segurança. O fotógrafo foi o mesmo sem dúvida nenhuma, o ex Furriel Carvalho do Dulombi segundo a informação do Dias.

Quem duvidará da coragem dos homens, que sabiam que um passo em falso seria a morte ou o ferimento grave que estava ali? Ainda se tinham que preocupar com as artimanhas e os avanços tecnológicos na arte de matar, que houve na evolução desse perigosos engenhos e com a esperteza dos «semeadores» que usavam por vezes o rodado mais de dentro ou mais de fora. Apanhavam assim as viaturas mais pequenas, com o rodado mais estreito que as Berliet. Penso ter sido o caso da que apanhou o nosso camarada Falé a caminho do Dulombi.

Assim as varas com a ponta em ferro foram substituídas por pontas em osso, chifre, ou simples madeira, para que as minas, denominadas de papel, não explodissem ao toque da ponta de metal (a ponta de metal furava duas placas de papel de prata/alumínio fazendo a ignição da mina).

Quem já tinha passado pela dolorosa experiência de ver morrer um camarada ou ver outro voar com a viatura, pensaria duas vezes a cada passada e cada espetadela da vara no chão.
Era o caso destes camaradas que já tinham passado por isso, mas a cada nova coluna, lá voltavam eles a pegar nas varas e tentar assim, que houvesse segurança para quem seguia um pouco mais atrás.

Camaradas do Dulombi a fazer picagem em direcção a Galomaro

Picagem

Picagem para o Dulombi

Picada do Dulombi no lugar do condutor Furriel do Dulombi


A VIDA E MORTE NA PONTA DE UMA VARA

A morte estava ali a cada passo
Não se podia ignorar
Não se podia recusar nem voltar atrás
Mão firme pensamento presente
A cada passada o arrepio do toque lúgubre
Era uma pesca mortal
Ao pescador não se era permitido errar
Quando regressar pagará aquela promessa
De repente a ponta resvala em algo
Um misto de orgasmo e terror
Percorre o corpo do infante
Estava ali, desta vez descoberta a malvada
Vamos rebentar com ela!
E desta vez a vida derrotou a morte.

A todos os camaradas que passaram por esta horrível, mas tão necessária prática.

Um abraço a todos
JA
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8276: Estórias do Juvenal Amado (38): Nunca até li tinha visto tantas mamas ao léu e tão bonitas (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8233: Blogpoesia (147): Senhora Aparecida, freguesia de Torno, concelho de Lousada (Manuel Sousa)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5644: Blogoterapia (138): Detecção de minas por picagem (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 11 de Janeiro de 2010:

Caro Carlos Vinhal.
Envio-te este texto, como sempre deixo ao teu critério a sua validade.


DETECÇÃO DE MINAS / PICAGENS

O treino dado aos soldados, já numa fase adiantada quando era já um dado adquirido a ida para a Guerra Colonial, era uma ficção, estou convencido que se houvesse treino adequado, se possível dado por militares que já tivessem passado pela guerra, ter-se-iam minorado algumas situações desagradáveis.

Assim e nas condições em que a maioria foi preparada para a guerra, é caso para dizer que todos nós fomos HERÓIS.

Lembro-me de andar uma manhã para percorrer 1km na detecção de minas de fragmentação dissimuladas no terreno compostas de fumo e serrim(?) e quase nunca detectadas, que rebentavam quando o recruta passava, accionada por um cordel, nas mãos do instrutor que assustavam quando detonadas e eram levadas muito a sério.

Picagem em terreno firme. A viatura rebenta-minas vem atrás
Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.



Nema- Farim

No caso concreto das minas, havia os Sapadores incorporados no Batalhão que as retiravam quando solicitados para o efeito, e que minavam os trilhos por onde passava o IN, mas quem fazia as picagens, na maioria das vezes, eram os atiradores, do 1.º e 2.º GComb/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 sediados em Nema até aos ataques a Guidaje, (quando saímos de Nema para Binta), pelo menos no nosso caso era assim, embora os Sapadores fizessem algumas acções de patrulhamento em conjunto com os nossos GComb.

As minas eram o terror que acompanhava o soldado operacional em toda a comissão, de tal modo que a tarefa de picador**, era sempre recebida com desagrado.
O factor psicológico de pisar uma mina era de tal ordem, que havia camaradas que pediam que se algo de mal acontecesse preferiam que acabassem com eles, a ter de voltar amputados.

Quando fomos (já a sério) em treino operacional de Nema até ao corredor de Lamel para as futuras protecções descontínuas às colunas vindas de Jumbembem, Cuntima e Canjambari, para irem a Farim fazer os abastecimentos, ficámos com a sensação de não termos feito bem os trabalhos de casa.

Seguíamos os elementos da 14.ª Companhia que seguiam na frente da coluna e o andamento foi tão normal que nos interrogamos como era feita a picagem.
Quando nos mandaram parar e ficar a emboscar até as colunas passarem, na ida para Farim e depois voltarem, perguntei a um elemento da 14.ª se tinha havido picagem, pois tinha sido rápida a marcha, ele sorriu e disse-me:

- As picagens são feitas mais com os olhos, se fosse como nos ensinaram nunca mais a coluna passava, vocês vão aprender isso rapidamente.

Depois nas repetidas idas ao mato para fazermos as protecções descontínuas às colunas, tínhamos de fazer a respectiva picagem até ao local onde ficávamos, até as mesmas regressarem de Farim.
Nessas picagens eram escolhidos um conjunto de cerca de 6 elementos para o trabalho de picagem do solo, 3 de cada lado na picada de modo a cobrir os espaços onde as viaturas passavam, e de facto com o hábito aprendemos a ler onde pôr os pés.
Devo dizer que era uma tarefa que nenhum de nós gostava, e das vezes em que era eu um dos eleitos, não deixava de resmungar e a minha má disposição era evidente, de nada valia andar com a HK-21 porque o alferes mandava trocar a arma com outro camarada.

Numa dessas vezes ia concentrado olhando e picando o solo, eis que ouço o toc da pica ao bater em algo, paro de imediato, e algo temeroso exclamo:

- Mina!

Com a nossa malta toda parada, avança o alferes mais um furriel, verificam a possibilidade de tirarem a mina, depois se a memória não me atraiçoa foi o furriel que com a faca de mato retirou cautelosamente a terra em volta de um pequeno objecto de forma circular enterrado no solo, não havia espoleta e depressa se deu conta que a mina era uma lata de ração de combate virada ao contrário.

Esta descoberta valeu-me, um elogio da parte do alferes que me disse em tom trocista:

- Estás a ver porque te coloco mais vezes na picagem, porque só os bons são capazes até de detectar latas!

Noutra altura um dos meus camaradas de GComb já farto de ser escolhido para a picagem, e como forma de mostrar o seu descontentamento pegou na vareta da picagem colocou-a ao ombro e avança em frente em passo acelerado perante os nossos apelos para que parasse. Lá o conseguimos acalmar, em abono da verdade devo dizer que foi um excelente operacional, mas estas atitudes eram um escape para a forte actividade operacional que havia, mas que foi compensada pela actividade pouco visível do IN devido a constante vigilância nossa no sector, com bastantes noites passadas no mato.

Depois com o aparecimento de minas anti-pica, (rebentavam ao contacto da pica) as Berliets com os sacos cheios de areia, colocados na dianteira das viaturas, sobre os seus rodados fizeram muitas as vezes de picadores, salvando muitos camaradas da morte e da mutilação.

Já agora uma palavra de apreço aos nossos camaradas condutores, que apenas com uma perna dentro da viatura para a condução da mesma, a outra ia da parte de fora, no sentido de minimizar os danos físicos se acontecia o rebentamento, quando eram projectados, havia-os na minha Companhia, mas sei que a partir de certa altura era uma prática bastante usual em toda a Guiné.
Uma palavra de sentida homenagem a todos os camaradas que voltaram para a sua Pátria destroçados por engenhos explosivos, e que me continuam a dar lições de vida, no seu dia a dia, esses são os meus Heróis.

Um grande abraço
Manuel Marinho

Mina AP (antipessoal) de petardo único e detonador, feita em madeira.
Foto: © Raul Albino (2009). Direitos reservados


Mina anticarro detectada por um pica da CART 2732 no Bironque, estrada Mansabá-Farim.

Efeitos de uma mina anticarro numa GMC ao serviço da CART 2732
Fotos: © Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5501: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (12): Vamos ajudar camaradas em dificuldades (Manuel Marinho)

(**) 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4760: Pensamento do dia (17): Recordando as Picas (Jorge Teixeira/Portojo)

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4781: Também quero homenagear os nossos picadores (J. Mexia Alves)

1. Mensagem de J. Mexia Alves (*), ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 3 de Agosto de 2009:

Caros camarigos editores

Tenho andado ocupado com outras guerras, mas não tenho deixado de vir ao fogo acariciador da fogueira da nossa Tabanca.

Por isso aqui vai um texto de homenagem que também quero fazer aos picadores (**).

Peço-vos que me acusem a recepção do dito cujo, visto que por vezes esta coisa falha e os textos não vos chegam às mãos.

Abraço fortemente camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves


2. Em o poste 966...

Caro Luís Graça,

Quero dar as boas vindas ao Mexia Alves. Lembro-me que ele, à época, estava completamente apanhado. Era boa praça.

Recordo-me dele muito bem e de um incidente no início de 1973, numa farra em Bambadinca, em que estava o Major de Operações do Batalhão [BART 3873], os alferes e furriéis da CCAÇ 12 e o Mexia Alves [Alf Mil Op Especiais, comandante do PEL CAÇ NAT 52].

Armou-se uma bronca a propósito de uns versos de uma canção, adaptada ao Comandante do Batalhão (Ten Cor António Tiago, já falecido), em que ele era tratado por Manel Ceguinho, o que levou o Major a dizer ao Mexia Alves que "não estávamos ali para armar em cobardes".

Ficou um ambiente de cortar à faca, que se ultrapassou com uma tirada do Mexia Alves, na qual dizia:

- Cobarde, eu, meu Major ?!... Eu que pico a estrada com os pés... que avanço à frente do Pelotão quando não há picadores ?!...

O Major colocou um sorriso amarelo e recolheu aos seus aposentos e nós lá ficámos a beber e a cantar as canções habituais. Umas bem sérias e outras de baixo nível, bem ordinárias como a da famosa Maria Bardajona...

Um abraço a todos,
António Duarte



Os Picadores

Caros camarigos

Reproduzo o post 966 (***), para também fazer a minha homenagem aos picadores.

Sempre me admirou a coragem daqueles homens que com uma pica na mão, desafiavam constantemente as leis das probabilidades.

Lembremo-nos que a pica era um dos artefactos militares mais modernos da longa panóplia de armamento que o nosso Exército fornecia às tropas, aqui muito bem descrito pelo Luís Graça:

«espantosa tecnologia que era um pau, menos comprido que a altura de um homem, maneirinho, direito, suficientemente pesado para dar sensibilidade à mão, terminando numa das extremidades por um prego grosso e bem afiado...»

Enquanto o resto da tropa seguia junta, para se protegerem uns aos outros, aqueles homens seguiam destacados na frente, separados dos outros, para que, imagine-se, se rebentassem alguma mina os outros não fossem atingidos.

Coisa estranha e cruel, numa tropa tão solidária!

Mas era assim que tinha de ser e era assim que se fazia.

Heróis desconhecidos a maior parte deles, porque em cada saída para as colunas ou para a mata, eles executavam o seu acto heróico à frente dos nossos olhos, conscientemente.

Por isso a reprodução do post acima, para demonstrar que só um gajo muito apanhado do clima, executaria tal missão.

Bem, é que um dia, não faço ideia porquê, decidimos ir do Mato Cão a Missirá pela estrada que já não era percorrida há longos meses.

Pegámos no burrinho como apoio e lá fomos nós estrada fora, com os picadores à frente.

Mas a coisa estava a demorar muito tempo e era preciso voltar no mesmo dia pelo que, o Alferes da coisa, (este vosso humilde criado), já muito apanhado, decidiu ir durante um pouco à frente, servindo-se dos seus pés como picas.

Há um ditado que nos diz que, “ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo” que aqui neste caso se poderia alterar para, “ao militar que é tolo, protege-o Deus de ficar num bolo”.

Depois, se bem me lembro, optámos por tentar seguir paralelamente à dita estrada.

Não houve problemas e regressámos ao palácio do Mato Cão em paz e sossego.

Um abraço sentido aos picadores.
Abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves


As Picas em acção na estrada Catió/Ganjola

Foto e legenda: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.


Bironque, 03DEZ71 > Esta mina AC felizmente foi detectada pelo método científico da vareta, ou pica.

Foto e legenda: © Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (119): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

(**) Vd. poste de 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4760: Pensamento do dia (17): Recordando as Picas (Jorge Teixeira)

(***) Vd. poste de 17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4760: Pensamento do dia (17): Recordando as Picas (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo) (*), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 29 de Julho de 2009:

Caro camarada e amigo Vinhal

Para publicar se tiver interesse.
Na secção que achares melhor.

Um abraço especial para ti.
Jorge Teixeira




Recordando as Picas

As Picas em acção na estrada Catió/Ganjola

Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.


Rebuscando o baú fui dar com esta foto de meados de 1968. Nessa altura ainda tinha a mania das fotos - a máquina por vezes era emprestada para também ficar com uma recordação e que em devido tempo seria mandada para casa, demonstrando assim que tudo estava bem no paraíso de férias que era Catió e arredores.

Ora esta dita foto foi feita na estrada Catió/Ganjola [leia-se: Gandjola,que ficava a norte de Catió] e que era percorrida se não todos, quási todos os dias, com reabastecimentos lá para o destacamento.

Chegados a uma determinada altura, a coisa já era tão normal que quási passava a descontracção. Mas sempre era picada a dita estrada, o que demorava a fazer nos seus primeiros 6 a 7 km umas três horas bem puxadas. A parte restante até ao rio [de Ganjola] já era feita só pelas viaturas, ficando o pessoal da pica no remanso à espera do regresso.

Mas o importante da foto é que se podem ver na perfeição os nossos simpáticos e quási infalíveis detectores de minas, mais conhecidos como as Picas. Ora digam lá, camaradas, vocês que bem conheceram estes artefactos, se não mereciam estar em destaque nos vários Museus Militares espalhados pelo País Portugal?

Quantos picadores nos salvaram a vida com estas belezas? Mas quantos deles foram também traídos por elas?

A nossa homenagem a todos os picadores das estradas da Guiné.


Um abraço para a Tabanca e até à próxima
Jorge Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3208: Pensamento do dia (16): E não se pode exterminá-la ?... A epidemia de cólera em Bissau (Sofia Branco, Público)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3870: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (14): As minas e o seu poder destruidor


1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Aqui vai mais um texto da CCaç 2402 a iniciar os relatos da sua permanência no Olossato. Vai dividido em duas partes para ser mais rápida a sua leitura e não se tornar pesado, mas fica ao vosso critério parti-lo em dois posts ou não.

Um abraço para vós editores e um bom fim de semana.
Raul Albino


História da CCaç 2402 durante a sua permanência no Olossato

Julho de 1969 - Minas e seu Poder Destruidor (GMC)


Figura 1 – Picagem em terreno firme. A viatura rebenta-minas vem atrás.

Figura 2 – Picagem em terreno alagado. Parece que estão à pesca. E, de facto estão, só que não é de peixe.

Figura 3 – Mina AP (antipessoal) de petardo único e detonador, feita em madeira. Esta, por acaso, está bem conservada. Agora imaginem um objecto destes enterrado em terreno húmido há já algum tempo, meio apodrecida ou semi-decomposta pelo efeito das célebres formigas dos baga-bagas. Removê-las, mais do que um acto de coragem, é um acto de loucura.

Figura 4 – Mina AC (anticarro) semi-apodrecida. Como estará ela por dentro? Já não rebenta de todo ou estará prestes a rebentar.

As minas utilizadas na Guiné pelo inimigo, quer fossem anticarro ou antipessoal, eram, quase na sua totalidade, feitas de madeira, com um ou mais petardos de trotil no seu interior, accionadas por um detonador local. Tudo muito simples, barato e eficiente.

Uma mina AP era pequena (figura 3), do tamanho da palma da mão, só tinha um petardo no interior da sua caixa de madeira, mais do que suficiente para destruir uma perna a quem a pisasse, como foi o caso do nosso Major do BCaç 2851 em Mansabá.

A mina AC (figura 4) era maior como poderão ver nas fotos que acompanham este artigo e o seu poder destruidor variava entre seis a doze vezes o poder de uma AP.

A principal dificuldade que se nos deparava com estas minas era que, sendo elas feitas de madeira, não possuindo qualquer peça de metal na sua construção, os detectores de minas existentes na época não conseguiam detectá-las, tendo as nossas tropas de recorrer a métodos tão primitivos como as próprias minas, ou seja, efectuar uma picagem como a que vemos nas fotos, à frente das viaturas, esperando dar com elas antes da passagem dos camiões, neutralizando-as ou levantando-as após a sua detecção. Podem observar a dificuldade acrescida da sua detecção na época das chuvas.

O levantamento de uma mina AC tinha ainda um risco acrescido, é que ela podia estar armadilhada para que, quem tentasse levantá-la, causar com esse acto o seu rebentamento. Isto só deveria ser feito por pessoal especializado, como acontecia na generalidade.

A outra consequência deste tipo de minas, era fazer com que uma coluna de camiões se deslocasse à velocidade com que a equipa de picagem progredia, ou seja, muito lentamente e sem uma garantia absoluta da eficiência da picagem.

Por essa razão a viatura da frente da coluna, devia ser um veículo pesado, reforçado com sacos de areia para aumentar o seu peso, de modo que, em caso de rebentamento, o veículo não fosse projectado pelo ar, causando danos superiores aos causados se o veículo permanecesse no solo.

Esse veículo deveria transportar de preferência só o condutor, para em caso de acidente não causar muitas baixas. Era chamada a viatura rebenta-minas. A primeira fotografia deste artigo parece contradizer tudo aquilo que eu acabei de afirmar, porque a viatura vem cheia de militares empoleirados na cabina do condutor, a substituir os sacos de areia. Um bom exemplo daquilo que não se deve fazer, mas por vezes a necessidade, a escassez de transportes, ou inconsciência e falta de autoridade de quem chefia a coluna, pode estar por detrás de casos destes.

Muitas vezes o azar dita as suas leis mesmo aos mais cautelosos e o rebentamento duma mina pode ser accionado pela segunda viatura ou terceira e não pela primeira.

A 4 de Julho de 1969, coube a uma coluna de reabastecimento da nossa companhia, a infelicidade de accionar uma dessas minas AC causando a destruição completa de uma viatura GMC como podem observar pelas fotografias anexas.

Em termos de baixas humanas a nossa sorte não podia ter sido maior. O condutor da viatura, segundo o relato dum camarada de armas, era o Cabo Lopes, que sofreu ferimentos ligeiros, possivelmente por ter sido cuspido da cabina. Não posso precisar se mais alguém terá sido ferido.

A escolha do condutor da viatura rebenta-minas era feita por lista entre todos os condutores operacionais, porque, como é óbvio, não havia voluntários.

Neste mesmo dia e cerca de mil metros à frente do local onde rebentou a mina que desfez a GMC, foi encontrada outra mina que a imagem abaixo apresenta.

Como podem ver não existe nada de mais rústico, mas extremamente destruidor para as nossas viaturas em particular. Se considerarmos que naquela altura as nossas tropas possuíam poucos camiões operacionais, sempre sujeitos a avarias, com grande dificuldade de obtenção de peças de reparação, podemos imaginar o drama que nos causava estes incidentes.

Nesta foto que vemos acima, está a mina instalada no local onde o inimigo a colocou. Deparava-se-nos duas opções para resolver o problema: rebentar a mina no local ou removê-la da posição em que se encontrava.

Possivelmente porque a solução de rebentá-la no local, sempre a primeira opção a considerar, não se mostrou adequada à situação, foi tomada a decisão de levantar a mina, missão essa que coube ao Alferes Silva, que nesse dia integrava a protecção à coluna e possuía a especialidade de Minas e Armadilhas, tal como o narrador, que sou eu.

Na fotografia abaixo, vemos o Alferes Francisco Silva, também conhecido por Alferes Chico, em plena actividade de remoção da mina, após uma pesquisa prévia da existência ou não de armadilha anti-levantamento, utilizando neste caso a faca de mato para sondar.

Para quem não acompanhou os meus relatos sobre a CCaç 2402, é relevante informar que este meu companheiro de armas, Francisco Henriques da Silva, veio mais tarde a desempenhar a função de Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau num período particularmente conturbado da vida deste jovem País.

Como podemos ver nesta fotografia, temos pelo menos um espectador curioso a cerca de um metro do Alferes Silva.

Mais uma vez o bom senso e obediência às regras de segurança foi escamoteado. A destruição da GMC acontecida poucos minutos antes, não foi o suficiente para vencer a curiosidade e inconsciência deste mirone militar. Terá ele sequer imaginado o que lhe aconteceria se a mina tivesse rebentado durante a sua remoção? Vimos como ficou a GMC, não é difícil calcular como ele ficaria. Se ele estivesse a ajudar nalguma coisa, mas não, estava simplesmente a observar.

A única baixa aceitável, num hipotético rebentamento, era o elemento encarregado da remoção por inerência da sua especialidade, qualquer outra baixa a existir, implicaria sérias responsabilidades para o comandante da coluna.

Imagens da destruição da GMC







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Nota de CV

Vd. último poste da série de 30 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3156: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (13): Actividade da CCAÇ 2402 em Mansabá

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3289: Poemário do José Manuel (23): Naquela mata o silêncio magoa...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Pica na mão à procura delas... Durante uma picagem para garantir a segurança da coluna procedente de Bula para Aldeia Formosa que garantia o fornecimento do Batalhão e companhias instaladas na Região"

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Avançando pela mata..."


Fotos, legendas e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.


Naquela mata o silêncio magoa
naquela mata há sons que esmagam
naquela mata não há horizontes
não há rios nem há montes
há um vazio a preencher.




Nhacobá, 1973
Josema

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Notas de L.G.:

(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, na CART 6250 (Mampatá, 1972/74). Natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609. Tem vinhos premiados e partilha o seus néctares com os amigos e os clientes. Tem uma equipa de cinco estrelas: a esposa, Maria Luísa, e uma filha, ainda estudante, e um filho, o Vasco Valente Lopes, promissor énologo, com prémios já ganhos e estágio na Austrália. O nosso camarada faz também turismo rural. É membro da nossa Tabanca Grande desde finais de Fevereiro de 2008 e frequenta, religiosamente, às 4ªs feiras, a Tabanca de Matosinhos.

Vd. ainda o poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)

Sobre o Poemário do José Manuel, vd. os postes já publicados:

23 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

domingo, 26 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)


Portugal > Caldas da Rainha > 1968 > O futuro furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha. "Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha".... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


1. Na minha outra encarnação, quando eu fui o furriel miliciano Henriques, e estive na Guiné, entre Maio de 1969 e Março de 1971, no final da minha comissão, ainda em Bambadinca, escrevi a história da minha companhia, que era a CCAÇ 2590, ou melhor CCAÇ 12, uma companhia de nharros, que fazia parte da nova força africana com que Spínola sonhava ganhar... tempo (que não a guerra).

Devo dizer que o meu nome foi sugerido pelo meu Capitão - Capitão de Infantaria, do QP, Carlos Alberto Machado de Brito -, tendo como base a minha experiência, na vida civil, como jornalista... Devo acrescentar que tive acesso a todos os arquivos classificados da companhia, o que só foi possível com a cumplicidade de vários camaradas meus, de um dos sargentos (o Piça, o famoso Piça, minha senhora, para a servir! -, como ele, impecável e delicadamente, fazia questão de repetir, quando alguém do sexo oposto não percebia o seu apelido de família, tipicamente alentejano, e voltava a perguntar Como ?)... Com a cumplicidade até do meu próprio comandante, bom homem, que, embora assustado com o resultado final do trabalho que me encomendara, fechou os olhos à minha ousadia e até me deu um louvor...

Hoje eu estou em condições de compreener a sua delicada posição: devia estar já com os seus 37 ou 38 anos, com 3 comissões no ultramar (se não me engano) e à beira de ser promovido a major (em Janeiro de 1971, lembra-me o Humberto Reis).

Trinta e tal anos depois, em 1994, fui encontrá-lo, em Fão, Esposende, na casa de um dos nossos antigos alferes - o Carlão - no posto de coronel e confessei-lhe, candidamente, que tinha tomado a liberdade de distribuir, na época, uns tantos exemplares, clandestinos, aos tugas da companhia... De facto, ainda em Bambadinca, foram tiradas a stencil (recordam-se desta primitiva técnica de reprografia?) umas escassas dezenas de exemplares da história não autorizada da CCAÇ 12, antes de embarcarmos para a metrópole, em rendição individual (os nossos soldados africanos, esses, continuaram a servir a CCAÇ 12, muitos deles até ao final da guerra, aquartelados no Xime, desde 1973).

Tenho para com estes últimos um sentimento de gratidão e de reconhecimento, mesmo sabendo, na época, que eles estavam do lado errado da guerra e da história. Alguns, desgraçadamente, pagaram com a vida ou a liberdade o terem apostado no cavalo errado.

2. Vou republicar hoje, 26 de Novembro de 2006, o relatório da Op Abencerragem Cadente (que raio de nome esotérico!), desdobrando um texto que, de certo modo, dá o pontapé de saída a este blogue (ou mellhor, ao Blogue-Fora-Nada, que antecedeu o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné) (1)...

Fá-lo homenageando os nossos camaradas que tombaram na Ponta do Inglês: o furriel miliciano Cunha, o soldado Soares e os outros camaradas - cujs nomes não recordo - da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).

Quando publiquei esse texto - em 25 de Abril de 2005 -, eu tinha alguma dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconhecesse que ele fora um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos e anos a fio.

Como muitos outros pobres diabos, o Seco fora também um mercenário, um colaboracionista, um torcionário, um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha (Samba Silate, Poindon, Nhabijões...) , ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime (sic), para matar, à paulada (sic), em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados...

Tenho dificuldade em fazer recuar esses tempos, mas é bem possível que sejam anteriores ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz (1965-1968),o mesmo é dizer, que devem ser do tempo dos seus antecessores: 1959 - 1962 António Augusto Peixoto Correia (1959-1962) e Vasco António Martínez Rodrigues (1962-1965).

No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal (sic), pagava-lhe um sumol (sic)... O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente os pertencentes aos grupos étnicos islamizados...

O Seco Camará morreu ingloriamente em 26 de Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se alguma vez se sentiu (ou poderia sentir) português. Sei apenas que foi um bravo soldado - ou melhor, auxiliar dos militares portugueses - e eu não posso julgá-lo, sumariamente, com base nos meus valores ou princípios éticos. É claro que também não vou absolvê-lo com base no relativismo cultural: o facto de ser mandinga, descendente de um povo de guerreiros e conquistadores, não lhe davam quaisquer direitos, e muito menos o direito de vida ou de morte...

3. Alguém, da população do Xime - que me desculpe o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que nessa altuta teria 7 anos! -, nos terá traído nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Ou se calhar nem foi preciso isso: 250 homens em armas são uma multidão ruidosa, a entrar e a sair de um quartel... No mato, na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, são uma cobra gigantesca, de quilómetro e meio...

De qualquer modo, onde quer que o Seco Camrá esteja, no céu ou no inferno dos mandingas, paz à sua alma!

4. Pertencente na altura ao 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (não tinha uma posição fixa, era uma espécie de suplente, já que era um atirador de... armas pesadas de infantaria, numa companhia de intervenção que não tinha... armas pesadas), fui um dos que resgatei o corpo do furriel miliciano Cunha (que era de Braga, se não me engano). Gostava muito dele, éramos amigos. Tinha passado a noite de 25 para 26 na conversa com ele entre dois copos, no Xime, a fazer horas para a trágica saída na madrugada seguinte.

O segundo comandante do BART 2917 (não vale a pena citar o seu nome, já que ainda pertence ao número dos vivos) obrigara-nos a seguir o mesmo trilho da véspera: escassas horas depois, o Cunha estava morto mais quatro tugas e o guia e picador Seco Camará.

O Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o Seco Camarà. A imagem que tenho dele, era que estava a dormir, exausto, no capim, quando cheguei à sua beira. Ainda lhe dei uma bofetada e sacudi-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom".

5. Nunca mais consegui esquecer essa maldita operação, em que até mesmo os meus soldados fulas, que eram bravos soldados, tiveram medo… Foi a maior emboscada que eu sofri, e também a mais mortífera que apanhámos na região do Xime. Mas não dei um tiro. Nunca dei um tiro, na Guiné, a não ser a um desgraçado de um jagudi (abutre) a que nem sequer felizmente acertei…

Recordo esta estória, em homenagem também aos que morreram e aos que sobreviveram, em Portugal, na Guiné e noutros teatros de guerra, aos homens e mulheres que contribuiram, de mil e uma maneiras, para que hoje nós possamos - pelo menos aqui - estar a falar de liberdade, a recordar a guerra e a fazer a paz connosco próprios, a praticar a liberdade com a mesma naturalidade com que respiramos...

6. Na elaboração da história da minha companhia (ex-CCAÇ 2590 e, depois, CCAÇ 12) que é também a história militar do Sector L1 / Zona Leste da Guiné entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971, segui, em muitos casos, o teor dos relatórios de operações que eram feitos pelos alferes milicianos (com destaque para o Moreira) ou pelo capitão, passado pelo crivo da minha própria experiência como operacional ou do relato dos meus camaradas, furriéis milicianos...

Dentro dos constrangimentos do tempo e do lugar, procurei ser objectivo, recusando tanto quanto possível a tentação da hagiografia que era corrente na história de outras companhias independentes ou de companhias integradas em batalhões: "Fomos os melhores, chegámos, vimos e vencemos!"...

Nesta, como noutras operações, há passagens muito discutíveis como aquela em que se sugere que o IN sofrera baixas prováveis... Há aqui um branqueamento da situação, o que era frequente entre nós: depois da violentíssima emboscada de que fomos vítimas, ninguém estava em condições, físicas e psicológicas, de fazer o reconhecimento do local e, muito menos, de ir em perseguição dos guerrilheiros...

Seis mortos e nove feridos exigem, no mínimo, a afectação de dois grupos e combate (60 homens) para o seu transporte... Esta falsificação da realidade ou, no mínimo, o seu branqueamento era frequente entre oficiais milicianos e do quadro: enganavam-se uns aos outros, enganavam Bafatá (onde estava o comando da zona leste, o COP 7, se não me engano), enganavam Bissau (o quartel-general) e enganavam Lisboa (sede do Governo, não democrático, do país), que por sua vez enganava o Zé Portuga!...

Tudo isso acabava por ter consequências pesadas, para o pessoal no terreno, que era obrigado a executar operações mal planeadas e, por vezes, ainda pior executadas e comandadas...

De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo).

No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação, lá de cima, arrogante, a partir do seu PCV... Que Deus lhe perdoe...Eu, que não sou Deus, não tenho o poder de perdoar; em contrapartida, não consigo esquecer - por muito que me esforce - essa descida aos infernos do Xime.

As duras palavras que lhe disse, a quente, à noite, no regresso da operação, na parada de Bambadinca, não as vou repetir aqui... Como as pedras que são lançadas contra alguém, essas palavras não têm regresso...mas só fazem sentido no contexto, de grande tensão, física e emocional, que era próprio daquela guerra...

Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados a fazer aquela operação - três dias depois da invasão de Conacri! - e sobretudo por é que cometemos tantos erros infantis... Na guerra, os erros de comando pagam-se carros...

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Notas de L.G.:

(1)Vd. post de 25 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)