Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas. furrieis, da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68), unidade de quadrícula do Xime que antecedeu a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974, primeiro como subuniddae de intervenção ao setor L1 e depois, no final da guerra, como subunidade de quadrícula... Não sei se a CCAÇ 1550 foi a primeira subunidade de quadrícula do Xime: estivera antes em Farim, era comandada pelo cap mil inf Agostinho Duarte Belo; no monumento estão inscritos os lugares (de diferentes setores) por onde passou: Binta, Guidage, Xime, Ponta do Inglês, Galomaro, Candamã, Taibatá, Farim, Dembataco, Samba Silate, Bissau... (LG)
Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos
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1. Texto enviado pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 18 do corrente:
1. Texto enviado pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 18 do corrente:
Assunto: Seco Camará
Olá, Camaradas Tertulianos
Depois da minha ausência prolongada, já contada anteriormente, e ao reler páginas antigas do Blogue, nomeadamente o poste P5578 (*), ocorreu-me relatar o seguinte:
Quando cheguei ao Xime, em Janeiro de 1968, na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, Milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas, o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.
Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.
Numa delas, em Julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação: MINA!!!
Ao chegar-me aos ouvidos, avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que que a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado).
Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.
Não mais esqueço a transformação que nele se operou: o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se lentamente dizendo:
– É mesmo mina, Capitão!
A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.
Vieram mais operações e num delas um Alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho – pensei eu.
[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo. Foto: ©Torcato Mendonça (2007) ]
As razões que me apresentaram não me convenceram, invocavam que aquele posto - chefe dos picadores - devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa. O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e num dos dias seguintes falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.
(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado, na secretária a mim atribuída, um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando sinistro chicote. Destruí-o, pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da Companhia.)
Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e, falando no Comando do Batalhão, em Bambadinca [, CCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para morar e que ele seria o Picador do Capitão e que seria convocado de vez em quando por mim, coisa que lhe agradou. Depois, falando com os picadores, vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do Chefe da Tabanca, o Mancamam Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.
O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o Chefe da Tabanca que na noite do ataque ao Xime, na passagem do ano 68 para 69, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do Furriel Dias e os muitos feridos na emboscada passara-se 1 mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança com altos e baixos.
Olá, Camaradas Tertulianos
Depois da minha ausência prolongada, já contada anteriormente, e ao reler páginas antigas do Blogue, nomeadamente o poste P5578 (*), ocorreu-me relatar o seguinte:
Quando cheguei ao Xime, em Janeiro de 1968, na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, Milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas, o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.
Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.
Numa delas, em Julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação: MINA!!!
Ao chegar-me aos ouvidos, avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que que a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado).
Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.
Não mais esqueço a transformação que nele se operou: o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se lentamente dizendo:
– É mesmo mina, Capitão!
A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.
Vieram mais operações e num delas um Alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho – pensei eu.
[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo. Foto: ©Torcato Mendonça (2007) ]
As razões que me apresentaram não me convenceram, invocavam que aquele posto - chefe dos picadores - devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa. O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e num dos dias seguintes falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.
(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado, na secretária a mim atribuída, um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando sinistro chicote. Destruí-o, pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da Companhia.)
Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e, falando no Comando do Batalhão, em Bambadinca [, CCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para morar e que ele seria o Picador do Capitão e que seria convocado de vez em quando por mim, coisa que lhe agradou. Depois, falando com os picadores, vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do Chefe da Tabanca, o Mancamam Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.
O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o Chefe da Tabanca que na noite do ataque ao Xime, na passagem do ano 68 para 69, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do Furriel Dias e os muitos feridos na emboscada passara-se 1 mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança com altos e baixos.
No dia da minha retirada, já com a LDG atracada no Xime, veio o Mancamam ter comigo se eu não lhe deixava uma recordação:
–Não, Mancamam, não tenho nada para te dar, mas já dei a ti e ao teu pai a possibilidade de não terem sofrido represálias que numa certe altura pareciam mais que prováveis.
Compreendia que as populações estavam divididas com a guerra e que era natural que familiares ou antigos amigos seus vivessem naquilo que à época eram bases In e que isso era agora a realidade.
– Adeus, Mancamam.
Ele percebeu.
Um abraço do
António Vaz
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Nota do editor:
(*) 2 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz
Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon, que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.
(...) não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração, porém, por Senghor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.
(...) Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas. (...)