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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3510: Blogoterapia (76): Só nós aguentávamos 2 anos a beber água podre e a comer arroz com estilhaços de chouriço (Paulo Raposo)

1. Mensagem do Paulo Raposo, com data de 18 de Novembro de 2008, comentando o poste de P3463 (*):


Meu caro Luís.

Obrigado, és da corda.

O soldado é uma pessoa singular, quando estou em Paris, entro nos Museus, com desconto devido ao meu cartão da Liga, como sócio combatente. Vétérant de Guerre.

O soldado tem de ser Honrado, tal como ele é, quer pelos seus, quer pelos inimigos.

Batemo-nos em África e na Índia uma luta que não era nossa. Foi a parte quente da guerra fria entre Rússia e América.

Nós mais uma vez é que levámos nas orelhas. Quem é que hoje aguentava 2 anos sem fins de semana, a beber água podre e comer arroz com estilhaços de chouriço?

Toda a gente se pergunta hoje, como é que nós, um punhado de rapazes, aguentámos uma luta de desgaste em tantas frentes.

É triste ver os dirigentes politicos desde o 25 de Abril a ter vergonha do grande Soldado Português que somos nós.

Não percebo. Uma coisa é o fim e o triste fim, outra é Honrar os nossos. Aquando da 1ª guerra foi o mesmo. As tropas expedicionárias foram entegues de bandeja aos ingleses sem critério enquanto os senhores em Lisboa discutiam política. Tratantes. Com remorsos levantaram monumentos aos mortos por todo o país. Mas não se limparam.

Assim estamos hoje.

Isto tudo para dizer, que aparecem no Blogue muitos testemunhos em que parece que nós eramos o mau da fita e os outros os bons.

Nós somos os bons e a geração de OURO. Se não fosse a porcaria da política, as nossas relações com as populações de África eram das melhores.

Dizem-me que hoje ainda, em Goa, a população vive com ar mais digno do que no resto da Índia.

O que será, talvez, é propaganda, para esconder a incompetência dessa malta.

Vai um abraço forte de um dos muitos soldados portugueses.

Paulo
________

Nota de L.G.:

(*) 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3463: Os nossos regressos (17): Estavam lá todos, a família, os amigos, mas não o meu pai... (Paulo Raposo)

(...)"2. Comentário de L.G.:

"O Paulo Enes Lage Raposo, que hoje vive em Montemor-o-Novo, onde criou, desenvolveu e dirigiu um belíssimo empreendimento hoteleiro (o Hotel da Ameira), foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70).(Escrevo "dirigiu", no passado, por que acho que já passou a gestão para um dos filhos...).

"Durante a sua comissão, o Paulo esteve em Mansoa e sobretudo na zona leste (Galomaro e Dulombi), a sul de Bafatá. Uma nota trágica da sua comissão é a perda de 17 dos seus camaradas na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

"Desde Abril até Setembro de 2006, o nosso blogue publicou o testemunho escrito que o Paulo elaborara em 1997 e que só era conhecido de alguns amigos e camaradas da sua companhia e do seu batalhão. É um documento policopiado, de 65 páginas, com o seu "testemunho e visão da Guerra de África", mais concretamente sobre a história da sua vida militar, desde a sua incorporação, como soldado cadete, em Abril de 1967, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, até à sua mobilização para a Guiné, como Alferes Miliciano da CCAÇ 2405, onde teve como camaradas os membros da nossa tertúlia Rui Felício, Victor David e Jorge Rijo (este último reformou-se dos seguros, e não temos sabido nada dele uma vez que o endereço de email não é mesmo" (...).

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2976: Fórum Guileje (16): Como está a lusofonia em Bissau ? (António Rosinha / Luís Graça)


1. Mensagem do António Rosinha, com data de 15 de Abril de 2008. Recorde-se que o Rosinha foi Furriel Miliciano em Angola (1961) e, como civil, trabalhou na Guiné-Bissau, entre 1979/84, como topógrafo da TECNIL (1):



Assunto - O SIMPÓSIO DE GUILEJE E O QUASE DESAPARECIMENTO DO PORTUGUÊS E DO CRIOULO, DE UM PAÍS LUSÓFONO (2)


Luís, co-editores e co-tertulianos,

Penso que, ao lermos e vermos as reportagens sobre a referida viagem à Guiné [,por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008,], uma das coisas que mais chama à nossa atenção é o facto de quase não ouvirmos guineenses a falar a nossa língua.

E, eu digo, até o próprio crioulo está muitíssimo rarefeito.

Escreveu o Luís Graça, que o Presidente Nino falou em professores que Portugal podia enviar...

Agora não vai ser o politicamente correto que vai-me limitar a relatar aquilo que eu assisti, durante vários anos, que levou ao lento desaparecimento da língua portuguesa, da terra onde havia imensos guineenses, lusoguineenses, suecos, soviéticos, etc. que falavam a nossa língua tão corretamente como qualquer um de nós.

A primeira razão foi aparecer o que o IN resolveu chamar as "zonas libertadas". Na realidade não eram libertadas, mas sim pura e simplesmente abandonadas, não só pelo exército português, como pelo PAIGC, isto ao ponto de passados 20 anos após a independência em Madina do Boé, reconhecida na ONU, para dar um exemplo, toda aquela região nunca mais teve escolas, médicos... E as visitas dos governantes eram muito raras, isto entre a jangada de Ché-Ché, Boé e toda aquela região fronteiriça.

A segunda razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, etc., logo após o 25 de Abril. Muitos vieram para Portugal, outros para Caboverde, outros para a França, e até para os países vizinhos. Com receio a qual IN? Pergunto, mas não respondo.

A terceira razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, etc., logo após o 14 de Novembro de 1980. Muitos vieram para Portugal, por exemplo Luís, o irmão de Amílcar, outros para Caboverde, França, e até para países vizinhos. Com receio a qual IN? Pergunto, mas não dou resposta.

A quarta razão foi a fuga de imensos falantes de um português correcto, entre eles, professores, funcionários, comerciantes, treinadores de futebol e jogadores, militares, em 1998, em que Bissau esteve ocupado pelo exército senegalês, e a nossa Marinha acompanhou de perto e nós em Portugal tivemos ocasião de assistir pela TV ao desembarque de muita daquela gente em Lisboa. Fugiram a qual IN?

Existem outras razões para o desaparecimento do português/crioulo, por exemplo, imensos doutores que foram, alguns ainda durante a luta com 10 anos de idade, subtraídos aos pais, enviados para a então URSS, e vieram com 24/25 anos, sem domínio do portugês nem crioulo. E mesmo, dos muitos guineenses formados que nos países do leste, os desprotegidos, como os que se formaram no ocidente, os protegidos, nem sempre regressam à Guiné. Porquê?

E as fábulas de donativos de ONG e de vários países que, quer durante a luta como durante muitos anos seguintes, continuaram a dar quer para a educação como para a saúde, mas que por azar não se notou nada no desenvolvimento daquele país. Porquê?

Termino por aqui, apenas para dizer algo que se deu comigo directamente: Foi-me exigido, no meu currículo para um determinado trabalho na Guiné, falar francês.

Penso que ao abordar este assunto não é intrometer-me nos assuntos da Guiné, mas apenas dar uma ajuda para compreender um ponto de vista da nossa guerra.

Um abraço
António Rosinha

2. Comentário de L.G.:

António:

Regressaste, da Guiné-Bissau, há 24 anos... É muito tempo. Não sei se lá voltaste. De qualquer modo a situação da lusofonia não terá piorado, como tu afirmas. Os guineenses, com quem eu lido em Portugal (nomeadamente, profissionais de saúde, médicos, etc.), mesmo quando estudaram na China, em Cuba, ou nos ex-países comunistas da Europa Leste, dominam o português, escrito e falado, e muitas vezes muito melhor que a generalidade da população portuguesa. Dirás que têm essa obrigação, já que pertencem a uma elite escolarizada, com formação universitária, etc. Organizações não-governamentais como a AD - Acção para o Desenvolvimento e que empregam dezenas de quadros e colaboradores (alguns dos melhores quadros da Guiné-Bissau) têm o português e o crioulo como línguas de trabalho. Os seus relatórios são em português, e de bom português. No contacto diário com as populações interiores utilizam, naturalmente, o crioulo. Durante o Simpósio contactei com um parte deles, e sempre falámos em português, em bom português.

Em Bissau, na semana do Simpósio Internacionald e Guileje, tivémos duas audiências, uma com o primeiro ministro e outra com o Presidente da República: a única língua que se falou foi o português. O próprio Simpósio Internacional de Guileje foi em português, embora tenha havido algumas intervenções em crioulo por parte de antigos guerrilheiros.

Há excelente gente, na Guiné-Bissau, a escrever excelente português... a fazer teatro, a fazer música, a fazer cinema, a fazer jornalismo... Em português e em crioulo (este mais falado do que escrito). E aqui, justiça seja feita, cabe também um papel de relevo ao Centro Cultural Português (CCP), que é dirigido pelo Frederico Silva, o diplomata português que nos acompanhou na visita ao sul da Guiné-Bissau, em 1, 2 e 3 de Março de 2008, no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje.

Por exemplo, recentemente realizou-se, em Abril passado, o Encontro do Teatro da Guiné-Bissau 2008, com o apoio do CCP (mas também dos nossos amigos e parceiros da AD - Acção para o Desenvolvimento). E sobre esta iniciativa, pode-se ler-se no sítio Oficinas em Movimento - Oficinas em Língua Portuguesa do PASEG (Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau)

(...) "O Encontro de Teatro da Guiné-Bissau 2008 contou com a participação de 13 grupos de teatro guineenses (dois deles do interior da Guiné-Bissau), com a realização de três ateliers na área do teatro (cada um com uma média de 25 formandos), dirigidos aos actores dos 13 grupos participantes, e com um debate final, no dia do encerramento, sobre o Teatro na Guiné-Bissau. Durante a semana do Encontro esteve ainda patente no Centro Cultural Português uma exposição permanente de fotografias, textos dramáticos, cartazes e históricos dos 13 grupos de teatro participantes.

(...) "O público foi incansável e, a cada dia, ia enchendo mais o Centro Cultural Português, onde cada grupo foi apresentando as suas peças de teatro. Nos dois últimos dias as actuações contaram com lotação esgotada! As apresentações do último dia, resultantes dos ateliers, foram de tal maneira enérgicas que o público permaneceu de pé a aplaudir actores e formadores. Foi difícil concentrar novamente os participantes na realização do debate sobre o Teatro na Guiné-Bissau, mas passada a euforia, os representantes dos grupos de teatro e o público trocaram ideias interessantes e capazes de inicar uma movimentação enriquecedora do teatro na Guiné-Bissau. No final, o PASEG ofereceu um Buffet a todos os presentes" (...).

Eu sei que a Guiné-Bissau não é o campeão da lusofonia, e está cercada por francófonos de todos os lados. Eu sei que a Guiné é uma frágil economia e está à beira de um garvce crise, devido à escalada e à escassez de bens essenciais, como o gasóleo e o arroz. Eu sei que os melhores fiulhos da Guiné-Bissau são hoje obrigados a emigrar. Eu sei que os sucessivos governos portugueses, depois do 25 de Abril, se calhar não têm feito, como é(era) esperado que o façam, o trabalho de casa, como deve ser, em matéria de cooperação com os países africanos de expressão oficial portuguesa... De qualquer modo, a escolha do português como língua oficial não foi imposta por nós, é uma opção livre e consciente dos guineenses! E isso é um motivo de orgulho para todos nós, lusófonos, e uma oportunidade de enriquecimento cultural mútuo. Implica também, naturalmente, direitos e deveres, de um lado e de outro.

Meu caro Rosinha, não podemos fazer da língua uma arma de arremesso, nem muito menos um instrumento de políticas neocolonilistas, ou um factor de divisão nas relações entre os nossos dois povos... Pelo contrário, deve ser um traço de união, uma ponte, entre nós... Por outro lado, nós, portugueses, não somos donos da língua portuguesa.... Às vezes comportamo-nos como se o fôssemos. Se não tivéssemos sido conquistados e colonizados pelos romanos, nunca Camões teria escrito os Lusíadas, nem Amílcar Cabral teria escrito em português: Mamãi Velha, venha ouvir comigo / o bater da chuva lá no seu portão... A chuva amiga já falou mantenha / e bate dentro do meu coração. Nem o Manuel Lopes ou o Pepetela ou o Mia Couto ou o Hondjaki ou a Paulina Chiziane teriam existido como escritores lusófonos.

Tudo isto parta te lembrar que os guineenses são também nossos parceiros na aventura da língua... Parceiros, pares, de igual estatuto, é bom não esquecê-lo!

E a propósito da lusofonia, vejam-se algumas citações constantes do sítio Portugal em Linha:

"A Lusofonia é o meu Bilhete de Identidade. Exibo-o (com orgulho, pois claro!) em Angola, Brasil, Cabo Verde, Galiza, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. A Lusofonia é, enfim, o ar puro que respiro onde quer que vá. A Lusofonia é a música com a qual exprimo os meus sentimentos. Canto-a alto e bom. A Lusofonia é a minha mátria, não largo os seus panos. O amor que nutro por ela é puro, verdadeiro. Por isso recuso-me a cultivar outra fonia que não a lusa" (Jorge Eurico).

"Por esse Mundo fora, literalmente, há mais de 200 milhões que se expressam através da Língua Portuguesa. Portugal em Linha consegue manter os cinco continentes unidos há 12 anos e o contributo desse esforço continuado é, muito provavelmente, mais relevante do que o trabalho desenvolvido por algumas instituições de designação sonora" (Paulo Silva).

"Porque partilhamos os mesmos valores, porque somos África e somos Europa, somos Mundo, é importante comunicar com Portugal…em linha" (Liliana Castro).

"A língua portuguesa é o principal veículo de comunicação de cerca de 200 milhões de falantes oficiais matizada pelas características impares de cada um dos 8 países e 1 região que a conjugam. E para isso conta com a ajuda inestimável do Portugal em Linha!" (Eugénio Almeida).

Não estou por dentro da situação do ensino do português na Guiné-Bissau, nem sequer acompanho com a atenção que devia, a actualidade política, social, económica e cultural da Guiné-Bissau. De vez em quando espreito os portais, as notícias, oiço a rádio e a televisão.... Mas tenho ideia que há hoje um maior empenhamento, por parte de Portugal, do Brasil, de Angola e de outros países lusófonos, em reforçar a lusofonia na Guiné-Bissau. Senti que o próprio Nino Vieira é hoje um dos paladinos da lusofonia, por razões estratégicas tanto internas como externas. O apelo que ele nos fez, pareceu-me sincero e sem complexos: mandem-nos professores de português, vocês que têm gente desempregada, e que aqui [, na Guiné-Bissau,] seriam preciosos!

Sei que a situação, à partida, é má. Já era muito má, no final dos anos 50, no início da guerra: vejam-se as conhecidas denúncias do fundador e líder histórico do PAIGC, um lusófono de grande nível intelectual, e que se orgulhava do português como língua, que escrevia em (e falava) um excelente português, e que impôs o português como língua (estrangeira) aos povos da Guiné que ele queria libertar...

Era o português que era ensinado nas escolas das tais regiões libertadas ou nas bases da rectaguarda, na Guiné-Bissau e no Senegal. Os manuais escolares do PAIGC, impressos na Suécia, eram escritos em português (e o primeiro foi em 1964)... O Amílcar Cabral podia ter escolhido o francês, para se libertar, mental, psicológica e culturalmente, pelo menos, da opressão dos colonizadores portugueses: porque não o fez ? ... Por que era um homem extremamente inteligente e culto, porque era uma estratego clarividente, porque era amigo do povo português, e porque o português foi a sua língua materna ou paterna (o pai, pelo menos, era professor pimário...). Este e outros factos não podem ser ignorados, escamoteados ou branqueados...

Sendo historicamente escassa a nossa presença humana no território da Guiné-Bissau, a situação da língua portuguesa também não melhorou excepcionalmente com a presença de algumas dezenas de milhares de soldados metropolitanos durante a guerra do ultramar / guerra colonial(1963/74). Houve alguns progressos, mas tardios. Recordo que, na altura em que eu estive na Guiné (1969/71), já sob o consulado de Spínola, os homens que faziam parte da minha companhia, a CCAÇ 12 (que nós fomos formar em Contuboel), não falavam nem escreviam português. Eram fulas, eram analfabetos (embora alguns soubessem algum árabe e algum francês), e por isso mesmo classificados e tratados como soldados de 2ª classe!!! Aprenderam a falar português comigo e com os outros camaradas, oriundos da metrópole... E alguns chegaram a graduados, depois de terem, com êxito, frequentado as nossas escolas militares e feito o exame da então 4ª classe, com manuais feitos em Lisboa, para as crianças portuguesas da Metrópole...

Rosinha: Há outras questões que levantas, e que eu agradeço, mas que não têm uma resposta fácil. De qualquer modo, nesta como noutras matérias, de natureza cultural, não me interessa tanto o passado, como sobretudo o que podemos fazer juntos, hoje e no futuro. Por que queremos justamente continuar a comunicar, mais e melhor, com os nossos amigos guineeenses, em português, em bom português. É por essa razão que eu não partilho, inteiramente, do teu pessimismo, mesmo sabendo que tens um grande carinho pelas gentes da Guiné, e que queres o melhor para elas.

Um grande abraço. Mantenhas. Luís Graça.
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. postes de:

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

14 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

(2) 13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2754: Fórum Guileje (15): Há ainda muita gente do PAIGC calada... Por medo ? Por falta de domínio da língua de Camões ? (Mário Fitas)

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo


1. Mensagem do Alberto Branquinho, que foi alferes miliciano na CART 1689 (1967/69), tendo passado por Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá (1).

Com este gesto e esta colaboração, que há que saudar, o nosso camarada Alberto Branquinho, jurista de formação, irmão de um outro Branquinho, o António (que foi Fur Mil, no Pel Caç Nat 63, ao tempo do Jorge Cabral, 1969/71) (2),fica automaticamente ligado à nossa Tabanca Grande. Camarada: não querendo falares de ti (nem do teu umbigo), ficas com a liberdade de nos mandar umas fotos tuas para o nosso álbum...E esperaremos conhecer-te pessoalmente num próximo encontro. Até lá, obrigado, pelas tuas eruditas e interessantes reflexões sobre algumas palavras e expressões do crioulo guineense que nós utilizávamos/utilizamos, nem sempre com a devida propriedade e rigor... Espero que alguns dos nossos camaradas e amigos (o Mário Dias, o Pepito, o Leopoldo Amado...), que conhecem e falam bem o crioulo da Guiné-Bissau (mas também os que o arranham, como o Zé Teixeira...), também possam dar o seu contributo... (LG).

Caro Luis Graça:

Proponho-me escrever (sob o título que vai no anexo a este mail) àcerca de assuntos e acontecimentos relacionados com a minha experiência na Guiné, mas nunca sendo eu o centro ou o tema.

Para o primeiro tinha coligido um conjunto de palavras do crioulo guineense. Depois vi que constavam já do léxico que está no blogue, à esquerda. De qualquer modo, é esse o tema que vai junto.

Um abraço
Alberto Branquinho


1. Nova série: Não quero falar de mim... nem do meu umbigo (1) > Palavras e expressões do crioulo da Guiné

por Alberto Branquinho


Decidi respigar da minha memória palavras e expressões do crioulo da Guiné, procurando encontrar a origem ou explicação para elas. Se quanto a algumas a sua origem é óbvia, por ser fácil detectar a palavra de onde provêm, quanto a outras é um mistério, o que as torna interessantes.

O crioulo cabo-verdeano, embora semelhante, é substancialmente diferente e, além disso, difere, também, entre os grupos de ilhas.

Ao confrontar essa lista de palavras e expressões com as do léxico da coluna da esquerda no blogue, verifiquei que, afinal, estavam lá todas. Tenho, no entanto, comentários quanto a algumas delas.

Haverá obra(s) de linguística sobre o crioulo guineense ? Se alguém souber ou desejar, comente e acrescente p.f., porque a mim cá sibe ( como disse Diana Andringa, em jeito de despedida, nas vésperas do último 25 de Abril, depois da projecção de As duas faces da guerra no Malaposta, ao Senhor Roubado).
_________

ASSIM:


a) Abo – você, tu

Tal como quando o próprio se refere a si mesmo diz A mim (eu), também, quando se dirige ao seu interloctor deveria escrever-se A bô, isto é, não só separando o “a” de “bô” como acentuando, com acento circunflexo, o “bô”, visto que o som do “o” é fechado.

E, já agora, uma questão: a palavra não será a adaptação crioula do francês “vous” ?


b) Bianda – comida, arroz...

Qual será a origem desta palavra ?

Temos, do francês, “viande” – carne, mas ao balaio de arroz cozido não era habitual juntar carne, mas sim peixe, peixe seco. As refeições eram tomadas no grupo familiar, sentados nas esteiras, em círculo, fazendo uma mistura em bolinhas, tendo como base o arroz, comidas à mão.

Tenho para mim que, observando a maneira de comer e de apresentar os alimentos, observação acompanhada de um sentimento pejorativo (ia dizer racista ). Os primeiros portugueses terão desighado “tudo aquilo” por vianda – comida para porcos. Ao verem que o “branco” assim a nomeava, terão concluido que “comida” seria designada por “vianda”.


c) Cibe– palmeira...

Sempre ouvi chamar-lhe "cibo” e não “cibe”.

Atenda-se a que o tronco das palmeiras era partido em pedaços e assim utilizados. Em Trás-os-Montes existe a palavra cibo, que vem da palavra latina “cibus,i “, que significa pedaço. Exemplos: “Um cibo de pão”, “um cibo de presunto”.

Será esta a origem ?


d) - não

Exemplos; “ Galinha cá tem”, “ A mim cá sibe”.

Avento uma hipótese – aqui entre nós, em Portugal, quando alguém quer afastar alguém que o importuna com perguntas e mais perguntas, enfadado responde; “ Eu sei cá !“

Quero aproveitar, ao falar da palavra crioula “cá”, falar de outra palavra – “na”- que os periquitos entendiam como ”não”. Pode traduzir-se por “mesmo”. Ex., “A mim na bai”, que, em contraposição “A mim bai”, enfatiza a decisão de “ir”, mesmo contra todas as dificuldades.

Assim, tomou a decisão de ir: “A mim bai.”

Tomou a decisão de ir, mesmo apesar das dificuldades: “A mim na bai”.


e) Djubi – olha !

É minha opinião que a palavra “djubi”, como vocativo, poderá ser traduzida por "Olha!", mas só quando dirigida a um rapaz, pois sempre entendi que é a palavra do crioulo correspondente a "jovem".

f) Goss-goss - depressa

Tenho pensado muitas vezes sobre a origem desta expressão. Será a assimilação pelo crioulo do som que se faz, entre dentes, ao atiçar os cães, incentivando-os a correr – guesse, guesse, guesse... ?

Um exemplo engraçado que ouvi da utilização da expressão: “ Alfero, a mim bai na goss-goss, corpo todo stá mojado, bala num entra “.


g) Macaréu – vaga impetuosa...

Não é, propriamente, uma palavra crioula. Em Portugal não há macaréu com aquela força. Na Guiné tem aquela impetuosidade devido, também, à ausência de relevo e é a
causa da salinidade dos rios até ao interior do País.

Havia, nos princípios do século XX, um fenómeno inverso no Rio Douro, quando não tinha barragens (movimentos brutais de água de montante para juzante em épocas de chuva e degelo) – a rebofa. Seria um movimento de águas fundamental para provocar o final de um outro macar...éu que nunca mais acaba.

No Brasil chamam-lhe pororoca.

h) Manga de ronco – sucesso militar

Traduzir Misti – querer ou manga di ronco por sucesso militar é muito redutivo. Ronco é todo o acontecimento, atitude, postura, efeito, que, pela sua grandeza e excepcionalidade, se torna grandemente apreciado e aplaudido. Exemplos: as mulheres vestem os seus trajes mais coloridos e garridos, uma festa de estrondo, a chegada ou a passagem de um conjunto de peças de artilharia, a marcha de uma grande quantidade de tropas acompanhadas de fanfarra, etc..

A propósito – Qual será a razão da expressão "manga de" , transmitindo a ideia de grande quantidade de qualquer coisa ou seja muito/a ? Exemplos: ”manga di patacão”, “manga di pessoal”, “manga di porada”. Será que a ideia de muito, traduzida em “manga de”, vem da associação ao número de colheitas que os mangueiros (- mangas) têm em cada por ano ? Assim, “manga de” seria tal como... a quantidade de mangas que nós temos.

i) Misti - querer...

“Misti” ou “misst” ? Parece-me, pelo som que recordo, que a segunda grafia será mais correcta.

Gostaria saber qual a proveniência desta simpática palavra.


j) Partir – dar

A sabedoria é grande. Habitualmente quem dá não dá tudo, dá parte e, muitas vezes, o acto de dar é precedido do acto de partir, arrancar áquilo que temos o pedaço que vamos dar.


l) Sancu – macaco

Peço desculpa por corrigir. Da minha experiência, a grafia da palavra deve ser “sanjiu”, em que o “j” é pronunciado como em “bajuda” (em crioulo). E não tenho dúvidas, neste caso, porque a associei imediatamente a “singe”, macaco em francês.

m) Suma – como, igual

“Suma” – semelhante.

Ser a corruptela/contracção de semelhante é difícl de imaginar e muito menos de aceitar. Suma em Português nada tem a ver com a ideia que a palavra transmite em crioulo guineense.

_________


Termino como já atrás escrevi – comentem e acrescentem p.f., porque esta é uma matéria muito interessante.

Alberto Branquinho

ex-Alf Mil Op Esp
(sem fita e, como então, sem pena da dita).

_________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1535: Subsídios para a história da CART 1689, a que pertencia o Belmiro dos Santos João (Vitor Condeço)



(2) Vd. poste de 6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2033: In Memoriam (2): O saudoso Amaral da horta e dos presuntos de Missirá (Jorge Cabral / António Branquinho)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1899: Documentos (1): PAIGC - O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação


Guiné > PAIGC > Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > Capa e contracapa de O Nosso Primeiro Livro.

Fotos: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf(Hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) . Vive em Matosinhos.







1. Mensagem de A. Marques Lopes:

Caros camaradas:

Este era o livro de leitura dos primeiros anos das escolas do PAIGC durante a luta de libertação. É uma edição de 1966 do Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC. Apanhei vários destes em Samba Culo (1), mas alguém ficou com eles, depois de eu ter sido evacuado, só com a farda...Este foi-me cedido pelo nosso camarada tertuliano [António] Pimentel. Já o li. Dou-vos alguns textos a ler. Podem aprender o B-A-BA, o LHA-LHE-LHI... e ler outros textos.




Alfabetização, formação moral, cultura e... formação política, naturalmente. De acordo, aliás, com o Programa das Escolas do PAIGC. Mas este, que consegui de outra fonte, hei-de dar-vos a conhecer depois das minhas férias, que vão começar brevemente na Nazaré. Quem por lá passar dê uma apitadela (938013725).

Abraços e... adeus e até ao meu regresso!
A. Marques Lopes

2. Comentário de L.G.:

Obrigado aos dois Antónios. São pessoas com grande sensibilidade cultural e humana. Estes documentos são preciosos. Vamos reproduzir aqui, ao longo de vários posts, algumas das páginas do livrinho das escolas do PAIGC: a batalha do Komo (sic), Katungo, o Corpo Humano, a Verdade...


António Pimentel, ex- Alf Mil Rec Info, CCS BCAÇ 2851, Mansabá em Galomaro (1968/70). Vive no Porto.
Para muitos amigos e camaradas da Guiné, o livro não é novidade. Era frequente encontrá-lo noas assaltos a bases e acamapamentos... Para outros sim, até para os mais novos, os nossos filhos e netos... O livro era usado para alfabetizar tanto as crianças como os guerrilheiros. Nas matas, nas bases, acampamentos e tabancas controladas pelo PAIGG, também-se aprendia aler... em português., a pensar, a conhecer, a lutar e a amar em português.

Amílcar Cabral, inimigo não do Povo Português mas do regime político de Oliveira Salazar/Marcelo Caetano, fez mais pela língua portuguesa do que muitos portugueses que por lá passaram, com responsabilidades políticas e militares, ao longo de 500 anos de relações dos portugueses com os guineenses. Amílcar Cabral sabia que o português (para além do crioulo) era um das bases indispensáveis para a criação de uma identidade nacional...
Pessoalmente fiquei chocado, quando ao chegar a Contuboel em Junho de 1969 para fazer o IAO com os meus futuros soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - fulas, velhos aliados dos portugueses... -, constatei que eles não falavam (nem muito menos escreviam) português...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

domingo, 14 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1429: Lusofonia: este cá fala próprio heróis do mar... (Amaro Samúdio)

1. Há tempos (1 de Dezembro de 2006) recebi uma mensagem do Brasil que rezava assim:

Caro Luís Graça (e seus camaradas):

Estava procurando na internet algum lugar que me pudesse informar a respeito das características peculiares do português que é utilizado na Guiné-Bissau e encontrei seu maravilhoso blog.

Dou meus parabéns a você pelo estupendo trabalho e solicito que me ajude a conseguir informações a respeito do tema de minha pesquisa [Características do português da Guiné-Bissau] Desde já agradeço.

Amilton de Sousa Júnior

Salvador/Bahia/Brasil.



2. O Amaro Samúdio, de Matosinhos, nosso camarada de tertúlia, veio dar uma ajudinha, dizendo-me:

Caro Luís Graça

Não conheço nenhum sítio que possa ajudar o Amilton. Não resisto,no entanto, a transmitir-te o hino nacional em crioulo que me cantava um balanta.

Este cá fala próprio heróis do mar.......

Que é nobre povo.........

Que está fugí........

Que está morrí........

Em Conacrí .......



Um abraço

Amaro Munhoz Samúdio

Ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (1971/73)
Os Gringos de Guileje