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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16661: Memória dos lugares (350): Poucas terras fazem jus ao seu nome como Canquelifá, localidade guineense situada no seu extremo nordeste, e que em língua mandinga quer dizer "campo de batalha e de morte" (Cherno Baldé, Bissau)


Foto: © ex-Alf Mil Paiva Nunes e Bernardino da CCAV 2748, com a devida vénia



1. Comentário do nosso amigo Cherno Baldé, engenheiro na Guiné-Bissau, deixado no Poste 16656 a propósito da localidade de Canquelifá (*):


CANQUELIFÁ

Poucas terras fazem jus ao seu nome como esta terra guineense situada no seu extremo nordeste.

Em língua mandinga “Canquelefá” significa campo de batalha e de morte:

Can = campo/acampamento;
quele = batalha/guerra;
fá = morte/matança.

Não sei de quem era o acampamento, quem matou e/ou quem morreu, poderia até ser uma simples bravata dos Soninques animistas para assustar os invasores fulas ou os vizinhos Padjadincas do Bajar, ou outro grupo qualquer que se aproximava dos seus domínios, também eles conquistados em épocas passadas.

Território de transição histórica entre o norte da região sudanesa do Sahel [, Sara,]  e a zona da floresta húmida confinada à costa do Atlântico, esta região de Pachisse, Pakessi ou Paquisse com capital em Canquelifá foi, durante muito tempo e em diferentes épocas campo de batalha dos exércitos que invadiram o território da actual Guiné-Bissau e ponto de passagem entre o Senegal e o reino de Futa-Djalon.

Não admira por isso a (des)unidade étnica que se verifica na população local, dividida entre os temerários Camará, os argutos Djaló e os pacientes Sané, resultado da mais diversa mistura e uma autêntica babel linguística a começar pelos antiquíssimos Banhuns, Pajadinca, Cocoli até aos Fulas nas suas diferentes declinações, passando pela bonita, eloquente e musical língua Mandinga ou mandinkan.

Ao contrário de Ziguinchor, típica terra luso-tropical com cordão umbilical fortemente ligado à cultura e a tradição das praças guineenses, Canquelifá poderia passar para qualquer dos territórios vizinhos e não se notaria nenhuma diferença.

Após as constantes disputas entre os reinos vizinhos (Futa-Djalon com Alfa Yaya Djalo, Mussa Molo o rei de Firdu) e a cobiça das potências europeias presentes na zona, a delimitação franco-portuguesa de 1903 acabaria por incorporar o Pachisse na Guiné portuguesa, com a eliminação dos incómodos concorrentes locais que eram Mussa Molo e Alfa Yaya.

MARCAS DA PRESENÇA MILITAR DURANTE A GUERRA COLONIAL.

O acesso à localidade de Canquelifá é péssima, parece não ter sido reabilitada nos últimos 40 anos, em muitos sítios a estrada está cortada pela erosão das águas da chuva, mas ainda assim pode-se passar, sem pressas, com um veículo 4 x 4. O antigo quartel ou o celeiro de mancarra (os famosos celeiros de Albano Costa) está situado logo à entrada, onde são visíveis alguns sinais, símbolos da passagem da tropa metropolitana.

No lado direito do primeiro memorial estão grafados os nomes de mais de 5 companhias/batalhões, sendo difícil,  para um leigo, senão mesmo impossível, distinguir quem fundou e quem “canibalizou” o memorial.

Aqui vai a lista, sem ordem cronológica:
BCAÇ 1856; BCAV 1915; BCAÇ 2922; BCAÇ 2835;

No segundo memorial esta grafado o nome de uma companhia de caçadores, presumindo-se assim que seja a fundadora: CCAÇ 1623 e tem data (1966-68).

Um abraço amigo,
Cherno Baldé
____________

Nota do editor

(*) Vd. último poste da série de 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16635: Memória dos lugares (349): Canquelifá 2016 vista pelos ex-Alferes Milicianos da CCAV 2748 Paiva Nunes e Bernardino (Francisco Palma)

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22642: Memória dos lugares (428): Dunane, destacamento de Canquelifá, região de Gabu

Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região de Gabu >Canquelifá > Dunane > CART 1689 (1967/69) > 1968  > "Hotel Dunane" (Foto nº 1) e  "Aeroporto Internaci0nal de Canquelifá" (Foto nº 2)... Ou o humor de caserna no seu melhor...

"Dunane era um destacamento sob a responsabilidade da Companhia instalada em Canquelifá. Estávamos em 1968. A CART 1689/BART 1913 (Fá,  Catió,  Cabedu,  Gandembel e Canquelifá, 1967/69) em final de comissão, foi transferida para Canquelifá, deixando um pelotão aquartelado em Dunane. Em poucos dias deu para entender que estavam a gozar o merecido descanso do guerreiro. Não havia suspeita de guerra, os serviços eram poucos e o tempo ia-se gastando da melhor forma."  

Fotos (e legenda): © José Ferreira da Silva (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Muita malta terá passado por Dunane (e alguns terão lá estado "destacados" ou "desterrados"), mas poucoos, ao que parece, trouxeram fotos do lugarejo, agora "ressuscitado" com a republicação da série  "Diário de Guerra" do açoriano Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que foi alf mil da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67).

Dos que mais se "divertiram" com a sua estadia em Canquelifá e Dunane, foi o nosso Zé Ferreira, grande mestre do humor de caserna. As três histórias que ele nos conta desse tempo e lugar são  uma "delícia"... E ele garante-nos que são mesmo verdadeiras... Não precisava de o dizer: de facto, todas as histórias de guerra são verdadeiras, mesmo com o traço grosso da caricatura ou o ácido corrosivo do humor negro. Por isso até soldados básicos "badalhocos", havia alferes "malucos" e generais "de luneta e opereta", na nossa "Guinesinha" (como lhe chamava, com ternura patriótica, a nossa inefável Cilinha)...

Temos, em todo o caso, uma escassa dúzia de referências a Dunane, destacamento de Canquelifá, a meio caminho entre Piche e Canquelifá.

Daí acharmos útil recuperar os comentários ao poste P22634 (**)

(i) Manuel Luís Lomba:

Um reparo , a propósito de Dunane. A tropa não foi a incendiária daquelas (e outras) tabancas no Gabu, foi o PAIGC e o seu comandante Vitorino Costa, tirocinado em Pequim, nas quais praticou atrocidades e recrutou pela força dezenas de homens para a "reeducação" e guerra no sul.

Amílcar Cabral decidira-se pelo terrorismo no Leste, o resultado foi o seu contrário, serviu para fortalecer a oposição dos Fulas, os recrutados desertaram todos, substituiu-o pelo comandante Domingos Ramos, nosso ex-camarada, colocou-o em Quinara, no sul, morrerá no assalto à tabanca de S. João, em combate com a CCaç 153, deplorável foi o acto de passear o seu cadáver pelas tabancas de Quinara.

(ii) Valdemar Queiroz:

Como estive por aquelas paragens, estou sempre à espera de ler neste, quase tele, "Diário de Guerra", de Cristóvão de Aguiar, pormenores / descrições mais concretas sobre as localidades / tabancas Contuboel, Nova Lamego, Piche mas não aparecem, como de Dunane,  essas descrições.

Passei por várias vezes por Dunane nos finais de 1969 e era exatamente assim como nos descreve Cristóvão de Aguiar. A tabanca / quartel ficava colada à berma da estrada (a meio caminho, entre Piche-e Canquelifá), com um cavalo-de-frisa de porta d'armas a abrigos à prova de bombardeamento. 

Contavam-nos que se defendiam como nos filmes de western contra os índios. Recordo-me de uma das vezes ter sido o meu Pelotão ir de Canquelifá ao Xime (!!!) fazer a segurança a uma coluna de reabastecimento para Piche, Dunane e Canquelifá, e no regresso ao passarmos por Dunane:  eles protestarem com a chegada dos "frescos" por 15 dias antes (Natal) terem sofrido de grandes caganeiras devido ao camarão fresco do reabastecimento.

Também foi perto de Dunane que a minha CART 11 teve a primeira baixa, o  sold. Santoné Colubali, e ferimento grave do 1º.cabo trmas Custódio Marques, devido a minas na estrada para Canquelifá.

Sabia que Dunane não tinha população civil, mas não sabia ter sido uma tabanca de balantas (?) no leste, em terra de fulas e pajadincas, e que tinham sido expulsos pela tropa, mas o nosso Luís Lomba, qual Larousse nestas coisas, diz terem sido escolhidos em Pequim para serem reeducados, provavelmente comiam com as mãos, e servirem de educadinhos no sul.

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Da "má fama" o então capitão de infantaria José Curto, o carrasco de Vitorino Costa, não se livrou. Provavelmente ainda hoje, na região de Quínara,o seu nome (pelo terror que inspirava) é recordado pelos mais velhos. Pelo menos, era assim em 2008...quando eu lá estive, na Guiné-Bissau, e visitei a região de Tombali. Deve ser caso único, de entre os "tugas", tirando o nome de Spínola e poucos mais...

Continuamos a saber pouco de Dunane, se era originalmente uma tabanca fula, mandinga, pajadinca ou até balanta. Talvez o Cherno Baldé nos possa elucidar. De qualquer modo, estou grato pelos contributos do Valdemar de Queiroz (que conheceu a região) e do Manuel Luís Lomba, a par do Cristóvão de Aguiar e do Zé Ferreira...

No subsector, o L1 (Bambadinca), que me calhou em sorte, havia, isso, sim, tabancas balantas, junto ao rio Geba e ao Corubal, que forma riscadas do mapa... Infelizmente, a sua história é aqui pouco falada, tirando talvez o caso de Samba Silate.
 
(iv) José Ferreira da Silva:

Para melhor caracterizar a minha estadia no chamado "Hotel Dunane", naqueles tempos difíceis, lembro os meus textos da série Memórias Nos d Minha Guerra:



 "O Alferes Maluco".

As histórias são verdadeiras.

2. É igualmente oportuno reler o poste P16661,  da autoria do Cherno Baldé, de que se reproduzem aqui alguns excertos (***):

(...) Canquelifá: Poucas terras fazem jus ao seu nome como esta terra guineense situada no seu extremo nordeste.

Em língua mandinga “Canquelefá” significa campo de batalha e de morte:

Can = campo/acampamento;
quele = batalha/guerra;
fá = morte/matança.

Não sei de quem era o acampamento, quem matou e/ou quem morreu, poderia até ser uma simples bravata dos Soninques animistas para assustar os invasores fulas ou os vizinhos Padjadincas do Bajar, ou outro grupo qualquer que se aproximava dos seus domínios, também eles conquistados em épocas passadas.

Território de transição histórica entre o norte da região sudanesa do Sahel [, Sara,] e a zona da floresta húmida confinada à costa do Atlântico, esta região de Pachisse, Pakessi ou Paquisse com capital em Canquelifá foi, durante muito tempo e em diferentes épocas campo de batalha dos exércitos que invadiram o território da actual Guiné-Bissau e ponto de passagem entre o Senegal e o reino de Futa-Djalon.

Não admira por isso a (des)unidade étnica que se verifica na população local, dividida entre os temerários Camará, os argutos Djaló e os pacientes Sané, resultado da mais diversa mistura e uma autêntica babel linguística a começar pelos antiquíssimos Banhuns, Pajadinca, Cocoli até aos Fulas nas suas diferentes declinações, passando pela bonita, eloquente e musical língua Mandinga ou mandinkan.

Ao contrário de Ziguinchor, típica terra luso-tropical com cordão umbilical fortemente ligado à cultura e a tradição das praças guineenses, Canquelifá poderia passar para qualquer dos territórios vizinhos e não se notaria nenhuma diferença.

Após as constantes disputas entre os reinos vizinhos (Futa-Djalon com Alfa Iaia Jaló, Mussa Molo o rei de Firdu) e a cobiça das potências europeias presentes na zona, a delimitação franco-portuguesa de 1903 acabaria por incorporar o Pachisse na Guiné portuguesa, com a eliminação dos incómodos concorrentes locais que eram Mussa Molo e Alfa Iaia.(...) (****)
  ____________


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10730: Facebook...ando (19): Adul Baldé, filho de Braima Baldé, natural de Cansamange... e que foi o condutor que transportou os feridos da emboscada do Quirafo...



Guiné-Bissau > Bissau > Escola Salvadro Allende > 2009 (?) >  De pé, na a segunda fila, da esquerda para a direita: o segundo é o Adul Balde, seguido da Paula Bijagó, do Alfa Baldé, Vanessa Batista e Telma Marta...Não há mais elementos identificados na foto, com exceção da Paula Vieira (a primeira da 1ª fila, a contar da direita) (e que legendoua foto)... Foto do álbum do Adul Baldé, constante da sua página no Facebook.  (Reproduzida aqui com a devida vénia...).


(...) Paulo Santiago - Esta foto foi tirada em Cansamange,em 2005. Conheces estas pessoas?

Adul Balde - Sim,  Sr. Paulo, o homem que está á esquerda é o irmão do meu pai,  ele chama-se Mamadu Baldé (Molo), actual chefe de tabanca de Cansamange, ao meio André, Budi Seide e Ansu Embaló. Sim,  todos são os meus avós, conheço-lo, agora vou te enviar uma foto do meu pai, amostra,  para te possa reconhecer-lo bem. (...)

Foto: Paulo Santiago (2005), já anteriormente publicada no nosso blogue (e de novo reproduzida na página do Facebook do Adul Baldé,

1. Amigos e camaradas: Na realidade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Há 2 dias atrás dei comigo a falar com um jovem guineense, de seu nome Adul Baldé, através da nossa página no Facebook, Tabanca Grande... Não é muito frequente lá ir por falta de tempo, mas quando lá vou tenho sempre surpresas agradáveis. Como, por exemplo, a deste jovem que está à vontade a "facebook...ar", e que acaba de se tornar amigo do Paulo Santiago... Reproduzo aqui uma síntese da conversa que tivemos, eu e ele, Adul Baldé, ontem e onteontem, no Facebook (*):

(...) - Olá, Tabanca Grande, muito boa noite!... Sou o Adul Baldé, filho de Braima Baldé, ajudante mecânico,  filho de chefe de tabanca de Cansamange, esteve em 1969/73 em Saltinho com o capitão André... O furriel que estava com ele na Cansamange,  era chamado Tempera na companhia de capitão André.


- Sê bem vindo, Adul, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são!... E tu o que fazes, vives em Bissau? Tens vídeo para a gente se conhecer ?

- Não, está a ligar através do computador dum colega meu. Sim, vivo em Bissau. Estou a estudar neste momento o curso de contabilidade numa escola privada,  aqui em Bissau.

- E como estão as coisas em Bissau ? Está tudo calmo ?

-  Ok , obrigado, Luís, aqui tudo está calmo,  sem problema,  sem pânico,  a vida está estável nada mas há de passar, tudo está bem.

- Temos grande amigo aí, em Bissau, [...]  podes contactá-lo se for preciso...

- Sei quem é. Bissau, tá bom,  vou ver se posso contactá-lo. [...] O meu pai conhece muitas pessoas,  muito mais de que eu,  ele fez vida depois de época colonial em muitas tabancas.

- Então fala-me mais do teu pai, nosso camarada...

- [...] Olá, Luis, já falei com o meu pai e ele me disse que esteve no Xitole e depois no Saltinho;  entre 1968/69 no Xitole, e ele era ajudante mecânico na companhia de artilharia, o número ele esqueceu, o chefe de mecânico era o Acácio Samicio [?], o Capitão na altura era chamado Madina Ramos e o condutor era Mugueira.

- Mugueira ?... Talvez Murgueira ou Musgueira...

- Ok,  Luís,  ele  [, o meu pai.] está muito ansioso de ver a sua actividade convosco nesta altura em Saltinho.

- Em março de 2008 estive no Saltinho, Iemberém, Guileje... e em Bissau.. Passei pela tua aldeia, ou perto, na estrada Xitole-Saltinho...

- Sei, Luís, e vi todos isto e as fotografias quando vocês vieram na Guine, sempre costumo entrar no Google assim: Ponte de Fulas,  Xitole, Saltinho, encontro sempre muitas fotos, até as fotos de Paulo Santiago em 2006 quando ele foi visitar a tabanca de Quirafo e a de Cansamange juntamenete com o seu filho [. João].

 - Olha, o que faz o teu pai hoje ? Qual é a sua profissão ? Tens foto dele ? Vocês são fulas, é isso ?!

- Não, não tenho uma foto dele nesta altura [, no tempo da guerra colonial], mas já enviei uma foto dele em 2011 na minha tabanca de Cansamange, e se puder contactar com o capitão André que estava no Saltinho em 1969/72 juntamente com o Paulo Santiago,  eles podem te ajudar procurar as fotos que falam dos soldados deles no Saltinho e na Cansamange. E  o meu pai foi aquele  que trabalhou muito no carro do seu pai  [?] para a construção da tabanca do outro lado de ponte,  chamada Sintchã Sambel. Ele foi o condutor que transportou os feridos no ataque do PAIGC no Quirafo.

- Ok, Adul... Ou Abdul ? Já tomei nota, amanhã ou depois, quando tiver um pouco mais de tempo, vou escrever uma nota no nosso blogue... Conheces ? Manda-me uma foto digitalizada do teu pai, atual... Essa companhia de 1968/70, do Saltinho (**),  é do meu tempo, vou confirmar os nomes...

- Sim, o meu pai esteve na tropa desde 1968 que ele entrou até a independência, mas primeiro ele começou logo no Xitole e depois passou no Saltinho nos tempos de capitão Clemente, André e Paulo Santiago.

- Tens aqui a página, no Facebook,do Paulo Santiago [...].

- Sim vi, obrigado.  Luis e vou tentar... Vi ele como um muçulmano, ehehehe!!!

- É do tempo do capitão Clemente!... O cap Clemente comandava a CCAÇ 2701... podes ver aqui fotos, no nosso blogue [...].. Alferes Julião, alferes Mota... Depois falamos mais!... tenho que trabalhar.

- Um abraço, Luís, mantenha para todos vocês e amigos aí em Portugal e espero que encontramos muitas das vezes para falar do historial da minha zona.

- Então, bom estudo, e um bom resto de dia. Mantenhas... Luís.

- Sim, obrigado, até amanhã e vou explicar tudo o meu pai sobre você e já vi também este novo blog. (...)





2. Por mail, o Adul mandou-me ontem foto com o seu pai, em Cansamange, a nordeste do Saltinho [, vd. mapa de Contabane]. Vendo melhor no mapa, confesso que nunca lá passei, embora tenha a ideia a CCAÇ 12 ter um dia feito uma coluna logística por Galomaro até ao Saltinho... Dei conhecimento ao Paulo, que me respondeu deste modo:

Luís: Já recebi, via Facebook, mensagem do Adul. Pedi-lhe,se possível, uma foto do pai quando militar. Tive um Braima no [pel Caç Nat] 53 mas não era condutor. Estive em Cansamange em 2005, onde encontrei os antigos milícias que tinham sido meus instruendos e me ofereceram 2 galinhas e 3 ovos.Vou esclarecer a situação com o Adul. Abraço.

3. Mensagem que acabei de mandar ao Adul Baldé:

Adul:

Quero que entres para o nosso blogue, para fazeres a "ponte" com o teu pai e outros camaradas nossos da região do Xitole/Saltinho... Aceitas ?... O Paulo Santiago pode ser o teu padrinho... Tenho as tuas fotos do Facebook... Não queres fazer uma pequena apresentação da tua pessoa ? Quem tu és, quem é a tua gente, o sítio onde nasceste, o que esperas da vida, o que pensas do futuro do teu país... Pensa nisso.
Um abraço. E obrigado pela foto que eu te fui "roubar"... Tens umas amigas giras...E amigos, claro... Onde é a escola Salvador Allende ? Tu vives em Bissau Novo, onde fica ?... Um abraço, Luis.

Luís Graça & Camaradas da Guiné
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
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Notas do editor:


15 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9355: Facebook... ando (15): Um "regalo" para a Maria Ivone Reis, que anteontem fez anos (Hugo Moura Ferreira)

30 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9291: Facebook...ando (14): João José Alves Martins, ex-Alf Mil PCT (BAC1, Bissau, Bissum-Naga, Piche, Bedanda, Gadamael, Guileje, Bigene, Ingoré, 1967/70)

(**) Vd. poste de 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9610: O Nosso Livro de Visitas (130): Ex-Cap Inf Diamantino Ribeiro André, comandante da CCAÇ 2406 (Olossato e Saltinho, 1968/70), e ex-presidente da CM de Proença-a-Nova, ouviu-nos na rádio e quer ir ao nosso VII Encontro Nacional, em 21 de Abril próximo

(...) Recorde-se alguns dados sobre  esta subunidade orgânica do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70):

(i) A CCAÇ 2406 foi mobilizado no Regimento de Infantaria nº 2 – Abrantes; 

(ii) embarcou em 24jul68; desembarcou em 30jul68; regressou em 28mai70;

(iii) Divisa: “Sacrifícios não Contamos”;

(iv) Em 30jun68 seguiu para o Olossato para treino operacional e intervenção, destacando forças para Banjará e Maqué;

(v) Em 20fev69 seguiu para o Saltinho assumindo a responsabilidade do subsetor (que pertencia então ao Setor L1);

(vi) Destacou forças para, temporariamente, guarnecerem Xime, Quirafo, Cansamange e Sinchã Maunde Bucó;

(vii) Em 07nov69 passou para o setor L5 (Galomaro), mantendo as suas forças no Saltinho com forças em Cansamange e Cansongo;

(viii)  A 10mai70 seguiu para Bissau para efectuar o regresso;

(ix) Comandante: Cap Inf Diamantino Rodrigues André;

(x) Ao mesmo BCaç 2852 (Setor 1, Bambadinca, 1968/70) pertenciam a CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar e Mansambo) e a CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulombi).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21941: Historiografia da presença portuguesa em África (253): "Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento de Carlos Lopes na Sorbonne constitui um indesmentível esforço para procurar clarificar a presença Mandinka e a fundação do reino do Kaabú, que se espalhou essencialmente nas terras do que são hoje os países da Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal. Este reino do Kaabú marca o fim do Império do Mali, deu origem a um Estado autónomo em que os Mandinka detinham grande poder político e cultural. Carlos Lopes consultou inúmera documentação que permite trazer luz à estruturação social Kaabunké, à organização do seu território e à sua consolidação graças fundamentalmente ao tráfico de escravos. Chegados ao século XIX, os Mandinka envolveram-se numa prolongada guerra com a etnia Fula, perderam a capital Kansalá, o Mansa suicidou-se, acabou o seu reinado, os Fulas ascendiam ao poder.
Iremos no próximo número apreciar as conclusões apresentadas por Carlos Lopes face à herança Kaabunké, há ali observações com muita dinamite.

Um abraço do
Mário


A Guiné antes e durante a presença portuguesa:
Kaabunké, um trabalho admirável de Carlos Lopes, historiografia incontornável (2)


Mário Beja Santos

O
importantíssimo trabalho do historiador Carlos Lopes sobre o reino do Cabo detalha a expansão Kaabunké, o seu declínio e a sua herança. Sobre a expansão e lógica do poder falou-se no número anterior, vejamos agora como se passou da consolidação ao declínio. O Kaabú era um reino de escravatura, vivia do tráfico negreiro. E o autor observa: “O tráfico prejudicou o desenvolvimento de outros sistemas de produção orientados para a produção de mercadorias e enviesou o comércio para uma troca ainda mais desigual do que as anteriores”. O fenómeno decorria do acordo das aristocracias do Kaabú, da sua aliança de interesses e dos negócios com os europeus. A aristocracia vive dos impostos e da guerra, e esta lógica de funcionamento desce até às aldeias, tem a caução dos poderes religiosos. O autor estuda atentamente as lendas sobre a queda de Kansalá e retém uma frase de um autor português de 1945, Viriato Tadeu, em Contos do Caramô: “Na Guiné de bandeira portuguesa, só há brancos e Mandingas. O resto são os pobres coitados”. Subentende-se que estava a subir de tensão a luta entre poderes a partir do século XVIII. O Kaabú entrara em declínio devido ao permanente sobressalto da guerra e à reorientação do comércio transatlântico. Os Fulas tinham começado a revoltar-se contra a exploração Malinké, vão começar as longas guerras entre dois Estados – Kaabú e Futa-Jalo. Os Malinké não desistiam de ser os senhores do território e vão enfrentar os franceses no Senegal. Os territórios do Kaabú precisavam cada vez mais do poder militar, a centralização política ia-se esboroando. Chegara-se também a um limiar intolerável na coexistência pacífica entre o Islão e o animismo, quer Fulas quer Mandingas estavam agora confrontados com uma lógica de Guerra Santa. Isso devia-se ao papel crescente do Islão, até então o poder islâmico tratava o relacionamento interétnico com uma enorme flexibilidade. Não é novidade para ninguém que ainda hoje os chamados islamizados da Guiné não prescindem de amuletos tradicionais, aliás, a penetração do Islão no meio animista socorreu-se do uso de talismãs que encerravam versículos do Corão. Escreve Carlos Lopes: “O Kaabú é o símbolo de uma coabitação islamo-animista desde o século XII e esta relação foi sempre favorável ao primeiro, através dos tempos. Foi por o Sudão Ocidental estar em plena transformação no século XVIII que o Islão continuou a progredir. Os Fulas do Futa-Jalo não são a principal razão, mas antes a ponta do icebergue”. Mas também na Senegâmbia meridional os europeus iam pondo de pé uma nova estratégia de conquista territorial, a partir do momento em que o tráfico de escravos tem os seus dias contados havia que redefinir a presença colonizadora, e franceses, ingleses e portugueses facilmente se entenderam neste ponto: havia que destruir os grandes espaços políticos, sabendo de antemão que teriam que conviver com sociedades islamizadas.

A situação do Kaabú também se agravara devido a novos conflitos relacionados com as interpretações islâmicas de diferentes confrarias (a Tijaniya e a Kadiriya), apoiadas por chefes diferentes. Havia lugares de peregrinação até aos centros religiosos islâmicos. “No século XVIII, o Islão tornou-se mais militante que nunca, não apenas devido à existência das confrarias, mas também por ser apenas desse meio que provinham as elites educadas e alfabetizadas. Hoje em dia, ainda é possível distinguir diferenças significativas entre as práticas religiosas das diferentes confrarias, mas as grandes querelas dos séculos XVIII e XIX estão ultrapassadas, o que prova bem como o essencial dos argumentos tinha sido uma natureza política”.

Algo de profundamente novo tinha acontecido nas sociedades Fulas, a partir do século XVIII eram inteiramente dirigidas por chefes religiosos. “A evolução política do Futa-Jalo introduzirá discórdias graves entre os Fulas que estão cativos dos Malinké do Kaabú, que podiam aliás contar com aliados no interior da estrutura social Kaabunké. Uma parte das camadas intermédias Kaabunké está insatisfeita e recetiva a uma aliança com novos interesses, que utilizarão o Islão como porta-estandarte”. Portugueses e franceses estavam atentos ao crispar destas tensões, reduziram o volume de trocas com os chefes Malinké, começou o isolamento das regiões e no Futa-Jalo sentiu-se que o apoio europeu estimulava os Fulas a lançar uma ofensiva. É exatamente o que escreve Carlos Lopes, o Kaabú já não conseguia manter o controlo indireto das várias províncias que constituíam a sua base territorial. Havia por um lado a penetração europeia e a pressão do Futa-Jalo fazia perigar as formações políticas existentes desde a época medieval. E vão-se dar batalhas que culminarão com a queda de Kansalá. Atenda-se agora a considerações um tanto controversas, umas, e complementares ao que nós já sabíamos sobre o colonialismo português na Guiné no século XIX: “O verdadeiro fim do Kaabú e o verdadeiro início da colonização coincidem no tempo. Estão ligados, pois ambos se desenvolveram a partir do tráfico negreiro. O fim deste foi o princípio do fim do Kaabú. Mas os colonos tinham uma estratégia económica. No final do século XIX, os colonialismos vão intervir indiretamente no jogo político com o objetivo confesso de controlarem o território – era a lógica da Conferência de Berlim. No Senegal, os franceses produziram estratégicas económicas virando-se para a exploração da mão-de-obra local e para a sua utilização como mercadoria de troca. Vai ser assim com a cultura do amendoim. Em 1846, Aurélia Correia já tinha uma plantação respeitável em Bolama, bem como João Marques de Barros. A presença portuguesa ia-se reduzindo a Norte, a hostilidade africana era clara, como Andrade Corvo escreveu em 1884, falando de um gentio bárbaro e indómito, que raramente está em completa paz, e que muitas vezes abusa da nossa falta de força na Senegâmbia Portuguesa. Não devemos iludir-nos acerca das condições do nosso domínio da Guiné”. Ao tempo, e segundo ainda Andrade Corvo, havia concelhos em Bissau, Bolama e Cacheu; dependendo do primeiro Geba, do segundo Buba, e do terceiro Farim e Ziguinchor. Quem irá dar configuração a uma boa parte do que é hoje a Guiné-Bissau foi Honório Pereira Barreto.

No Sul da colónia, a situação era muito instável, como recorda Carlos Lopes: “Os portugueses tinham procurado assinar tratados no Forreá para controlarem integralmente esta região, mas tiveram problemas com Bakar Kidali. Um dos indícios disto é o ataque de Mamadu Paté de Koyade ao entreposto de Buba. Aliás, os portugueses não intervieram nas lutas intestinas do Forreá, embora apoiassem indiretamente os escravos a revoltarem-se contra os seus donos, fornecendo-lhes armas”. São tempos de acordos com os Fulas. Mas a lógica colonialista era imparável, houve destituições e nomeações de chefes locais impostas por Paris ou Lisboa. “O exemplo de Alfa Yaya que procurou desesperadamente manter o controlo do Labé, Kaabú, Forreá e Kadé ilustra bem o desespero dos últimos grandes homens políticos africanos dessa outra época. Nem ele nem Mussa Molo serão bem-sucedidos. O século XIX terminava uma História de África. E o Kaabú tornava-se para a história da região o fim de um ciclo histórico: o dos poderes independentes africanos. Os colonialismos invasores acabavam de destruir um sistema político e económico secular”. Iremos seguidamente falar da herança Kaabunké, sem dúvida o ponto mais polémico da tese de doutoramento de Carlos Lopes.

(continua)
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Notas do editor

Último poste da série de 17 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21911: Historiografia da presença portuguesa em África (252): "Kaabunké, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais", por Carlos Lopes; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19921: Em bom português nos entendemos (21): quem chama "fula-preto" a quem ? (Luís Graça / Cherno Baldé)



"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos," (Imagem reproduzida aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook). Na história da marca diz.se: 

"O óleo Fula foi lançado há mais de 50 anos. Nasceu como óleo de amendoim puríssimo e a origem do seu nome está em África – Fula é o nome de uma conhecida tribo da Guiné. Conheça agora as datas mais relevantes da sua história. (...)"

Cá está, mais um exemplo, da eventual utilização abusiva do nome de um povo, "etnónimo", para promover  um produto... comercial, para mais  associado à colonização, ou seja, a um contexto histórico determianado: a mancarra, o amendoim, donde se extrai  óleo alimentar, foi uma cultura comercial, irrelevante para a segurança alimentar dos "indígenas", imposta pelo colonialismo europeu, em África, no séc. XIX... Infelizmente, o caju, hoje em dia, na Guiné-Bissau, uma desastrosa opção estratégica do PAIGC timnada a seguir à independência... Hoje os guuneenses exportam caju para importar arroz...

Acrescente-se, no entanto, que o Grupo Sovena reivindica, para si, valores como a multiculturalidade: 

(...) "Porque somos verdadeiramente uma empresa Glocal somos também multiculturais. De entre as mais de 1000 pessoas que trabalham no Grupo Sovena temos pessoas de quatro continentes e de mais de 15 países. Pessoas de diversas formações pedagógicas, de diversas profecias religiosas e de diversas etnias. Assim garantimos diversidade de abordagens, de conhecimento, de experiências de vida e, acima de tudo, de opiniões – o que nos permite sermos cada vez melhores." (...) (Fonte: Sovena Group > Missão,  Visão e Valores)

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A propósito do vocábulo "fula-preto" e da sua eventual conotação racista... Comentários de Luís Graça e Chernp Baldé (*):


(i) Luís Graça

Obrigado pelas tuas preciosas notas de leitura (*). Confesso que preciso de saber mais sobre a história dos teus antepassados e, em geral, do(s) povo(s) guineense(s)... Mas é um terreno armadilhado. Como eram povos sem escrita, foram em geral os europeus a escrever sobre os seus "usos e costumes" ou as suas andanças no espaço e no tempo...

Há alguns vocabulos e expressões que me causam algum desconforto, embora tenham entrado no nosso léxico do dia a dia... São manifestamente racistas, alguns, que eram utilizados no meu tempo, e são resquícios das sociedades escravocráticas: "trabalhar é bom para o preto", "trabalhar que nem um negro", "quem poupa seu mouro poupa seu ouro"... Outros são mais subtis, menos óbvios, mas não deixam de ser pejorativos: "ovelha negra da família", "mercado negro", "preto ou pretinho da Guiné", por exemplo... Ou "fula-preto" 'versus' "fula-forro"...

De quem será a autoria da expressão "fula-preto" ? Da etnografia colonial, imagino!?

A(s) nossa(s) língua(s) é(são) cruel (cruéis)...Basta dar uma vista de olhos aos provérbiods "populares", eivados de sexismo, machismo, misoginia, racismo... Sobre a mulher, por exemplo, há inúmeros provérbios, todos eles reveladores de uma mentalidade predadora e doentia, alimentada pelo mito judaico-cristão do pecado original, e que vê nela um ser desprezível mas diabólico:

"Da cintura para baixo não há mulher feia";
"De má mulher te guarda e da boa não fies nada";
"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";
"Frade e mulher - duas garras do diabo";

Mas fiquemos, por agora, nos "fulas-pretos"... Quem chama "fula-preto" a quem ? E porquê "preto" ?


(ii) Cherno Baldé:

Caro amigo Luis,

Antes de falar sobre a estrutura social dos fulas, permitam-me corrigir um lapso no texto relativamente a data provável do nascimento de Mussa Molo (1845) e não 1945.

Quanto a categoria social (Fula-Preto), desconheço o autor, provavelmente Português, desta expressão que passou a designar uma categoria social dentro do grupo etno-linguistico da população dos Fulacundas (Fulas de Gabu) que habitavam no espaço do antigo império Mandinga, dentro do qual se integraram sem nunca deixarem de praticar a sua actividade economica fundamental de criação de gado e pastorícia ao mesmo tempo que, por força das circunstâncias, se interpenetravam entre si, social e culturalmente, tecendo fortes laços de complementaridade, de interdependencia e de mestiçagem.

Durante muitos seculos (e desde meados do sec.XIII), no espaço do Kaabunké, os fulas e outros povos sob dominio mandinga, trabalhavam, na agricultura e criação de animais, e as elites mandingas dominantes, seus clãs e suas numerosas linhagens de guerreiros, reinavam e viviam a custa de razias e do comercio, inclusive o comercio de escravos.

Para a realização destes trabalhos, sobretudo nos trabalhos agricolas para os quais os fulas não somente não tinham tempo suficiente, mas também não gostavam de fazer, era preciso arranjar mão de obra que se dedicasse exclusivamente a estes trabalhos menos nobres, do seu ponto de vista. E a solução era comprar "cativos" de diferentes origens tribais nas mãos dos mandingas que, desenraizados, educados e aculturados no meio fula, integravam as familias dos seus donos, formando uma categoria a parte ou a classe dos servos ou cativos.

Foram as pessoas oriundas dessa categoria de servos, trabalhadores essencialmente agricolas e doutras castas sociais tais como os Ferreiros, Tecelaos, artesãos de diferentes oficios é que receberam, durante a época colonial, a designação de Fulas-Pretos, para não ficarem com o nome altamente ultrajante de Cativos/Servos, isto é "Jiaabhé" na lingua dos fulas.

Claro que hoje este conceito está politica e socialmente morto
e enterrado, mesmo se subsistem alguns resquicios comportamentais e tentativas de segregação acompanhado de lutas e resistências subtis com base nesses conceitos que foram banidos juntamente com o dominio mandinga durante a guerra de libertação encabeçado por Moló Eguê, que mais tarde adquiriu o titulo de Alfa a semelhança das autoridades teocráticas do vizinho estado Futa-Fula que os inspirou e amparou.

Eu também não gosto da expressão, mas tratando-se de uma herança conceptual já não há nada a fazer a não ser contextualizar sempre que se usar a expressão para melhor cpmpreender as suas origens sociais.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé


(iii) Luís Graça:

Peguei no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, 2003), no Tomo IV FRE-MER, e lá estão grafados os vocábulos "fula-forro" e "fula-preto" (p. 1815)... [Convirá referir que esta é uma obra de referência, o mais completo dicionário da língua portuguesa, elaborado pelo lexicógrafo brasileiro Antônio Houaiss (1915-1999); a primeira edição foi lançada em 2001, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Antônio Houaiss.]

Fula-preto: o termo é recente, proveniente da etnografia da Guiné-Bissau... Significado: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é mais carregado que a dos chamados fulas-forros"

Fula-forro: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é menos carregado do que os chamados fulas-pretos"...

"Tom de pele" em maiúsculas ou caixa alta  é da minha responsabilidade... Em meu entender, é uma definição menos feliz, redutor, simplista, e até com conotação racista, ao sobrevalorizar uma caraterística fenotípica, o "tom de pele", para distinguir duas "subpopulações ou grupos" dentro do povo fula da Guiné-Bissau...(que não é uma "raça", mas tão apenas um grupo etnolinguístico... da subespécie humana "Homo Sapiens Sapiens").

A explicação do Cherno Baldé é muito mais satisfatória, para mim, que dou muito importância às questões sociolinguísticas... Obrigado, Cherno, isto merece um poste! (**)

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Notas do editor:

(*)  Bd. poste de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)