Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Guiné 63/74 - P11134: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Para todos os efeitos, vale a pena ler estes “Olhares sobre a Guiné”.
Desta feita, temos os contributos dos coronéis Raul Folques, Moura Calheiros e Mira Vaz sobre as atividades dos Comandos e do BCP 12.
Segue-se o consistente dossiê da Marinha, elaborado com muito apuro, a Marinha sente legítimo orgulho pela multiplicidade de operações desde o apoio logístico e levantamentos hidrográficos, fiscalização das vias fluviais e a intervenção dos seus Fuzileiros.
Temos aqui um excelente resumo de consulta obrigatória nos tempos vindouros.
Um abraço do
Mário
Olhares sobre Guiné e Cabo Verde (2)
Beja Santos
“Olhares sobre Guiné e Cabo Verde” é o mais recente volume da coleção Fim do Império, teve como organizadores Manuel Barão da Cunha e José Castanho Paes, DG Edições e Caminhos Romanos, 2012. Colaboraram neste volume cerca de 30 autores que se debruçaram sobre matérias díspares em que o pano de fundo foi a guerra vista fundamentalmente por militares dos três ramos das Forças Armadas. No texto anterior deu-se primazia a atividades terrestres desenvolvidas pelas forças em quadrícula, agora pretende-se destacar a intervenção dos Comandos e do Batalhão de Caçadores Para-quedistas nº12 (BCP12).
Coube ao coronel Raul Folques, que comandou o Batalhão de Comandos da Guiné sumarizar as atividades dos Comandos Guineenses, dando voz a Gabriel José Haik, é como se este estivesse a contar a história de todos os comandos africanos, uma viagem de recordações em que se dá relevo a três operações de indiscutível importância: a Ametista Real, com assalto ao aquartelamento de Cumbamori, a Galáxia Vermelha, em que foi desarticulado o dispositivo inimigo no Cantanhez, e a Neve Gelada, em que conseguiu aliviar a pressão que o inimigo mantinha sobre a guarnição de Canquelifá, quase no termo da guerra.
Muito está escrito sobre a Ametista Real, que decorreu em Maio de 1973, ao tempo em que as forças do PAIGC tinham cercado completamente Guidage. São descritos com detalhe os terríveis combates, que chegaram a ter corpo-a-corpo, em que se temeu sempre a ameaça dos mísseis Strela, e conclui: “Nesta ação, os homens do Agrupamento Centauro, experientes, ardorosos, combatidos e muito calejados, correram risco excessivos, mantendo-se em combate com pertinácia, até à quase exaustão física e à míngua de munições, à chegada a Guidage, se contavam, para cada comando mais abonado, pelos dedos das mãos”.
A Galáxia Vermelha foi lançada na região do Cantanhez Sul, entre 22 de Dezembro de 1973 e 1 de Janeiro de 1974, envolveu quatro companheiros de comandos com reforço com três destacamentos de Fuzileiros, teve apoio de fogo de três pelotões de artilharia e o apoio do Agrupamento AR, seis helicópteros, dois Fiat e um avião DO27 a missão era a de reconhecer, desarticular e destruir as organizações inimigas em Cachamba Balanta, Cachamba Sosso, Cabanta e Darsalame e aliviar a pressão sobre o eixo Cadique-Jemberem e guarnições da região. Embocadas não faltaram, inclusive no dia de Natal. Todos os objetivos da missão foram alcançados.
A Neve Gelada decorreu de 2 a 31 de Março de 1974, o PAIGC tinha montado uma ofensiva sobre Canquelifá, bombardeando-a diariamente com fogo pesado e morteiros 120mm, canhões sem recuo e foguetões, o que levou a guarnição ao limite da resistência física e psíquica. A missão que coube ao Batalhão de Comandos foi a de desarticular os elementos inimigos da região, garantindo a consolidação da posição de Canquelifá. Constituíram-se três agrupamentos que se lançaram sobre a base de fogos do inimigo, este deu uma boa réplica ao assalto, quando retirou o inimigo deixou 26 mortes no terreno, a região foi sujeita a uma batida após a recolha de material deixado pelo inimigo, desde três morteiros de 120mm completos até uma espingarda automática AK 47, a missão foi integralmente cumprida, pois o inimigo foi desarticulado, deixou ser capturado importante material e Canquelifá deixou de estar pressionada.
Raul Folques, a voz de Patrício Haik, deplora a forma como os Comandos Guineenses foram deixados à deriva: “Fomos enganados, manipulados, alguns comprados e, finalmente, abandonados e vendidos”.
Coube aos coronéis Moura Calheiros e Mira Vaz dissertarem sobre o BCP12. Voltando um pouco atrás, é lembrado que quando começou a luta armada havia um pelotão no Aeródromo Base nº 2, em Janeiro de 1964 chegou o segundo pelotão de para-quedistas que interveio na Operação Tridente. Como a situação em geral se deteriorou, o comandante-chefe solicitou ao Ministro da Defesa-Nacional a colocação de uma companhia de para-quedistas. No final de 1966 foram lançadas as primeiras ações simultâneas de heliassalto. Nesse ano foi criado o BCP12, com duas companhias operacionais, com os números 121 e 122. Faz-se um inventário breve das intervenções, com especial destaque aos que tiveram lugar na região Sul. Em Maio de 1968, Spínola assume as funções de comandante-chefe, de imediato reduziu a autonomia operacional à Armada e à Força Aérea, alterou o dispositivo das forças militares no terreno, visando a concentração de meios humanos. O BCP12 passou a intervir mais em missões de reforço de tropas de quadrícula e menos em heliassaltos. Nos finais de Junho de 1969, chegou à Guiné a CCP 123, novamente se inventariam as operações em que participaram as diferentes companhias. Recorda-se a Operação Muralha Quimérica, desenvolvida na região Unal-Guileje, na altura em que se pretendia mostrar aos membros da delegação da ONU a existência de regiões libertadas. Destruiu-se uma Loja do Povo e um hospital, e foram abatidos 30 guerrilheiros e capturados 17. Os para-quedistas participaram ativamente numa das maiores, mais complexas e mais bem-sucedidas operações, reocupação do Cantanhez, quebrou-se o mito da invencibilidade de que o PAIGC aí gozava. É esmiuçada a Operação Grande Empresa cujo sucesso irá ser abandonado depois do cerco de Guidage, do cerco de Guileje e o do ataque brutal a Gadamael-Porto, bem como devido ao aparecimento dos mísseis terra-ar na Guiné. Em Gadamael, as três companhias do BCP12 irão arrostar a fúria de um inimigo altamente apetrechado, aguentou e fez retroceder um inimigo que parecia contar com o abandono de Gadamael. E escreve-se, em jeito de conclusão: “ O BCP12 foi uma unidade fundamental na conduta da guerra na Guiné. Pode mesmo afirmar-se que a leitura da história do BCP12 nos dá uma perceção muito aproximada dos acontecimentos mais importantes ocorridos na guerra, na Guiné, e da forma como esta evoluiu ao longo do tempo”.
E assim chegamos à secção mais coesa, dedicada à Marinha da Guiné. Recorda-se o papel preponderante desempenhado pela Marinha, dada a configuração geográfica do território. Enumera-se as lanchas existentes e como, ao longo da guerra, cresceu a dotação de meios com uma fragata, um navio hidrográfico, mais lanchas de desembarque, sete destacamentos de Fuzileiros, três dos quais basicamente de recrutamento local, bem como um destacamento de mergulhadores sapadores. Em síntese, o papel da Marinha revelou-se determinante no apoio logístico (reabastecimento de forças terrestres de quadrícula), levantamentos hidrográficos, fiscalização das vias fluviais, forças de intervenção que podiam trabalhar isolada ou conjuntamente com o Exército e a Força Aérea, não esquecendo a importância das comunicações, em que as estações radionavais asseguravam as ligações quer entre eles próprios quer com os centros de comunicações do comando-chefe. Descreve-se com alguma minúcia o apoio logístico e naval e as guerras dos rios, a sua colaboração com unidades do Exército. De igual modo são pormenorizadas as operações de fiscalização e o controlo das vias fluviais e o desempenho das lanchas de fiscalização e desembarque, ao longo da guerra. Conta-se a história de uma lancha mártir, a LDM 302, ativa logo em 1964, foi atacada violentamente em Fevereiro de 1965, alvejada em Setembro seguinte, em Dezembro de 1967 foi violentamente atacada com canhão sem recuo, RPG7, metralhadoras pesadas e ligeiras, frente a Porto Coco (rio Cacheu). Depois de muitas peripécias, a lancha acabaria por se afundar. Uma equipa e alguns mergulhadores puseram-na a flutuar e em Junho do ano seguinte estava recuperada. Quase no mesmo local do primeiro afundamento voltou a ser duramente atacada, uma outra lancha recolheu todos os elementos da guarnição, isto quando o incêndio se tinha propagado por toda a lancha. Novamente recuperada, recomeçou a sua missão de fiscalização em Novembro de 1968. Em Fevereiro de 1969 foi duramente atingida na foz do rio Uajá (um dos afluentes do rio Grande de Buba). Foi abatida em finais de Novembro de 1972, até aí esteve no ativo.
(Continua)
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Notas do editor
(*) Vd. poste anterior de 18 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11111: Notas de leitura (457): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (1) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11115: Notas de leitura (458): Consequências Jurídico-Constitucionais do Conflito Político-Militar da Guiné-Bissau (Francisco Henriques da Silva)
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)
1. Texto do co-editor vb:
Teve lugar ontem, no Palácio da Independência em Lisboa, a apresentação oficial do livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, Guiné 1970/1980, do Coronel Manuel António Bernardo.
Presentes na mesa, o Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, o Dr. Nuno de Carvalho, representante da Editora Prefácio, o General Ricardo Durão e o Sargento Monteiro, do Exército Português, natural da Guiné. Na assistência, entre muitos outras figuras conhecidas, encontrava-se o Coronel Raul Folques, que foi Comandante do Batalhão de Comandos Africanos.
O Capitão Folques, até então 2º Comandante do Batalhão de Comandos, a receber das mãos de Spinola os galões de Major do Almeida Bruno. Uma cerimónia original. Foto do livro acima. Com a devida vénia aos Coroneis Bernardo e Raul Folques e ao General Almeida Bruno.
Abriu a sessão o Presidente da Associação de Comandos que aludiu ao simbolismo da sessão se efectuar no Palácio da Independência. O representante da Prefácio falou do trabalho que a Editora tem vindo a desenvolver na escrita da História Militar.
O General Ricardo Durão, em breves palavras, falou do seu conhecimento da Guiné, resultante de duas comissões militares. Destacou a importância do actual debate sobre a Guerra do Ultramar, porque, disse, a Guerra nos territórios ultramarinos faz parte da História de Portugal.
Abordou alguns aspectos relacionados sobre a acção que se desenvolveu em Teixeira Pinto, no chão Manjaco. Uma história ainda com sombras.
Começou por referir a velha questão de fundo entre os militantes do PAIGC. Que muitos guineenses militantes do PAIGC diziam serem eles os soldados e os cabo-verdianos os comandantes. E que esta controvérsia se manteve até ao golpe militar de Nino Vieira que destituiu Luís Cabral.
O "caso do chão Manjaco", como veio a ser conhecido, disse o General Ricardo Durão, começou por uma iniciativa pessoal do Major Pereira da Silva, o responsável da Acção Psicológica do CAOP, então comandado pelo Coronel Alcínio Ribeiro.
Diz o General que o CAOP, sob o ponto de vista militar, estava na ofensiva e a controlar com eficácia as acções armadas da guerrilha. Que vários guerrilheiros tinham sido aprisionados e que foi através deles que o Major Pereira da Silva deu início a esta história. Das conversas que com eles foi mantendo, o Major Pereira da Silva ficou com um importante conhecimento de como o PAIGC estava organizado na zona.
Daqui até ao primeiro contacto com um bi-grupo da guerrilha não passou muito tempo. Este episódio, segundo o General Durão, contou com a participação de um soldado que, a remos, o transportou para a outra margem do rio.
- Esperas aqui, o máximo 2 horas. Se eu não aparecer vai-te embora.
A estratégia passava por convencer os interlocutores que a guerra não tinha fim, ninguém iria ganhar ou perder, iria prolongar-se por anos e anos, com grandes sofrimentos para todos e, especialmente para o Povo Guineense. Viu alguma receptividade da parte dos interlocutores e decidiu prosseguir.
Ao longo de todo o "caso do chão Manjaco" efectuaram-se 13 ou 14 reuniões com os elementos do PAIGC. Com avanços e recuos, promessas foram adiantadas, como os guerrilheiros virem a ser integrados nas Forças Armadas e até um desfile conjunto em Bissau chegou a ser falado, com uma mal disfarçada satisfação dos guerrilheiros.
- Tudo bem, mas os senhores militares são majores e Lisboa, o que diz?
- Lisboa aceita o que for decidido entre todos - responderam.
E para reforçar o peso das negociações, o General Spínola apareceu numa dessas reuniões, para surpresa dos guerrilheiros, que o cumprimentaram militarmente, tratando-o por meu General.
Entretanto a guerra no chão Manjaco estava parada, uma espécie de tréguas estava tacitamente aceite por ambas as partes. As patrulhas, de um lado e do outro, eram feitas sem carácter ofensivo. E que esse aspecto mereceu algumas reflexões, não só das nossas chefias militares como da direcção do PAIGC.
Spínola reuniu em Bissau todos os Comandantes do Batalhão, expondo-lhes a situação e os progressos que estavam a ocorrer na zona de Teixeira Pinto. A paragem das hostilidades estava a facilitar o reagrupamento das famílias e prosseguiam, com mais entusiasmo ainda, os esforços para melhorar as infra-estruturas locais.
Spínola não parava. Deslocou-se a Cap Skiring para um encontro com Shengor. Nessa reunião foi ventilada a hipótese de Amílcar Cabral estar presente numa próxima reunião. Um mês depois de Cap Skiring, Amílcar Cabral foi assassinado. Os executores foram logo a correr ter com Sékou Touré, a dar conta do sucedido. Foram executados a seguir e o resto da história já é bem conhecida, remata este assunto o General Ricardo Durão.
Da parte do PAIGC, a questão que se estava a viver no chão Manjaco teve um seguimento diferente. Luís Cabral estava muito surpreendido com a evolução dos acontecimentos. Não havendo relato de actividades operacionais desencadeadas pela guerrilha, foi enviado para o local um Comissário Político do PAIGC, para se inteirar do que se estava a passar.
Na altura em que o Comissário Político do PAIGC se deslocou para a zona estava agendada a 13ª ou 14ª reunião entre os majores e os elementos da guerrilha. Na véspera desse encontro, Passos Ramos jantou em Bissau, em casa de Ricardo Durão. Entusiasmado, a certa altura manifestou a esperança de assistir brevemente em Bissau a um grande desfile com os guerrilheiros integrados.
O Comissário Político esteve presente nesse encontro, mas André Gomes, o Chefe da Região Militar não apareceu (será fuzilado, mais tarde, pelo PAIGC).
Foi nesse encontro que os majores, o alferes e os acompanhantes guineense foram assassinados.
- Porquê ?- pergunta Ricardo Durão. - Não seria um ronco muito maior se os tivessem aprisionado?
Perguntas que, quase 40 anos depois, continuam à espera de resposta.
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Nota de vb:
(1) Vd. post de, 28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Guiné 61/74 - P24307: Facebook...ando (27): Op Neve Gelada, na zona de Campã / Cantiré, 5 km a norte de Canquelifá, onde estavam as bases de fogos (morteiro 120 mm e foguetões 122) usados contra Canquelifá
Foto (e legenda): © José Marques (2023). Todos os direitos reservados.
1. Seleção de comentários, gerados no Facebook da Tabanca Grande (*), na sequência da publicação do poste P24305 (**):
(i) Tabanca Grande:
Depois do ataque e destruição da tabanca de Canquelifá, 18 de março de 1974, por fogo IN de morteiro 120 mm e foguetões 122 mm), foi desencadeada a Op Neve Geada, de 21 a 23 de março de 1974, tendo sido batida a zona de Campã / Cantiré, sector L4 (Piche), a cerca de 5 km, a noroeste Canquelifá, numa ação levada a cabo pelo BCmds da Guiné, a três agrupamentos.
Na zona estava referenciada uma base de fogos IN. No dia 21, pelas 14h45, a base de fogos foi assaltada, tendo sido apreendidos:
- 3 morteiros 120 mm;
- 367 granadas de morteiro 120 mm;
- 1 LGFog RPG-2; (iv) 2 espingardas automáticas Kalashnikov;
- e material diverso.
(ii) O cor 'comando' ref Raul Folques acrescentou o seguinte:
Na Op.Neve Gelada, zona de Canquelifá, o Batalhão de Comandos da Guiné capturou ao IN_:
- 3 mort. 120mm completos;
- 1 tubo de mort. 120mm , 2 tripés, 1 prato/base;
- e 367 granadas de mort.120mm.
(iii) O Cherno Baldé levantou a questão da localização das bases de fogos:
Tabanca Grande Luís Graça, não fosse essa operação dos Comandos Africanos, efectuada na localidade de Campã para aliviar a pressão sobre Canquelifá, ainda hoje continuariam a pensar que as bases de fogo se localizavam sempre a partir dos territórios vizinhos e assim justificar a impotência do exército português de fazer parar estes ataques.
Cherno, o PAIGC tinha camiões russos, em março de 1974 (e já antes, desde pelo menos 1968)... Podia perfeitamente penetrar com os morteiros 120 no território da então colónia portuguesa da Guiné... A partir de março de 1973, devia sentir-se mais "à vontade" com a proteção do Strela...
O cor 'comando' Raul Folques, "Torre e Espada", que comandava o Batalhão de Comandos da Guiné na Op Neve Gelado (mas também o cor 'comando' Carlos Matos Gomes, que comandava um dos três Agrupamentos) é que nos pode confirmar hoje (já não é segredo de Estado) se entrou ou não na República da Guiné e se as bases de fogos dos morteiros 120 mm (e dos foguetões 122 mm) estavam ou não em território da Guiné-Bissau, como parece sugerir o Cherno Baldé...
Em relação à localização das bases de fogo, verificamos pela carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil), que Campã (e não Campiã), uma antiga tabanca, ficava a 5 km, a norte de Canquelifá... Deve ser sido aqui que o PAIGC posicionou os morteiros 120 mm, cujo alcance máximo era de 5700 metros... Cantiré ficava um pouco mais mais longe (cerca de 7 km em linha reta)...
(v) Esclarecimento de António Tavares:
Gosto
Em Copá, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 74, caíram algumas centenas de granadas deste morteiro.
Contávamos todas as saídas e, poucos segundos depois estávamos a contar as explosões junto de nós e só ficávamos descansados quando explodia a última de cada série, felizmente sem consequências físicas para nenhum de nós.
terça-feira, 2 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25328: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Lançamento do livro em 2010 - Parte IV: Um dos raros registos em vídeo do autor a fazer uma curta intervenção de agradecimento... Nesta sessão, venderam-se 140 exemplares do livro.
Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). Breve intervenção, final, do dr. Augusto Mendes Pereira, que foi furriel miliciano vagomestre da 1ª Companhia de Camandos Africanos, sediada em Fá Mandinga, onde conheceu o Amadu Djaló. (Augusto Mendes Pereira em 2019 era conselheiro do ministro da Energia para a área económica, no governo da Guiné-Bissau.)
Vídeo (2' 11''): © Luís Graça (2010). Alojado no You Tube > Nhabijoes
Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). Membros da nossa Tabanca Grande, o Alberto Branquinho e o António J. Pereira da Costa.
Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). > Membros da nossa Tabanca Grande, o José Martins (Odivelas) e o José Eduardo Oliveira Jero (Alcobaça e Oeiras) (1940-20219) ...
Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010) > Membros da nossa Tabanca Grande, e neste caso também da Tabanca da Linha, o José Manuel Dinis (1948-2021) e o António F. Marques.
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Temos estado a recordar alguns dos melhores momentos desse evento, a que o nosso blogue dedicou, na altura, em 2010, nada mais mais nada menos do que cinco postes, reproduzindo nomeadamente as intervenções dos três oradores convidados: o jornalista, escritor e analista político Nuno Rogeiro, o cor 'cmd' Raul Folques, que foi cmdt do Amadu Djaló, em 1973, no Batalhão de Comandos da Guiné, e o cor inf ref e escritor Manuel Bernardo (*).
Nota de L.G.:
quarta-feira, 21 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...
Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ? De modo nenhum, e sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973 (e que se prolongam até julho, no caso de Gadamael), continuamos a querer saber mais,,,
Passados 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje ou Guidage (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), parece-nos que continua a ser oportuno e importante, para os nossos leitores, repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informação de sinopse dos acontecimentos
Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (*).
É uma pena que os camaradas ainda vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael, não escrevam, ou já não escrevam ou ainda não tenham escrito tudo sobre o assunto. Infelizmente, há outros que a morte já levou, sem que tenham sequer passado ao papel as suas memórias: é o caso, se não erramos, do próprio comandante da Op Ametista Real, o então major Almeida Bruno, 1º cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné, recentemente desaparecido...Enfim, ficou pelo menos o relatório da Op Ametista Real, que será da sua autoria (...) (**)
A operação destinava-se a aliviar o cerco do PAIGC a Guidage e a permitir o reabastecimento daquela guarnição.
Só a destruição da base de Cumbamori, a grande base do PAIGC no Senegal, na península de Casamança, permitiria pôr fim ao cerco a Guidage. A operação era difícil e de resultados imprevisíveis. O ataque ao Senegal foi atribuído ao Batalhão de Comandos Afruicanos [ou melhor, da Guiné, constituído pela 1ª, 2ª e 3ª CComds Africanos], comandado pelo major Almeida Bruno – que tinha por hábito atribuir às acções militares o nome de pedras preciosas: esta ficou Operação Amestista Real.
Na tarde de 19 de Maio de 1973, uma sexta-feira , 450 homens do Batalhão de Comandos Africanos embarcavam, em lanchas da Marinha e subiram o rio Cacheu até Bigene onde chegaram ao pôr-do-sol. À meia noite a força de ataque seguiu dividida em três grupos de combate:
- o Agrupamento Bombox, comandado pelo Capitão Matos Gomes;
- o Agrupamento Centauro, sob o comando do Cap Raul Folques;
- e o Agrupamento Romeu, comandando pelo capitão paraquedista António Ramos.
O Comandante da operação, Almeida Bruno seguiu integrado no Agrupamento Romeu, que levava um grupo especial comandando por Marcelino da Mata. Avançaram, durante a madrugada e pisaram território senegalês, cerca das seis da manhã do dia 20, sábado.
Às oito horas, uma esquadrilha de aviões Fiat iniciou pesado bombardeamento da zona. Os pilotos atacaram um pouco às cegas, porque a axacta localização da base da guerrilha não era conhecida. Mas por sorte as bombas da avião acertaram, em cheio nos paióis.
O combate foi corpo a corpo e desenrolou-se até às 14h10, quando Almeida Bruno deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as forças do Batalhão de Comandos e as do PAIGC. O Agrupamento Bombox estava praticamente sem munições e o Agrupamento Centauro substituiu-o no contacto. Entretanto, Raul Folques, o comandante do Agrupamento Centauro, apesar de gravemente ferido numa perna, conseguiu a ruptuta do combate. A marcha do Batalhão de Comandos em direcção a Guidage foi lenta e com várias emboscadas pelo meio.
Resultados
Pelas 16 horas cessaram os combates e às 18h20 os primeiros homens do Batalhão de Comandos começaram a chegar a Guidage. Tinham sido destruídos:
- 22 depósitos de material de guerra;
- duas metralhadoras antiaéreas;
- 50 mil munições de armas ligeiras;
- 300 espingardas Kalashikov;
- 112 pistoals PPSH
- 560 granadas de mão;
- 400 minas antipessoal:
- 100 morteiros 60;
- 11 morteiros 82;
- 138 RPG7:
- 450 RPG2;
- 21 rampas de foguetões 122.
O PAIG sofreu 67 mortos entre os quais uma médica e um cirurgião cubanos e quatro elementos mauritanos, enquanto os Comandos sofreram dez mortos, dos quais dois oficiais, 23 feridos graves (três oficiais e sete sargentos) e três desaparecidos.
Uma nova coluna de reabastecimento ficou retida em Farim, por ter sido atacada uma coluna entre Mansoa e Farim de que resultou a destruição de três viaturas que ficaram, no terreno, tendo as forças portuguesas sofrido quatro mortos e 16 feridos, dos quais nove graves.
Na luta por Guidage o PAIGC utililizou a sua infantaria apoiada por artilharia pesada e ligeira, além de um grupo especial de mísseis terra-ar. Em armamento utilizou foguetões de 122 mm, morteiro 120 e 82 mm, canhões sem recuo de 5,7 e 7,5 cm, RPG2 , RPG7, armamento ligeiro e mísseis Strela. (...)
[Seleção / revisão / fixação de texto, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
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(***) Vd. informação mais detalhada no poste de 18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal
sábado, 23 de dezembro de 2023
Guiné 61/74 - P24991: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XL: Morte do irmão Braima Djaló,da 3ª C/BCmds, na Caboiana, em setembro de 1973
1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).
O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra, facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar.
O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) |
(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;
(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)
(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;
(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);
(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;
(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,
(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.
(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.
(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;
Morreu em combate o Braima Djaló, da 3ª C/BCmds, meu irmão
O Braima,
meu irmão mais novo, frequentou o curso de comandos de 1972, em Fá Mandinga.
Estivemos
juntos nos Comandos, quase perto de um ano. Uma vez, íamos efetuar um assalto
com helicópteros a oeste de Madina do Boé. O assalto era para ser desencadeado
depois do bombardeamento da aviação. Quando era assim, tínhamos que sair dos
helicópteros com o dedo no gatilho.
Calhou o meu
irmão ir no meu grupo e, quando chegámos à BA 12, em Bissalanca eu só tinha olhos para o meu irmão. Cada vez
que levantava a cara só o via a ele. Então, pedi ao capitão Folques para mandar
o meu irmão para outro grupo, para que ele fosse numa situação menos perigosa.
O capitão aceitou o pedido e trocou-o.
Realizámos o
assalto, sem problemas do nosso lado. O bombardeamento causou vítimas ao PAIGC,
apoderámo-nos de vários materiais e regressámos a Bissau, de helicóptero
também.
Depois, em 5 de junho de 1973, eu e mais oito oficiais fomos transferidos para a CCaç 21. A nossa companhia ficou com sede em Bambadinca e passámos a atuar na zona leste.
Em setembro
estávamos em Piche. A coluna regressava nesse dia, vinha trazer géneros. Eu
estava sentado no posto da administração, a conversar com os funcionários,
quando chegou um soldado europeu.
- Meu
alferes, o nosso tenente-coronel
mandou-o chamar.
No caminho,
o militar perguntou-me se eu tinha algum irmão nos Comandos. Sim, tenho,
respondi.
- Morreu!
Mas o meu alferes não diga nada ao nosso tenente-coronel.
Fiquei sem
ter nada para dizer. Quando cheguei, à sala de operações, o tenente-coronel (##) disse-me:
- Djaló, o
teu irmão morreu (#). A coluna já partiu para Bambadinca, mas tens aí uma viatura
para te levar e depois a viatura regressa com a coluna.
Não esperei
mais nada. Tomei o lugar no carro, rumo a Bafatá.
Quando
cheguei a minha casa, encontrei lá muita gente. O condutor parou, dei-lhe
dinheiro para almoçar no restaurante, e disse-lhe que aguardasse, ao pé da
estrada, pela coluna de regresso.
O meu irmão,
Braima Djaló, morreu na Caboiana, numa operação da 3ª Companhia de Comandos.
Nesse dia perdi o meu irmão mais amigo.
Um tio meu
disse-me que eu já tinha mais de onze anos de serviço militar. Que, com a morte
do meu irmão, a família achava que eu devia deixar a tropa ou então deixar de
ser operacional. Insistiram muito, tanto que eu contactei o major Folques
quando me desloquei a Bissau para recolher a bagagem do meu irmão. Coloquei-lhe
a questão, ele ouviu-me atentamente e respondeu-me:
- Na próxima
4ª feira vamos encontrar-nos no CAOP do Gabu, CAOP2, e vamos falar com o nosso
coronel.
Na 4ª feira
seguinte aluguei uma carrinha em Bafatá para transportar a minha mãe e
desloquei-me na minha motorizada. Mas o major não apareceu. O coronel ainda me
disse para aguardar, mas soubemos que o major Folques estava impossibilitado de
sair de Bissau.
O coronel
perguntou-me de que assunto se tratava. E eu disse-lhe qual era. Perguntou-me
se eu, deixando de ser operacional, concordava em ser desgraduado para 1.º sargento.
Uma proposta
injusta, foi o que lhe respondi. Há onze anos, praticamente seguidos, sempre a
percorrer o território e vir agora ser tratado assim numa secretaria do Gabu!
Acabei por
lhe dizer, sabe Deus como, que concordava e perguntei-lhe se também podia sair
da tropa e passar à disponibilidade.
-
E, se passares à disponibilidade, como é
que vais viver?
- Há muita
gente que está a viver e nunca foi tropa - foi assim que respondi.
- Onde vais
viver?
- Meu
coronel, já cumpri serviço durante mais de onze anos! Posso viver em qualquer
parte do mundo.
- Mas como?
Para onde?
As perguntas
não acabavam e as minhas respostas eram sempre as mesmas, tinha cumprido muito
mais que a minha obrigação e se quisesse sair podia ir ou ficar no lugar que eu
encontrar-se para viver, Bafatá, Senegal, Gâmbia, Guiné-Conacri.
- Está bem,
a gente vai tratar disso - rematou.
Quinze dias
depois, um soldado de Bambadinca veio à minha procura dizendo que um tenente
responsável pelas informações do batalhão de Bambadinca queria falar comigo.
Era meu
conhecido e encontrei-o num gabinete do batalhão, com um placard na porta
“informações”. Passou-me o meu processo para as mãos e pediu-me para ir para
junto da janela, abrir bem os olhos e só depois assinar.
Era um dossiê.
Li apenas a primeira página.
- Eu, meu tenente, não assino este documento. Quem vai tratar deste assunto vai ser o major Folques, que é o meu comandante.
_____________
Nota do editor LG:
(#) Tenho indicação que a morte em combate terá ocorrido nesta acção:
Ver. CECA (2015):
Acção - 24 a 27Set73
As 1ªe 3ª/BCmds da Guiné levaram a efeito missões de patrulhamento e montagem de emboscadas na região de Caboiana, 06. Na área de S. Domingos, as NT sofreram 3 mortos, 5 feridos e 6 desaparecidos em vários contactos pelo fogo. O inimigo sofreu 1 morto e outras baixas prováveis.sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)
O Victor reproduziu, no seu blogue (Sexta-feira, 16 de Janeiro de 2009 > 718 "A retirada de Guileje: um erro de 'casting', o comandante do COP 5"), o primeiro texto do António Matos, P3737, de 14 de Janeiro...Na introdução, o Victor Barata escreve o seguinte: "Não querendo menosprezar a opinião de cada um (julgo que para isto ainda existe democracia em Portugal...), não posso deixar de realçar aquela que na realidade classifico da mais íntegra visão dos factos relacionados com o tema, emitida pelo meu ilustre companheiro com quem partilhei algumas horas de voo nos ceús da Guiné: António Matos" (...).
Mensagem de António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res
[Subtítulos do editor vb]
Foi preciso ter sido acordado pelo livro do Cor Coutinho e Lima A retirada do Guileje, para vencer a inércia e escrever dois artigos sobre a Guiné (*).
(i) A às vezes esquecida e injustiçada Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné
Não que essa vontade não se tivesse já manifestado anteriormente e por várias vezes, quase sempre por ver com que indiferença a Força Aérea é retratada, como se não existisse, como se servisse apenas para missões de apoio logístico/sanitário, para levar uns abastecimentos aqui e recolher os feridos e doentes acolá (alguns em estado grave, outros nem tanto).
E, no entanto, num cem (com c) número de vezes foi ela o fio da balança que significou a diferença entre o desastre e a segurança das forças terrestres.
Com excepção a um ou outro artigo onde se refere muito ao de leve o apoio da FAP a esta ou aquela operação, o que é comum encontrar são comentários do tipo “a aviação amordaçada”, “os aviões deixaram de voar”, “ já não nos apoiam”, “actuação interdita”...
E no entanto, nunca a FAP voou tanto como no período Abril-Setembro de 1973, por muitos reconhecido como o período mais violento da guerra da Guiné.
Faço aqui um parentesis para esclarecer que, como havia o boato de que a FAP não voava por causa do Strella, dava-nos um certo gozo passar a raspar sobre os telhados do QG e cidade de Bissau a 450 nós (850 km/h). Esta brincadeira só terminou quando foram fazer queixinhas ao Gen Spínola.
(ii) A Op Ametista Real
Exemplo da indiferença sobre o papel que a FAP desempenhou está bem patente num artigo do Gen Almeida Bruno sobre a operação Ametista Real, publicado neste blogue em 16 Agosto 2005, segundo as suas próprias palavras, “a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional” (**).
No seu texto, há apenas um parágrafo onde a FAP é referida, e que diz:
“A Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva”.
Fica um pouco a incerteza de quem precisava da sorte, se a FAP, se as forças de assalto, se todos nós.
Fala no “posto de comando aéreo” onde as decisões são do comandante da operação e o piloto apenas faz de “condutor da avioneta”. (Não me lembro que tal posto de comando tenha existido). A pergunta para a qual não tenho resposta é a de saber, a haver, quem estava nesse posto de comando aéreo dado que o Ten Cor Bruno, o Maj Folques, os Cap Matos Gomes e António Ramos estavam no chão.
E termina a descrição da operação referindo sobre a retirada que “Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno”. Só, sem mais.
O leitor desprevenido ficará com a ideia que a FAP fez o bombardeamento inicial e com isso terminou a sua actuação. Nada mais errado.
Vamos aos factos:
No briefing feito na véspera, na sala de operações da Base de Bissalanca, o Ten Cor Bruno afirma que, o que precisa da FAP é o bombardeamento inicial e o manter-se em alerta durante o resto do dia para um eventual mas remoto pedido de apoio.
Afirma igualmente que não deixam nada nem ninguém em território inimigo, a haver mortos, “trazem-nos às costas”.
Na cabeça deste Tenente aviador, já um pouco cafrealizado (12 meses de comissão), o pensamento deixa escapar um “Manga di ronco próprio”, antecipando desde logo que irá ter uma tarde repousada.
À alvorada do dia seguinte descolam de Bissau 6 FIAT-G91, (como disse num outro texto, só existiam 6 pilotos de Fiat), cada um com 2 bombas de 750 libras. Após a descolagem, um dos FIAT-G91 (o meu amigo Pipoca) entra em rota de colisão com um jagudi, daí resultando numa falha parcial do motor, pelo que o piloto aborta a missão, volta para Bissau, larga as bombas em segurança no rio Geba e aterra de imediato na Base de Bissalanca; os restantes 5 prosseguem a missão conforme o planeado.
O bombardeamento em Cumbamori é executado com precisão, acertando nos paióis do PAIGC; para descobrir o objectivo as forças terrestres já não precisam de sorte, só têm que seguir as colunas de fumo.
Uma vez de volta e aterrados em Bissau, os pilotos de FIAT-G91 entram em alerta (significa ter os aviões armados e prontos a descolar até ao máximo de 10 minutos após o pedido de apoio).
Nada acontece até às 13 horas (verificou-se à posteriori que esta calmia se deveu ao facto dos paióis irem explodindo, um após o outro, o que impossibilitou movimentos terrestres, nossos e do IN).
Ao início da tarde dá-se o primeiro pedido de apoio, a que se sucede um segundo, um terceiro, ..., pedidos que se vão “sucedendo sucessivamente sem cessar”. As nossas tropas estão em retirada para o Guidage.
A situação no chão torna-se critica ao ponto do Maj Folques, entretanto ferido, nos dizer no rádio “Ó Tigres, não se vão embora que estes ... querem deixar-me aqui sozinho”.
Os pilotos já não descansam entre voos, limitam-se a sair de um avião e a entrar noutro entretanto preparado; na tentativa de acelerar a prontidão dos aviões, os mecânicos carregam as bombas à força de braço (cada bomba de 750 libras pesa uns 370 kilos).
Ao fim da tarde e com a capacidade da FAP a esgotar-se, uma parelha de FIAT-G91 ao entrar em contacto com a tropa em retirada, recebe a informação de que estão a ser fortemente alvejados “da orla da mata”.
Ora, observando de cima o local onde se desenrolam os combates, o terreno é do tipo savana, nas redondezas apenas existe uma única mata, do comprimento de um campo de futebol e talvez metade da sua largura.
É aí que os FIAT-G91 largam 4 bombas de 750 libras. De imediato o ataque às nossas forças termina.
Tem razão o Gen Bruno quando diz que “às quatro da tarde o inimigo abandonou o terreno”, não disse foi o porquê.
(iii) O ataque a Bissau... e uma noite de riso
Outro ponto em que se enganou foi na data da operação, 19 Maio e não 20 como refere; a 20 e no rescaldo da operação, a FAP foi, desta vez, chamada a proteger as “barcoletas” da Marinha no rio Cacheu (os marinheiros que desculpem o termo, mas era assim que as chamávamos).
À noite, em Bissau, as conversas são em voz baixa, quase sussurradas. Perguntámos o que aconteceu:
- Bissau foi atacada esta manhã, grandes rebentamentos que ecoaram por toda a cidade.
Quase de imediato o mistério é-nos desvendado; tinham sido as bombas do avião que nessa manhã chocara com o jagudi que, apesar de largadas no rio Geba com as respectivas cavilhas de segurança, tinham mesmo assim explodido, acordando o pessoal de Bissau e arredores, oficiais do QG incluídos.
Claro que não os desapontámos, se diziam que era ataque, é porque era mesmo (também sabíamos construir os nossos boatos).
Nessa noite muito nos rimos à volta de uma garrafa de whisky.
A operação Ametista Real foi um marco importante na história da Guiné.
Pelo que fizeram, o TenCor Bruno, o Maj Folques, os meus amigos Matos Gomes e António Ramos (infelizmente já desaparecido), bem como os Comandos Africanos, merecem ser recordados (***).
Não pretendo negar uma das missões importantes que a FAP deve desempenhar (apoiar as forças que estão no terreno).
Custa-me que o esforço dos que lá do alto, quase como anjos da guarda, deram e dão para apoiar as tropas terrestres, raramente sejam referido e muito menos reconhecido.
Em 10 meses (de Abril 73 e Janeiro de 74) e em apoio às forças terrestres a Força Aérea perdeu 8 aviões, com 4 pilotos mortos em combate.
Também merece ser lembrada.
António Martins de Matos
__________
Notas de vb:
(*) Vd. postes de
17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)
29 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1222: Lembrar ao Matos Gomes que a 38ª CCmds foi a primeira romper o cerco a Guidaje (A. Mendes)
28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1220: Guidaje, Maio de 1973: o depoimento do comandante de um destacamento de fuzileiros especiais (Alves de Jesus)
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Guiné 63/74 - P6282: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (5): Fotos e agradecimento do Virgínio Briote e intervenção do Nuno Rogeiro
1. O nosso camarada e amigo, co-Editor Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem, em 15 de Abril de 2010:
Foto 3 > Coronéis Socorro Folques e Rui Alexandrino
Foto 4 > Aspecto da assistência
Foi bom ver-te na sessão do Museu Militar. O "ver-te" inclui a Alice, o Jero de Alcobaça, o José Manuel Dinis, de Cascais, o "grupo do Rui A. Ferreira" (que grande Gente! Vir de Viseu para uma cerimónia de uma ou duas horas!), o Colaço do Cachil, o Cor Pereira da Costa (cap em Mansabá, em 1970/72?), o nosso homem do Xitole que encetou negociações com o Antero Alfama (citado no livro do Amadú), a Giselda e o Miguel Pessoa, o risco é enorme em esquecer nomes...
Estás a imaginar o esforço em pôr nomes nas caras que eu tive a sorte de ver hoje?
Não contei o número de Camaradas que quiseram prestar homenagem aos Guineenses que connosco andaram e chafurdaram naqueles trilhos e bolanhas.
Sei que vi muitas caras conhecidas do Luís Graça e Camaradas da Guiné e que a sala estava cheia.
E que, no fim, tinham sido vendidos 140 exemplares.
E que a sessão, globalmente, correu bem.
Vi-te a filmar e a fotografar. Envio, no entanto, algumas imagens.
Obrigado.
Virgínio Briote
Foto 12 > Cor Socorro Folques discursando
Relato de guerra, este volume, o primeiro de memória, é antes de mais um admirável retrato, de história oral e testemunhos vivos, sobre a humanidade, os seus encontros e desencontros, amores e desamores.
Este é também um livro sobre o terrível abandono, sobre a inutilidade, sobre o esquecimento. Sobre o absurdo.
Pátria pacífica e pequena
Baixou-o logo de cansaço
Foi Pena
“Cedo arrasou a altiva torre
Que ergueram todos
De mãos dadas
Agora sei como se morre
Por nada”
Esta obra, relato de guerra e do pós-guerra, relato da paz e da pós-paz, é também o mapa deste desencanto, dos combates declarados inúteis, dos combatentes declarados redundantes, dos feridos declarados descartáveis, dos órfãos e viúvas declarados dispensáveis, dos mortos declarados inexistentes, por regulamento ou decreto.
Porque este é também um livro para o futuro. Uma espécie de filho do autor, e dos que o ajudaram ao parto intelectual. Um manifesto que lembra, como no desfiladeiro das Termópilas:
“Estrangeiro, vai dizer a Atenas
Que morremos aqui para cumprir a sua Lei”.
Fotos: © Virgínio Briote (2010). Direitos reservados
18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6180: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (3): Intervenção do Cor Cmd Ref Raúl Folques
Outros postes desta série em:
16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6167: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (1): "Os cobardes, esses, vivem mais, mas nunca hão-de ter música para dançar" (provérbio tradicional guineense)
17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6169: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (2): Um grande contador de histórias, um homem bom, um notável condutor de homens...