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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3885: FAP (10): Obrigado, Tenente Piloto Aviador Pessoa (J. Casimiro Carvalho, CCAV 88350, Piratas de Guileje)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > Março de 1973 > O J. Casimiro Carvalho empunhando, para a fotografia, um RPG 7 usado pelo Grupo do Marcelino da Mata, antes ou depois da operação de resgate do Ten Pilav Miguel Pessoa (*)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > Março de 1973 > Inauguração do bar de sargentos . O major Coutinho e Lima, comandante do COP 5, está ao centro, de camisola branca, calções e ténis (assinalado com um círculo a vermelho); o Casimiro Carvalho, mais atrás, está de bigode "à Clark Gable" (assinalado a verde). (...). Data: possivelmente, 14 de Março de 1973. Em carta, sem data (presumivelmente, 15 de Março de 1973), o Carvalho escrevia ao pai: "Ontem inaugurou-se o bar de sargentos, muito bonito e acolhedor, com gira-discos e tudo. (...)" (*).

Fotos: © J. Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada ontem à noite pelo José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Piratas de Guileje, 1972/74) ao Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74) (O nosso bom amigo e camarada Carvalho não nos levará a mal se a gente divulgar esta mensagem, que é também uma pequena homenagem à FAP e aos bravos de Bissalanca; e o Miguel também não levará a mal esta sobre-exposição... mediática a que ele é avessso: é que também somos um blogue de afectos):

Estou arrepiado. Nem acredito que estou a escrever para o homem que pilotava o Fiat e com quem o meu Cmdt, Cap Abel Quintas, falou através do AVP 1, canal dois, a indicar as saídas do canhão sem recuo (julgo), por parte do IN, e que finalizou assim (eu estava ao lado dele):
- Correcto, rumo 150 (Salvo erro)…

E você seguiu para não mais voltar.

Entretanto chegaram tropas pára-quedistas e o Marcelino da Mata. Eu falei com ele ("him self") e pedi-lhe para me levar e disse logo que sim. Pedi ao Cap Quinats e ele não me autorizou, não obstante o Marcelino da Mata lhe ter garantido que me trazia de volta, nem que fosse "às costas". [Vd. foto em formato pequeno do Carvalho ao lado do Marcelino da Mata, num dos 10 de Junho dos últimos anos, presumivelmente em Lisboa, em Belém].

Claro que a minha tropa (CCAV 8350) fez parte da operação de resgate. O que eu disse a seu respeito (*) foi o que me contaram depois de regressarsmos. Pois disseram que você disse que não se entregava. A farda e o armamento do [Grupo do] Marcelino eram do PAIGC, isso constatei ser verdade. Logicamente, o senhor pensou que fossem "turras". Daí a reacção.

Estive muito perto do local onde o senhor caiu mas não o vi, pois estava a manter segurança (talvez), mas estive lá.

Há uns meses disseram-me que tinha morrido, o que muito me entristeceu. Mas felizmente não é verdade. Fico com o meu coração um pouco mais preenchido, pois para mim você renasceu.

Vocês, para nós, os cá de baixo, foram sempre uns grandes heróis. Ainda me lembro, deppois, em Gadamael, um Fiat ter picado, como nos livros do Major Eduardo Cook Alvega, ter largado uma ameixa daquelas que abanavam os tomates e, para nosso gáudio, ter acabado com uma série de bombardeamentos por parte do IN, pelo menos naquele sítio.

Obrigado FAP, mais uma vez obrigado.
Tenente Pessoa, obrigado.

J. Casimiro Carvalho

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

(**) Vd. poste de 28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(***) Vd. poste de 25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9771: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) 11): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte I (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)







Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. maio / Junho de 1974 > Tempos de esperança e de temor > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", entre os fulas...


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.




1. Por ocasião do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de Outubro de 2006, conheci pessoalmente o José Casimiro Carvalho, camarada que teve a grande generosidade de me confiar, na altura,  um valioso conjunto de cartas e aerogramas enviados a amigos e familares no período em que esteve em Guileje, Cacine e Gadamael (1972/73),  e depois em Colibuía-Cumbijã, já em 1974, e ainda Bissau e Paunca (a seguir ao 25 de abril de 1974).


Um seleção de excertos das suas "cartas do corredor da morte" (*)  já aqui foram publicadas oportunamente. Está na altura, por ocasião do nosso VII Encontro, em Monte Real, mo próximo dia 21, de lhe devolver os originais (!). Devo dizer que ele fez questão de os ofertar, em 2008, ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008). Manifestou-me expressamente essa intenção. Em bora hora não lhe fiz a vontade, ficando eu com os originais e entregando ao museu um coleção de cópias (digitalizadas pela Fundação Mário Soares). Estou por isso em condições, cinco anos e emio depois,  de lhe devolver os originais que ele agora, sim, vai poder oferecer a uma das suas filhas, conforme é seu desejo.  São coisas pessoais e intransmissíveis, e eu fico contente de servir de "correio", entregando as cartas e os arorgramas, enviados em 1972, 1973 e 1974, de diferentes SPM: 2728 (CCAV 8530, Guileje, Gadamael, Colibuía, Cumbijã, Bissau, 1972/74) e 5668 (CCAÇ 11, Paunca, 1974).


Entretanto, fiz ainda uma seleção da correspondência relativa à sua curta mas algo atribulada passagem pela zona leste da Guiné (Nova Lamego e Paunca).


Esta correspondencia é mais um elemento, importante, para a elucidação e compreensão do período final da guerra na Guiné, tanto no sul (Guileje e Gadamael) como na zona leste (Paúnca). Recorde-se o que o nosso ranger  escreveu sobre essas peripécias em chão fula (*)


 O que se passou em Paunca já aqui foi descrito no nosso blogue: os quadros (metropolitanos, brancos) da CCAÇ 11 foram expulsos do quartel de Paunca, sob ameaça de armas, pelos soldados fulas, amotinados. Recorde-se que a  CCAÇ 11, tal como a minha CCAÇ 12, tinha-se formado originalmente em Contuboel (de Maio a Julho de 1969), fazendo parte da "nova força africana" de Spínola. Estive, portanto,  com eles menos de dois meses, em Contuboel, com a malta da CCAÇ 11 (ou melhor, na altura, a CART 11) a que pertencia o meu amigo Renato Monteiro, o mediático homem da piroga no Geba . 


A seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paúnca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, na fase do cessar-fogo e retração do nosso dispositivo militar no TO da Guiné... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este final da sua comissão ... 

2. CCAÇ 11, Paunca, Agosto de 1974
por J. Casimiro Carvalho




(i) Com uma arma apontada nas costas pelos seus próprios soldados 


(...) [Em 8 de Julho de 1973, saímos de Cacine, em LDG, a caminho de Bolama, e daqui] fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuía-Cumbijã [janeiro-março de 1974], e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril [de 1974].


Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão [ A primeira carta que temos de Paunca, é datada de 14 de maio de 1974, e foi escrita á máquina, e era dirigida à "maninha. Em 30 de abril de 1974, ainda estava em Bissau e dá conta, à mãe, em carta, do ambiente que se vive na cidade, com ]. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)...Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato...assim mesmo.


(ii) Socorridos no mato pelos inimigos de ontem!


Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:
- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.


No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !


(iii) Por fim, a peluda...


Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…
- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.


A seguir vim de avião para a peluda. (...).


3.  Cartas de Paúnca, SPM 5668: Em 20 de maio de 1974, J. Casimiro Carvalho escreve um aerograma à mãe, Angelina Carvalho, então a residir em Vila Nova de Gaia:



Paunca, 20 de maio de 1974

(...) Então o Luís, está em Lamego ? Mande dizer o nº dele e o nome todo e qual é o SPM dele, pois eu estou perto. [O aerograma é acompanhado de um esboço do mapa, com a posição relativa de três localidades: Paunca - Pirada - Nova Lamego] (...)

(...) Ontem  estive de sargento de piquete e fui guardar um recinto onde havia batuque. Olha, é bonito, os fulas a lutar género luta greco-romana, eles muito fortes , e ao som da batucada. Até vibrei.

Não tenho feito nada, é só dormir, não saí nenhuma vez para o mato, pois aqui é raro, e isso só por si já vale muito. É menor o perigo que corremos. Um beijo do seu José Casimiro.

No mesmo dia escreve ao pai, Ângelo Carvalho, também outro areograma, do  SPM 5568:

Paunca, 20/5/74

Paizinho: (...) Vou pô-lo ao corrente, mais ou menos, do que se passa por aqui: Há 8 dias, fomos informados que daí em diante não podíamos fazer fogo de armas pesadas, a não ser em caso de ataque ao quartel. No mato, mesmo que encontremos um Grupo IN, só abrimos fogo se eles abrirem, e neste caso [devemos] tentar acabar com o tiroteio, logo que possível. A aviação não bombardeia. 


Quando foi formado o Governo Provisório, o presidente do Senegal,  Senghor, enviou o seu avião pessoal a Lisboa, para ir buscar o representante da Junta [de Salvação Nacional] e tentar um acordo prévio de cessar-fogo, do qual ficou assente: o PAIGC anulou todas as operações de grande vulto (como a de Guileje) que estavam planeadas para o fim da época seca, ou seja, "agora", enquanto que Portugal se comprometeu a não abrir fogo sobre guerrilheiros do PAIGC, prioritariamente.


Portanto temos praticamente um cessar-fogo não oficial, que será oficializado em Londres, no dia 25, entre Aristides Pereira e Portugal. Isto está a correr pelo melhor, não acha ? Nós andamos todos contentes, se bem que isto a mim não me vem beneficiar quanto ao fim da comissão que se avizinha. (...).

Primeira parte do documento [, Informação,] escrito à máquina e datado de Paunca, 7 de junho de 1974, dando conta dos primeiros contactos das NT com os guerrilheiros do PAIGC, no subsetor de Paunca

Paunca, 10/6/1974

Esboço de aerograma (3 folhas), escrito no dia de Portugal [10 de junho de 1974]. Uma parte do conteúdo seguirá para mãe, em carta manuscrita, enviada nesse mesmo dia. Outra parte foi [ou já tinha sido dactilografada, com data de 7/6/74] sob a forma de uma espécie de comunicado [ Informação,] cujos destinatário(s) se desconhece.


(...) GUERRA E...PAZ


Guerra... palavra que pouco dignifica. Guerra, sinónimo de destruição. Prenúncio do fim. Mas... também há a paz. E para isso se está a tarablhar neste momenmto em todo o Portugal.


Ontem [leia-se: 6 de junho de 1974], algures na Guiné, tropas portuguesas (brancas), comandadas por um oficial superior, dirigiram-se em missão de paz a um destacamento inimigo, em território português, perto da fronteira com o Senegal, deixando todo o armamento nas viaturas [e] deparando com uma colossal e bem montada emboscada de segurança. Numa atmosfera de confiança,  inimigos de ambos os lados cumprimentaram-se, os dois comandandantes inimigos entraram num amistoso diálogo, findo o qual se chegou à conclusão que... o PAIGC, como nós, anseia pela paz.


Esses mesmos inimgos disseram que teriam imenso prazer em contactar com tropas africanas, em serviço nas nossas fileiras, para trocarem impressões e concluirem o que mais lhes interessava.


Hoje [, 7 de junho,], algumas dezenas de tropas africanas, comandadas pelo mesmo oficial superior, dirigiram-se ao mesmo local, procedendo como no dia de ontem. Encontraram um clima de amizade, não foram molestados, e até foram obsequiados com galhardetes e emblemas do PAIGC. Também se procedeu à troca de pequenas peças de fardamento.


Imaginem, um momento tão importante, um momento nunca conseguido durante tantos anos de guerrilha. Parece inconcebível. Mas aconteceu. Nunca em toda a história mundial, que eu saiba, antes mesmo de um cessar-fogo, se viu istio, duas forças inimigas, como uma família, reunidas em franca amizade, esquecendo  todos os antecendentes, pois eles sabem que com isso contribuem para finaliziar o que há tanto tempo vem vitimando e continuaria a vitimar inocentes [...]


Estou deveras emocionado, eu que como tanto outros vi tombarem amigos, companheiros de farra e de luta, amigos para o bem e para o mal, e para quê ?  [...]


Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto,  conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós.

Fica aqui, pois, o meu desejo para que tudo se desenrole como desejamos, no dia de Portugal, nas conversações de Londres. Somos livres, mas ainda não temos a PAZ.

Um militar que anseia pela Paz.




4. Num segundo poste, divulgaremos mais alguns excertos de cartas escritas pelo J.Casimiro Carvalho, em Paunca, em junho de 1974. Não tenho nenhuma missiva em que ele relate à mãe, ao pai ou a outros familiares a situação de insubordinação dos soldados da CCAÇ 12, situação essa que  terá ocorrido por volta de 21 agosto de 1974 [ data em que o PAIGC tomou conta da povoação e aquartelamento, segundo o relatório da 2ª rep/QG/CTIG, já aqui divulgado]. (***)

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segunda-feira, 18 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Lamego > Centro de Instrução de Operações Especiais > 1973 > O 1º cabo miliciano Carvalho

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971).






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Casimiro Carvalho no quotidiano de Guileje.


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350, 1972/74) à família, durante a 2ª quinzena do mês de Junho de 1973 (1). A última carta que publicámos anteriormente era de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro, vindo de Cacine, se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia (2).

Alguns dias depois (?), ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, o cap Quintas, ferido com gravidade (a 1 de Junho de 1993). Não temos cartas ou aerogramas desse período (1ª quinzena de Junho de 1973), em que os paraquedistas do BCP 12 tiveram que vir aliviar a pressão do PAIGC sobre Gadamael, a seguir ao abandono de Guileje pelas NT (em 22 de Maio de 1973). Não sei se o Carvalho escreveu à família, ou se não o pôde fazer. Ele não fala desse ferimento em combate (que terá sido ligeiro: um estilhaço de morteiro 120) (3).

De qualquer modo é muito interessante cruzar estas informação epistolográfica com as memórias do Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista da CCP 121 que esteve do inferno de Gadamael nesta altura (2), depois do inferno de Guidaje.

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Mais um vez agradeço ao nosso herói de Gadamael, o Casimiro Carvalho, o carinho, a confiança, o apreço e a franqueza que ele teve para connosco, permitindo-nos entrar na sua intimidade, na intimidade da sua família, conhecer as suas emoções, as suas alegrias e tristezas. Espero que nos ajude a todos a conhecer melhor o duro quotidiano dos nossos camaradas que, em Maio/Junho de 1973, sofreram no sul da Guiné uma das maiores ofensivas do PAIGC em toda a história da guerra (LG) .




Ficar não era heroísmo, era suicídio


Gadamael, 19/6/73

Paizinho:

(…) Estou bem, àparte uma dor de estômago e diarreia, provocadas pela má alimentação e má água (…)

Isto, às 7 da manhã começa-se com cerveja, para acabar às 7 da noite. Já bebi mais cerveja aqui do que você em toda a vida. É o que nos vai aguentando.

Isto está a melhorar, só bombardeiam de vez em quando e fora do quartel, portanto sem consequências. Há agora muitas emboscadas feitas aos paraquedistas que cá estão (2 companhias). Já há alguns que foram evacuados: ficaram malucos com isto aqui. Eu ando porreiro.

Diga lá ao Fernando [ Carvalho, o irmão,] que se torna a mencionar a palavra cobarde, não lhe escrevo mais. Pois se eu fugi da emboscada [descrita em 3] é porque éramos 14 homens só com G-3 e quatro ficaram logo ‘prontos’; a outro encravou-se-lhe a arma e seis fugiram logo. Estava só eu a dar fogo e outro moço, eu fui o único que tirei outro carregador e o disparei. Ficar lá nestas condições, não era um acto heróico mas sim um suicídio. Portanto, cuidado com as palavras, sr. Fernando. Eu não estou zangado. Eu não devia falar na quantidade de homens. Adeus.



Em Gadamael, estamos a dormir nas cabanas dos pretos que fugiram


Gadamael, 20/6/73

Minha querida mãezinha:

Como você me pediu, cá estou eu a escrever-lhe como posso. Se não lhe escrevi mais amiúde foi por causa da situação, pois nem tínhamos com que escrever, roubaram tudo e nem apetecia fazer nada porque andávamos a fugir das granadas, e desmoralizados com isto tudo. Até tínhamos medo de ir tomar banho.

Além de tudo, não tínhamos condições para nada pois nunca parávamos em sítio certo. Agora estamos a dormir e viver em cabanas dos pretos que fugiram , cheias de ratos e mosquitos. Mas pelo menos já dormimos, e eu com um Lusospuma.

Pode acreditar que me encontro bem, felizmente, pois agora acabou a história dos bombardeamentos. Agora só há emboscadas, quando saímos para o mato. Vamos cheios de medo e eu principalmente, pois vou à frente sempre porque, voluntariamente, levo uma metralhadora ligeiro. É uma defesa pessoal e de grupo muito boa. Eu levo 200 balas e a minha equipa 400.

Outro dia eu e o meu grupo comprámos 5 cabritinhos e eu é que os cozinho, Sou elogiado por oficial e soldados que os comem, pois tornei-me AQUELE cozinheiro. Desenrasco-me muito bem. Limparam-me também a máquina fotográfica.

Informem-me também do que se diz acerca disto aí, pois eu gosto de saber. Como já disse, vou outra vez, mais a Companhia, para o Cumeré onde estive quando cheguei à Guiné.

O irmã da Ana [, a namorada,] não está em Catió mas sim em Cufar.

(…) Parece que Guileje fica abandonado. O General Spínola não deu nenhuma ordem acerca de Guileje. A aviação vem aqui todas os dias bombardear à volta do quartel e todos os dias as antiaéreas turras ripostam.

Não vou ficar aqui muito tempo. Ando com uma diarreia maluca. Mas há-de passar. Continuo a sair para o mato.

Vamos para o Cumeré porque a nossa cmpanhia tem muitos mortos e mais feridos, para virem mais soldados completar a Companhia.

Eu devo levar um louvor, e não só mo darão se forem injustos. Pois andei debaixo de fogo a transportar mortos e feridos e a curá-los (não havia enfermeiros) numa BERLIET que eu conduzia e a transportar motores de botes para ser possível fazer as evacuações. Transportei feridos graves (a pé), debaixo de fogo. Mas ESTOU OK!

Seu filho que a ama.



Grande ronco dos paraquedistas, em 23 de Junho de 1973 (2)


Gadamael, 24/6/73

Queridos pais:

Estou óptimo, verdade! E vocês, como têm passado ? Sempre em sobressalto, mas sem razão. Pois isto agora está mais ou menos normal, embora vivamos sem condições de higiene e de habitação.

(…) Ontem, uma das companhias paraquedistas que aqui está, surpreende um grupo de turras, entre os quais cubanos, e pô-los em debandada, apanhando-lhes fardamento, alimentos, armamento, munições, coisas que eles tinham apanhado no Guileje, etc. Dois mortos deles e muitos feridos (2).

Estamos perto de abandonar esta vida, pois devemos ir para Cumeré.

Gosto muito das cartas da mãezinha, nunca deixe de me escrever. Pois dão-me umas horas de vida, enquanto penso nelas. E o meu velhinho ? Então tem-se esquecido do seu filho ? (…).



Vêm aí os periquitos: vai haver bebedeira pela certa


Gadamael, 26/6/73

Now we have peace

Minha querida mãezinha:

É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana (…).

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B.B. & Irmão (…).

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

(...) "13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

"No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar [de Cacine] a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP 122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

"Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

"As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

"A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

"No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

"Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior.

"Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os paraquedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar" (...).


"23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!


"A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

"Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente (...)".
(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. O BCP nº 12, a duas companhias (CCP 122 e CCP 123) é enviado para Gadamael a 2 de Junho, seguindo-se a 13 a CCP 121, do Victor Tavares. Regressa a Bissau a 7 de Julho (as CCP 122 e 123) e a 17 de Julho (a CCP 121). Os páras cosneguiuram travar a ofensiva do PAIGC a partir do momento em que se instalam em Gadamael.
Eis como Carvalho descreve o seu ferimento, que deve ter ocorrido em finais de Maio de 1973 (a situação mais crítica em Gadamel é nos dias 31 de Maio, 1 de Junho e na noite de 1 para 2 de Junho; o cap Quintas, da CCAV 8350, é gravemente ferido na tarde do dia 1 de Junho, sendo ajudado pelo Fur Mil Carvalho, que estava operacional e foi um dos derradeiros defensores do aquartelamento antes da chegada dos páras - CCP 122 e 123 - a 2 de Junho) (4):
(...) "Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120
"Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas.Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).
"Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .
"Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!" (...)
(5) Ainda sobre o referido ferimento em combate, o Carvalho continua sem me responder às questões factuais (datas, etc.)... Enfim, a esta distância no tempo e no espaço, não se lhe pode pedir muito mais... Eis o que ele me escreveu, num mail recente:
"Fui ferido em Gadamael, por estilhaço de 120 (?) quando em voo para a vala. Fui evacuado por um patrulha até Cacine, onde me trataram e não viram motivo para ir para Bissau. Fiquei a ser chefe da limpeza em Cacine (um ranger...) até que me passei dos carretos a ouvir os bombardeamentos e a ver os meus camaradas a chegarem feridos aos magotes e resolvi voluntariar-me para regressar a Gadamael (insensatez própria da idade e da valentia de ser especial (Ranger).
"O Fernando é meu irmão mais novo e a Ana era minha namorada e hoje esposa".

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Restos do monumento mandado erigir pelos Gringos de Guileje, em 1972, à Nossa Senhora de Fátima e ao Senhor Santo Cristo (vd. foto a seguir). Foto do Xico Allen, tirada na sua viagem de 2005. Ele é o mais andarilho de todos nós, em matéria de Guiné (desde que lá voltou em 1998, tem lá ido com frequência). Está a organizar uma próxima viagem em Fevereiro de 2008. Na foto pode ler-se a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos". Foto: Xico Allen (2005). Direitos reservados. Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Nov 1971/Dez 72) > 1972 > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé de chimpazé (ou dari, como se diz localmente). Os Gringos Açorianos antecederam os Piratas de Guileje (CCAV 8350, Dez 1972/Mai 1973). Segundo amável informação do Samúdio, o monumento foi contruido pelos Gringos e inaugurado pelo então Ministro da Defesa Nacional, general Sá Rebelo e também pelo então governador, general Spínola, em 12 de Junho de 1972. Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > Brasão da CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje), 1971/72. Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados. Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > Restos arqueológicos: o brasão da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje), novinho em folha... Foram a última a lá estar, tendo abandonado o aquartelamento, juntamente com a população da tabanca, por ordem do major Coutinho e Lima, comandante do COP 5. Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados. 1. Nota do editor L.G.: O texto que a seguir se publica, da autoria do jornalista Eduardo Dâmaso, foi reproduzido originalmente no Blogue-fora-nada > vd. post de 11 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLVI: Antologia (33): os 'gringos açorianos' de Guileje (CCAV 8350, 1972/73). Há (ou melhor, houve) aqui um erro nosso (e do jornalista Eduardo Dâmaso) confundindo a CCAV 8350- Os Piratas de Guileje (Dez 1972 / Mai 1973) - com os Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477 (Dez 1971/Dez 1972). Pirata de Guileje é(foi) o nosso camarada José Casimiro Carvalho (1). Gringo de Guileje é (foi) o nosso camarada Amaro Samúdio (2). De facto, a CCAÇ 3477 (Nov 1971/ Dez 73) é a companhia de açorianos que ficou conhecida como Os Gringos de Guileje: estiveram em Guileje entre Novembro de 1971 e Dezembro de 1972); foram a penúltima unidade de quadrícula de Guileje, sendo rendidos pela CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) - Piratas de Guileje, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-fur mil de operações especiais (3). Há ainda outro erro (grosseiro) no que respeita ao calibre das peças de artilharia: o jornalista fala em morteiros de 11,4, em obuses de 14 milímetros... Quando queria dizer, muito possivelmente, peças de artilharia de 11,4 (centímetros) e obuses, de 14 centímetros... Já alguém, em comentário ao post, nos chamou a atenção para este erro, grosseiro (Anónimo, 9 de Agosto de 2007): "É lamentável que, num texto com redacção geralmente muito aceitável, o autor não tenha a mínima noção dos calibres das bocas de fogo da Artilharia. Escreve morteiros de 11,4 milímetros quando, certamente deveria escrever peças de 11,4 centímetros e atribui aos obuses um calibre pouco superior ao de uma arma caçadeira...Estas faltas de rigor maculam, em meu entender, a credibilidade do texto". Bem, não exageremos, o Eduardo Dâmaso é um paisano que não tem que saber de artilharia em profundiade. Como jornalista, tem-se interessado em pesquisar e escrever sobre a guerra colonial... Merece, só por isso, a nossa gratidão. De qualquer modo, também houve aqui outras pequenas imprecisões como a de chamar miliciano ao milícia Aliu Bari... Por tudo isto voltamos a publicar a excelente peça do ex-jornalista do Público, actualmente director-adjunto do Correio da Manhã.

  2. Em 11 de Dezembro de 2005, eu escrevia: Guileje continua a estar rodeado de mistério e de polémica. Faltam-nos trabalhos de investigação historiográfica séria, tanto de um lado como de outro. Por enquanto temos só ouvido o testemunho de alguns dos seus (poucos) protagonistas. É urgente que apareçam testemunhos (escritos) de guerrilheiros do PAIGC que estiveram no cerco de Guileje. A geração que fez a guerrilha está a envelhecer e a desaparecer. Segundo creio saber, o Pepito tem sobretudo contactos com antigas milícias, provavelmente de etnia fula, que estiveram do nosso lado. Não sei se há guineenses a tentar preservar essa memória. O Pepito que não foi combatente, será uma das poucas excepções na Guiné-Bissau, com o Projecto Guiledje, da sua ONG (AD - Acção para o Desenvolvimento). Por outro lado, estamos a aguardar, com curiosidade, a divulgação ou publicação da tese de doutoramento do nosso amigo guineense Leopoldo Amado, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Um dos testemunhos sobre os acontecimentos de Guileje, entre 18 e 22 de Maio de 1973, é o de Alexandre Coutinho e Lima, na altura major, à frente do Comando Operacional 5 (COP 5), baseado em Cacine. Foi este oficial quem, à revelia de Spínola, seu comandante-chefe, decidiu, de motu proprio, abandonar Guileje, retirando a CCAV 8350 e mais dois pelotões, para Gadamael-Porto, mais as milícias locais e mais meio milhar de civis. Essa decisão (corajosa, para uns; cobarde, para outros) custou-lhe a carreira militar. Essa história foi há tempos contada pelo jornalista Eduardo Dâmaso, no suplemento dominical do Público, de 21 de Maio de 2004. Vale a pena divulgar esse texto, pelo seu valor documental, já que muitos dos nossos tertulianos e outros visitantes o não conhecem. 

A versão que encontrámos disponível na Net vem no Blogue Moçambique para Todos, e em particular numa secção dedicada ao 25 de Abril - O antes e o agora. Agradecemos a estas duas fontes (O Público e o Blogue Moçambique para Todos) a possibilidade de fazer chegar aos membros da nossa tertúlia e a outros cibernautas a versão dos factos na pessoa do entrevistado, o hoje coronel na reforma Alexandre Coutinho e Lima. Parece que esta questão ainda hoje incomoda as chefias militares do Exército e até os homens que fizeram o 25 de Abril. O abandono de Guileje, sem honra nem glória, foi sempre considerado inaceitável por Spínola e os spinolistas. O velho general, metido no atoleiro da Guiné, quereria muito provavelmente que Coutinho e Lima e os homens defendessem Guileje até ao último cartucho de G-3... À semelhança de Salazar, em relação ao pobre do General Vassalo e Silva, que comandava as NT aquando da invasão indiana de Goa, Damão e Diu, em 18/19 de Dezembro de 1961. ________ 

  2. Republicação da peça jornalística, com as necessárias correcções: 

  Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola PÚBLICO, Domingo, 16 de Maio de 2004 Eduardo Dâmaso 

  Auto de corpo de delito 

Acusação: ordenou a retirada de forças sob o seu comando do quartel de Guileje para Gadamael sem que para tal estivesse autorizado; mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições; não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Nessa luminosa madrugada de 22 de Maio de 1973, a sorte dava ares de voltar a sorrir aos gringos açorianos e a todos os outros gringos que faziam a guerra em Guileje, Sul da Guiné, contra o PAIGC (Partido Africano pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde). 

Eram quase seis da manhã e os gringos iam carregados que nem burros pelo trilho do mato que ligava o quartel de Guileje ao de Gadamael, uns oito ou nove quilómetros bem medidos na retaguarda do primeiro, mas a manhã levava-os para longe daquele buraco que já viam como cemitério dos seus próprios cadáveres trespassados pela metralha do inimigo. Os soldados sedentos, famintos e, alguns, doentes, abandonavam Guileje em passo lento e levavam malas de viagem, sacos militares, armas, mochilas. Transportavam tudo o que era imprescindível para refazer a vida da tropa noutro quartel qualquer. Entre eles marchavam 600 guineenses, igualmente cheios de fome, sede e doenças, que recuavam também para a zona do aquartelamento de Gadamael, alguns dos quais já muito idosos e um deles paralítico, que teve de ser transportado às costas por soldados. A população da tabanca de Guileje levava a casa na trouxa e a família pela mão sem olhar para trás. 

Na retaguarda, num qualquer ponto fixo no horizonte da densa mata do Sul, só ficavam os canhões do PAIGC que, por aqueles dias, não escolhiam entre soldados portugueses e civis guineenses. Uns e outros compunham uma coluna de gente que protagonizava um episódio histórico na guerra colonial portuguesa: as Forças Armadas comandadas na Guiné por António Spínola batiam em retirada do quartel de Guileje, o único que a tropa portuguesa deixou livre à ocupação pelo inimigo em toda a guerra colonial. 

O PAIGC, tolhido pela surpresa, só viria a ocupar a guarnição militar três dias depois da retirada. A retirada de Guileje foi o culminar de um complexo processo político-militar que começou a desenhar-se na Guiné após o assassinato de Amílcar Cabral, em Janeiro de 1973. O PAIGC desencadeou então uma ofensiva simultânea no Norte e no Sul da Guiné cercando os quartéis de Guidaje, junto à fronteira com o Senegal, e de Guileje, encostado à Guiné-Conacri. 

 Essa operação, a que chamaram Amílcar Cabral, foi um momento decisivo na guerra que coincidiu com a utilização dos mísseis Strella, de fabrico soviético, que abateram pela primeira vez um Fiat G-91 da Força Aérea a 25 de Março desse ano. Nessa semana a "arma desconhecida, tipo foguete", como foi qualificada no relatório da ocorrência, atingiu seis aeronaves portuguesas e num dos casos morreu mesmo o piloto, tenente-coronel Brito (4). A maior parte destas acções aconteceu precisamente na zona de Guileje, área do Comando Operacional 5 (COP5) criado menos de seis meses antes para fazer face ao previsível agravamento da guerra na frente sul, mas para onde não foram enviados mais do que 108 homens. A partir deste novo dado da guerra, os mísseis terra-ar, ficou muito condicionada a utilização de meios aéreos no apoio de fogo às tropas terrestres, na deslocação de feridos, no transporte logístico e na regulação de tiro da artilharia. Os efeitos do conflito passaram a ser devastadores nas fileiras portuguesas. 

Segundo números oficiais das Forças Armadas, só entre 13 e 27 de Maio morreram 38 soldados e 155 foram feridos na frente sul da guerra. Em todo o primeiro semestre de 1973 registaram-se 135 mortes de militares portugueses em todo o território guineense. Foram as semanas da viragem da guerra a favor de um inimigo mais numeroso, mais bem armado e preparado. Nesse Maio de chumbo, Bissau não evacuava feridos há semanas lá das bandas do Sul. Os aviões não se arriscavam a um voo que podia ser o último. Em Guileje, com a moral arrasada, os soldados não tinham nem água, nem comida, nem munições, o inimigo atacava a 500 metros, ou menos, do quartel. Ficar ali para cativeiro ou morte certa nem pensar, antes marchar em retirada. Ainda por cima, naquela época do ano, o Sul da Guiné submergia com a intensidade das chuvas e uma parte do território estava intransitável. Nos dias anteriores à retirada, as bombas do inimigo abatiam-se sobre o quartel e dele quase nada restou de pé. Ficaram as orações dos gringos açorianos inscritas nas poucas pedras que sobravam: "Santo Cristo dos Milagres nesta capelinha oramos para sempre sorte dares aos gringos açorianos." (5). Ou as dos Piratas de Guileje, uns e outros da companhia de cavalaria 8350, estacionada no Sul entre 72 e 74. Os RPG 7 da guerrilha rebentavam no ar e caíam em chuveiro sobre o quartel, deixando marcas de destruição em todo o lado. Nos seis abrigos amontoavam-se soldados e população. Do dia 18 em diante, até à evacuação, muita fome ali se passou porque os flagelamentos do PAIGC foram praticamente incessantes. 

  Minhas declarações em 28 de Maio de 1973 

 "Durante a manhã [21 de Maio] tinha havido um ataque próximo em que predominaram os rebentamentos de RPG. Ao princípio da tarde, as mulheres, desesperadas com falta de água, foram à bolanha (cerca de 500 metros do quartel), tendo sido flageladas pelo IN com RPG e imediatamente recolhidas pelas NT que foram em seu socorro. A Força Aérea que apareceu a apoiar, após o ataque das 15h15 às 16h30, o mais intenso de todos e o que provocou um morto e muitos danos materiais, foi informada que o quartel estava sem transmissões, tendo prometido ir lá de noite, se possível, e no dia seguinte, logo de manhã." A base dos guerrilheiros era em Canjifara, Conacri, o que permitia ao PAIGC uma grande actividade na região, que se intensificou a partir do momento em que a artilharia portuguesa, até aí a utilizar [peças de artilharia] de 11,4 , mudou para os obuses de 14 [centímetros]. A regulação de tiro com os de 11,4 tinha sido comprovadamente mais eficaz, mas estas [peças] acabaram e não foram substituídas por outras de características idênticas. Portanto, para lá do fogo de artilharia dos RPG 7, os guerrilheiros passaram a fazer emboscadas nas proximidades do quartel. O que foi uma machadada no moral das tropas, que andavam há meses a acumular a realização de obras imprescindíveis no aquartelamento - criado em 1964, mas nunca chegou a ter sequer uma segunda protecção de arame farpado - com a actividade operacional, acabando esta por se ressentir. É neste cenário que o então major Alexandre Coutinho e Lima decide bater em retirada, depois de intensas movimentações nos últimos dias a pedir reforços de tropas especiais que nunca chegaram. Assim que chegou a Gadamael, nessa manhã de 22 de Maio, foi imediatamente preso e acusado de ter cometido um crime militar ao ordenar a retirada de forças sob o seu comando sem autorização superior. 

Também mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do quartel que comandava, material de guerra e munições. A justiça militar imputou ao major uma falta grave: não ter cumprido a missão que lhe foi atribuída pelo comandante-chefe das tropas portuguesas na Guiné, António Spínola, e pagou por isso com um ano de prisão, que só viria a ser interrompido por uma amnistia nos primeiros dias a seguir ao 25 de Abril de 1974. 

 Na versão seca do formalismo da linguagem militar, o major não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Mas, para as mais de 600 pessoas cercadas pelo fogo dos guerrilheiros independentistas, a decisão do agora coronel reformado Coutinho e Lima salvou-os de morrer no inferno de Guileje. Para essas pessoas e para milhares de soldados que viam a derrota e a morte a aproximar-se nas frentes de guerra da Guiné, o coronel Coutinho e Lima foi um herói, que teve a coragem de decidir de acordo com a sua consciência. Mas ainda hoje é um homem perplexo com a actuação de Spínola neste processo e, em concreto, pela diferença de tratamento que deu às duas situações mais dramáticas naquela guerra. Ao cerco de Guidaje, a norte, Spínola respondeu com reforços imediatos e um ataque de comandos à base do PAIGC em Kumbamory, em território senegalês, uma acção que veio aliviar a pressão do PAIGC sobre Guidaje (6). Já em relação a Guileje, Spínola nunca autorizou um reforço de homens e meios operacionais, deixando a guarnição abandonada à sua sorte, acabando também por não conseguir evitar a desgraça de Gadamael, onde o PAIGC atacou entre as 14h00 e as 18h00 do dia 31 de Maio, bombardeando o quartel com mais de 700 granadas e provocando cinco mortos e 14 feridos, numa acção que foi apenas o início de intensos flagelamentos que prosseguiram nos dias seguintes, causando um total de 24 mortos e 147 feridos. Trinta e um anos depois da retirada do quartel de Guileje, as Forças Armadas ainda lidam mal com o episódio. 

O único quartel português abandonado pelas tropas coloniais é um episódio que representa uma espécie de pedra no sapato do Exército e das Forças Armadas em geral, que transformou o seu principal protagonista num rosto incómodo tanto para as hierarquias como, aparentemente, para os próprios militares do Movimento das Forças Armadas (MFA). Para os militares de Guileje, o pesadelo começou a desenhar-se a partir do dia 10 de Maio, ainda sem o perceberem. A melhor descrição da situação militar ali vivida é feita pelo próprio Spínola, que a 11 de Maio se desloca de helicóptero a Guileje e, numa comunicação às tropas, fez saber que se esperava um agravamento da situação. Ficou claro que a Força Aérea não faria operações de rotina como até aí. Deixou, porém, a garantia de que, em momentos de combate mais sérios, os aviões voariam mais alto e utilizariam bombas mais potentes no apoio de fogo. 

O transporte de feridos muito graves seria também assegurado. Palavras vãs, tal nunca aconteceu. Um dia antes da visita, a vida corria com alguma normalidade no aquartelamento de Guileje. O único facto anormal era dado pelo desaparecimento do [milícia] Aliu Bari, que saíra de espingarda às costas dizendo que ia à caça, mas não voltou mais. Ao fim de um par de horas, começaram a sair grupos de patrulhamento na estrada de Mejo com o objectivo de tentar encontrar o [milícia] Bari, que, admitia-se, podia ter-se perdido ou sido mordido por uma cobra. Alguns patrulhamentos depois, já a 12 de Maio, porém, uma mina rebenta na estrada do Mejo e morrem dois comandantes de secção da milícia, o que afecta as tropas, sobretudo do contingente guineense e da população, onde os dois homens eram vistos como líderes. 

 No dia 18, dois grupos de combate que realizavam trabalhos de detecção de minas e instalação de um sistema de segurança para uma nova operação de reabastecimento, junto ao cruzamento da estrada Guileje-Gadamael, foram atacados por mais de 100 guerrilheiros emboscados. Das sete às oito da manhã os soldados portugueses e os milicianos [milícias] guineenses ao seu serviço estiveram debaixo de intenso fogo de metralhadora, armas automáticas e morteiros RPG. O balanço final foi dramático: dois mortos, nove feridos graves. 

Mais tarde, um destes feridos, um cabo, veio a morrer. Tinha sido pedido apoio de fogo aéreo a Bissau, que não foi concedido por falta de condições meteorológicas. Aos pedidos de deslocação dos feridos foi respondido que as baixas deveriam ser levadas para Gadamael e daí para Cacine por via fluvial, o que não aconteceu por já não haver maré que permitisse o transporte. Adivinhava-se um mortícinio. Os soldados começaram a perceber que estavam entregues à sua sorte. O major Coutinho Lima enviou uma mensagem para Bissau a pedir a deslocação de um delegado a Guileje para analisar o problema dos apoios e efectivos para as colunas de reabastecimento. A resposta é negativa. Às 16h00 ainda do dia 18 colocou-se a necessidade de reabastecer a unidade de água, num local situado a quatro quilómetros do quartel. 

O grupo de combate que habitualmente fazia segurança a esta saída manifestou-se relutante em sair do quartel. Só o fez quando o próprio Coutinho e Lima saiu à frente do grupo. A operação decorreu sem problemas mas durante essa noite regressou o fogo inimigo. O quartel foi bombardeado pela noite dentro, em oito momentos diferentes; todos os rebentamentos de obuses ocorreram dentro zona de arame farpado. Compreenderam então que a regulação de tiro da artilharia do PAIGC era feita a partir de informações prestadas pelo miliciano [milícia] Bari, que tinha desertado para o inimigo. Era a primeira vez que o inimigo acertava no quartel. 

 Na manhã seguinte, os militares portugueses contaram 85 rebentamentos no interior do quartel. Coutinho Lima parte nessa manhã com um grupo de combate para Gadamael e daí para Cacine, para assegurar o transporte dos feridos e do morto, mas também na esperança de "encontrar alguém" do Comando-Chefe a quem pudesse expor a situação. Ao mesmo tempo, o drama adensava-se em Guileje: o inimigo passou todo o dia 19 a bombardear o quartel. Coutinho Lima só consegue falar com a Repartição Operacional na madrugada de 20 e pede que Bissau envie para Guileje uma companhia de tropa especial (comandos ou pára-quedistas), viaturas e estivadores para assegurar o reabastecimento. Volta a pedir autorização para se deslocar a Bissau, o que acontece no dia 21. 

Aí, expõe a situação a Spínola e pede, de novo, reforços. O comandante-chefe dá-lhe uma resposta negativa quanto ao reforço de uma companhia de tropas especiais, retira-lhe o comando e entrega-o ao coronel Rafael Durão (7). Coutinho e Lima é mandado de regresso a Guileje na qualidade de 2º comandante do COP5. Chega a Guileje ao fim da tarde do dia 21 e o quadro com que se depara é devastador: um furriel morto, depósitos alimentares destruídos, celeiros de arroz a arder, população refugiada dentro do quartel, falta de água e medicamentos, antenas de transmissões de rádio destruídas, poucas munições, abrigos e valas de defesa atingidos, centenas de rebentamentos dentro do quartel. Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 "A estadia nos abrigos era praticamente insuportável, pois neles se encontravam, além das NT, toda a população (homens, mulheres e crianças, cerca de 500 pessoas). 

Houve vários desmaios, onde o calor era imenso e o cheiro nauseabundo. Após as saídas do fogo IN [Inimigo], os rebentamentos demoravam cerca de 3 segundos só dando tempo ao pessoal para se deitar. De algumas vezes não se ouviram as saídas e houve vários rebentamentos no ar, que não eram de RPG; muitas granadas eram também perfurantes, devendo ter sido uma destas que provocou a morte do furriel, bem como outra que abriu uma brecha, de lado, num dos abrigos, ficando a armação de ferro à mostra. Todo o pessoal estava arrasadíssimo, não só física como psiquicamente, pois há cerca de 72 horas que o quartel estava a ser continuamente flagelado. 

Com a deserção do miliciano [milícia] Aliu Bari, a população estava alarmadíssima porque até aí o Inimigo não sabia onde eram os campos de arroz do pessoal de Guileje, não conhecia o trilho da população entre Gadamael e Guileje, nem tão-pouco sabia onde era o poço da água onde se fazia o reabastecimento, mas agora passava a ter conhecimento, através do referido desertor, de tudo isto." O medo estava instalado nos abrigos de Guileje. Mas também a fome, a sede, a doença. O inimigo estava a menos de 500 metros do quartel a acertar o fogo com homens empoleirados nas árvores. A descrença era total e já ninguém esperava reforços de lado nenhum. Batiam as 21 horas do dia 21 de Maio quando Coutinho e Lima mandou reunir todos os oficiais e, depois de analisada a situação, decidiu retirar de madrugada para Gadamael pelo trilho da população. 

De imediato elaborou uma mensagem em que pedia autorização para retirar. Foram improvisadas umas antenas, mas a mensagem nunca chegou a seguir, apesar das tentativas que duraram toda a noite. A última que seguira fora no dia 21, às 14h15, a dizer "Estamos cercados por todos os lados." Três décadas depois, Coutinho e Lima pergunta-se a si próprio que outra coisa poderia fazer: "Tinha-se perdido muito tempo. Mesmo que tivéssemos conseguido comunicar para Bissau naquele dia e tivessem decidido enviar reforços, as tropas não chegariam antes de três ou quatro dias, espaço de tempo que nunca conseguiríamos aguentar naquelas condições. 

Antes disso, o inimigo completaria o cerco poderosíssimo que estava a fazer com a consequente captura ou aniquilamento de toda a guarnição militar e população." Ou ficava e a sua companhia era chacinada e o que restasse dela apanhado à mão pelo PAIGC ou, pelo contrário, recuava para Gadamael de imediato, jogando no efeito surpresa.Tomada a decisão de partir, foi elaborado um plano de destruições e inutilizações de material que não pudesse ser utilizado pelo PAIGC: minas Claymore, material de criptografia, incluindo as máquinas, arquivos, equipamento de transmissões, obuses, viaturas e armamento pesado. "Não fui pressionado por ninguém para retirar e parti do princípio que a minha vida militar acabava ali", diz Coutinho e Lima. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

 "Entre todos os factores que me levaram a decidir pela retirada, avulta a missão de defesa da população, cerca de 500 pessoas (...) [que] aceitou de bom grado a ordem para se preparar para seguir para Gadamael, não tendo havido nenhuma manifestação de pesar - 'choro' -, quer quando foi iniciada a retirada, quer na chegada a Gadamael." Deviam ser umas quatro da tarde quando a coluna entrou na parada do quartel de Gadamael-Porto. Coutinho e Lima é preso e enviado para Bissau, para a fortaleza de Amura, comando militar da Guiné. 

Não iria esperar muito até sentir a ira de Spínola, que o transfere para o Depósito de Adidos no aquartelamento de Brá com ordens inabaláveis: encerramento num quarto em regime de incomunicabilidade total e o vencimento reduzido a metade. Ali fica um mês e só uma consulta de psiquiatria altera as condições da sua prisão: passa a receber visitas, tem licença para se entreter na horta da guarnição e ler jornais. Todos os requerimentos que fez para poder dar explicações e aulas de Educação Física foram indeferidos pelo punho do próprio Spínola. Nessa fase, lia, fazia paciências com cartas, escrevia. Começou a perceber então que a sua situação gerava entre os militares um grande movimento de solidariedade. 

Não tinha dinheiro para contratar um advogado e houve uma quotização entre os oficiais, que asseguraram os 50 contos necessários para pagar a sua defesa ao advogado Manuel João da Palma Carlos, como é assegurado o subestabelecimento da causa num conjunto de mais quatro advogados, todos eles oficiais milicianos a prestar serviço na Guiné: Barros Moura, Correia Pinto, Sacadura Bote e Maia Costa. Estes oficiais chegaram a ser ameaçados por Spínola com o envio para a frente de combate por se terem disponibilizado a defender o "presumido delinquente". 

 Depois de libertado em Maio de 1974 é colocado na Academia Militar, no gabinete de estudos, e recebeu a metade do vencimento que lhe tinha sido retirado. Nunca chegou a ser julgado, mas não requereu qualquer reparação por danos morais, já que era sua profunda convicção a inutilidade da acção enquanto Spínola liderasse a JSN [Junta de Salvação Nacional]. "Acho que nunca fui prejudicado na progressão militar, mas na parte final, quando tinha de fazer um ano de comando para a promoção - devia comandar uma unidade de artilharia -, fiquei com a sensação de que andaram a passar a bola de um lado para outro", diz hoje, passados 30 anos. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

"Relativamente à acusação de não ter cumprido a missão que me foi atribuída, solicito informação sobre qual parte da missão deixou de ser cumprida. Se se pretende referir à alínea 'garante a defesa eficiente dos aglomerados populacionais e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua zona', declaro que defendi o estacionamento de Guileje até à altura da retirada, por considerar a posição absolutamente insustentável." O tempo foi passando na vida de Alexandre Coutinho e Lima e as más memórias desvanecendo-se. Mas o mistério da recusa de conceder um reforço militar a Guileje permanece. "Nunca mais falei com Spínola sobre isso!" De há 31 anos para cá só ficou o silêncio (8). Recordo-me de me terem perguntado num dos interrogatórios se tinha pensado nas consequências do meu acto para a Pátria. Limitei-me a responder que a minha preocupação era mais com a vida dos meus homens e da população do que com os altos valores da Pátria. 

 ___________ 

 Notas de L.G.: 



 Vd. também post de 14 de Dezembro de 2005 > 14 Dezembro 2005 Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça) 

 (3) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito) 

 Vd. ainda a correspondência do J. Casimiro Carvalho: 






 (4) Sobre as areonaves (Fiat) abatidas na Guiné, ver: 21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa) 

 (5) Vd. posts de:



 (6) Vd. posts de: 

 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno) 


 (7) Vd. posts e: 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato) 



 (8) Aguarda-se a comunicação do hoje Coronel Coutinho e Lima no Simpósio Internacional sobre Guileje (1 a 7 de Março de 2008) . Eu próprio estou, ando já há uns tempos, para o contactar telefonicamente. Também já lhe ofereci, publicamente, este espaço para nos poder dar o seu depoimento sobre a decisão de abandonar Guileje e as duras consequências que isso teve para a sua carreira militar e a sua dignidade como homem e cidadão. 

Não o conheço pessoalmente, mas confesso que apoiaria a sua atitude humanitária e pacifista, se lá estivesse, em Guileje, no dia 22 de Maio de 1973.



quarta-feira, 25 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Especiais Carvalho, junto à peça (e não obus) 11.4. O Nuno Rubim já aqui esclareceu esta confusão entre peça 11.4 e obus 14: "De acordo com um relatório oficial português que encontrei no AHM [Arquivo Histórico Militar], no dia 16 de Maio [de 1973], isto é, dois dias antes do ataque, as três peças de 11, 4cm foram substituídas por 2 obuses de 14 cm. Agora se compreende a polémica sobre o assunto. Um deles veio sem aparelho de pontaria e não foi recebida nenhuma tábua de tiro ! Sem comentários ...Esses 2 obuses foram pois abandonados, mas sem possibilidades de entrarem em acção e capturados pelo PAIGC" (1).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Especiais Carvalho, no abrigo do Morteiro 10.7.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Montemor-O-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > 1º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > O editor do blogue, Luís Graça, e o Casimiro Carvalho.

Foto: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.


O Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, actualmente residente na Maia, confiou-me, no primeiro encontro da nossa tertúlia - na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 - (2), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o nosso abandono de Guileje (3). A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre Dezembro de 1972 e Maio de 1973.

Alguma dessa correspondência vai até ao período do pós-25 de Abril, altura em que ele esteve na zona leste da Guiné, Paúnca, integrado na CCAÇ 11. Ao todo são cerca de meia centena de cartas e aerogramas (neste lote estão incluídos ainda meia dúzia de aerogramas que lhe foram enviados por amigos e camaradas da Guiné, depois de ter saído de Cacine) (4) .

Nesta correspondência pode encontrar-se algum apontamento ou outro de maior interesse documental para o conhecimento do quotidiano das NT no sul da Guiné (incluindo a actividade operacional), nomeadamente no chamado corredor da morte. Neste primeiro artigo publicam-se alguns excertos da correspondência relativa a Fevereiro e Março de 1973.

Em 25 de Março de 1973, num domingo e em pleno dia, o aquartelamento de Guileje é duramente atacado durante cerca de hora e meia. São usados foguetões (presumimos que fossem Katiusha, os famosos órgãos de Estaline). Um caça-bombardeiro Fiat G-91, que vem em socorro, é abatido sob os céus de Guileje... É o primeiro, de que há registo na história da guerra da Guiné... Vinte quatro horas depois, o tenente piloto aviadorMiguel Pessoa (5), é resgatado são e salvo pelo grupo de operações especiais do Marcelino da Mata...

A selecção, a revisão e a fixação do texto são da responsabilidade do editor do blogue. (LG)

Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

Guileje, s/d, [Fevereiro de 1973 ?]

(...) Saímos às 6 da manhã e chegámos às 14 da tarde, sem comer e muitos cansados. Estivémos quase na República da Guiné, e até ouvimos um tiro de caçadores turras. Antes de aí chegarmos fomos protegidos com 20 tiros de obus 11,4 cm, cada granada de 25 kg a passar por cima de nós. Depois quando avançámos, vimos árvores cortadas pelas granadas, e quando voltámos, muito cansados, fomos atacados por um enxame de abelhas furiosas... Era ver quem mais fugia. Eu deixei arma e carregadores para trás, para fugir... Quem mas trouxe foi um preto (...).

Guileje, 11/2/73
(...) Hoje estou de Sargento de Dia: tenho que ir provar o vinho e o tacho, para ver condições de se estão em condições de ser distribuídos.

Hoje é domingo, tudo calmo. Estamos à espera da avioneta que nos há-de trazer notícias vossas. Finalmente espero receber correio.

(...) Ontem houve alarme no quartel. Fomos todos para os abrigos, menos eu que fui para um dos morteiros, até termos ordem de retirar (eu também tenho um emissor-receptor, para receber ordens de fogo ou de cessar) (...).


Guileje, 22/2/73

(...) Recebi ontem, dia 21 (dia em que faço 3 meses de Guileje), o seu areo de que gostei imenso. (...) Agora tem havido poucas saídas para a mata; esta noite o sentinela deu uma rajada de alarme, depois de ter ouvido dois rebentamentos a cerca de 300 m do quartel. Fomos todos para as valas e eu para o meu morteiro. Parece que tinham sido duas armadilhas nossas, que rebentaram talvez derivado a algum animal. Ainda não foram ver, mas deve ter sido.

Hoje fui à água, a cerca de 3 ou 4 km do quartel (de camioneta, claro), sem novidade especial (...).

Guileje, 3/3/73
(...) Tenho tido muitas patrulhas, ando estafadíssimo.

Guileje, 21/3/73

(...) Cada vez há menos patrulhas agora, até me admiro... Agora é quase só dormir e fazer serviços dentro do quartel, o que não é nada mau.

Guileje, 21/73/73
(...) O milícia que tinha ficado sem as pernas, morreu no mesmo dia por ter ficado sem muito sangue. Levou pouco soro aqui na mata, e estava a perder imenso sangue.

(...) Hoje pedi uma caçadeira a um preto, emprestada, tinha arranjado uns cartuchos, e fui aos pardais que andam em bandos e matei cinquenta. Portanto, logo à noite há petisquinho (...).

Guileje, 24/3/73
(...) Faço amanhã cinco meses de Guiné, o que já não é nada mau e nos traz bastante felizes. Pois nós quando fazemos anos, há festa; aqui, em vez de fazermos anos, fazemos meses.

Pois estou feito um bebedor de cerveja, que não imagina. Olhe que começo, às vezes, a beber às 9 e tal da manhã, mas não me faz mal e isso é o que interessa. Bem, com a água daqui também não há problemas, pois é boa.

Anteontem, na estrada que se está a abrir, onde morreu o infeliz alferes, foi detectada uma mina dos turras, posta naquela madrugada, talvez. Deslocou-se um grupo do quartel para ir levantá-la e foram detectadas mais cinco. Livra, olhe se lá caíamos. Andamos com sorte (...)

Guileje, 25/3/73

(...) Hoje, domingo, aniversário: 5 meses de Guiné (...). Dia 25, 13 horas: o aquartelamento de Guileje foi flagelado com foguetões e granadas de canhão sem recuo, caindo perto, e a mais próxima a cerca de 15 m do arame farpado. Rápida defesa do mesmo aquartelamento, com fogo de artilharia e de mort 10,7 cm (1). E pedido imediato de caças-bombardeiros Fiat, tendo vindo um, o qual depois de várias voltas seguiu para o objectivo, não voltando nunca mais.

Bissau, Comando-Chefe, estranhando a demora e o mutismo do piloto, manda outro Fiat (milhares de contos cada um)... Faz reconhecimento à zona, avistando o avião caído dentro de mata densa e perto o piloto fazendo sinal de very-light, mas não podendo ser recolhido.

Logo de seguida deslocaram-se de Bissau para Guileje 2 aviões-bombardeiros pesados DC-6. Seguidamente dirigiu-se, também, para cá um helicanhão, aterrando no heliporto para seguir depois para Cufar. O ataque de fogo dos turras aqui durou cerca de 1 hora, intervalando o fogo. Pensa-se que isto é represália pelos feridos e possível morto ou mortos que lhes provocámos por meio de minas, como já contei.

Durante toda a tarde não houve mais nada a assinalar, e o jantar decorreu normalmente (...)

(...) Nunca na história da Guiné (pelo menos) tinha caído um caça a jacto Fiat. Isto é uma alegria para os turras, pois só havia 3 ou 4 Fiats aqui na Guiné.

Junto envio uma foto tirada junto ao morteiro que me está distribuído, em caso de ataque (...).

Guileje, 27/3/73
(...) O resto da história do ataque ao nosso quartel: o piloto do Fiat (5) estava vivo mas perto do carreiro da morte e em mata densa, porque se viu um ou dois very-lights que se deduziu terem sido disparados por ele.

Portanto, no dia 25, como estávamos para sair, mas houve ordem em contrário, deitei-me. Passada meia-hora, veio o nosso alferes e disse para estarmos prontos às 4.30h da manhã, com bornal, ração de combate (a primeira vez que a comi em Guileje) e água.

Saímos e entrámos na mata sempre a andar por caminhos sinuosos, só mata densa com lianas e troncos a fazer-nos tropeçar. Até dizíamos mal da nossa vida... Eu levava uma lata de leite, uma lata de chocolate, uma de fruta, uma de sumol, uma de lanche, uma de sardinhas, marmelada, queijo, pão e cantil de água, um rádio, espingarda, cartucheiras, 100 balas, uma granada de fumo... Isto tudo numa balança era de assustar, e durante 9 horas de mata cerrada... Ainda se fosse por estrada, essas nove horas pareceriam 3 ou 4.

Por cima de nós andavam os caças-bombardeiros Fiats, bombardeiros pesados, (?) helicópteros, avionetas e um avião de reconhecimento. Desceram na mata 2 grupos de paraquedistas, um grupo de operações especiais - Marcelino e o seu grupo - e nós, que já lá estávamos...

Passado pouco tempo os Op Esp encontraram o homem e disseram-lhe (estava sentado à beira de uma árvore):
- Vamos embora. - Ao que ele respondeu (pensando que eles eram turras, pois são todos pretos e com armas turras):
- Não vou nada, ides-vos cozer [foder], matem-me já, que eu não saio daqui. - Então disseram-lhe:
- Sou o Marcelino. -E aí ele parece que ressuscitou. Meteram-no num heli donde seguiu até Bissau.

Os mais sacrifiacdos fomos nós quando regressámos, já sem água, cansados, a cair, por meio da mata. Deus me livre. (...)

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim)

Sobre o armamento de Guileje, vd. ainda os posts de:

27 de Março de 2007 > Gúiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)

15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)


(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Vd. posts de:

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

(4) Vd. posts de:

30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

(...) "Embarcámos em Outubro de 1972 e já em Bissau seguimos numa LDG para Gadamael e daí para Guileje, em coluna auto, com uma segurança reforçada (na óptica de um maçarico, hé-hé-hé).

"Já em Guileje , em sobreposição com Os Gringos [ CCAÇ 3477, 1971/73], passámos um período de muito trabalho de patrulhas e não só. Passámos uns meses descansados, tirando as patrulhas, dia sim dia não, com que o Comando nos premiava. Andava a caçar pássaros com uma caçadeira que o chefe da tabanca me emprestava (só pagava os cartuchos) e era um ver se te avias, era aos 50 pardais cada tiro, e os jubis [ putos ] lá andavam a apanhá-los e atrás dos que só ficavam feridos. Era cada arrozada!!!

"Um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".

(..." Um dia – já não posso precisar quando - fomos atacados com canhões sem recuo, e nesse espaço um Fiat G 91 , que devia andar na área, foi contactado pelo comandante, o Cap Abel Quintas, que lhe indicou o rumo das saídas e ele lá seguiu. Mais tarde soube que tinha sido abatido por um míssil Strella…

"Vieram os Páras e o Grupo do Marcelino (Os Vingadores, de Operações Especiais), numa confusão de tropas que eu nunca tinha visto, pudera! Pedi ao Marcelino para me levar na operação de resgate do piloto Ten Pessoa (penso que era esse o nome), tendo ele anuído, mas o meu comandante não foi na conversa, não obstante o Marcelino, ele próprio, ter dito que me trazia de regresso nem que fosse ás costas. Que pena, não tenho essa façanha no meu currículo.

"Entretanto fui nomeado para comandar os reabastecimentos a Guileje, antes do isolamento, entre Cacine e Gadamael, por barco (claro).

"Andava eu nestas andanças a curtir o sol em LDM ou LDP, quando Guileje foi abandonada, por ordem do então Major Coutinho Lima, e começou a matança no verdadeiro Inferno. Desse lapso de tempo a minha cabeça recusa-se a qualificar e quantificar o horror porque passaram todos os intervenientes deste filme de terror. Só tenho pedaços desse filme na minha memória. Recusei-me a falar durante muitos anos sobre este período da minha vida na Guiné" (...).


Vd. ainda os posts:

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

(5) Segundo o António Graça de Abreu (Diário da Guiné, 2007, nota 16, p. 91), tratou-se do tenente piloto aviador Miguel Pessoa: vd. posts:

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)