segunda-feira, 29 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P815: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Sargentos e furriéis da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852:

(i) da esquerda para a direita, na 1ª fila: o Jaime Soares Santos (Fur Mil SAM, vulgo vagomestre); António Eugéndio da Silva Lezinho, Fur Mil At Inf; António M. M. Branquinho, Fur Mil At Inf; Humbero Simões dos Reis, Fur Mil Op Esp; Joaquim A. M. Fernandes, Fur Mil At Inf):

(ii) da esquerda para a direita, 2ª fila, de pé: 2º sargento Inf José Martins Rosado Piça; Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques; um 2º sargento, de cujo nome não me lembro; 1º Sargento Cav Fernando Aires Fragata; Fur Mil Enfermeiro João Carreiro Martins; e um outro 1º sargento de cujo nome também já não me lembro mas que julgo ser da CCS do BCAÇ 2852... (LG)

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)
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Eu estou em falta com os meus camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e da CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70): encontraram-se anteontem, sábado, 27, na Trofa, na casa do Fernando Andrade de Sousa, ex-1º cabo auxiliar enfermeiro da CCAÇ 12, um dos nossos maqueiros (era o termo, injusto, depreciativo, usado no nosso tempo, para estes nossos anjos da guarda, os homens do soro que salvaram algumas vidas nas matas do Xime) ...

Telefonei-lhe, depois do almoço: era um homem feliz, um camarada sortudo entre 65 camaradas sortudos (por ainda estarem vivos!...), 65 convivas lá em casa, todos cheios de sede e de fome. É obra... É preciso espaço, tempo, paciência, competência, logística, meios... Mas ele, o Fernando, é - imagino e tanto quanto me lembro! - um minhoto dos quatro costados e, como tal, tem a cultura da hospitalidade...

Com muita pena minha, à última hora, não me foi possível dar lá um salto, já que tinha previsto com antecedência ir até à casa que tenho na região, não muito longe, no Douro Litoral (Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canavezes)...

Sei que esteve lá o Humberto, o último dos moicanos, que, diga-se de passagem, nunca faltou a nenhum convívio anual da malta de Bambadinca: ele, o Marques, o Fernandes, todos eles ex-furriéis milicianos (1); mais o Sousa da Trofa, o nosso valente cabo enfermeiro... São os quatro magníficos da CCAÇ 12, a quem eu presto a minha homenagem, e a quem atribuiria a Ordem da Torre e Espada, do Valor, da Amizade e da Camaradagem, se fosse eu o presidente honorífico das ordens honoríficas portuguesas...

Pela minha parte, devo desde já declarar que sou um péssimo exemplo: fui a um único convívio, anual, nestes anos todos...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Algures com o Soldado Condutor Auto Alcino Carvalho Braga num burrinho...Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Hoje, soube através do Humberto (a quem tinha garantido que ia e até ofereci alojamento na nossa casa de Candoz, e que naturalmente ficou chateado comigo...) que o convívio, o catering, o dia foram do melhor que podia haver: cinco estrelas!...

Eu fico feliz (e infeliz, ao mesmo tempo) sempre que sei que há uma festa de amigos, para qual estão a contar comigo e à qual, à ultima hora, não posso ir por motivos de força maior... Vem-me sempre à memória a nostálgica e fabulosa letra da canção do Xico Buarque que ele escreveu para os seus amigos portugueses, em festa, ainda em 1975:


Tanto mar (1975, primeira versão) (2)

Sei que estás em festa, pá,
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim.

Eu queria estar na festa, pá,
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar.

Lá faz primavera, pá,
Cá estou doente,
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim.

Fonte: UOL > Chico Buarque

Fico à espera, tal como prometido, que venham chegando mais detalhes (incluindo as provas do crime, que são as fotos) sobre a festa da Trofa... Do Marques e do Fernandes, bem como de outros camaradas da Bambadinca do nosso tempo, não temos tido notícia... Também gostaria de rever outros camaradas que compunham a CCAÇ 12, de origem metropolitana, e que eram, para além dos oficiais e sargentos já aqui listados neste blogue (1), mais os seguintes graduados:

1º Sargento Cavalaria Fernando Aires Fragata;
2º Sarg Infantaria José Martins Rosado Piça;
2º Sarg Inf Alberto Martins Vieira;
Furriel Miliciano MAR Joaquim Moreira Gomes;
Fur Mil Enfermeiro João Carreiro Martins;
Fur Mil Trams José Fernando Gonçalves;
Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques;
1º Cabo Aux Enf José Maria S. Faleiro;
1º Cabo Aux Enf Fernando Andrade de Sousa;
1º Cabo Aux Enf Carlos A. R. dos Santos;
1º Cabo Trams Inf António Domingos Rodrigues;
1º Cabo Cripto José António Damas Murta;
1º Cabo Cripto Gabriel da Silva Gonçalves;
1º Cabo Manut Material João Rito Marques;
1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedos;
1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia;
1º Cabo Escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares;
1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro;
1º Cabo Radiotelegrafista Manuel da Graça S. Zacarias;
1º Cabo Corneteiro Manuel Joaquim Martins Ferreira;
1º Cabo Cozinheiro José Campos Rodrigues;
1º Cabo Apont de Armas Pesadas José Manuel P. Quadrado;

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca-Mansambo. Eu e o Dalot, o Diniz G. Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou pelo menos o melhor que eu alguma vez conheci... Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz, não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto... Reguila, setubalense (se não me engano), apanhou logo no princípio da comissão, em Julho de 1969, cinco dias de detenção.

Foto: © Luís Graça (2005)

Refira-se os nossos soldados de origem metropolitana (para além dos operacionais já eventualmente citados, neste caso apenas o Sold At Inf Arménio Monteiro da Fonseca):

Sold Básico João Fernando R. Silva;
Sold Básico Salvador J. P. Santos;
Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto;
Sold Trams Inf José Garcia Pereira;
Sold TICA António Fernando Cruz Marchão;
Sold TICA José Leite Pereira;
Sold TICA António Diuas dos Santos
Sold Cozinheiro Henrique Manuel;
Sold Corneteiro Orlando da Cruz Vaz;
Sold Corneteiro José de Sousa Pereira;
Sold Radioteleg João Gonçalves Ramos;
Sold Radiot Manuel Maria Catita André;
Sold Cond Auto António S. Fernandes;
Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos;
Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares;
Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga;
Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro;
Sold Cond Auto João Dias Vieira;
Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha;
Sold Cond Auto António S. Fernandes;
Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho;
Sold Cond Auto Manuel S. Almeida;
Sold Cond Auto António C. Gomes;
Sold Cond Auto Fernando S. Curto;
Sold Cond Auto Aniceto R. da Silva;
Sold Cond Auto Diniz G. Dalot;
Sold Cond Auto Manuel G. Reis.

Seria injusto ainda não referir dois soldados africanos que não eram operacionais ou que, pelo menos, não constavam da lista dos grupos de combate (1):

Sold Cozinheiro 82116869 Gale Camará
Sold Cozinheiro 81117669 Amadú Camará

Pergunto-me: o que será feito destes homens ? Lembro-me, com um sentimento de gratidão e de admiração, sobretudo dos soldados condutores auto que tantas vezes fintaram a morte nas picadas do leste da Guiné, na estrada do Xime-Bambadinca ou na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole... O Bastos, o Braga, o Monteiro, o Vieira, o Rocha, o Fernandes, o Patronilho, o Almeida, o Gomes, o Curto, o Silva, o Dalot, o Reis... Por onde andam vocês, velhos malucos das GMC, Berliet, Unimog ? Houve, pelo menos, um que não sobreviveu, que pagou com a vida a lotaria russa que era andar pelas picadas da Guiné: chamava-se Manuel da Costa Soares, morreu no dia 13 de Janeiro de 1970, na estrada Nhabijões-Bambadinca (1)...
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Notas de L.G.

(1) O Humberto era do 2º Grupo de Combate; O Marques e o Fernandes eram do 4º Grupo de Combate: ambos foram gravemente feridos no mesmo sítio, no mesmo dia, a horas diferentes, por minas anti-carro, diferentes, mas que levavam destinatário: os tugas e os nharros da CCAÇ 12 e da CCS do BART 2817, destacados em Nhabijões, no dia 13 de Janeiro de 1971... A mina do Marques também sobrou para mim, felizmente sem outros danos, irreversíveis, que não os psicológicos...

Vd. posts de

21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)

(2) Letra original, vetada pela censura da Ditadura Militar Brasileira; gravação editada apenas em Portugal (1975).

(3) Vd. posts de:

11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)

20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho).

Guiné 63/74 - P814: Mais um amigo de Guileje: Saudações do Pepito ao Armindo Batata (Pel Caç Nat 51)


"O fotógrafo Paulo Barata produziu uma excelente colecção de fotografias das zonas rurais onde a nossa ONG intervém, em especial de Cantanhez e de S.Domingos. De todas as fotografias, dez foram para já seleccionadas para serem editadas sob a forma de postais de promoção do ecoturismo em Cantanhez, estando a partir do final deste mês de Maio à disposição dos interessados, tanto na AD como no Instituto Marquês Valle Flor nosso parceiro neste programa.
Até lá desfrutem de uma dessas fotografias de uma bolanha (arrozal) da zona de Cadique". Texto e foto: © AD - Accção para o Desenvolvimento > Foto da Semana (2006)

Caro Armindo (1) :

Vi com muita satisfação a tua entrada na nossa tertúlia. Mais um amigo da Guiné e ...de Guiledje.
Sou guineense e fui muito bem recebido num grupo em que a larga maioria são portugueses. No Blogue sinto-me em casa como certamente tu te sentirás quando regressares a Guiledje e (re)conheceres a beleza do sul e de Cantanhez.

Caso te convenha, em meados de Julho, quando passar por Lisboa, poderemos encontrar-nos e falar longamente de Guiledje e do que já estamos a fazer para recuperar a memória histórica e lançar um ambicioso programa de desenvolvimento.

abraços
pepito

AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau)
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCX: Ex- Alferes Miliciano Batata (Guileje e Cufar, 1969/70): Pel Caç Nat 51, presente!

Guiné 63/74 - P813: A tragédia da ponte sobre o Rio Balana (José M. Samouco)

Guiné > Gandembel > Ponte Balana > Novembro de 1968 > Passagem de uma coluna logística Aldeia Formosa/ Gandembel.

Texto e foto: © José manuel Samouco (2006)

Aldeia Formosa - Ponte Balana - Gandembel

Depois de uma ausência mais ou menos prolongada, não do acompanhamento do blogue, mas da minha participação, volto hoje na expectativa de obter alguns esclarecimentos.Como elemento da CAÇÇ 2381, Os Maiorais, e durante a permanência em Aldeia Formosa (Quebo) participei em algumas colunas de reabastecimento a Gandembel.

Colunas de má memória! Em 22 de Agosto de 1968, já no regresso entre Chamarra e Aldeia Formosa fomos surpreendidos com uma violenta emboscada, que nos causou alguns feridos graves e outros menos graves nos quais me incluí.

Evacuado para o Hospital Militar em Bissau, regressei após o tratamento de novo a Aldeia Formosa e vá de continuar com as colunas auto de reabastecimento. Numa das idas a Gandembel veio em sentido contrário, ao nosso encontro, um grupo de Paraquedistas, comandados, se não estou em erro, pelo Tenente Terras Marques, que aproveitaram para levantar um sem número de minas que se encontravam montadas ao longo da estrada (picada) e que o Furriel José Manuel Pedro, com o curso de minas e armadilhas, ia rebentando melhor ou pior.

Chegados a Ponte Balana, momentos de descontracção e de convivência com o pessoal do pelotão aí deslocado (2). Viaturas de novo em movimento e toca a saltar para aproveitar a curta boleia até Gandembel. Curiosamente eu tinha deixado a minha G3 na cabine da última viatura e para aí saltei quando da sua passagem. Um soldado que ainda se encontrava apeado, diz-me:
- Furriel saia daí, já viu como a viatura vai carregada?

Não pensei duas vezes e rapidamente saltei indo apanhar boleia na auto-metralhadora que fechava a coluna. Segundos depois dá-se a tragédia. A viatura carregada de bidons de combustível e com inúmeros paraquedistas rebentou com a ponte. Gritos de dor do pessoal que ficou preso entre os bidons, gritos de pânico, gritos de impotência e a viatura caída no fosso em plano inclinado com a cabine bem lá no fundo.

O pessoal de Ponte Balana (2) começou aos tiros para avisar os de Gandembel que havia problemas. Nós, da CCAÇ 2381, desconhecíamos esse procedimento, pelo que devem imaginar o pandemónio que se seguiu.

Depois desta conversa toda chegam as minhas dúvidas e o pedido de esclarecimento se é que é possível. Foi-me dito na altura que, depois de destruída a ponte sobre o Rio Balana, a Engenharia se encarregou de construir um novo tabuleiro. Como se tratava de uma zona altamente perigosa, o engenheiro militar fez-se deslocar de helicóptero e, sem se apear, calculou o tamanho do tabuleiro a construir.

Tempos depois e aquando da montagem da estrutura, verificou-se que o vão da ponte era maior que o calculado. Solução? Colocar sacos de cimento em cada uma das margens do rio, encurtando o vão da ponte de modo a que a estrutura ali assentasse convenientemente. Molhado o cimento, aí está uma ponte pronta a ser utilizada. Realmente foi utilizada até que se deu a tragédia que acabei de descrever. Será verdade? Quem me esclarece esta dúvida?

Em anexo envio uma foto (em mau estado), de Novembro de 1968, no decorrer de uma coluna Aldeia Formosa/ Gandembel. Transportávamos uma estrutura necessária para a travessia de um riacho, que era montada na ida, levantada e de novo montada no regresso.

José Manuel Samouco
(Ex-Furriel Miliciano,
CCAÇ 2381- Os Maiorais)
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 4 de Abril de 20096 > Guine 63/74 - DCLXVIII: O major Fabião e o furriel Samouco, da CCAÇ 2381 (1968/70)

(...) "Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, Os Maiorais, que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970. Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e por ele viciado no blogue" (...)

(2) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

A CCAÇ 2317, aquartelada em Gandembel, tinha um grupo de combate a defender a Ponte Balana (de Abril de 1968 a Março de 1969). Estas duas posições foram abandonadas pelas NT.

Guiné 63/74 - P812: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)

Beja > 1971 > O António Santos na recruta. 
Foto: © António Santos (2006)


Mensagem do António Santos, Pel Mort 4574/72 (Nova Lamego, 1972/74)

Amigo Luís Graça.

Todos os dias vou à caserna e nota-se que a participação é cada vez mais agitada, no bom sentido, de dia para dia as visitas vão aumentado, o contador aumenta vertiginosamente, ninguém pára a malta da Guiné. Tens um belo site. Desta vez além do texto junto a primeira foto do recruta.

Um grande abraço.
A. Santos
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Caro camarada, Luis Graça.

Agora que estou na caserna (1), é minha obrigação continuar e prometo, sempre que me for possível, voltar para acrescentar algo.

Bissau 15 de Julho de 1972, 12h20.

O avião dos TAM [Transportes Aéreos Militares] imobiliza-se na placa, o pessoal prepara-se para sair, um a um lá se vão aproximando da porta. Quando foi a minha vez, tive a sensação de que estava à porta de um forno, o ar estava abafado e o céu nublado. De imediato foi um despir blusões, arregaçar mangas de camisa, desapertar gravatas por todos os lados, mais parecia um campeonato de strip-tease sem que ninguém desse o tiro de partida.

Após os procedimentos legais - tais como contar o pessoal por exemplo, não tivesse fugido algum pelo caminho -, saltámos para as Berliets e nisto começa a chover e a trovejar, parecia inverno na minha Lisboa, mas diferente porque estava muito calor, o que me fez muita confusão porque nenhum meteorologista explicou como era (é) o tempo na Guiné . Também foi chuva de pouca dura, como começara acabou, uma novidade a juntar a tantas outras que comecei por coleccionar desde aquele momento.

Pouco depois cheguei a um quartel, que vim a saber mais tarde chamar-se Depósito [Geral] de Adidos e a localidade Brá [a noroeste de Bissau] onde no dia 16 ao almoço vi a coisa que para mim talvez tenha sido a mais chocante em toda a minha vida. Miúdos, no refeitório (do lado de fora, porque nem sequer os deixavam entrar), com recipientes de vários tipos e feitios a mendigarem uns restos de comida, e o que mais me custou ver foi camaradas ditos velhice a misturarem tudo como: restos de sopa, espinhas, batatas e ainda por cima pouco satisfeitos, juntavam restos de fruta, cascas de banana por exemplo, tudo o que era lixo para darem as crianças.

Mais tarde pude verificar que o defeito era desta unidade que juntava pessoal de todas as zonas, o que, em situações como esta, é propicio a juntar sempre pouca coisa boa, mas muita, muitissíma coisa má.

A colecção felizmente também foi de coisas boas que ainda hoje recordo e, uma delas na parte a que toca à linguagem, começou por: machimbombo, porque era necessário para chegar a Bissau, já dentro deste, aprendi a palavra catinga, manga dela, depois foi peso, patacão, bazuka, aquela que gostávamos que estivesse sempre perto de nós, de preferencia fresquinha.... e por aí fora..

Dia 20 de Julho de 1972, como era da praxe, tambem tivemos a recepção de boas vindas, como se fosse necessário... O Com-Chefe deu um pulinho até Brá e lá discursou uns poucos minutos, onde disse “conheço-os a todos”, acho que devia ser uma frase feita, porque ao filho da minha mãe ele nunca tinha visto em lado algum... Seguiu-se a revista em parada da praxe.... Ainda se fala dos praxados nas escolas!

Dia 22 de Julho, às 4 horas, embarque no cais de Bissau na LDG Bombarda, destino Xime... Mais uma de entre as milhentas viagens desta embarcação, mas para mim era a primeira vez e lembrei-me do dia “D”, pela semelhança do navio... Lá fui rio acima ouvindo histórias da velhice que estava de regresso às respectivas unidades após férias, consultas externas, etc.

Uma que recordo bem:: "somos sempre atacados na ponta do Inglês"... O pior foi quando vi os Fusileiros colocarem-se nas laterais da ponte, do navio, com morteiros 60 apontados às margens, aí pensei: "Queres ver que isto é mesmo a sério?!"... Mas não houve nada, foi o primeiro cagaço.

Entretanto lá chegamos ao Xime, eram para aí umas 9 horas, o “ baile do costume” dado pela velhice que fomos render e outros a subir para as Berliets e arrancar para o desconhecido... Primeira paragem: Bambadinca. Deixámos aí o Pel Mort 4575/72, para render um outro.

À entrada da picada de Xitole, estava uma placa colocada ali só para a ocasião, em sentido contrário ao qual seguíamos, que dizia "LISBOA 3.000 Km", acho que estavam mal medidos mas que deixou cá o rapaz de rastos, deixou.

Segui-se Bafata, parámos, ainda hoje não sei porquê, talvez fosse obrigatório. Na época, manga de cidade bonita, finalmente lá seguimos para Nova Lamego, 54 Km de estrada alcatroada que era uma beleza, só que para um periquito, unico militar em cima de uma Berliet, os restantes companheiros eram civis, naturais da terra e para os quais eu sorria com um sorriso muito amarelo, com uma G-3 na mão e carregadores vazios.

Foram 54 Km de ânsia, ataques que esperava ver surgir e que imaginava a qualquer momento vindos do mato e árvores que ladeavam a dita, e lá se passou o segundo cagaço, também sem problemas. Chegamos a Nova Lamego por volta das 13h00.

Junto a primeira foto da recruta.

Muito obrigado ao A. Marque Lopes, pelas fotos do nosso chão.

Um abração, extensivo a todos os tertulianos.
António Santos
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)

(...) "Chamo-me António Santos, ex-Soldado de Transmissões, em Nova Lamego, Sector L3,[Zona Leste,] de 1972 a 1974, incorporado no Pel Mort 4574/72, para render o Pel Mort 2267/70".

domingo, 28 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P811: Tabanca Grande: Armindo Batata, Ex- Alferes Miliciano Batata (Guileje e Cufar, 1969/70): Pel Caç Nat 51, presente!

Texto do Armindo Batata (ex- Alf Mil, Pel Caç Nat 51, Guileje e Cufar, 1969/70)

De início foi um grande esforço para esquecer o mais rapidamente possível.
Agora é a sensação das memórias que se vão esbatendo.

Fui Alferes Miliciano Atirador de Artilharia.
Estive em Guileje (de Janeiro de 1969 a Janeiro de 1970) e em Cufar (de Janeiro de 1970 a Dezembro de 1970), comandando o Pel Caç Nat 51.

Pretendo integrar a Tertúlia de ex-combatentes da Guiné (1963/74) mas não encontrei local para inscrever os dados. Estou também vivamente interessado em participar no Projecto Guileje.

Umas dicas sobre como o fazer seriam benvindas.

Abraço 
Armindo Batata.


Comentário de L.G.:

Camarada Batata:

1. Todos nós estivémos décadas a tentar esquecer. Esquecer a Guiné (1)... por uma noite, por alguns dias, semanas, meses, anos. Em vão. A Guiné marcou-nos indelevelmente. Para o bem e para o mal. A Guiné é a nossa maldição. Como a fanateca que faz a excisão do clitóris às meninas antes de chegarem ao estatuto de bajudas e poderem casar com um homem grande. Por isso, camarada, lá terias que aparecer na nossa caserna, um dia destes. Tão fatal como o destino. E, é claro, és recebido de braços abertos.

2. Já aqui alguém (o Zé Neto) tinha evocado o teu Pel Caç Nat 51, ainda antes de tu chegares à Guiné (2). Quem seguramente vai gostar de ouvir as tuas estórias, os teus depoimentos é o Pepito. Tu podes (e vais) ser-lhe útil. Em paga, ele vai receber-te, com honras de régulo, no ecoturismo do Guileje/Cantanhez (3).

3. Regras ? O mínimo, o q.b. Vê a nossa página sobre a tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné... Toda a correspondência passa por mim. Mandas duas fotos (uma dos teus verdes vinte anos e outra de agora, mais pesadote). Conta-nos, no mínimo, uma estória. OIu as estórias que quiseres. Se tivres fotos do teu Pel Caç Nat 51, melhor. Vou citar algumas das nossas (poucas) regras:~

Amigos (que é o caso do José Carlos, do Leopoldo Amado, do Pepito ou de outros guinéus que apareçam) e camaradas (que dormimos no mesmo chão, que fomos mordidos pelos mesmos mosquitos, que comemos as mesmas rações, que vertemos sangue, suor e lágrimas nos mesmos rios, lalas, bolanhas, matas, buracos e tabancas, que apanhámos a mesma porrada, que defendemos a mesma bandeira)...

A termos uma bandeira, será sempre a nossa, a da nossa Pátria que cada de um nós amava e ama, à sua maneira. O nosso comportamento, agora como… tertulianos, deve apenas pautar-se por critérios éticos ou valores tais como:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros;

(iii) consagração do nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada) como ágora ou como praça pública para manifestação (aberta, franca, leal, serena) dos nossas eventuais críticas e divergências de pontos de vista (se houver roupa suja, discute-se primeiro na caserna...);

(iv) socialização da informação e do conhecimento sobre a história da guerra: guerra colonial, guerra de libertação, guerra do ultramar (como queiram, é ao gosto do freguês...);

(v) carinho e amizade pelo povo da Guiné (que ganhou a guerra mas não ainda a paz);

(vi) respeito pelo inimigo de ontem (que, sempre o disse pela boca do seu líder histórico, nunca lutou contra o povo português, mas contra um regime político);

(vii) não-intromissão na vida política interna da República da Guiné-Bissau, salvaguardado sempre o direito de opinião de cada um de nós, como cidadãos (portugueses, europeus, globais...);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos…

O que nos une é muito mais do que aquilo que nos separa: e, assim sendo, lá vamos blogando... (sor)rindo, cantando e chorando!

Luís Graça & Camaradas
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Notas de L.G.

(1) vd. Blogue-Fora-Nada... e Vão Dois: post de 8 de Dezembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné

(2) Vd. post de 8 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLIX: Do PEL CAÇ NAT 51 aos demónios étnicos que atormentam o povo da Guiné (Zé Neto)

(3) Vd. post de 6 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXI: Projecto Guileje (1): o triunfo da vida sobre a morte

Guiné 63/74 - P810: Barro e Guidage, no tempo da CART 2412 (Afonso M.F. Sousa)

Guiné > Região do Cacheu > Barro > 1969 > CCAÇ 2412 (1968/70) > Edifício do comando e casernas
Guiné > Região do Cacheu > Guidage > 1969 > CART 2412 (1968/70) > Edifício do comando e casernas

Texto e Fotos: © Afonso M.F. Sousa (2006)

Caro Albano

Estiveste lá em 1973 [, em Gudiage, ] e nessa altura creio que a própria Guidage (depois de quase desmantelada) estava já recontruida com implantação algo diferente. Confirmas ?

Foi precisamente em zona desta picada Bigene-Genicó que um nosso Grupo de Combate foi atacado e tivemos o nosso único morto, o cabo enfermeiro João Silva (ao qual prestámos a nossa homenagem com o monumento que erigimos em Barro, como sabes).

A zona fatídica foi junto a Talicó, não longe do então corredor de Samoje.

Creio que já na nossa altura essa picada não era utilizada ou era-o raramente. Mas como envio cópia deste mail para o ex-alferes Pires, talvez ele possa dar a sua informação avalizada sobre isto.

Quanto à picada Binta-Guidage, o alferes Pires confirmou-me, ontem, que na altura era a única que existia. Não havia outra alternativa.

Poderás pormenorizar qual era a outra picada que a substituiu, no teu tempo ?

Também em anexo te envio uma foto de Guidage para tentar clarificar o seguinte: Ao lado do mastro com a bandeira nacional localizava-se o edificio onde tínhamos o comando, centro cripto, messe e instalações de oficiais e sargentos. Ao lado havia um abrigo onde, precariamente, faziamos funcionar o posto rádio. Eu não consigo visualizar esse edifício nas fotografias que tiraste em 2000.

Será que também foi derrubado, na grande operação de 8 de Maio a 8 de Junho de 1973 ?

Um abraço para ti.
Afonso Sousa

Guiné 63/74 - P809: A tertúlia do Porto (Albano Costa)

Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima >O grupo, fotohgrafado paar a posteridade: da dierita para esquerda: o Albano Costa, um camarada que eu não conheço, o David Guimarães, o Marques Lopes, a Inês, o Xico Allen, O Hugo Costa, o Manuel Costa. Sentados: da direita para a esquerda: O Armindo Pereira, o Manuel Costa e outro camarada que eu não conheço...


Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima > No centro da mesa, a bela Inês e o pai, babado, o Xico Allen; em primeiro plano, o Albano Costa; ao fundo, o Manuel Costa e o Armindo Pereira... Recorde-se que a Inês fez a viagem Porto-Bissau, incentivada pela mãe, Zélia, e por amor do pai; ambos transmitiram-lhe essa coisa indizível que se chama a paixão pela Guiné... Estamos à espera que ela nos escreva duas linhas sobre essa experiência única, para ela, que foi chegar à Guiné, de jipe, conhecer o país e conviver com a gente, fantástica, daquela terra...


Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima > "Eu pedi manga e o Braima lá foi buscar... Manga, claro, da Guiné... A meu lado, o Armindo Pereira" (A.C.).


Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima > Operação Chavéu de Frango...


Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima > Pessoal todo distraído, à volta do chavéu...


Porto > Centro Comercial de Santa Catarina > Restaurante do Braima > O David Guimarães e o Marques Lopes, ao centro; o Casimiro e o Hugo,lateralmente.

Fotos: © Albano Costa / Hugo Costa (2006)


Texto do Albano Costa:

Caro LG

Eu, já agora, vou explicar este encontro, entre o Guimarães e o Marques Lopes...

A malta que fez a viagem à Guiné já estava com saudades de um encontro, e então como já é um hábito, de vez em quando nós juntamo-nos, e como estavam de acordo em se juntarem, eu quis fazer uma surpresa aos dois... Não disse nada nem a um nem a outro e pessoalmente convidei o David Guimarães se queria ir jantar com a malta da Guiné, mas não lhe disse com quem. O Marques Lopes já estava convidado por natureza, então foi mais um encontro em que tens que te sentir orgulhoso porque só pode acontecer estas coisa derivado ao blogue... Desde já os meus parabéns, isto da Guiné tem muita força.

As fotos foram tiradas por mim e pelo Hugo, a quem vem no Blogue foi um apanhado em flagrante com os dois, o David Guimarães e o Marques Lopes, numa amena conversa sobre a Guiné, claro.

O restaurante fica no Porto, na Rua Santa Catarina, é num pequeno Centro Comercial, está quase todo reservado a Guineenses, e fomos lá jantar o frango de chavéu. Envio umas fotos para a posteridade.

Um abraço,
Albano

sábado, 27 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P808: Notícias dos Leões Negros (Carlos Fortunato, CCAÇ 13)

Guiné > Bissorã > CCAÇ 13 (1969/71) > O ex-furriel miliciano de arm pes inf MA  Carlos Fortunato, o autor da página da CCAÇ 13 > Os Leões Negros, talvez a página da Net mais bem documentada sobre uma companhia ou unidade de intervenção e o seu historial, desde a sua formação e mobilização para o TO da Guiné até à sua actividade operacional no terreno.

Foto: © Carlos Fortunato (2005)

Luís Graça

Já sei que a nossa tertúlia não te deixa um momento livre, mas ainda bem, é sinal que este excelente blogue que tu criaste, continua vivo e cheio de força.

Tenho feito alguns melhoramentos no site da CCAÇ 13 e agora estou a preparar uma nova página. Esta nova página é dedicada aos momentos mais importantes que ocorreram deste o início da luta do PAIGC e, contrariamente ao que tenho feito até agora, que é criar links para o nosso blogue, queria fazer a sua transcrição, colocando apenas o blogue como fonte, caso tu concordasses, claro.

O meu objectivo é dar algum enquadramento global aos textos sobre a CCAÇ 13, para se perceber o que era a Guiné, incluindo um pouco da sua história, geografia, economia, cultura, etc.
Os relatos a copiar eram os do Mário Dias, sobre Pidjiguiti e a ilha do Como, e eventualmente mais algum.

Um grande abraço
Carlos Fortunato

Comentário de L.G.

Carlos:

(i) Obrigado pelas tuas notícias.

(ii) Os meus parabéns pelo melhoramento da página sobre os teus Leões Negros, que tão tão carinhosamente alimentas...

(iii) Quanto ao teu pedido, encantado, meu!

(iv) Julgo que o Mário (ou outros tertulianos, autores de textos) terá todo o gosto em autorizar-te a reprodução dos seus importantíssimos depoimentos sobre os primeiros anos da guerra da Guiné. Ele foi uma testemunha privilegiada dos acontecimentos desse tempo, incluindo os trágicos acontecimentos de 1959.

(v) O Mário foi, além disso, um dos fundadores dos comandos. E não deve estar a ser fácil, para ele, acompanhar estas revelações, feitas aqui recentemente, sobre a ascensão e a queda dos comandos africanos, incluindo o fuzilamento de alguns dos seus antigos camaradas e amigos dos velhso comandos de Brá, de 1965/66...

(vi) Se queres a minha opinião, deves mandar-lhe, gentilmente, um pedido por e-mail; os direitos de autor são dele, não são meus;

(vii) Eu aqui não mando nada, sou um mero controlador do tráfego das blogarias que passam pela nossa tertúlia, às vezes a uma velocidade estonteante...

(viii) Os artistas principais são vocês, tu, o Mário e tantos outros que fizeram deste blogue um ponto de referência obrigatório para quem esteve na Guiné, na guerra colonial, como combatente, ou na guerra de libertação, como guerrilheiro...

(ix) Recebe também um grande abraço meu. L.G.

Guiné 63/74 - P807: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

Texto do João Parreira (ex-furriel miliciano comando, Brá, 1965/66)

Caro Luís Graça:

Simplesmente enviei a lista de alguns dos executados depois da independência (1), sem tecer quaisquer comentários.

Julgo que os Guineenses no nosso tempo só tinham três opções:

(i) ou fugiam da Província;

(ii) ou se juntavam às nossas tropas, voluntariamente;

(iii) ou eram forçados a combater ao lado dos guerrilheiros.

Duvido que muitos deles pensassem em ideologias naquela altura, a não ser olharem para o seu bem estar.

Brevemente irei enviar mais nomes de outros fuzilados já depois da guerra terminar, que não assassinos dos comandos.

Um abraço.
João Parreira
____________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 23 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

Guiné 63/74 - P806: O 'turra' Luandino Vieira recusa Prémio Camões (João Tunes)

Luandino Vieira, escritor angolano, nascido em Vila Nova de Ourém, em 1935. Prémio Camões da Língua Portuguesa 2006.

Foto: Editorial Caminho (2006) (com a devida vénia...)


1. Desafiei há dias o João Tunes para escrever um pequeno texto sobre a atribuição do Prémio Camões de Língua Portuguesa 2006 ao escritor angolano, de origem portuguesa, Luandino Vieira, o terceiro atribuído a um escritor africano... O prémio, no valor de 100 mil euros, é patrocinado em partes iguais pelos ministérios da cultura de Portugal e Brasil... Luandino Vieira, um reinventor da língua portuguesa (sem o qual possivelmente não teria sido possível o aparecimento de um Mia Couto, moçambicano, ou de Ondjaki, angolano) é hoje praticamente desconhecido por parte dos nossos jovens.

Recorde-se que em 1965, em plena guerra colonial, e quando o escritor estava preso no Tarrafal, foi-lhe atribuído o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Autores pelo seu livro Luuanda, facto que foi considerado uma grande afronta pelo regime de Salazar, o que levou ao assalto e destruição da sede daquela Sociedade por legionários e por pides e à sua posterior ilegalização. Recordo-me perfeitamente destes acontecimentos: Estávamos em plena guerra colonial. Em 1965, eu tinha 18 anos. Aos 22, em 1969, eu estava na Guiné. (LG)

Eis a resposta, célere, do nosso sempre bem informado, acutilante, frontal, João Tunes:

"Quanto ao repto sobre um texto sobre o turra Luandino Vieira e o seu Prémio Camões, aqui vai ele (em exclusivo para o nosso blogue):

"Um Turra, chamado Luandino Vieira, que também foi e é escritor, foi premiado com o Prémio Camões, o Poeta Maior da expansão do nosso Império. O Turra não aceitou o Prémio dado pelos Tugas. Ou os Turras são ingratos ou os Tugas atrasaram-se na reparação dos estragos feitos em 1965 quando o Turra estava no Tarrafal e a Pide dos Tugas destruíu a Sociedade Portuguesa de Escritores.

"Um grande abraço e outros tantos para todos os estimados camaradas tertulianos".
João Tunes

Sobre a recusa do prémio, vd. também post do João Tunes, no seu blogue Água Lisa 6, de 25 de Maio de 2006.


2. O que disseram os jornais (LG):

"Luandino Vieira: o resistente

"José Luandino Vieira, ou melhor, José Vieira Mateus da Graça, nasceu em Portugal em 1935 e foi aos três anos para Angola. Envolvido em movimentos nacionalistas, é preso pela PIDE em 1959 e depois em 1961.

"É no Tarrafal, prisão em Cabo Verde para onde é transferido em 1964, que descobre Guimarães Rosa, o escritor que mais o influenciou. A maioria da sua obra é escrita antes de 1975, ano em que regressa a Luanda, depois de passar por Lisboa.

"A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1961), Luuanda (1963), No Antigamente, na Vida (1974) e Nós, os do Makulusu (1975) são algumas das suas obras mais conhecidas.

"As suas ideias obrigaram-no a passar mais de dez anos no Tarrafal e a ter residência fixa depois de libertado, em 1972. Vinte anos depois, diria ao escritor Agualusa, a propósito da guerra em Angola: 'Hoje de manhã vi, no meio de um tiroteio infernal, um homem a atravessar a rua numa cadeira de rodas. É isto que nós somos, um país de cadeira de rodas no meio dos tiros.'

"Vive em Portugal desde o início dos anos 1990" (Fonte: Público, 27 de maio de 2006)

3. Obras de Luandino Vieira publicadas, em Portugal, pela Editorial Caminho :

Nosso Musseque (1.ª edição, 2003) «Outras Margens», n.º 13

A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1.ª edição, 2003) «Outras Margens», n.º 18

Nós, os do Makulusu (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 26

João Vêncio: os Seus Amores (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 29

Luuanda (1.ª edição, 2004) «Outras Margens», n.º 36

No Antigamente, na Vida (1.ª edição, 2005) «Outras Margens», n.º 39

Macandumba (1.ª edição, 2005) «Outras Margens», n.º 43

Velhas Estórias (1.ª edição, 2006) «Outras Margens», n.º 51

sexta-feira, 26 de maio de 2006

Guiné 63774 - P805: David Guimarães e Marques Lopes: no Porto, manga de ronco

Porto > 24 de Maio de 2006 > O David e o António, da nossa tertúlia do Porto... Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sous de Castro hopje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graçºa & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada... Até um dia a gente decidir enocntrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma! (LG).

Foto: © David J. Guimarães (2006)


Olha, Luís, dois mangas de cabeça grande... Aí, antes de ontem, a saborearem chavéu de galinha e frutas tropicais...

Aí, na conversa, foi manga manga de ronco neste restaurante guineense.

Um abraço.
Um bom fim de semana.

Guiné 63/74 - P804: Saudações ao Barreto Pires (Afonso M. F. Sousa, CART 2412, 1968/70)

Guiné-Bissau > Binta > Novembro de 2000 > Companhia que passou por Binta em 1966. Lema: Justiça e Glória... Alguém sabe o número desta unidade ? Outra que por lá passou foi a CART 2412 (1968/70), do Afonso Sousa e do Barreto Pires.

Foto: © Albano M. Costa (2005)

Texto do Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70)

Olá, José Pires!

Fico satisfeito por saber que teve uma boa viagem desde a Trofa até à Rua Dr. Sá Carneiro, em Penedos de Alenquer (Ventosa).

Obrigado pelo seu testemunho, que é importante e essencial num conjunto de subsídios para a história da guerra colonial.

Deduzo que, através da sua caixa de correio electrónico, esteja a ser assediado por muita informação. Mas como se trata de um tertuliano recém-chegado, será para obter uma rápida endurance e para entrar neste forum, sempre que ache oportuno. A história da guerra colonial na Guiné fica muito mais enriquecida com o testemunho daqueles que foram os seus protagonistas.

Permita-me sugerir-lhe a visita ao maior repositório existente na Net, sobre a Guerra Colonial, na Guiné: o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada, um espaço já visitado por quase 80.000 internautas.

Dê uma vista de olhos nos conteúdos. Uma atenção ao mapa de Barro - Bigene (com a localicalização de quase todas as tabancas e sítios que calcorreou) e à galeria fotográfica memória dos lugares

Não sei se já falou com o ex-alferes Gonçalves, da CCAÇ 3, que esteve connosco em Guidage.

Um abraço, caro José Pires.
Afonso Sousa

Guiné 63/74- P803: Tabanca Grande: José Barreto Pires (CART 2412)

Mensagem de José Barreto Pires, da CART 2412, dirigida ao Afonso M.F. Sousa, com conhecimento ao editor do blogue (entre outros) :


Amigos Tertulianos, é com grande satisfação que, doravante, me considero aderente à nossa Congregação e, em sequência, recebo e darei todas as informações possíveis e disponíveis.

Na sequência do almoço-confraternização [do pessoal da CART 2412] de sábado p.p. [20 de Maio último], após ter vadiado algum tempo por terras transmontanas, viajei para Alenquer, onde resido, e a viagem foi agradável, porquanto a boa disposição, decorrente de algum descanso e boas recordações, dificilmente poderia ter outro desfecho.

Obrigado pelas demais informações, que confirmo na sua generalidade. De facto, de Binta para Guidage apenas conheci a picada mencionada. Julgo estar certo que se outra existiu e/ou existia, corresponderia aos designados corredores que os Nativos ( dos quais, alguns... ditos Turras...) utilizavam para o transporte das suas mercadorias, essencialmente no sentido
Norte-Sul.

Quanto à célebre península do Sambuiá, porque as pisei, sempre em circunstâncias especiais, porquanto tratava-se de terreno considerado deles (Nativos), não subsiste dúvida da existência das picadas referenciadas.

Mas, sobre esta problemática, gostaria de questionar: Como será hoje? Circular-se-à, embora com dificuldade, claro, entre as diversas localidades, através das referidas picadas? Como seria interessante ver e saber como se apresentam esses locais e os respectivos meios de circulação, nos dias que correm!!!

Estou certo, por razões óbvias, que o momento certo e adequado já expirou há muito tempo...De qualquer forma, eis-me totalmente disponível para, integrando um grupo fixe, dar umas voltas por essas bandas.

Com saudações tertulianas.

Um grande abraço.
Barreto Pires

Guiné 63/74 - P802: Onde ficava Sare Tuto? (Afonso M. F. Sousa)

Fonte: Multimap

Mensagem de Afonso M. F. Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões, CART 2412, 1968/70):

Não resisto a orientar-me geograficamente.

Nesta imensidão de tabancas - quantas delas com sobreposição de nomes! - gosto sempre de olhar o mapa!

Tabancas mais próximas de Sare Tuto (1) (nota-se que fica junto a um grande rio !)

Rio de Bafata (4.9 km) - Rio Bamala (6.7 km) - Buba (4.9 km) - Buba Tombo (4.0 km) - Rio Bulal (5.8 km) - Rio Bulufolandiu (6.7 km) - Rio Bumidi (1.9 km) - Rio Bunhanare (7.4 km) - Rio Cabaia (3.7 km) - Rio Cabiro (1.6 km) - Rio Cambofula (5.2 km) - Cantanha (7.6 km) - Rio de Caranquecunda (3.7 km) - Rio Chinconhe (6.7 km) - Rio Cudubo (4.9 km) - Rio Dumbali (4.9 km) - Rio Furobolom (4.0 km) - Galo Buba (4.0 km) - Rio Jabala (5.6 km) - Rio Jassonca (4.9 km) - Rio Jidinca (5.8 km) - Madina (6.1 km) - Rio de Mancama (6.1 km) - Rio Mancoto (4.8 km) - Rio Numangali (6.1 km) - Penha (6.5 km) - Penhacunda (6.5 km) - Rio de Penhacunda (6.5 km) - Ponta Tenente Coronel (5.8 km) - Sambafim (5.2 km) - Sambelsim (5.2 km) - Santana (6.5 km) - Sare Bamba (6.7 km) - Rio Senesira (7.4 km) - Rio Sibija (6.7 km) - Rio de Tenente Coronel (4.0 km) - Tuate (0.0 km) - Rio Uaja (4.8 km) - Viriato (6.5 km)
____________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de:

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVII: O Sadiu Camará de Saré Tuto, aliás, tabanca Lisboa (Zé Teixeira)

18 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXI: Do Porto a Bissau (18): Sadiu Camará, um sobrevivente (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P801: O colaboracionismo sempre teve uma paga (5) (Carlos Vinhal)

Texto do Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da CART 2732 (Mansabá, 1970/72):

Ainda sobre o tema O colaboracionismo sempre teve uma paga (1)

Tenho acompanhado atentamente a troca de impressões entre os camaradas que mais de perto conviveram ou comandaram tropas nativas da Guiné e que por isso mais sentiram os fuzilamentos perpetrados. Admiro os sentimentos expressos.

Queria dar a minha opinião, talvez coincidente com outros camaradas de blogue, sobre os acontecimentos pós-independência. Assim sou a expor:

(i) Foi mais fácil perdoar a Alpoim Calvão e outras personalidades portuguesas congéneres do que aos próprios guineenses. Porquê? Em causa esteve a cor da pele e a rivalidade existente entre etnias. Uma coisa foi ter-se combatido contra um inimigo branco considerado estrangeiro, ocupante e opressor. O abandono da luta e regresso ao país de origem, como foi o nosso caso, foi considerado para os guineenses uma vitória e isso bastou. Outra coisa foi combater contra um irmão da mesma cor, natural do mesmo chão e falando a mesma língua - pondo de parte o português que só oficialmente é língua da Guiné - que no pós guerra continuou a ocupar o mesmo espaço – no caso a Guiné-Bissau. O desejo de vingança foi naturalmente mais forte e o inimigo continuava ali mesmo à mão. Não esqueçamos também as rivalidades ancestrais entre as diversas etnias. Olhai, a propósito, para o triste exemplo de Timor, hoje [24 de Maio de 2006] mesmo notícia nos telejornais.

(ii) Os Comandos africanos seriam os principais alvos, porque eles foram os mais sanguinários. Mataram a torto e a direito os seus verdadeiros compatriotas, indistintamente mulheres e crianças, civis ou militares. Não se pode desmentir ou branquear esta verdade. Lembro-me de uma operação helitransportada feita a partir de Mansabá, era Comandante o então Major Almeida Bruno. Aquilo demorou dois ou três dias e, na volta, um dos militares, que trazia pendurada a tiracolo uma lata, dizia cheio de orgulho e apontando para ela: Manga de orelhas, manga de orelhas. Nunca percebi se aquilo eram troféus de caça ou se se destinava a fazer algum petisco.

(iii) Pergunto: Aqueles que combateram pelo nosso lado, fizeram-no por convicção política e/ou patriótica ou, pelo dinheiro e condições de vida que a luta lhes proporcionava a eles e às respectivas famílias? Estariam eles convencidos que a guerra era interminável e por isso nunca se preocuparam com o seu futuro?

(iv) Foi notória a dificuldade que o país teve para receber e integrar todos os retornados e refugiados -filhos de colonos lá nascidos - vindos das ex-colónias. Como se integrariam cá os ex-combatentes que só sabiam de guerra, porque nunca tinham feito outra coisa na vida?

(v) Finalmente, com a devida vénia, faço minhas as palavras do nosso camarada João Tunes no Post 777 (2) do nosso Blogue.

Carlos Vinhal
_________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 25 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

(2) Vd. pots de 24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

Guiné 63/74 - P800: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)

Mensagem do nosso amigo Pepito:

Caro Paulo:

Uma muito breve resposta:

1. Dificilmente compreenderei que não se queira matar uma pessoa, bombardeando a sua casa. O Mar Verde fez isso e só a posteriori é que souberam que Cabral não estava lá.

2. Aceito sem nenhuma dificuldade que, mais tarde, o Spinola tenha alterado a estratégia e preferido ter Cabral vivo como troféu de guerra, do que morto e sem serventia para ele. Daí que aceite sem reservas a sua afirmação quando tomou conhecimento do assassinato de Cabral: "Lá me mataram o homem".

3. Acredito que o plano era o de prenderem Cabral, aliás como fizeram ao Aristides Pereira, e trazê-los para Bissau. Para um chefe militar seria uma vitória rotunda. Só que os executantes ou porque apavorados (explicação para a qual mais me inclino) ou porque mandatados, não aguentaram a pressão do momento e mataram-no.

4. O tiro saiu pela culatra. Os aliados de dentro do PAIGC ficaram, uns sem margem de manobra, outros foram passados pelas armas. Nessa ocasião foram feitos muitos ajustes de contas dos quais ainda hoje estamos a pagar a factura e que leva grande parte dos combatentes a não ousar tirar cá para fora os segredos de então. Mas isto é outra conversa, para outra altura. O resultado do assassinato fez a luta endurecer e acelerar o 25 de Abril.

5. Com sinceridade, no caso vertente, não procuro saber de que lado está a razão (o acesso à independência é hoje um direito reconhecido por todos, independentemente do que se fez, ou não, com ela). Gostaria de continuar a conhecer toda a história e tenho uma pena enorme de ver partir compatriotas meus com tantas estórias para contar que nos ajudariam a perceber melhor o que hoje se passa.

abraços
pepito

Guiné 63/74 - P799: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo

Mensagem de Paulo Raposo:

Caro Pepito:

Daquilo que eu sei, Spínola foi para a Guiné com a missão de entregar o governo do território a Amílcar Cabral e em consequência desviar o esforço de guerra da Guiné para Moçambique, e assim o nosso problema em África ficava resolvido.

A eliminação de Amílcar não nos interessava, bem antes pelo contrário. Com a assassinato dos três Majores que estavam em negociações com o PAIGC, é que veio a deitar por terra a ponte que se estava a estabelecer.

Com esta porta de saída fechada os militares do quadro na Guiné começam a revoltarem-se pois não havia solução da crise à vista. Revolta ou onda que se começou a crescer levou ao 25 de Abril.

A ida de Alpoim a Conacri foi numa de última tentativa de aí tentar um golpe de Estado, para colocar um governo que não nos fosse hostil. Tudo correu mal.
Vieram os nossos rapazes que ali estavam presos e destrui-se muito material de guerra, que trouxe um pouco de acalmia às nossas tropas, mas por pouco tempo.

Sobre esta matéria ainda há muita história para se escrever. Há muita matéria que nós não conhecemos. Mas a razão fica sempre do lado do vencedor.

Um abraço para todo o pessoal
Paulo Lage Raposo

Guiné 63/74 - P798: O Sadiu Camará de Saré Tuto, aliás, tabanca Lisboa (Zé Teixeira)

Mensagem de José Teixeira:

Caro Marques Lopes:

Se me permites, uma pequena correção.

Tive o prazer de encontrar o Sadiu Camará (1) em Abril de 2005 em Sare Tuto, a cinco Km. de Buba, mais conhecida por Tabanca Lisboa, desde que ele praticamente assumiu a gestão desta tabanca.

Ou seja, Tabanca Sare Tuto e tabanca Lisboa são a mesma coisa. Da existência de Sare Tuto sabia eu, do tempo em que passei em Buba, embora pensasse que ficava muito mais longe. Afinal fica a cinco Km por picada.

Esta tabanca fica na picada de Buba para Fulacunda, à data considerada zona vermelha, pelo que a tropa não ia para essas bandas. Era de lá que vinham atacar Buba, as colunas para Aldeia Formosa e a tropa que protegia o pelotão de engenharia que construiu a estrada de Buba para Aldeia.

Foi um homem com sorte, o Sadiu Camará. Fala português correctamente e teve de facto a sorte ou a manha de apoiar os habitantes de Sare Tuto, afectos ao PAIGC, na fase em que a desordem era muita e concerteza a população de Sare Tuto ficou desamparada, pois os guerrilheiros naturalmente abandonaram a Tabanca para se juntar às forças vitoriosas nos quartéis abandonados pelos portugueses.

Foi em Sare Tuto/Lisboa que tive o meu encontro pacifico com antigos guerrilheiros, que só falam crioulo ou francês. Momento fantástico para mim e para eles.

Creio que o Sadiu ainda vive em Sare Tuto, que ficará perto de Saltinho, pelo mato. O Fernando, gerente do clube de caça do Saltinho, contrata-o ou contratava-o como pisteiro no período de caça.

Um abraço
Zé Teixeira
_______

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 18 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXI: Do Porto a Bissau (18): Sadiu Camará, um sobrevivente (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P797: Estórias do Zé Teixeira (9): Do tan-tan ao pum-pum, um casamento em Mampatá (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Texto do Zé Teixeira, ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70.

Luís

Saúde, paz e felicidade para todos os camaradas bloguistas

Ao reler uma carta que enviei à minha namorada em 1 de Setembro de 1968, não resisti a dar-te mais um pouco de trabalho, se assim o entenderes.

O humor e a boa disposição também imperava, mesmo nos momentos, ou após os momentos difíceis que por lá passamos, senão repara:

"Ontem, houve (aqui em Mampatá ) um casamento. Durante todo o dia se cantou e dançou ao som do tan tan característico do batuque. Que grande Festa !

"Toda a gente entrou na dança. Até eu que sou pé de chumbo, como tu dizes.

"Às 20.20h virou o disco e o tan tan, foi substituido pelo pum, pum das granadas turras. É lógico e compreensível que também quizessem participar nos festejos. O soldado da milícia que casou merecia festa.

"Desta vez, com seis canhões sem recuo e um morteiro 81, enviaram-nos 112 canhoadas que, como de costume, até parece mentira, caíram todas fora do arame farpadp que cerca a tabanca.
Após cerca de dez minutos, o fogo cessou e pouco depois recomeçõu o batuque, porque a festa ainda não tinha terminado.

"Um furriel que fazia anos, tinha trazido alguns convidados de Aldeia Formosa para jantar. Estavam a saborear um bom uísque quando começou o fado da canhoada, o que provocou uma confusão bestial. Descontentes com esta brusca interrupção da jantarada, os nossos homens resolveram vingar-se e mal acabou o ataque foram à procura dos tocadores e das guitarras. Parece que os artistas não gostaram da partida e da assistência que, em vez de palmas lhe enviaram outro tipo de música de acompanhamento, do Obuz que partiu de Aldeia Formosa e do nosso 81.

"Puseram-se no cabanço rapidamente, ao ponto de minutos depois a nossa gente, só encontrar o sítio ainda quente, dezoito granadas de morteiro e os 112 invólucros de granadas de canhão.
Até sabem bem, uma festa destas para quebar a monotonia e ajudar o tempo a passar."

Um abraço e bom fim de semana
© José Teixeira (2006)

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P796: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes / José Teixeira)


Guiné >Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

O colaboracionismo sempre teve uma paga (1)
Caros camaradas e amigos:

Tenho lido tudo o que têm escrito sobre os fuzilamentos e outras mortes dos comandos africanos e outros guineenses que estiveram a combater do lado da tropa portuguesa durante a luta de libertação na Guiné. Já escrevi, em tempos, sobre isso para o blogue. Porque o tema está aceso, vou ver se me lembro do que disse na altura e acrescentar mais algumas coisas.

Também sei de alguns dos meus jagudis que foram mortos após a independência, e de outros que tiveram de fugir para o Senegal. Falei-vos já, no blogue, do Braima Seidi, o meu guia em Barro, conhecedor dos trilhos e das zonas do tarrafe por onde os guerrilheiros passavam, tendo resultado da sua colaboração muitas e pesadas baixas para o outro lado.

Contei-vos que, em 1998, quando perguntei ao Cacuto Seidi por ele, este chefe da tabanca de Barro me disse, um pouco atrapalhado:
- Mataram ele depois da independência...

Também vos falei da filosofia de vida dos meus soldados da CCAÇ 3, da sua atitude perante os feridos que o PAIGC deixava no terreno, e que era:
- Deixa estar, alfero, vem jagudi e come...

O Braima Seidi, caçador conhecedor da zona, recebia 2.000 escudos por mês por essa sua colaboração, vivia bem na tabanca, com quatro mulheres. Um cabo daquela companhia recebia 1.400 escudos mensalmente (não me lembro quanto recebiam os soldados) (2), com comida, bebidas sempre à disposição, e assistência médica em Bigene, quando necessário. Apesar de também andarem na guerra, uma vida muito diferente do pessoal da guerrilha que vivia no mato.

No final da segunda grande guerra, a resistência francesa matou muitos colaboracionistas, a italiana assim fez, no Vietname, após a vitória, fizeram o mesmo, os franquistas fuzilaram muitos republicanos...
- Vae victis! Ai dos vencidos! - já os romanos diziam.

Não estou a fazer a apologia desses procedimentos, estou a dizer que eles sempre fizeram parte da história dos vencedores. Claro que também houve os Nurembergas em que os vencedores, muitos também com culpas no cartório, fizeram o julgamento daqueles que venceram. Mas foi diferente, evidentemente.

Tenho pena e gostava que as coisas não se tivessem passado assim na Guiné, porque, como vós, vivi e convivi com aqueles guineenses que lutaram ao meu lado. Não sei dos meandros das conversações em Londres para formalizar a independência, espero que o Paulo Reis um dia me esclareça sobre isso. Mas parece-me que a solução desse problema, o futuro dos que estiveram do nosso lado, não teria sido tarefa fácil.

Num país saído de uma revolução, como foi nosso, em ebulição em 1974, perto da guerra civil em 1975, que poderia ter sido feito? Embarcar toda essa tropa guineense, habituada à guerra e a matar, misturá-los com os muitos milhares de retornados que cá estavam já, acasalá-los com os vários grupos políticos que se degladiavam, às vezes de forma violenta, encostá-los ao MDLP...? Tentar que fossem para outro país africano, tentar passar a batata quente? Mas qual dos países africanos, já com gente da mesma estirpe, os aceitaria?

Outra hipótese, que me disseram ter existido, seria negociar a integração deles nas Forças Armadas da nova Guiné-Bissau. Mas, há que admitir, isto também terá sido demasiado complicado conseguir. Com os ódios todos ao de cima (que é natural que houvesse entre guineenses que se combateram mutuamente, embora connosco isso não sucedesse), não os estou a ver em conjunto numa caserna, não estou a ver um capitão dos comandos africanos a comandar uma companhia de ex-guerrilheiros... Não estou a ver o Marcelino da Mata em convívio com o comandante Lúcio Soares.

Gostaria que tivesse havido uma solução. Mas não foi fácil, acredito. Não por cobardia, nem pusilanimismo, nem por abandono dos responsáveis portugueses da altura, governo, MFA ou Conselho da Revolução. Num país em agitação revolucionária, mesmo em polvorosa, com militares politicamente inexperientes, terá sido extremamente difícil manobrar de forma ardilosa e segura, havendo tantas coisas de difícil tratamento por cá.

Está visto que o problema teve que ficar nas mãos dos vencedores, donos da Guiné. Estes poderiam, se com uma mão firme e esclarecida a dirigi-los, ter optado pelo menos chocante e, na situação, aceitável até para nós: deixá-los estar, remetendo-os ao abandono. O tempo traria outra soluções (ou outros problemas, sabe-se lá...). Mas o caboverdeano Luís Cabral, como me disse o ex-paraquedista Camará, não conseguiu ter pulso e foi ultrapassado pelas iniciativas dos ex-comandantes das guerrilhas locais, pelas iniciativas das figuras históricas do PAIGC naturais da Guiné, como o Nino Vieira, o Gazela e o Chico Té. E foram estes que incentivaram à vingança dos vencedores... a outra paga. E, como se sabe, o próprio Luís Cabral teve de ir embora.

Mas cada um tem a sua visão pessoal desta questão, é claro. Acontece em tudo. Sobre o outro lado da moeda, isto é, as atrocidades cometidas pelos comandos africanos, pela PIDE e outros que tais, não vou acrescentar mais ao que o João Tunes e o Pepito já disseram. Estou completamente de acordo com eles.

Um abraço
A. Marques Lopes

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2. Texto do de José Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

Luís e camaradas tertulianos.

Não posso ficar indiferente ao tema que ultimamente (e ainda bem) enche as páginas do blogue – Os comandos Africanos do exército português abandonados à sua sorte e, quantos deles, assassinados pelo PAIGC.

Todos nós que por lá passámos, vimos, ouvimos e até lemos os actos heróicos que os comandos e os soldados da milícia africanos cometeram contra os seus irmãos. Eles gabavam-se, mostravam os seus trunfos de guerra (orelhas, cabeças, roncos, etc.) e quantos de nós batiam palmas e incentivavam. Era menos um inimigo, mais uma chance para nós, que queríamos voltar sãos e salvos. Esta é a verdade.

Em O Meu Diário expressei o horror que senti, quando o já falado Candé, Alferes comando que chefiava o grupo que estava estacionado em Aldeia Formosa, num encontro com o IN, que tinha emboscado a minha Companhia apareceu com as orelhas dos IN que o seu grupo tinha abatido. Foi um choque horrível para quem estava há 3 meses na guerra.

Certo é, que com o grupo do Candé no terreno nós sentíamo-nos mais seguros e o IN mantinha distância.

Creio que se o Comandante da força estacionada, ou o Comando Chefe de quem diziam dependia directamente, não alimentasse com alvíssaras estas atitudes ou as reprimisse por não serem de modo algum enquadráveis na Convenção de Genebra, o Candé teria de tomar outra atitude. Isto é, ele e o seu grupo foram treinados e instrumentalizados para cometer actos indignos do ser humano e eram pagos para isso.

Quantos de nós (não pretendo acusar nem desculpabilizar ninguém) fomos levados a cometer actos dos quais, após a terminar da Comissão e regressados sãos e salvos sentimos quanto fomos instrumentalizados para o fazer ?

Quantos de nós, pessoas de bem, educados numa religião que premeia a paz como objectivo, nos dispúnhamos apenas a tentar safar a pele, logo evitar fazer guerra, quer dizer matar para sobreviver e face ao perigo, reagíamos de forma tão diferente, forma que desconhecíamos em nós e nos tornávamos insensíveis ao sofrimento e à dor que poderíamos provocar ?

Quantos de nós, (des)politizados, víamos a ida para a guerra como uma missão patriótica a cumprir cegamente ? A Pátria chamava . . .

A quem culpalizar ? A quem desculpar ?

O ambiente gerado e bem alimentado pelo poder politico militar de exploração da divisão étnica dos autotóctenes resultou em crimes graves de parte a parte.
Não creio que o PAIGC, fosse mais meigo, quando apanhava comandos ou milícias africanos.

Não está em causa desculpabilizar os actos cometidos por essa gente, como não podemos culpabilizar os actos condenáveis pela Convenção de Genebra (que creio só poucos de nós à data tinham conhecimento) cometidos por camaradas nossos sem causa justa ou seja sem que fosse em legítima defesa.

Todos sabemos que quando se entrava numa tabanca considerada IN, tudo o que aparecesse à frente era IN para abater e era ronco, enviar no comunicado para o Comando Chefe, tantos IN abatidos. Mulheres, crianças, velhos, homens desarmados. Quantos ?

Eram colegas nossos, a quem lhes fora inculcado que eram filhos da mesma Pátria, embora o poder político, sempre os considerasse e tratasse portugueses de segunda, o que a meu ver não pode ter perdão.

Combateram a nosso lado, quantos de nós lhe devemos a vida. A sua prática e conhecimentos de guerra, o conhecimento do terreno, das armadilhas que o IN colocava, a temeridade que provocavam ao IN, foram ou não factores que nos facilitaram o regresso ?

Por esta razão se mais não houvera, não podiam ser abandonados à sua sorte, sabendo os nossos comandantes, seus ordenantes, que, naturalmente, ficariam com a cabeça a prémio. O esforço que se fez (e o mérito vai para o Carlos Fabião) foi demasiado pequeno para quem tanto deu a Portugal.

Tenhamos consciência, no entanto, que quem estava na frente da guerra eram os milicianos, gente que de algum modo estava forçada e logo que vislumbrou uma frecha para eliminar o perigo de morte para os seus homens, baixou os braços, entregando o seu espaço de manobra ao até então IN, agora companheiro. Há quem chame a isso cobardia, sobretudo os saudosos do passado.

Eu que vivi uma guerra com o propósito de não dar um tiro e consegui-o, tendo por isso já ouvido essa palavra feia de cobarde, consciente da realidade no terreno, aceito essa atitude como um acto normal de quem não queria fazer guerra e tinha sido empurrado para ela.

As altas esferas militares e políticas, os dos gabinetes com ar condicionado, os responsáveis que aplaudiam e alimentavam os seus actos, esses sim tinham o dever de acautelar as vidas e o futuro desta gente generosa.

Creio que faltou a comunicação, o diálogo com as nossas forças no terreno, já que o sistema implantado até então, de ordens de comando, com a queda do regime, se esfumou. Foi um salve-se quem puder. Os grandes foram os primeiros a dar o pira à procura de novos tachos. Os desgraçados que não puderam, que não tinham para onde ir, esses pagaram caro. Para muitos a fuga para o mato, para o Senegal na tentativa de agarrar Lisboa. Outros ou não tiveram tempo, ou acreditaram nas falinhas mansas do lobo. Pagaram com a vida. As vidas que nós, os antigos combatentes, agora choramos e lamentamos.

A culpa, aqui não morreu solteira. São o Estado Português e o PAICG.

O PAIGC, servia-se, a meu ver, exactamente das mesmas técnicas, em que a exploração da divisão étnica era naturalmente alimentada. Tal como Portugal, controlava as tabancas nas suas áreas de influência e condicionava os habitantes. Servia-se destes, desde a produção de produtos alimentares para os guerrilheiros, o transporte de equipamento, para os ataques, o arrebanhar de crianças e jovens para as suas fileiras, tal como nós com a milícia e os Comandos africanos.

Era uma terra dividida. De qual lado estavam os bons ou os maus ? O diabo que escolha! O ódio era alimentado e explorado por todos os comandos das forças no terreno. Era a guerra.

Nós, os Portugueses, de um momento para o outro parámos. Esta guerra perdera toda a razão de ser. Não tinha lógica, era contra natura. O PAIGC, entendeu esta atitude como uma derrota nossa, logo uma grande vitória, o que não foi verdade. Assumiram-se como vencedores e ai dos vencidos , como diziam os romanos.

Os seus heróis apareceram na ribalta como os novos senhores. A sua verdade era a única possível. Os seus conhecimentos de gestão política eram nulos, para não falar na económica e na social, que talvez nunca tinham ouvido falar. Eles não acreditavam numa vitória tão fácil. O poder caiu-lhe nas mãos. Tinham a obrigação de procurar entender o povo que se colocou na outra banda da barricada, eram seus irmãos de pátria. Da Pátria que afirmavam querer construir. Não eram os seus heróis, bem pelo contrário, mas eram parte do seu povo.

Podiam proceder a julgamentos e eventualmente condenar, pois os crimes praticados foram realidades concretas, mas . . . ( O raio do mas aparece sempre). Quantos dos vencedores estavam e estão isentos de culpas ? Quantos dos seus homens, senão eles próprios, não cometeram actos idênticos ?

Não posso aceitar, julgamentos sumários sem defesa, ou condenações à morte sem julgamento. Foram assassinatos puros, quantos deles de forma violenta como a do Candé de Aldeia Formosa. Foram perseguições às famílias dos que se refugiaram no mato ou no estrangeiro. Foi a caça ao homem, meu irmão.

Como gostava de reencontrar hoje o Candé, como encontrei o Braima, Kebá o Ussumane e tantos outros que combateram a meu lado, que me defenderam a vida.

Como gostava de reencontrar o Abdulai Djaló de Mampatá Forea, com quem passei noites em conversa até adormecer na sua esteira, eu, ele e a mudjer dele. Sei que fugiu para o mato com destino ao Senegal. Nunca mais se soube onde foi parar.

Há tantas coisas em comum para partilhar, tal como entre nós os tertulianos da Luisiana ideia, que apesar de não nos conhecermos pessoalmente parece que até estivemos juntos naquela aventura, tal é a ligação afectiva que nos une.

Creio que era a melhor forma de afastarmos os fantasmas que povoam o nosso imaginário.

Bem hajam os tertulianos que levantaram e estão a provocar este debate.

Um fraternal abraço

Zé Teixeira
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Notas de L.G.:

(1) Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).

O termo fancês collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. HGouve outrois governos colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungría bem como noutras partes da Europa de Leste...

(2) Vd. pst de 1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)

"(...) E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo"...

Guiné 63/74 - P795: Antologia (39): O massacre dos soldados africanos da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Extracto de Leões Negros (Página pessoal do Carlos Fortunato, CCAÇ 13, 1969/71)

Guiné > Bissorã > CCAÇ 13 > O furriel miliciano Fortunato e o soldado Calaboche Tchudá, babalanta, natural da região Bissorã, apontador de LGFog, Prémio Governador da Guiné, em 1970 (0u 1971)...Foto: No regresso de uma patrulha, ao atravessar um riacho, perto de Bissorã, Colaboche agarra o furriel Fortunati e grita: "Tira uma fotografia e manda para a família a dizer que o furriel Fortunato foi apanhado por um turra".


Foto: © Carlos Fortunato (2006)


Guiné > O massacre dos soldados africanos (extractos)

A guerra era algo que os soldados africanos lamentavam constantemente, o seu desejo era que fosse feita a paz.

A aspiração dos soldados africanos da CCAÇ 13 era apenas a de terem uma vida melhor, e o empenho de alguns deles para se desenvolverem era extraordinário. Apesar de apenas falarem balanta e algumas palavras de crioulo, dedicavam-se afincadamente ao auto-estudo, pegando em livros de leitura que decoravam, numa tentativa de aprender a ler.

Com uma ajuda inicial minha e depois do Furriel Varela, conseguiram a proeza de tirar a 3ª classe, nos 2 anos que estiveram connosco.

Apresento a seguir um extracto de uma carta do soldado Calaboche, é apenas um exemplo de um homem simples que lutou leal e dignamente na procura de um futuro melhor, acreditando que ele seria ao lado de Portugal.

Calaboche nunca conseguiria ver os seus sonhos realizados, pois ele, tal como muitos outros, foi abandonado à sua sorte e fuzilado pelo PAIGC.

Contrariamente ao que por vezes tem sido dito, não foram apenas os comandos africanos que foram mortos, muitos outros foram perseguidos e mortos.

Houve quem fugisse para o Senegal, para salvar a vida, mas ai foram muitas as dificuldades por que passaram, alguns acabariam por morrer ai, ao serem apanhados a roubar.

(...) Embora todas as informações indiquem, que os fuzilamentos foram um triste episódio que já terminou à muito, num país pobre como a Guiné, existem muitas maneiras de colocar em causa a sobrevivência.

Uma das coisas que os antigos combatentes africanos se queixavam é que não conseguiam trabalho, a terra agora era de todos, mas os que eram identificados como antigos combatentes, eram excluídos da comunidade, não podendo cultivar a terra, e sem poderem trabalhar como poderiam sobreviver ...

Transcrevo a seguir dois extractos de duas cartas relatando um pouco o que se passou em Bissorã:


Julho de 1982

Quirido amigo Fortunato.

Eu ficou bastante contente com sua carta.

Eu ficou com grande alegria com piqueno informação.

O amigo se voce fala com teu irmão sobre minha problema se ele disse que precisa de qualquer ducumento voce manda-me escrever.

Por favor amigo.

Hora bem eu vou-te esplicar poucina en pouco (1) de independencia da Guiné Bissau.

O que se passou depois de independencia da Guiné, partido mata muitas pessoas na nossa grupo, mata Tenha Taga, Calabos Tchuda, Furrel Sora Nando, só na nossa grupo, também Caba Santiago, Sitofa Quebá, Bacai, José de mesa oficiais, cozinheiro Nhinde de Olossato (2).

Olha Fortunato eu não tem trabalho depois de independencia partido não deija nos(3) trabalhar junto com eles partido disse que nosso tropa portuguesa luta contra eles. Se voce vem cá na Guiné com cooperante voce capaz de arranjar trabalho por favor amigo Fortunato(...).



Notas corrigindo alguns dos erros da carta para melhor compreensão:

(1) Pretende escrever: explicar um pouco
(2) Pontuei este parágrafo para ser compreensível.
(3) Pretende escrever: deixa nós.


1988

(...) Os teus soldados chamados Jorge, Barra, Tancana (1) foi matados em furto em Senegal. (...)


(1) O 2º e 3º nomes estão mal escritos, correctamente é: Birra e Tangana.

Na primeira carta de 1982, é referido o nome de Cabá Santiago. Conheci o Cabá Santiago e posso contar um pouco da sua história, tendo por base aquilo que ele me contou, e o que eu conhecia a seu respeito.

Cabá Santiago era um individuo inteligente e com alguma cultura, tinha sido professor até aderir ao PAIGC, aí passou a ser professor e guerrilheiro. Após muitos anos de luta, sem ver um fim à vista para esta, e percebendo que o PAIGC mentia nas suas mensagens de propaganda, acreditou que o melhor caminho a seguir era o apontado por Portugal, e aproveitou as campanhas de aliciação para os guerrilheiros abandonarem a luta, para se entregar.

Como a todos os que se entregavam, as questões que lhes eram colocadas eram: qual a possibilidade de outros guerrilheiros se entregarem, onde estavam os depósitos de armas, qual a possibilidade de eliminação de guerrilheiros, Cabá com tudo colaborou.

Cabá Santiago foi contudo mais longe, regressou à sua zona contactou os guerrilheiros que estavam junto da população, mandou-os ir buscar as suas armas (cada um tinha escondido a sua no mato), e quando estes chegavam armados eliminava-os.

Escusado será dizer que Cabá Santiago, ficou com a cabeça a prémio, e por isso ele era sempre o último da coluna de milícias que comandava, pois tinha medo de ser morto pelas costas pelos seus próprios homens.

Pergunto aos leitores:
- O que acham que iria acontecer ao Cabá Santiago quando fosse entregue o poder em Bissorã ao PAIGC ?

(...)

Guiné 63/74 - P794: O comportameno exemplar dos militares da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Texto do Carlos Fortunato [ex-furriel miliciano, de transmissões, da CCAÇ 13, 1969/71, aquartelado em Bissorã, entre outros sítios]:

Amigos e Camaradas

Tenho lido algumas afirmações sobre o massacre dos comandos, que me obrigam a discordar de algumas opiniões emitidas.

Embora seja consensual que houve outros soldados africanos mortos, além dos comandos, a minha visão sobre os acontecimentos é que a seguinte: o que está em discussão para mim, é termos dado a nossa palavra aos soldados africanos, termos comprometido a nossa honra, e quando chegou o momento de realmente cumprirmos o que prometemos, viramos as costas a esses camaradas.

Não garantimos a sua sobrevivência, e mais grave ainda, quando os massacres começaram a ocorrer, não dissemos uma palavra, quando foram segregados da sociedade não dissemos uma palavra, é claro que é mais cómodo procedermos assim, e em particular dizermos que não sabemos de nada, é fácil arranjar uma boa desculpa para nada fazer.

Sobre as atrocidades que existiram enquanto durou a guerra muito havia a dizer, mas iria abrir muitas feridas, e prefiro nem sequer abordar esse tema, prefiro falar da forma exemplar que os soldados africanos da CCAÇ 13 se portaram.

Os soldados africanos da CCAÇ 13, actuavam na sua terra, quando íamos às tabancas no mato, os soldados encontravam as suas irmãs, primos etc., não roubávamos sequer uma galinha.

Os soldados da CCAÇ 13 actuaram sempre com muita coragem e foram muitas as baixas que causaram ao inimigo, mas nunca vi um soldado africano da minha companhia cometer uma atrocidade, mas sim o contrário.

Na operação que fizemos ao Morés, em que sabíamos que tínhamos que estar 10 dias no mato sem reabastecimentos de comida, vi-os partilhar o pouco que tinham com os prisioneiros, embora sabendo que nos dias seguintes iam passar fome e sede, 11 deles tiveram que ser evacuados por insolação devido à falta de água, e acabamos bebendo a agua estagnada das bolanhas, alimentando-nos das mangas que encontrava-mos, ou roendo algumas cascas de árvore, mas esta atitude sempre digna que tiveram, não evitou que depois fossem mortos pelo PAIGC.

Diz-se que não deviam ter lutado ao nosso lado. Porque não? Se confiavam mais no seu futuro com os portugueses, do que dirigidos pelos seus compatriotas, quem lhes pode negar o direito de terem uma palavra a dizer, e de terem esperança numa reconciliação. Até a resolução 1542 da ONU previa essa possibilidade.

Sempre temi que estes massacres viessem a acontecer, e disse aos soldados africanos o que deviam fazer: quando terminassem o serviço militar, era sair da tropa e procurar uma profissão o mais qualificada possível, para tal deviam já começar a estudar e tirar pelo menos a 4ª classe, e todos os dias por mais cansados que estivesse-mos, lá estávamos na nossa aula.

Não me interessa o que outros países tenham feito, Portugal é o meu país, esta é a nossa história, esta é a nossa honra.

Tenho orgulho que tenhamos feito uma revolução exemplar no 25 de Abril, praticamente sem derramar sangue, e motivos para ajustes de contas não faltavam, principalmente com a Pide, mas fico magoado com este processo que ignorou os soldados africanos.

Na minha opinião deveria ter-se pressionado o PAIGC a integrar os soldados africanos, arranjando soluções de compromisso, por exemplo excluindo as chefias, os soldados condecorados ou louvados, comprometendo-nos a dar um verba para a manutenção dessas forças, deveria ter-se dado a oportunidade de os restantes virem para Portugal e ficarem no exercito português, eu sei lá que mais … existiam tantas soluções.

Neste momento, penso que o importante é concentrarmo-nos no que ainda podemos fazer, por aqueles camaradas, pois ainda podemos fazer alguma coisa, como por exemplo dar-lhe o tratamento que damos aos antigos combatentes, e aqueles poucos euros que agora recebem como complemento de reforma, eram uma paga preciosa e mais que merecida.

Nunca se abandona um camarada. No site da CCAÇ 13 estão os nomes de alguns dos
seus soldados mortos depois da independência, se quiserem fazer uma visita, consultem a página sobre a Guiné.

Um abraço a todos

Carlos Fortunato
(Leões Negros - CCAÇ 13, 1969/71)

Guiné 63/74 - P793: O limpo e o sujo, nós e os pides (João Tunes)

Caro Luís,

Se me dás licença, apenas 3 pontos (ou prespontos):

1 - O teu texto que eu comentei não foi o mesmo que apareceu no blogue (este é muito mais extenso e documentado). Publicaste uma nova versão do teu texto e o comentário que fiz à sua versão reduzida que foi a que me enviaste. Se o texto que eu tivesse lido fosse o que posteriormente publicaste não teria feito o mesmo comentário. Seria outro ou nenhum.

2 - O comentário que publicaste do Pepito não se referia ao meu texto que publicaste mas a um outro que enviei sobre o assassinato de Amilcar Cabral que (ainda?) não publicaste. Aliás o meu texto comentado pelo Pepito vinha agarrado com o meu mail. Assim, a bota não joga com a perdigota.

3 - Não concordo absolutamente nada se entendi bem o teu raciocínio de separares as NT da nefanda PIDE. Não acho que estivéssemos assim tão longe. Toda a acção militar suportava-se no trabalho de informações e infiltração operada pela Pide. Assim, o Fragoso Allas foi companheiro de armas de Spínola e cada um de nós o foi do agente da Pide local. Objectivamente, foi assim.

E por isso achar não alinho na estória das tropas limpas e dos pides sujos. O barco foi o mesmo (se calhar, no mesmo Niassa em que fizemos viagem também lá iam alguns dos prestimosos agentes). Tendo lá estado e beneficiado do trabalho sujo da PIDE, eu fui, também, camarada de armas dos pides. Como dos comandos africanos e dos milícias.

Eu, como ocupante, tive a sorte de regressar vivo à sede do Império, os colaboradores guineenses com os ocupantes lá ficaram e lá as pagaram. De uma forma miserável e inaceitável, mas pagaram. Quanto aos pides por aí estarão a beneficiar de reformas como funcionários públicos pelas razões de impunidade que todos conhecemos. Para mim, estas são as únicas diferenças. Se para lustro das nossas velhas fardas, quisermos separar o nosso trabalho limpo do trabalho sujo, quando esta distribuição de papéis fazia parte das regras do jogo, pela minha parte eu não sacudo a lama que me cabe como quinhão.

João Tunes


Comentário de L.G.:

Peço desculpa da trapalhada que às vezes é a publicação, não por ordem de chegada mas de actualidade editorial dos mensagens que me chegam. No caso que mencionas, de facto não bata a bota com a perdigota, como dizes tu e diz o Zé Povinho. Àparte as dificuldades (no fundo, a incompetência) para pilotar este barco, já tão grande, há ainda o facto de os tertulianos usarem um ou outro dos dos meus dois endereços de e-mail, o de casa e o do local de trabalho. Enfim, isto não deveria servir de desculpa: tenho de estar mais a tempo à ordem lógica e cronológica das mensagens e dos posts.
Um abração.

Guiné 63/74 - P792: Todos camaradas, mas uns mais do que outros? A propósito do assassínio de Amílcar Cabral (João Tunes)

Texto de João Tunes, de 23 de Maio último:

Caro Luís,

Julgo que a lista dos fuzilados pelo PAIGC que lutaram, ao nosso lado, pelo Portugal do Minho a Timor, não se deve esgotar nos actos pós-independência.

Porque os crimes contra a humanidade nunca prescrevem. Houve mais fuzilados pelo PAIGC sem julgamento decente. E, na minha opinião, eles devem entrar na lista que porfiamos em recordar para memória futura e homenagem retroactiva.

Em 1973, os mandos de Portugal (comando militar e PIDE) conseguiram o feito de assassinarem Amílcar Cabral, o turra-mor. Foi uma operação urdida com sucesso (ao contrário da Operação Mar Verde). Nesta operação, a PIDE conseguiu infiltrar o PAIGC e explorando os ressentimentos de alguns combatentes guineenses contra os seus camaradas caboverdianos, levou a bom termo a sua missão: Amílcar caiu em Conacri, fuzilado sem julgamento e pelas balas de combatentes ressentidos, preparados e pagos pela PIDE ao serviço de Portugal.

E só por uma unha negra, o sucessor de Amílcar, Aristides Pereira, não foi entregue em Bissau, então nossa, provavelmente para o competente e juridicamente assistido julgamento. Amílcar Cabral foi assassinado mas daí pouco se passou. Nada mau, como saldo. Acontece que os nossos aliados, os nossos infiltrados, ao nosso serviço, ao serviço de Portugal do Minho a Timor, nossos camaradas portanto, falhado o clímax da operação (a liquidação de todos os caboverdianos, o controlo do PAIGC pela facção guineense e a sua integração na Guiné Melhor), foram apanhados pelo aparelho de segurança interna do PAIGC e fuzilados (sem julgamento). Terão sido 50 (cinquenta) esses nossos camaradas em missão de infiltração e aniquilamento que caíram sob as balas da justiça revolucionária, iníqua porquanto não precedida de julgamento segundo as regras da civilização cristã e ocidental que espalhámos pelas sete partidas.

Segundo depoimento de Mário Pinto de Andrade (que, em tempos, publique no meu blogue) terá sido Vasco Cabral (dirigente do PAIGC e homem de Estado da Guiné-Bissau, falecido há pouco tempo e que não era caboverdiano nem familiar de Amílcar) que investigou a conspiração, a desmantelou e depois assassinou todos esses nossos queridos e saudosos camaradas. No mínimo, seria injusto não lhes recordar, pelo menos, os nomes e a missão em que tombaram.

Julgo de elementar justiça que os nomes destes nossos 50 camaradas fuzilados sem julgamento (talvez o Leopoldo, o Jorge e o Pepe nos ajudem a encontrar a lista dos seus nomes), renegados do PAIGC mas combatentes por Portugal, se juntem, na mesma homenagem e recordação, à lista dos comandos, outros militares, milícias e agentes e informadores da Pide caídos em fuzilamentos selvagens na pós-independência às mãos dos mesmíssimos facínoras e gente com aversão a julgamentos juridicamente assistidos.

Ou uns são mais camaradas que outros? Por mim, nem pensar.

Abraços com saudações patrióticas do
João Tunes