sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2349: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (13): Na despedida de Missirá, em que me tornei um Soncó

Guiné <> Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > "O mais controverso cozinheiro do mundo, Quebá Sissé, o Doutor (fotografia de Luis Casanova).

"O nosso querido Doutor, colega de quarto de Luis Casanova. Sempre gentil e sorridente, conheci-o a preparar as refeições mais abomináveis que imaginar se pode. Estagiou nas messes de oficiais, sargentos e praças e tornou-se muito exigente. Cozinhava, fazia reforços, ia a Mato de Cão, patrulhava e emboscava. A 1 de Janeiro de 1970, num acidente estúpido, desferiu vários tiros no peito de Uam Sambu, que morreu pouco depois. Fui testemunha de defesa do Doutor, que sofreu horrivelmente com a morte do camarada".

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 > O Alf Mil Beja Santos, rodeado das autoridades civis e religiosas de Missirá: O régulo Malan (à sua direita); o Keban e o padre Mané (à sua esquerda).

Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região Leste > Bambadinca > Missirá > 1970 > O Pel Caç Nat nº 54, comandado epl Alf Mil Correia Alves, que veio subtituir o pel Caç Nat 52, do Alf Mil Beja Santos. Foto do Fur Mil Mário Armas de Sousa, açoriano, que é o terceiro da primeira fila, a contar da esquerda para a direita.

Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Direitos reservados.


Texto enviado, em 31 de Outubro último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).


Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (13): A reunião de despedida com os Homens Grandes do Cuor em que me tornei um Soncó

por Beja Santos


(i) A última reunião com os homens grandes do Cuor: o dia e a hora em que me tornei um Soncó e me despedi de Missirá

A 10 de Novembro [de 1969], mesmo sem saber ainda a data da nossa transferência para Bambadinca (1), convido para um almoço o régulo, os chefes de tabanca, o padre Lânsana, Quebá Soncó, o nosso picador, os comandantes das milícias ou os seus substitutos (é que o Príncipe Samba, Albino Mamadu Baldé continua em Bissau, em consequência dos ferimentos da mina anti-carro, e Bacari Soncó ainda está muito debilitado depois das ocorrências dos armadilhamentos de Canturé).

Quebá Sissé e Umaru Baldé esmeram-se num bacalhau cozido com batatas, couves e ovo, vem tudo a fumegar, a pratada é recebida com sorrisos e apetite voraz. Enquanto se servem as laranjadas Fanta, e os dentes de alho, e circula o pimenteiro e a malagueta, agradeço a todos o acolhimento que ofereceram ao Pel Caç Nat 52, informo que toda a documentação sobre a população existente no Cuor, os locais armadilhados em torno de Missirá e Finete, os planos de abastecimento de arroz, os autos de justiça envolvendo a população civil, constam de um dossiê que irei entregar ao alferes Alves Correia assim que o Pel Caç Nat 54 chegar a Missirá.

Dirigindo-me a Lânsana, mostro-lhe o meu caderninho viajante e peço-lhe para ainda conversarmos antes da minha partida sobre as lendas do Geba e o arvoredo do Cuor e do Oio. Apresento desculpas por ter adaptado a vida da população civil às contingências militares, eliminando culturas e as cercas que sempre fizeram parte das vidas das famílias dentro da tabanca.
Imprevistamente, o régulo põe-se de pé, manda chamar Domingos Silva, enxota com voz cortante os cozinheiros e as crianças que rondam à volta dos fogareiros e lança-se num arrebatado discurso.

Pelo Domingos, fico a saber que os laços de sangue dos Soncó passaram a ser os meus; que chegara ontem uma carta de Lisboa em que o seu filho Quebá, a tratar de nova prótese no Hospital Militar Principal, falava com entusiasmo da Cristina, da Mãe e da irmã de alfero, a família portanto ia-se conhecendo aos poucos; que eu ficava responsável por dar aos Soncó toda a ajuda possível, mesmo quando a guerra acabasse; que confiava que Bambadinca mandasse fazer um monumento a Infali Soncó, em Sansão, e que me confiava um anel que pertencera ao seu avô. E com o mesmo entusiasmo e arrebatamento com que este discurso fora proferido, como se tivesse havido um prodigioso ensaio geral, assim que o régulo findou a sua jaculatória, a multidão dos Soncó e dos Mané, à porta da messe, alindados ou engalanados, formaram um semicírculo onde entrei de braço dado com o régulo e fui cumprimentar a mulher grande a quem entreguei pacotes de chá, à falta de melhor lembrança.

Findo o cerimonial do acolhimento a este novo Soncó, o régulo e a sua comitiva convidam-me a ir à mesquita. É neste ínterim que o Domingos me informa que os soldados pretendem uma cerimónia especial do arriar da bandeira e guardei a frase em que ele explicava a razão da homenagem: “para lembrar e agradecer àqueles que não podem partir connosco”.

Só parto ao anoitecer para Mato de Cão, recordo-me que é preciso mostrar ao Alves Correia todos os itinerários alternativos desde Caranquecunda até Gambana ou Chicri, ocorre-me igualmente que tenho de mostrar ao Pel Caç Nat 54 os perigos do percurso entre Cancumba e Morocunda, onde começa a mata densa que vai até Biassa local onde por duas vezes a gente de Madina/Belel montou emboscadas mortíferas, em 1966 e 1967.


(ii) O banimento de Dauda Seidi da milícia de Missirá


Volto a reunir-me com Malã para discutir a expulsão de Dauda Seidi da milícia de Missirá. Dauda é um militar com qualidades mas agiu brutalmente com a mulher, espancou-a de tal maneira que se fez uma coluna de urgência para a levar para tratamento a Bambadinca, a vítima exibia hematomas e ferimentos vários das chicotadas e pontapés, pelo que este procedimento desumano não pode passar impune.
Comprara em Bissau um livro sobre a justiça dos mandingas, ficara a saber que estes comportamentos são castigados com o banimento. Ora, eu não podia aplicar um castigo invocando o regulamento de disciplina militar, era-me indispensável saber a opinião do régulo. Ele não hesitou em responder-me:
-O que Dauda fez, ainda por cima na presença das crianças e das outras famílias, merece a condenação, mande-o de volta para Madina Bonco.
Mesmo sabendo que íamos perder um valoroso soldado, não tive contemplações, pedi ao Pires para se fazerem as contas e avisei o Dauda que amanhã abandonaria o Cuor.


(iii) A última viagem a Mato de Cão

É noite escura quando saímos de Missirá, pela porta de Sansão. Temos o luar a nosso favor, toda a bolanha entre Caranquecunda e Sansão está seca, atravessamo-la sem nenhuma dificuldade, descemos até Maná, contornando a velha tabanca e flanqueando sempre a estrada até Canturé, como se fôssemos até Gambana. O picador, Cibo Injai, chama-me a atenção para as pegadas de vacas bem visíveis na terra seca, o que atesta abastecimento recente da gente de Madina, sabe-se lá se dos Nhabijões, sabe-se lá se de Mero.

É uma noite graciosa, o ar respira-se sem dificuldade, basta a camisa do camuflado, só uma camada de suor é perceptível, mas cedo se evapora e logo o suor oleaginoso regressa. Sempre guiados por essa luz coada, atravessamos o palmeiral de Chicri e subimos para o planalto de Mato de Cão, o amanhecer ainda está muito longe. Tomamos posição em meia lua, sempre com dois observadores nos extremos, de pé, para detectar possíveis movimentos de aproximação de gente de Madina.

É uma noite quase silenciosa, ouve-se o Geba caudaloso, as águas a subir até ao tarrafe, é a maré cheia fundamental para as embarcações civis. Aqui e acolá as hienas soltam os seus gemidos, ouve-se o restolhar dos porcos de mato, o piar lúgubre das aves nocturnas, a ver se pergunto ao Barbosa se este piar das corujas não lembra as da nossa terra. Entre as duas e as três da madrugada, somos despertados pelo ronco dos motores, primeiro um zunido quase suave e persistente, depois em crescendo os barcos aproximam-se. Todos de pé, vemos passar três embarcações fantasmas, são batelões da Casa Gouveia, trazem mantimentos e vão regressar com matérias primas.
O Geba está enluarado e reverbera os mesmos tons enluarados, metalizando-se. É nesse preciso instante que olho à volta, como a despedir-me deste glorioso planalto de Mato de Cão, os seus palmares silenciosos com árvores de grande porte, pergunto-me quantas vezes vim a este local sempre com o coração contrito, à espera de uma emboscada infernal. Penso no Enxalé e na belíssima estrada que nos leva daqui através de Saliquinhé e São Belchior, sempre a beijar o rio, até essa tabanca, na fronteira do Cuor, com a sua aproximação angustiante de um arvoredo denso e anárquico, entregue às leis da natureza.

E regressamos com os primeiros alvores ígneos, como se uma mata incendiada estivesse a anunciar-se, bem lá ao longe. Regressamos por um percurso diferente, desta feita descemos até à tabanca abandonada de Mato de Cão, flanqueamos Chicri e passamos ao lado de Mato Madeira, atravessamos Flaque Dulo e subimos por Gã Gémeos até Caranquecunda. A manhã rompe em todo o seu esplendor quando Missirá nos acolhe, partem homens e mulheres para as culturas e lavagens ou abluções, a vida recomeça dentro do perímetro vegetal. Nem o cansaço subtrai o êxtase deste momento, só diminuído pela dor a tão contraditória dor, de quem vai partir desta terra tão amada.


(iv) Um último poemacto para Lisboa

Tem a data de 11 este aerograma que escrevo no regresso de Mato de Cão. A correspondência da Cristina está cada vez mais triste, evasiva, é como se a sua autora estivesse a perder energia, o sonho e a esperança, a soçobrar ao peso de tanta questiúncula nos meus meios familiares. Então escrevo, ainda alimentando a ilusão de um sopro poético:

Amanheceu sobre os palmares, há o sussurro dos regatos para lá das hortas de caju. Procuro levar um cadinho de calor às tuas mãos, ver renascer um sorriso trocista, um sinal da tua felicidade, confundir o perfume da terra deste trópico, galgando este oceano, com o perfume dos teus cabelos, avisar-te em primeira mão que a guerra acabou. Com o ribombar desta notícia, com o sol transformado em bola de fogo, estamos prontos a partir neste primeiro dia anónimo em que tu já não choras à espera do meu regresso. Missirá chegou ao fim, vão-se seguir meses de dias dobrados fora dos subterrâneos de cimento e das chapas de ferro. Não chores mais e confia na notícia, trago-te o desmentido da guerra, passei uma noite debaixo de uma abóbada coalhada de estrelas e exalto-te provisoriamente neste dia multiplicado, ao arrepio das cinzas, sim, meu amor, vamos recomeçar tudo aquilo que a guerra suspendeu.

Leio e releio, risco, volto a riscar, depois emendo ainda e assino, sem antes deixar de informar que venho de uma noite funda e despeço-me com ternura, garantindo um até amanhã. Escreverei ainda a 13, já anunciando a excitação da partida, prevista a partir do amanhecer seguinte, com viagens ininterruptas do Sintex, levando e trazendo através do Geba. Pela estrada fora, os civis transportaram trouxas e animais, o burrinho levará no bojo as cargas mais pesadas como sacos de arroz que seguirão directamente para a tabanca de Bambadinca.
Escreverei igualmente a 16, nesse dia sairão de madrugada dois pelotões na operação Truta Vivaz, à procura da presença de gente de Madina entre Sinchã Corubal, São Belchior e Finete, com emboscada nocturna. Ficarei em Missirá com duas secções de milícias e apontadores de morteiro, a cumprir o que me pedira Jovelino Corte Real: patrulhar e mostrar todos os locais onde o inimigo camba o Geba e pode montar as emboscadas mais temíveis. Guardo silêncio sobre os patrulhamentos que fiz aos locais mais arriscados com 30 homens quando agora a mensagem é de que nunca se deve sair havendo o risco de contacto com menos de 60 homens.
Só regressarei definitivamente a Bambadinca a 21 de Novembro, vou estrear-me como oficial de dia, vou ficar ligado às mais abomináveis emboscadas nocturnas de que há memória, às estadias no rio Udunduma e ao reordenamento dos Nhabijões, tudo de uma assentada.

Vou sentir-me muito mal em Bambadinca de que tanto gosto, agora é outro mundo, são peripécias novas, como aquela que vos contar a seguir e que envolve um dedo mindinho dentro de um tapa-chamas.


Capa do livro de António José Saraiva, A Inquisição Portugues, 2ª edição revista. Lisboa: Publicações Europa-América, 1956. (Colecção Saber, 31).



(v) Leituras: A Inquisição Portuguesa, um cavalo espantado, alguns policiais

A Inquisição Portuguesa de António José Saraiva, é um livro de divulgação que me impressionou profundamente. É o relato rigoroso de uma das instituições mais funestas da nossa história. A pretexto dos cristãos-novos continuarem a praticar secretamente a sua antiga religião, instalou-se no século XVI o Tribunal do Santo Ofício. Os judeus foram fundamentais no Portugal que se lançou na epopeia marítima, foram tesoureiros-mores, técnicos, médicos, astrónomos, peças singulares na formação de uma nova burguesia que vai abalar o senhorialismo do tipo feudal.
Cedemos aos Reis Católicos e sacrificámos o país, diminuindo-o na cultura, nos negócios, no desenvolvimento. Vai começar um período de perseguições, de esbulhos e confiscos, de intolerância e denúncias que destruíram famílias, fizeram perder obras literárias e científicas monumentais, tudo à base do terror inquisitorial e dos autos-de-fé. Saraiva produziu uma pesada reflexão que se insinua até à actualidade, ao abordar a censura inquisitorial, a limpeza de sangue, que no nosso tempo se traduz na desconfiança por todos aqueles que estão ligados por laços de sangue aos perseguidos e inquiridos da polícia política.

O Cavalo Espantado, de Alves Redol [Lisboa: Portugália, 1960; Col. Contemporânea, 17; 324 pp], é uma outra leitura surpreendente. Um casal de judeus austríacos ruma a Lisboa, à beira da Segunda Guerra Mundial. Um funcionário consular garante um visto, um compasso de espera até os refugiados atravessarem o oceano. O que há de comovente é o encadeado de monólogos que destapam os estados de espírito daquele casal em naufrágio e em ruptura em que Pedro, o funcionário consular terá um papel primordial. O Redol neo-realista dos Gaibéus ou Avieiros dá aqui lugar a pungente relato dramático da Lisboa pobre e acolhedora, trampolim para o sonho americano. É um Redol que eu desconhecia, a fugir ao épico das fainas populares e das sagas da gente trabalhadora, que escreve assim:
Foi esta manhã, que quando caminhava por um pequeno bosque, quando o sol arrefece e as esperança desespera, onde a angústia se esquece e se agarra aos ramos mortos para ainda viver, que tive a sensação de me mover no fundo do mar como um velho tubarão solitário em busca de um refúgio para descansar e morrer... Talvez por causa desta luz de Outono, luz doente e branda, e também doce envolvido por folhas caídas pelas árvores sacudidas pelo vento, como tu e como eu....

Acabei Ladrões de Raparigas, por Mickey Spillane [Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Col. Vamprtio, 190. Capa de Limna de Freitas]. O cavaleiro andante Mike Hammer, o mais truculento anticomunista de que há memória, depois de ter caído na degradação alcoólica, regressa para procurar Velda, essa eterna heroína que aguarda ser pedida em casamento por Mike, o seu patrão. Velda, veio do bloco oriental e anda à procura do chefe da espionagem comunista que procura por os EUA de rastos. Confirmo esta poderosa capacidade literária que tornou Spillane um dos autores incontestados do policial negro:
Encontraram-na na sarjeta. A noite fora a única coisa que eu deixara e mesmo assim já pouco dela restava. Ouvira o carro parar, o ruído das portas abrindo-se e fechando-se e de duas vozes. Dois braços levantaram-no e mantiveram-no de pé.
Há intriga e mistério, tiroteio e mortes, a surpresa de quem é o criminoso hediondo fica para o grande final, Mike Hammer dobra mais uma página do justiceiro da América pelas suas próprias mãos.

O Crime do Escaravelho, por S.S. Van Dine [Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Col. Vampiro, 91. Capa de Cândido Costa Pinto], traz o fleumático e superintelectual Philo Vance no apogeu das suas faculdades dedutivas. Desta vez, o assassínio aparece ligado à egiptologia. Um mecenas aparece morto em casa de um arqueólogo de renome e todos os indícios apontam contra ele. Virá a saber-se que um criminoso diabólico urdiu um esquema de provas que iriam levar à cadeira eléctrica um rival amoroso. Como é muito peculiar em S.S. Van Dine, acabará por se fazer justiça do algoz que morrerá na teia que ele próprio criou.

Tem piada, tenho aqui para ler O Caso Benson, de SS. Van Dine [Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Col. Vampiro, 11. Capa de Cândido Costa Pinto], o primeiro livro que fala de Philo Vance. Espero lê-lo mal chegue a Bambadinca.

É Ussumane Baldé, o meu guarda costas interino, quem me ajuda a arrumar os livros espalhados e a limpar o pó aos discos. Estou cercado das minhas economias, a partir de Abril. O que as cinzas levaram a vontade indómita acaba por refazer. É bem verdade que tudo se remedeia, bens de valor só os nossos valores, a nossa cultura e o amor de Deus passado aos homens. Dentro de dias, estes meus bens partirão comigo, quando eu me despedir do Cuor.

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Nota de L.G.:

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2348: Convite (1): sessão de lançamento em DVD do filme As Duas Faces da Guerra, 4ª F, 19 Dez 07, na A25A (Diana Andringa)

Convite que nos chega por via da Diana Andringa, co-realizadora de As Duas Faces da Guerra, e membro da nossa Tabanca Grande, e também através da Marta Lisboa, da Midas Filmes (1):











Midas Filmes, LX Filmes e Filmes do Tejo têm o prazer de o (a) convidar para a sessão de lançamento em DVD dos filmes:

- AS DUAS FACES DA GUERRA, de Diana Andringa e Flora Gomes

- NATAL 71, de Margarida Cardoso (1)

4ª feira, 19 Dezembro, 18h30, Associação 25 de Abril (Rua da Misericórdia, 95, Lisboa)

Apresentação: COR CARLOS MATOS GOMES

2. Comentário de L.G.:

Quem quiser e puder aparecer - e esperemos que sejam muitos dos nossos amigos e camaradas - deve mandar um mail para marta.lisboa@midas-filmes.pt. Vou fazer um esforço por lá aparecer... LG

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Notas de L.G.:

(1) Contactos:

Marta Lisboa
Midas Filmes
Pç São Paulo, 19-2º Esq.
1200-425 Lisboa
PORTUGAL
tel+fax: +351 21 347 90 88

e-mail: marta.lisboa@midas-filmes.pt
webpage: http://www.midas-filmes.pt/

(2) “Natal 71” de Margarida Cardoso, Documentário, Portugal, 52’

"Natal 71” é o nome de um disco oferecido aos militares do Ultramar Português nesse mesmo ano. CANCIONEIRO DO NIASSA é o nome que foi dado a uma cassete audio, gravada clandestinamente por militares ao longo dos anos de guerra, em Moçambique. São memórias de um país fechado do resto do mundo, pobre e ignorante, adormecido por uma propaganda melosa e primária que nos tentava esconder todos os conflitos, e que nos impedia de pensar e de reconhecer a natureza repressiva do regime em que vivíamos. Produção: Filmes do Tejo [1999].

Fonte: Excerto de Videoteca Municipal de Lisboa
__________

À venda na FNAC e no Corte Inglês. Ou pedindo directamente à MIDAS, www.midas-filmes.pt , telefone/fax 213479088, Praça de S.Paulo, 19 - 2º Esq. 1200-425 Lisboa.

Guiné 63/74 - P2347: Blufo, orgão dos pioneiros do PAIGC, fundado por Luís Cabral (Francisco Palma/FMS)

Por iniciativa do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares, em 23 de Outubro de 2003, foi lançado um CD ROM sobre o Blufo, orgão dos pioneiros do PAIGC, fundado por Luís Cabral.


Local:
Apoios: POSI - Programa Operacional Sociedade da Informação
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Apresentação

A Escola-Piloto, localizada em Conakry, foi criada na sequência do I Congresso do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), realizado no interior da Guiné-Bissau, em Cassacá, de 13 a 17 de Fevereiro de 1964.

Os seus primeiros alunos foram, precisamente, muitas das crianças que aí tinham acorrido, acompanhando os dirigentes das diferentes regiões e que, de acordo com as orientações de Amílcar Cabral, foram levadas para Conakry, a fim de aí poderem receber instrução.

A partir deste momento, começou a funcionar a Escola-Piloto, cujo ensino veio a estender-se até ao 6.º ano, quase sempre ministrado em português, por professores guineenses, cabo-verdeanos e, pelo menos, também um português.

Em 1966, foi também editado pelo PAIGC O Nosso Primeiro Livro de Leitura (1).

Luís Cabral foi o principal impulsionador da criação do Blufo, orgão dos pioneiros do PAIGC – o que lhe advinha das suas responsabilidades no Secretariado Permanente do Conselho Executivo da Luta em matéria de informação e propaganda.

O CD-ROM que o Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares agora publica permite o acesso à série completa do Jornal Blufo, disponibilizada por Luís Cabral, e ainda a alguns sons e imagens.

O Blufo

A saída mesmo irregular e em pequenas tiragens do Blufo – que se publicou ao longo de cinco anos (Janeiro de 1966 a Dezembro de 1970) – constituíu, sem dúvida, um marco assinalável na vida da Escola-Piloto, ao mesmo tempo que a sua influência se fazia sentir em muitas regiões do interior da Guiné onde chegava.

A própria designação do pequeno jornal decorreu de uma escolha criteriosa: Blufo significa o jovem balanta ainda não circunsisado, a quem, no fundo, tudo é permitido e de quem se espera rebeldia e coragem.

Um outro traço marcante do Blufo é a presença nas suas páginas de fotografias de jovens guineenses, como sinal de esperança no futuro, quando o país vivia uma guerra difícil e mortífera. Ora, muitos desses jovens são hoje médicos, engenheiros, advogados, políticos – o que contrasta severamente com a herança colonial em matéria de educação.

Texto e imagem, retirados da Página da Fundação Mário Soares, com a devida vénia

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Nota de CV:

(1) - Vd. Post de 29 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

Guiné 63/74 - P2345: Tabanca Grande (45): António José Pereira da Costa, hoje Coronel, antigo capitão da CART 3494 (Sousa de Castro)

Vila Nova de Gaia > Quartel do ex-RAP2 > Convívio da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74)> O ex-Cap Art Pereira da Costa (hoje, Coronel), ladeado à sua direita pelo ex-sold Costa, de Vila do Conde, e à sua esquerda pelo ex-Alferes Gomes, a residir na zona de Lisboa.



Vila Nova de Gaia > Quartel do ex-RAP2 > Convívio da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) > O antigo comandante Pereira da Costa a cortar o bolo.


Fotos: © Sousa de Castro (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Sousa de Castro, membro nº 2 (em termos de antiguidade...) da nossa tertúlia:


É com enorme satisfação que vejo entrar na Tabanca Grande (e que aproveito desde já para o cumprimentar) um dos três Comandantes da CART 3494 (Xime e Mansambo, Jan 72/ Abr 74). O Cap Pereira da Costa foi o segundo. Rendeu o já falecido Cap Art Victor Manuel da Ponte da Silva Marques, em Agosto de 1972, tendo sido substituído em Novembro de 1972, por razões que desconheço, pelo Cap Art Luciano Carvalho da Costa, a residir em Setúbal.

Envio duas fotos tiradas em Vila Nova de Gaia, no quartel do ex-RAP2, aquando da realização do XXI convívio da CART 3494, em 10 de Junho de 2006.

Cumprimentos para todos os tertulianos. Um feliz Natal.

Sousa de Castro,

ex-1º cabo radiotelegrafista

CART 3494 (1972/74)

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Nota de L.G.:

(1) vd. post de 11 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2341: Siga a Marinha que o Exército já lá está (Coronel Pereira da Costa)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2344: Bibliografia de uma guerra (26): Fala-me de África, novo livro do Cor Matos Gomes (Virgínio Briote)

Luís Graça, o Coronel Matos Gomes e o José Martins, na Culturgest, na apresentação do filme-documentário "As duas faces da Guerra" de Diana Andringa e Flora Gomes (1). Foto de Luís Graça.

Capa do livro Fala-me de África, o novo romance de Carlos Vaz Ferraz, pseudónimo literário do nosso Camarada Coronel Matos Gomes. A obra é apresentada amanhã, 5ª feira, às 18h30, na FNAC do Colombo, em Lisboa..
A história dos afectos e rivalidades de uma família com uma causa comum: o amor a África! Um romance perturbante sobre os que lutaram por uma nova África.

Em 1968 Armando Rodrigues foi a Angola chamado pela tia Helena. O que lhe aconteceu nos meses em que permaneceu na Fazenda Sizalinda, perto de Benguela, enquanto os jovens da sua geração combatiam nas florestas dos Dembos e nas planícies do Leste, durante a guerra colonial, é um segredo que o atormentou durante toda a vida.

Passados quarenta anos decidiu acertar contas com o passado e revelar à sua família essa viagem a África. As respostas que Armando Rodrigues e Leonor Brandão, filha de Helena, procuravam sobre o passado, conduziram-nos num mundo de ressentimentos dos que saíram de África, deixando para trás os bens e, principalmente, os sonhos. Daqueles a quem chamaram retornados, embora nunca tenham vivido na terra aonde a guerra os fez retornar. Mas descobrem um outro mundo muito mais perturbante: o dos que lutaram por uma nova África e sentem a tristeza da realidade. Dos que foram inimigos por uma causa comum: o amor a África!

Carlos Vale Ferraz, pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes, nasceu a 24 de Julho de 1946, em Vila Nova da Barquinha. Fez os estudos secundários no Colégio Nun’Alvares Pereira, em Tomar. Foi oficial do Exército, cumpriu comissões durante a guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné nas tropas especiais Comandos.

Publicou os romances Nó Cego, ASP, de Passo Trocado, Os Lobos Não Usam Coleira, O Livro das Maravilhas, Flamingos Dourados e a novela Soldadó.

O romance Os Lobos Não Usam Coleira foi adaptado ao cinema por António-Pedro de Vasconcelos com o título Os Imortais. É autor do argumento do filme Portugal SA, de Ruy Guerra.

Colaborou com Maria de Medeiros no argumento do filme Capitães de Abril. É autor do guião da série de televisão Regresso a Sizalinda, com base no romance Fala-me de África.
Texto de Vasco Horta
Comunicação e Imagem
Oficina do Livro
Casa das Letras
Sebenta
Rua Bento de Jesus Caraça, 17
1495-686 Cruz Quebrada
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Nota de vb:

Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)




Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72). Lição nº 23: Um grande patriota...

Destaque: "Ele gostava muito dos seus soldados e não gostava de maltratar os prisioneiros".

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Continuação da série PAIGC - Quem foi quem (1)



Guiné > Bissau > 1959 > Os 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias (português, nascido na Metrópole, o primeiro, de pé, do lado direito, assinalado com um círculo a verde) e Domingos Ramos (natural da Guiné, o primeiro da frente, do lado esquerdo, assinalado a vermelho).

Foto: © Mário Dias (2006). Direitos reservados.

Domingos Ramos é um dos nomes míticos da fase inicial da guerrilha do PAIGC. Infelizmente, poucos jovens guineenses deverão saber, hoje em dia, quem ele foi... Domingos Ramos era filho de um quadro local da administração colonial portuguesa, com o estatuto de assimilado, expressão cínica usada na época pelas autoridades portuguesas, para distinguir os guineenses civilizados e não-civilizados.

O Domingos e o Mário (que foi para a Guiné no início dos anos 50, tendo assistido à modernização e crescimento de Bissau, capital da Província desde 1943) fizeram juntos a recruta e depois o 1º Curso de Sargentos Milicianos (CMS) que se realizou em Bissau, em 1959, e no qual participaram os os primeiros filhos da Guiné. Este curso foi um alfobre de quadros...para o PAIGC (2).

1959

8 de Maio > Início da recruta de Domingos Ramos e Mário Dias, no quartel da Bateria de Artilharia de Campanha em Bissau, Santa Luzia, defronte ao que viria a ser mais tarde o Quartel General.

Neste quartel funcionou pela primeira vez uma escola de recrutas seguida de um Curso de Sargentos Milicianos (CSM) para europeus e guineenses considerados civilizados ou assimilados, já com formação escolar de, pelo menos, o 2º ano do liceu, na época chamado 1º ciclo liceal.

A unídade designava-se por Centro de Instrução de Civilizados (CIC) por se destinar a africanos considerados civilizados. O comandante era o capitão Teixeira, pai do conhecido historiador Severiano Teixeira. Nos anos seguintes, passou a chamar-se Centro de Instrução Militar (CIM) e foi transferido para Bolama.

Segundo o depoimento de Mário Dias, "o Domingos Ramos era um indivíduo bem constituído fisicamente e, sobretudo, moralmente. Aquilo que se pode chamar, um bondoso gigante. Desde o início da nossa vivência comum que por ele tive uma especial estima. Tornámo-nos bons amigos em todas as situações e na caserna, nas horas de descanso, trocávamos opiniões sobre os mais variados assuntos, com especial interesse da minha parte por tudo relacionado com os usos e costumes dos guineenses. Muito aprendi com ele. Recordo ainda com saudade e emoção as paródias, próprias da irreverência da nossa juventude. E da célebre água pú que ele me ensinou e a que aderi com entusiasmo" (...) (2)

10 de Agosto > Juramento de bandeira, uma semana depois dos célebres acontecimentos do Pijiguiti (Local do porto de Bissau onde, a 3 de Agosto de 1959, foi duramente reprimida uma greve dos marinheiros, estivadores e outros trabalhadores portuários, reivindicando aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Esta data (histórica) passou a ser considerada pelo PAIGC como o início (oficial ou oficioso) da luta de libertação da Guiné.

14 de Agosto > Início do 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) que houve na Guiné. Este curso foi uma alfobre de quadros para o PAIGC. De entre os camaradas do Mário Dias, destacam-se, além do Domingos Ramos, o Constantino Teixeira, mais conhecido por Chucho ou Axon, que foi igualmente figura importante do PAIGC ("Chegou a ser ministro da segurança interna, salvo erro, no tempo imediatamente a seguir à independência.Apareceu, algum tempo depois, morto dentro do carro numa rua de Bissau"...).





Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos na Semana de Campo...

Comentário do M.D.: "Aqui, como se pode ver pelos apetrechos que levam nas mãos (cantil e marmita) iam a caminho do carro que nos trazia o almoço durante a semana de campo. O Domingos Ramos é o segundo da direita"

Foto: © Mário Dias(2006). Direitos reservados.


Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos montando a tendaAqui está o Domingos Ramos nos exercícios finais do CSM (semana de campo), atarefado na montagem da barraca que era feita com 3 panos de tenda ligados entre si por botões metálicos. Certamente que alguns tertulianos se recordam deste primitivo sistema. A fotografia não tem grande qualidade mas não deixo de mostrá-la, por se tratar de uma pessoa que muito estimei.

Foto: © Mário Dias(2006). Direitos reservados.


Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > Em baixo, a partir da esquerda: O Mário Dias e a seguir o Domingos Ramos apontando a velha Mauser (assinalado por um círculo a amarelo).

Foto: © Mário Dias(2006). Direitos reservados

28 de Novembro > Terminou o 1º CSM


29 de Novembro > Domingos Ramos e Mário Dias são promovidos a 1ºs cabos milicianos ("Fazíamos sargentos de dia, frequentávamos a messe e tínhamos as responsabilidades inerentes mas… ganhavamos como cabos"). A seguir, o Domingos Ramos é colocado em Bolama, a fim de ir ministrar uma recruta. O Mário Dias fica em Bissau. Presume-se que tenha sido em Bolama que o Domingos Ramos tomou a decisão de aderir ao PAIGC (2).

Comentário de M.D.:

"Na verdade, enquanto com ele convivi em Bissau, nem o mais leve indício de descontentamento, nem o mais pequeno sinal de revolta ou discordância com o status quo existente demonstrou. Se algo havia na sua mente, disfarçava muito bem, o que não creio, dada a sua rectidão de carácter.

"O mesmo já não se passava com outros como, por exemplo, o Rui Demba Jassi, que tinha atitudes incorrectas para com os europeus sem que houvesse razões para tal e não conseguia disfarçar animosidade contra nós".

Foto: © rio Dias (20006).Direitos reservados

1960

Ao que sugere o Mário, o Domingos ter-se-á alistado nas fileiras do PAIGC, em Novembro de 1960, depois de ter sido vítima de uma grave injustiça enquanto 1º cabo miliciano, por parte de um oficial português (2).

Juntamente com o Rui Jassi, Constantino Teixeira (que também era do 1º CSM, de 1959) e outros, Domingos Rampos partiu para Pequim, Praga, Moscovo e demais escolas de guerrilha tornando-se um dos primeiros e mais importantes dirigentes político-militares do PAIGC.

Guiné-Bissau > A efígie de Domingos Ramos numa nota de 100 pesos. Emissão de 1975.

Fonte: © Kristian CHIDUCH > Billetes del moundo / Wordbanknotes > Guinea-Bissau (2003) (com a devida vénia...)


1964

Cria, na Zona Leste, a primeira base da guerrilha.


1965

O Domingos haveria de encontrar-se com o seu amigo e ex-camarada de armas Mário Dias, pela última vez, em 1965... Em circunstâncias insólitas... É uma das estórias mais fantásticas que já li sobre a guerra e a grandeza humana que pode haver mesmo numa situação de guerra....

Foi na região do Xitole, na zona entre Amedalai e os rápidos de Cussilinta, perto da estrada Xitole-Aldeia Formosa-Mampatá... Vale a pena reler o segredo que o Mário guardou estes todos e revelou, em primeira mão, aos seus amigos e camaradas de tertúlia (4). Foi um dos momentos altos do nosso blogue (5).


1966

Morreu prematuramente em combate, em 10 de Novembro de 1966, em Madina do Boé, tendo-se tornado num dos heróis da luta de libertação nacional. Está sepultado no Boé.

2006

O Mário Dias tem palavras de grande apreço e admiração pelo Domingos Ramos, reveladoras da sua grandeza como homem e como português e que a mim muito me orgulham, na minha qualidade de fundador e editor deste blogue (Estou certo que os demais amigos e camaradas da Guiné me acompanham neste sentimento). Diz ele:

"Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar"(sic).

São palavras sinceras., de grande humanidade e grandeza, que nos tocam a todos, e reforçam a ideia de que esta tertúlia é muito mais do que um simples rede virtual de veteranos de guerra, de ex-combatentes, de velhos saudosistas...

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. postas anteriores:

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)


30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)


(2) Vd. posts de:

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2342: Blogoterapia (37): Da Pátria pouco Mátria à Fátria lá no cu de Judas que nos coube em má sorte (Tony Levezinho / Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Algures na parada de Bambadinca, em cima de um Unimog 411, dois bons amigos e camaradas da CCAÇ 12, em vésperas de mais uma operação ou saída para o mato: os Fur Mil Henriques e Levezinho... A foto foi tirada na época das chuvas, em 1969 ou 1970. (LG)

O António Eugénio da Silva Levezinho - Tony para os seus muitos amigos - nasceu e cresceu na Amadora, quando a Amadora era uma terra, rural, nascida ao longo do caminho de ferro, com escasssos três a quatro mil habitantes, e aonde os lisboetas iam caçar ou fazer piqueniques aos domingos... Estamos a falar dos anos 40... Com os seus dois filhos criados, e já avô, o Tony vive hoje no seu retiro algarvio, Martinhal, Sagres, Vila do Bispo ... onde ao lado da sua querida Isabel continua, sempre de porta aberta, afável e disponível para os amigos. Já desistiu de insistir connosco para ir visitá-lo...E nós (eu, o Humberto Reis e outros) também já desistimos de o ameaçar com a fantasmagórica chegada, à sua porta, de uma camioneta, cheia de amigos e camaradas da Guiné... Um belo dia destes, lá terás, Tony, de nos dar guarida, até por que vives num lugar mágico, perto da ponta de Sagres, cuja simples invocação mexe com o nosso imaginário de portugas... (LG)

Fotos: © António Levezinho (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de L.G. para o António José Pereira da Costa (1), com data de 1 de Dezembro:

Esqueci-me de referir que o Tony faz anos a 24 de Novembro... Essa data é-nos inesquecível, por várias razões, para além das de amizade: a 22 de Novembro de 1970, invadimos Conacri (nós, os nossos vizinhos de Fá, os comandos africanos e outros, em nosso nome) e a 26 sofremos seis mortos e uma porrrada de feridos na Ponta do Inglês, no Xime (2)...

Tony: Aquele velho abraço!... Saúdo à tua longevidade e à nossa amizade (3). E faz questão de lembrar à tua/nossa querida Isabel, que nessa altura teria 17/18 aninhos, que nós nunca a deixámos ficar viúva, tomando sempre bem conta de ti... Fizemo por ti e por ela...

Espero, entretanto, que já tenhas lido, no blogue, a carta que, há trinta e sete anos, te escrevi de Bissau para o Vietname, mas que nunca cheguei a pôr na caixa do correio (4)... Já agora vê também a foto que publicámos a 11 de Setembro de 2007, em que apareces tu numa renhida disputa de bola, com o Tigre de Missirá, no famoso campo de futebol de Bambadinca (5).





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Cena de uma renhida disputa de bola protagonizada pelo Tony Levezinho, da equipa da CCAÇ 12, e pelo Beja Santos (da equipa dos velhinhos da CCS / BCAÇ 2852 mais unidades adidas, o que incluía o Pel Caç Nat 52, recentemente tarnsferido de Missirá para Bambadinca )... A CCAÇ 12 estava em Bambadinca desde finais de Julho de 1969... (LG).



Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

2. Mensagem do António (Tony) Levezinho:

MEU MUITO BOM AMIGO

Começo por agradecer os teus votos, sempre em tempo, pelo 24 de Novembro.

Desta vez calhou-me o feito de entrar na casa dos sessenta, o que, confesso, era ideia que não me animava muito. Contudo, estes já cá cantam e, em boa verdade, “so far so good”.

É para mim grande motivo de orgulho perceber, cada vez com mais clareza, o quanto posso (e devo) sentir-me um privilegiado pelo facto do destino nos ter cruzado em determinada altura, aliás, muito particular, das nossas vidas, as quais, embora sem que então nos apercebêssemos, transbordavam ainda de uma genuína autenticidade, sem a qual nunca nos seria possível enfrentar e, mesmo, superar determinados momentos que partilhamos na terra do nosso desenraizamento.

Apesar de não ter uma participação activa, no seio da "nossa caserna" não deixo, no entanto, de me manter atento ao que nela se vai passando, registando com muita satisfação a sua evolução muito positiva, quer pela dimensão que já atingiu, quer pela qualidade que aqueles que nela habitam lhe vão emprestando, em cada momento.

Aos camaradas que só agora contigo começaram a co-habitar, faço questão em transmitir-lhes, com total conhecimento de causa, que só um homem com a tua generosidade teria a disponibilidade e o talento para arquitectar e lançar a primeira pedra (…e as outras que se seguiram) da dita "nossa caserna".

Assim, SAÚDO-TE FRATERNALMENTE com a certeza de que o abraço que aqui te deixo se multiplica por tantos quantos os que integram este nosso espaço.

Por curiosidade, andava já há uns tempos para te dar a conhecer o facto de, graças ao nosso espaço virtual, ter sido contactado, a partir da Holanda, por uma prima minha que já não vejo há décadas e que ela, por ser mais nova, nem tinha sequer a certeza se o Levezinho que via reportado no blogue tinha algo a ver com ela. Daí me ter aproximado, via email, de forma bastante tímida, de início, como se compreende. Hoje comunicamos com alguma regularidade.

E mais uma vez, graças ao nosso espaço de partilha fui surpreendido com o aparecimento de alguém de quem também já não tinha notícias há longos anos. Refiro-me ao António José Pereira da Costa, acabado de chegar ao nosso convívio (1).

Há mais de meio século atrás, separados pela distância entre o r/c onde eu morava (a casa do meu pai onde tu chegaste a estar, algumas décadas depois) e o 3º onde ele vivia, brincamos juntos durante os anos da nossa infância e até que abandonamos os calções, a bola de futebol, os índios, os cowboys e os soldadinhos de chumbo, estes como que a profetizarem o que o futuro ao Tó Zé (de António José só a mãe assim o chamava, do alto do terceiro andar) reservaria logo que terminasse o liceu.

Recordo vagamente o dia em que "tomou posse" do enxoval que o seu ingresso na Academia Militar, na altura, impunha.

Inevitavelmente, à medida que os anos foram passando os nossos destinos determinaram rumos diferentes às nossas vidas e hoje nem sequer sei por que paragens e em que contexto o Tó Zé gere o seu dia a dia, eventualmente, já fora da vida militar.

E já agora, porque também lhe vou fazer chegar este texto, aproveito para lhe enviar um GRANDE ABRAÇO e fazer votos para que este seja o ponto de partida para uma reaproximação das nossas vidas, embora a distância física a que nos encontramos não seja, agora, propriamente aquela que separa o rés de chão do 3º andar, do número 63, da Av. Gago Coutinho, na Amadora.

Um caloroso abraço para a nossa tertúlia a partir aqui de Sagres……e já agora que "SIGA A MARINHA"!!!

Tony Levezinho


3. Comentário de L.G.:


Tony: O que escreves é sincero, além de muito bonito. Desculpa-me se for abuso publicitar a tua mensagem (privada) mas eu tenho também o dever e a obrigação de levá-la ao conhecimento da nossa Tabanca Grande: não sendo tu um habitué destas blogarias, os nossos amigos e camaradas da Guiné - tirando os que estiveram connosco em Bambadinca, entre 1969 e 1971 - não te conhecem, nem sabem quão amigo e camarada, além de uma pessoa excepcional, tu és, tu foste (e continuarás felizmente a ser)... Eu tinha que o dizer, aqui, em público, no palanque da nossa Tabanca Grande, usando o respectivo bombolom... Não tanto para contrabalançar o teu sentimento pontualmente negativo ao ultrapassares o quilómetro sessenta (eu senti o mesmo!), mas sobretudo para te incentivar a continuares a tua bela caminhada pela vida fora...

Escusado será dizer quanto, para mim, é grande a honra, o prazer e o privilégio de te ter conhecido em Santa Margarida e de ter convivido contigo na Guiné. Apreciei a tua saudação fraternal, e retribuo-a. Parafraseando o belo poema de Caetano Veloso. Língua (... A língua é minha pátria / E eu não tenho pátria: tenho mátria / E quero frátria ... ), também nós poderíamos dizer que lá em baixo, no cú do mundo que nos coube em má sorte, todos eramos - uns mais, outros menos - órfãos de pai (pátria) e mãe (mátria), mas todos sentíamos a força de sermos irmãos (fátria)... Só numa situação-limite como é a guerra, alcançamos o significado da fátria, a última das tríades familiares... Por pudor, tratamo-nos apenas por camaradas... Tony, agora que não tens a obrigação de picar o ponto, aparece sempre que aparecer, por aqui, na nossa Tabanca Grande, agora enriquecida com o teu amigo e vizinho Tó Zé.




__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de 11 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2341: Siga a Marinha que o Exército já lá está (Coronel Pereira da Costa)


(2) Vd. posts de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

(3) Vd. posts de:


20 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CXCVIII: Recordar é viver ou...a memória de elefante do Humberto Reis

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)


(4) Vd- post de 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(5) Vd. post de 11 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2094: Álbum das Glórias (25): O meu Natal de 1969, em Bambadinca (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2341: Siga a Marinha que o Exército já lá está (António J. Pereira da Costa)


1. Mensagem de António José Pereira da Costa, coronel de artilharia, ainda no activo, cuja entrada na nossa Tabanca Grande saudamos desde já, não com uma obusada (como se fazia, entre os artilheiros) mas com a publicação da sua primeira (de muitas, esperemos) contribuição para este nosso projecto de preserção da memória da Guiné e das suas gentes na época da guerra colonial, guerra do ultramar ou luta de libertação (conforme os pontos de vista semânticos e político-ideológicos):

Assunto - Siga a Marinha (1)

Esta frase foi inventada pelo capitão José Joaquim Vilares Gaspar, mais tarde major, ainda na Guiné (no GA 7) e falecido por volta de 1977. Era o célebre Gasparinho de Quibaxe (Angola) de quem se contam muitos ditos e anedotas, quase todas verdadeiras, embora incríveis.

Salgueiro Maia fala dele no seu livro e o José(?) de Melo, na Fotobiografia da Guerra Colonial (Circulo de Leitores) (2) transcreve uma nota que ele escreveu, na Guiné, expondo a situação do seu quartel em Nhamate, "mais propriamente abarracamento": Siga a Marinha que o Exército já lá está e Força Aérea já anda no ar há meia-hora.

Era assim que ele a dizia. Talvez um desabafo ou uma crítica ou até um bordão para se sentir vivo. Não o dizia com qualquer espécie de humor. Conheci-o bem. Era um homem sério,muito inteligente, bom condutor de homens e com uma capacidade de crítica muito apurada, mas que bebia bastante. Além disso, a inteligência e a capacidade de crítica são uma mistura explosiva...

Estive a ler o vosso blogue e vi que falam de mim. Já tinha enviado um e-mail que se perdeu por erro no endereço. Aqui vai, de novo.

Fui comandante da CART 3494, Xime/Enxalé (a tal que teve três comandantes) durante cinco meses. Sou amigo de infância do António Levezinho. Fiquei amigo do Mexia Alves a quem envio um abraço.

António José Pereira da Costa

2. O Joaquim Mexia Alves já nos tinha, entretanto, enviado a seguinte mensagem, com data de 28 de Novembro:

Caros Luis Graça, Carlos Vinhal, Virginio Briote:

Numa óptima surpresa, fui contactado pelo telefone pelo Coronel Pereira da Costa, que comandou durante um tempo a CART 3494, sediada no Xime e com quem vivi, em conjunto com a CCAÇ 12, histórias engraçadas e outras não tanto, algumas das quais julgo já ter feito referência em alguns textos que vos enviei em tempos.

Disse-me o Cor Pereira da Costa que vos enviou um mail, sobre o blogue e a sua eventual participação, bem como, falava do célebre Gaspar Artilheiro, de quem já foram contadas algumas histórias no blogue, tais como o "Siga a Marinha".

Conheceu-o muito bem e disponibiliza-se para falar sobre ele.

Estranha a demora em responderem ao seu mail, mas fiquei sem perceber há quanto tempo o tinha enviado.

De qualquer modo disse-lhe que haveria muitos mails para responder e por isso nem sempre era fácil responder de imediato.

A razão deste meu alerta é que o Pereira da Costa tem com certeza histórias interessantissimas para nos contar, e por isso o concurso dele no blogue me parece importante.

Ainda está no activo e disse-me ser, palavras suas, "bibliotecário do Exército" (sic), o que também poderá interessar muito à Tertúlia.

Sei do trabalho que todos vós devem ter, por isso desculpem se este mail de alguma maneira vos pressiona. Não era essa a minha intenção.

Abraço camarigo do

Joaquim Mexia Alves

3. Esta foi a resposta que mandámos ao Mexia Alves na volta do correio:

Querido Joaquim:

Obrigado pelo teu alerta... Não parace haver rasto do teu coronel nos nossos mails...Já vi nas minhas caixas de correio... Manda-me o endereço de e-mail dele, para afinar a pesquisa... Ou melhor, pede-lhe com jeitinho para reenviar a mensagem para este endereço (que é novo, como sabes). Um abraço. Luís


4. Por sua vez, a resposta que enviámos, a 1 de Dezembro, ao coronel Pereira da Costa foi a seguinte:

António:

Amigo do Tony (Levezinho) meu amigo é... Mas não precisavas de invocar essa condição especial... És um camarada da Guiné, de quem aqui temos falado, através da escrita do Mexia Alves... 

Presumo que queiras entrar para a nossa Tabanca Grande, o que também é uma honra para nós... Lamento que o teu mail tenha andado por aí... De facto, deve ter havido erro teu, no endereço... Olha, antes de publicar a tua mensagem, manda-me as chapas da praxe: uma foto antiga e outra mais recente... Não é obrigatório (não usamos a palavra, já não temos RDM!), mas ajuda a rapaziada a reconhecer-te...

Além disso, temos uma fotogaleria (que está infelizmente por actualizar, diga-se de passagem,... que o tempo é curtíssimo para manter esta máquina que agora já não é de guerra, mas de paz, mas é uma belíssima caserna onde cabemos todos - ou quase - todos...).

Não queres contar também o teu percurso lá pela Zona Leste ? Tenho saudades do Xitole e do longo e perigoso caminho que a gente fazia para levar a "água de Lisboa" e a bianda àquela rapaziada (andámos por ali, eu e o Tony, entre Julho de 1969 e Março de 1971, com muitas incursões à - e muita porrada na - margem direita do Rio Corubal)...

Já agora: conheces do Tony, de onde ? Da Amadora ? Da Petrogal ? Da Ericeira ? De Sagres ? Eu moro actualmente em Alfragide, desde há 20 anos, mas já morei na Mina, perto da casa do pai dele... De qualquer modo, sê bem-vindo à nossa tertúlia, caserna virtual, Tabanca Grande... ao blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné...

Um Alfa Bravo. Luís


PS - É evidente que o Pereira da Costa foi comandante da CART 3494 (que esteve no Xime e depois em Mansambo, 1972/74). Não confundir com a CART 3492, que esteve no Xitole, e a que pertenceu o Joaquim Mexia Alves, como Alf Mil.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1133: Origem da expressão 'Siga a Marinha" (Vitor Junqueira).

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1134: A expressão 'Siga a Marinha' , atribuída ao Zé Gaspar, artilheiro, Olossato (Paulo Santiago)

1 de Outubro de 2006 >Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)

1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1166: A minha preguiça e a expressão 'Siga a Marinha' (Mário Dias)

(2) Lapso do Pereira da Costa: trata-se do João de Melo, que foi o editor literário da obra,em dois volumes, Os Anos da Guerra - 1961/75 (Círculo de Leitores, 1988). A Fotobiografia da Guerra Colonial (D. Quixote, 1990; Círculo de Leitores, 1998) é uma obra conjunta de Luís Farinha e Renato Monteiro...

O Renato Monteiro, que também esteve no Xime e no Enxalé, em 1969, é um querido amigo meu, camarada de Contuboel (Junho-Julho de 1969). Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é professor do ensino secundário, e um notável fotógrafo, com obra feita (vários álbuns publicados), além de autor de dois livros de poesia. Haveremos de falar dele, muito em breve.

(3)Vd. post de 1 de Outubro de 2006 >Guiné 63/74 - P1135: A expressão 'Siga a Marinha' e a crise dos capitães (Sousa de Castro)


(...) A expressão 'Siga a Marinha' também era muito utilizada no meu tempo de Guiné, CART 3494 - Xime e Mansambo (Janeiro de 1972/ Abril de 1974). Foi o nosso primeiro CMDT, Cap Art NM [Número Mecanográfico] 51322811 - Victor Manuel da Ponte Silva Marques, que a utilizava sempre em qualquer circunstância e nós também por arrastamento a utilizávamos.

Siga a Marinha, Sousa de Castro!

PS - Onde digo "o nosso primeiro CMDT" quero dizer que tivemos mais do que um, foram três. Para além do atrás referido, em Agosto de 1972, foi rendido pelo Cap Art NMº 04309164 - António José Pereira da Costa que acabou por ceder o lugar, em Novembro de 1972 ao Cap Mil NM 06383765 - Luciano Carvalho Costa (...).

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 10 : "Lagoa entre Catió e Priame".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 28: "Cufar, 1966 - Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 14: "Catió 1967- Material capturado em Cabolol no decurso da Operação Penetrante em 27 de Junho de 1967".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 25: "Cachil 1965– Ilha do Como – Interior do aquartelamento".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 6: "Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola".

Fotos e legendas: © Benito Neves (2007). Direitos reservados (1):


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (2)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.



Parte IV - Pami e Malan são feitos prisioneiros pelos Lassas (pp. 35-40)

© Mário Fitas / (2007). Direitos reservados.


Resumo do episósio anterior (2):

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.



(i) Pami e Malan são feitos prisioneiros

Madrugada de 24 de Agosto de 1965. Pami dorme paulatinamente nos braços de seu marido, depois de uma noite de amor. Ao romper da aurora, uma leve neblina cobre a bolanha entre Cobumba e o rio Cumbijã. Os cães da Tabanca começam a latir e ouvem-se barulhos esquisitos que, aos poucos, se transformam em gritaria. Cobumba está cercada por tropas do exército Português. Há algumas fugas, e ouvem-se algumas rajadas de espingardas G3. Malan, desprevenido, apenas tem tempo de esconder a sua Kalashnikov num depósito de arroz. Os soldados portugueses fazem a busca, de casa em casa. O pessoal capturado é reunido numa clareira. Disfarçadamente, Pami afasta-se de Malan, por ordem deste, para que não haja mais confusão, e para tentar não comprometer sua mulher. Ele está perdido! Vai ser facilmente identificado como guerrilheiro, pois sabe que existe mandato de captura contra ele.

Pami pensa como poderia tudo isto acontecer? E repentinamente apercebe-se.Os Lassas! Verdade, ali estavam eles! Mas como? Não se ouvira nada! O roncar das lanchas de desembarque!? Terão vindo pela estrada! De certeza! São mesmo perigosos. É necessário muito sangue frio e inteligência para tratar com esta gente. Estamos no fundo, pensa Pami, enquanto, atentamente, observa a movimentação das tropas portuguesas, identificando quem manda quem, e o cumprimento irrepreensível desta máquina de guerra. Raro é o soldado que não tem barba crescida, o que lhe dá uma certa camuflagem. Agora vê nitidamente quem comanda tudo. Precisamente! É aquele indivíduo alto, magro, barba curta e óculos escuros, que apenas usa pistola. Tudo passa por ele, que recebe e dá informações através do elemento que transporta um enorme rádio às costas, e que responde pelo nome de Garcia. Não há confusão! Os homens movimentam-se, como que vivessem em Cobumba há longos anos.


(ii) O leão de Cufar

A população que não conseguira fugir ao golpe de mão, contínua toda reunida. E à ordem do homem dos óculos, um negro, magro e pequeno, começa a transmitir em balantaum discurso contra os malefícios da guerrilha, e a necessidade de entendimento com as autoridades legais. Dado não se encontrar o chefe da Povoação, terá de levar algumas pessoas, homens e mulheres, para conversar melhor sobre todos estes problemas, e sobre os guerrilheiros que se movimentam com muita facilidade em Cobumba e, também, para receber explicações pela inexistência de jovens. Pede aos que ficam para transmitirem ao chefe de Tabanca estas palavras, e que seria bom que o mais breve possível ele se apresentasse em Bedanda, ou de preferência em Cufar, no que teria imenso gosto. Seguidamente, iria ser escolhido o pessoal que acompanharia os militares. Falou baixinho com um elemento que Pami reconhece ser um residente da Tabanca de Priame, em Catió. Concerteza seria o chefe da milícia. E são os homens e mulheres escolhidos. No grupo estão incluídos Malan Cassamá e, inexplicavelmente, Pami na Dondo.

Porquê? Não veriam os militares a sua frágil constituição e a inexistência da sua mão esquerda? Ou seria por isso mesmo!?... Não é uma tropa qualquer, há algo de especial nestes indivíduos, adivinham as coisas. Os soldados que rodeiam os homens que os acompanharão, começam a movimentar-se, obrigando-os a segui-los. Como uma cobra a deslizar por entre o capim e em fila, Pami observa os Lassas a saírem das suas posições e a movimentarem-se na direcção do cais. As mulheres são agora mandadas caminhar entre um grupo, que se terá mantido invisível do lado Norte no sentido de Cansalá. Ao entrarem na picada que atravessa a bolanha, para acesso ao cais, em terreno descoberto os militares deslocam-se afastados uns dos outros, aproximadamente quatro a cinco metros, em andamento rápido, e verifica-se que têm a preocupação de colocarem os pés no mesmo local do companheiro da frente. Pelo alongamento, devem ser próximo de cem homens.

Pami compreende agora toda a manobra. Fizeram roncar as lanchas de desembarque no rio junto a Cadique, para as tropas se movimentarem mais facilmente pelo interior, e não serem detectadas.

(iii) O embarque dos prisioneiros em lanchas da Marinha

Chegada ao cais, embarque rápido. A primeira lancha enche rapidamente, e recua para meio do rio, para segurança. A segunda também é rápida na movimentação. O pessoal prisioneiro continua separado. Na primeira lancha, os homens, onde segue também o homem dos óculos sempre com o do rádio atrás. As mulheres, na segunda, com o grupo que se mantivera invisível a Norte da povoação, e começa a descida do rio.

Pami Na Dondo - incógnita sabedora da língua portuguesa -, vai observando e registando as conversas dos militares, ignorantes ainda sobre quem são as suas prisioneiras. Julgando-as apenas entenderem o dialecto Balanta, ou um pouco de Crioulo.

Quatro militares estão muito próximo de Pami e esta pode seguir perfeitamente o seu diálogo. Apercebe-se rapidamente que são os chefes deste grupo de homens. Fica um pouco incomodada com o olhar persistente de um deles. Boina preta na cabeça, lenço da mesma cor ao pescoço. Não pára de olhar o coto da sua mão, procurando depois os seus olhos, com uma intensidade profunda. Passados uns momentos, fala para o que estava a seu lado:
- Telmo! Temos de soltar a língua àquela gaja sem mão! Tem cara de inocente, mas é capaz de saber muito!
- Acredito! É bem possível! - retorquiu o outro.

Mas um terceiro, pequenino e magro, muda a conversa.
- É pá e as sacanas das formigas! Foda-se, fiquei todo picado. Vocês viram como os cabrões têm a estrada toda cortada e cheia de abatises!?

O que dá por nome de Telmo riposta:
- Qualquer dia vamos limpar aquela merda toda! Tambinha, o que é que dizes?
- O caralho! Vai tu!

O da boina preta olha para o Tambinha - diminutivo de nome balanta, apercebe-se Pami - e com escárnio diz:
- É melhor ires marcando as férias se não quiseres embarcar nessa! E tu, Taveira, não estás cá!? Ou estás a masturbar-te em pensamento!? Não dizes nada?

Entretanto, um soldado com aspecto boçal e de barba ruiva bastante crescida, chega-se mais a uma bajuda, que fazia parte das cinco prisioneiras, e por entre o pano com que esta cobria o corpo, mete-lhe a mão nos seios e sai-lhe:
- Rica chicha! Isto para o almoço era até esfolar a gaita!

Os militares riem, mas o de nome Telmo, autoritário e vendo a cena, repreende o soldado:
- Se lhe tocas mais uma vez, levas com a G3 no focinho! Seu porco! Assim é que queres fazer psico? É? Toma juizinho. Ninguém toca nas mulheres!

Faz-se silêncio por uns tempos, perturbado apenas pelo roncar do motor da lancha. Alguns militares começam a tirar cigarros dos bolsos e, fumando, vão mirando as prisioneiras com olhar muito distante.

Passado algum tempo de viagem, um militar de calção e camisa azuis - que deveria pertencer à guarnição da lancha -, informa o de nome Telmo:
- Estamos a chegar! É melhor mandar a malta desviar, para a prancha descer e acostar melhor!
- O.K.! Malta, vamos chegar mais para trás!

E, virando-se para os outros três companheiros, dá as seguintes ordens:
- Taveira, sai primeiro com os teus homens!

Depois, virando-se para o da boina atalha:
- Mamadu, com os teus leva as mulheres! Cuidado ao subir para as viaturas! Tambinha, vais no último Unimog!

(iv) A chegada a Cufar

E começam as despedidas do pessoal da lancha, enquanto a porta da frente da mesma desce e embate em terra, pelo que fica pronta para o desembarque. Os soldados começam a sair, agora com outro à vontade, e muita fala. Não sabendo onde se encontrava, Pami apercebe-se de que o terreno é já muito conhecido dos militares.

Apesar dos avisos recebidos, as mulheres são auxiliadas a subir para as viaturas, pelos soldados que aproveitam para as apalpar e passar as mãos pelas partes baixas das mesmas, satisfazendo assim o instinto animalesco, resultante de longa privação de sexo. Só quando as viaturas se põem em andamento, e atravessam a tabanca de Impungueda, Pami reconhece o local. Sim, é de certeza, passara por ali antes da ocupação de Cufar pelos militares. Atravessam Iusse, contornam a lagoa e entram ao fundo da pista de aviação, em direcção à antiga Quinta.

Ao chegarem ao portão da Quinta, Pami não reconhece nada. Está tudo modificado, só quando param em frente da moradia principal, identifica a antiga casa. Desce toda a gente, e alguns soldados curiosos aproximam-se dos prisioneiros que continuam separados. O militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento, reúne com os chefes dos grupos, e é dado destino aos prisioneiros. Na separação ainda há um olhar entre Pami e Malan, transmitindo em pensamento a mensagem secreta, de que a sorte os acompanhe. Não será assim! Pami e Malan fazem naquele breve, mas profundo olhar, o adeus para sempre. Ali terminará uma vontade, um querer, uma coisa diferente, aquele amor sofrido e vivido até à exaustão. É o fim de certeza! No seu interior eles sentem-no! Sentem vontade de correr um para o outro e morrer naquele momento. Mas já é tarde, lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação para sempre. A solidão toma conta do seu pensamento e coração .

(v) Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló

As mulheres prisioneiras ficam à guarda dos milícias do ex-cipaio. Os homens ficam sob a custódia dos soldados brancos. Nenhum prisioneiro conhece o seu destino. À noite é distribuída uma refeição de arroz com carne de vaca, cozinhada pelos soldados Lassas. Pami rejeita, não tem apetite, apenas bebe um pouco de água. Com as suas companheiras, são metidas numa palhota junto às moranças dos milícias. É-lhe solicitado silêncio, e o medo não deixa que haja qualquer comunicação entre as mulheres. Pami não consegue dormir um minuto, pelo que se apercebe dos movimentos nocturnos próximos da palhota. De quando em vez ouvem-se passos. Deverá ser o render das sentinelas.

No dia seguinte, ao romper da madrugada, começam a ouvir-se os bombalôs, tambores, no seu frenético tan-tan, para os lados das tabancas a sul, anunciando o Choro pela morte de alguém. Pami sentada no chão de capim - pensamento enevoado -, não sente os panos enrolados ao corpo, todos ensanguentados. A situação nem lhe dá a física percepção, de que lhe terá aparecido a menstruação.

Conforme o sol se vai erguendo por sobre o tarrafe da confluência dos rios Manterunga e Cumbijã, a vida no aquartelamento, vai tomando movimento. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(Continua)
__________

Notas de L.G.:

(1) Um especial agradecimento é devido ao nosso camarada Benito Neves que pôs à disposição do Mário Fitas e da nossa Tabanca o seu álbum fotográfico. Sobre o Benito, vd. os seguintes posts:

Vd. posts de:

15 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)


(2) Vd. episódios anteriores:

Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)




28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)23 de Novembro de 2007 >




(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

(3) Lassas era a alcunha por que eram conhecidos os militares da CCAÇ 763, de que fazia parte o Mário Vicente, Fur Mil Fitas . No seu primeiro livro (Putos, Gandulos e Guerra, edição de autor, Cucujães, 2000, p. 75), pode ler-se:

"Por informações recebidas, a [CCAÇ 763] será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas. Pelo que se veio a saber, lassa era "uma espécie de abelha existente na Guiné que, não sendo molestada, não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa quando enraivecida. Esta alcunha resultaria, portanto, da actuação da [Companhia] pois, quando chegava a uma povoação em que a população estivesse e não fugisse, não haveria problemas, pois falava-se com essa população e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Se, caso contrário, a população fugisse e abandonasse as suas moranças, as mesmas eram literalmente destruídas" (...) .

O termo crioulo que eu ouvi, muitas vezes, aos meus soldados fulas, quando fugíamos das terríveis abelhas africanas era Bagera, bagera!!! (LG)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2339: Tabanca Grande (44): Henrique Cabral, Fur Mil, CCAÇ 1420 (Mansabá, 1965/67), editor do Blogue Entre Fogo Cruzado

1. Mensagem do camarada Henrique Cabral, do dia 4 de Dezembro de 2007, dirigida ao nosso Blogue

Camaradas,

Tomei a liberdade de me dirigir a todos vós porque, a descoberta dos vossos relatos e fotografias na blogosfera me trouxeram recordações de locais e situações, por mim também vividas bem de perto.

Assim, e passados mais de 40 anos de ter andado por Fulacunda, Mansoa, Braia, Encheia, Uaque, Jugudul, Bissorã, K10, Olossato, Cutia, k3 (Farim) e Mansabá, resolvi partilhar também com todos vós, as imagens que por lá recolhi, nesses tempos bem difíceis.

Imaginei então um filme a preto e branco em que cada um possa, com pequenos textos fáceis de ler, dar voz às imagens e acrescentar algo que contribua para o conhecimento daquilo que por lá vimos, ouvimos e sentimos.

O eventual contributo de novos items e imagens será bem vindo.
Venho deste modo convidar-vos a participar no "ENTRE FOGO CRUZADO" o que muito me lisongearia.

Considerando ser o meu sítio, apenas um complemento aos vossos, tive a iniciativa de colocar nele, algumas ligações para eles.

Saudações cordiais,
Henrique

In illo tempore:
Furriel Mil Cabral
CCAÇ 1420
BCAÇ 1857
Na Guiné de 1965 a 1967

Agora:
Henrique de Sacadura Freire Cabral
Queluz, Dezembro 2007


2. No dia 9 de Dezembro de 2007 o co-editor CV respondia:

Caro camarada Henrique Cabral:

Em nome do editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a agradecer o teu contacto e o facto de teres na tua página um link para a nossa.

Já agora abro um parêntesis para te dizer que o nome oficial do nosso blogue não é Tabanca Grande como indicas, mas o que está acima. Entre nós usamos os termos Tabanca Grande ou Caserna Virtual, para dar um ar de igualdade e camaradagem entre os tertulianos.

Tratamo-nos por tu, independentemente dos antigos postos militares, da idade e até da posição social. Verdadeiros camaradas não se distinguem entre si.

Deixo-te o convite para, se quiseres, entrares na nossa Tabanca Grande, onde cabe sempre mais um camarada que tenha pisado qualquer chão da Guiné. Teríamos assim mais oportunidade de trocar conteúdos, estórias, experiências e fotos dos nossos tempos.
São nossos tertulianos também os civis que, por qualquer circunstância da vida, estão indelevelmente marcados pela Guiné de então, hoje Guiné-Bissau.

Tu e eu temos em comum o facto de termos andado por terras do Óio. Estive em Mansabá 22 meses em quadrícula, entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972. Conheço Mansoa, Cutia, Bissorã, K3, Farim, Bafatá e Bissau, claro.
Muito pouco, comparado com aqueles que intervinham em tudo quanto era sítio.

Já andei Entre Fogo Cruzado. Está muito bem elaborado.
As belíssimas fotografias a preto e branco dão-lhe uma particularidade que realça sobretudo o teu gosto e sensibilidade pela imagem, mais do que pelas palavras.
A memória da guerra em si, não é o mais importante, mas a beleza da paisagem daquela terra e, os usos e costumes daquele povo nosso irmão.
Parabéns.

Em meu nome, no do Luís Graça e dos restantes camaradas e amigos do nosso blogue desejamos-te os melhores êxitos e uma vida longa para a tua página.

Os nossos cumprimentos

Carlo Vinhal
Co-editor

3. No mesmo dia Henrique Cabral voltava ao contacto

Caro camarada Carlos,

Para que fique bem claro, eu é que agradeço a tua disponibilidade e atenção dada ao meu sítio e a possibilidade de nele colocar um link para a Tabanca Grande que considero um excelente trabalho. Um manancial de documentos vivos da guerra na Guiné escritos na primeira pessoa.

Eu sei que o actual e verdadeiro nome não é Tabanca Grande mas...se me autorizarem, prefiro, gosto mais dele. É mais sintético, abrangente, recua no tempo e aproxima-nos.

Fico muito grato pelo convite que me fazes e quando arranjar veia lá estarei. No entanto o meu forte não é a escrita e muito menos o romance. Sou muito sintético e até telegráfico demais.

De facto andámos pelos mesmos sítios...já lá vai tanto tempo. Mas quando revejo as minhas fotos é com se fosse hoje. É por isso que imaginei o meu sítio assim - impessoal e intemporal. Aberto a todos, pois todos nós por lá vimos aquelas imagens em qualquer chão. Esta apresentação pretende dar relevo a pormenores da vida daquela gente que muitas vezes não contava para nada...senão para ser usada.

Ficaria muito lisonjeado com palavras tuas nos comentários e caso queiras, podes mesmo enviar-me uma foto e texto.

Muito obrigado pelos votos encorajadores.

Um abraço
Henrique

4. Comentário de CV

Camaradas e amigos tertulianos, podem e devem visitar o sítio do nosso camarada Henrique Cabral em http://entrefogocruzado.wordpress.com/ porque é um local calmo, cheio de fotografias a preto e branco, de belas paisagens e gente da Guiné.

Como o nome do blogue sugere, o povo esteve e estará sempre entre fogos cruzados. Muitas vezes serviu e serve de moeda de troca, outras, é vítima inocente. No entanto raras vezes lhes pedem opiniões quanto ao seu próprio futuro e sobre o caminho que querem seguir.

Transcrevo a seguir, com a devida vénia ao Henrique, da rubrica Acerca de... um trecho em que ele se apresenta, e ilustro com uma das belíssimas fotos que lá se podem ver.




5. O Autor

Acerca de...





em 1965.

Foi mais um a chegar… dos muitos atiradores integrado numa Companhia de Caçadores de tropa-macaca mas trazia na bagagem uma kodak e a cabeça cheia de ideias.

Andava sempre por aí… só desaparecendo às vezes quando o chamavam para dentro do aquartelamento para “fazer os serviços”. Mas voltava… voltava sempre com a mesma curiosidade de nos conhecer.

Por vezes as coisas não lhe corriam bem mas nunca o deixava transparecer… antes aproveitando o que de bom esta terra tinha para lhe oferecer: o pôr do sol esfuziante, não fora a deprimente época das chuvas; o verde das matas e seus sons inesquecíveis, não fora os perigos que escondem; a água quente dos rios, não fora algum dos seus habitantes menos agradáveis; as noites claras de lua cheia e cruzeiro do sul, não fora os indesejáveis mosquitos.

Usou 3 máquinas fotográficas que sucessivamente se foram avariando devido às péssimas condições a que eram sujeitas, tendo disparado cerca de 3000 vezes.







em 2007

Passados 40 anos decide mostrar parte do seu espólio fotográfico apenas com o intuito de partilhar, com todos, essas recordações.

A guerra não é o tema central mas como realidade bem dura que foi, não pode ser omitida.

Propositadamente são excluídas certas imagens e não são referidos nomes de pessoas ou lugares, tentando apenas fazer um filme a preto e branco do dia-a-dia da gente, em qualquer chão guineense.

Henrique Cabral
Novembro 2007

Fotos: © Henrique Cabral (2007)(site Entre Fogo Cruzado)