segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2358: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (1): em memória do Alf Mil Comando António Vilaça (Virgínio Briote)



O alferes António Vilaça, ao centro, rodeado pela 1ª Equipa do Gr Cmds Vampiros, em Setembro de 1965. À sua esquerda, o Jamanca e o Justo que fizeram parte da 1ª Companhia de Comandos Africanos, tendo sido executados pelo PAIGC, já depois da independência, sendo na altura tenentes graduados (1). À direita do Vilaça, dois camaradas que sairam da secção do Fur Mil Comando João Parreira, na CART 730 e depois do 2º Curso de Comandos ficaram na 1ª equipa do Grupo Cmds Vampiros: António Paixão Ramalho (Monte Trigo) e o João Maria Leitão (2).


Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos rerservados.


A CCAÇ 726 em terras da Guiné. Uma Companhia ainda à procura da sua história (3). À Memória do António Vilaça, alferes da CCAÇ 726, colega e camarada, onde quer que estejas.

Colega, nos nossos tenros anos do liceu Sá de Miranda, nos cafés da Arcada, na Lusitana, na Rua do Souto em Braga.



O Vilaça (de costas), o Furr. V. Sousa, (...) o alf Gião do QG, o V. Briote, o Furr Marques e o Alf Toni Ramalho, à mesa do Hotel Portugal, em Bissau.

Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos reservados.


Camarada, poucos anos depois, com 20 e poucos anos, nas bolanhas e nas lalas de Iracunda e de Canquelifá, naquela Guiné que ambos odiávamos e amávamos. Nas nossas desavenças em Brá, no quarto que repartimos meses e meses, nos jantares no Hotel Portugal, em Bissau, nas brincadeiras em que nos metemos, nos castigos, punições em linguagem militar, que ambos sofremos, no solene frente a frente com o Brigadeiro Sá Carneiro, o Comandante Militar, a ler-nos nas trombas as redacções das infracções que cometemos, a vergonha que devíamos sentir, contra o espírito da psico-social, então a iniciar-se nos meados daqueles anos.

E depois da Guiné, dois ou três anos passados, os nossos encontros em Braga, as conversas que tivemos sobre a vida à nossa frente, com a Guiné para trás, como se nunca por lá tivéssemos andado. Lembras-te, António?

Não tiveste a vida que gostarias de ter tido e, no entanto, isto cá entre nós todos, pouco fizeste para teres outra. Quando te avisaram que a despedida estava próxima, ainda me telefonaste. Apanhaste-me num táxi, no Marquês, quiseste dar-me a honra de ser o primeiro a saber do mal que tinhas e dos dois ou três meses que nos restavam para pormos a conversa em dia. Não houve tempo para mais, António. E assim te foste, sem mais nada dizeres, quiseste ir só, com os teus à beira.





Curvamo-nos perante todos os que defenderam aquilo que lhes ensinaram que era Portugal. A nossa História a isso nos comprometia. Uma História feita de Albuquerques, Gamas, Egas Moniz, Magalhães e tantos e tantos outros que honraram, por feitos desmedidos, o sagrado nome de Portugal.
Tinhamos então pouco mais de 20 anos. Poucos anos antes, tinhamos trazido das escolas a ideia que a Pátria era una e indivisível. Depois, nas Mafras deste país, ensinaram-nos a usar as armas, a jurar que se o nosso precioso sangue tivesse que verter, que o fosse, que só assim seríamos realmente dignos de cá termos nascido.

Dulce et decorum est pro patria mori, doce e honroso é morrer pela Pátria. Assim mesmo jurámos, alguns com os pêlos da pele eriçados.

De pouco mais de meia dúzia de nomes ilustres faz parte a nossa lembrança escolar, mas não foi só deles que a história deste País se fez. De muitos também se fez o esquecimento e, no entanto, eles estiveram lá e outros foram mesmo decisivos nesses declinares da história.

vb

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Notas de vb:

(1) Vd. posts de:

23 Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)

12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

(2) Vd. posts de:

8 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2037: Memórias dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

(3) A CART 726 foi comandadq pelo ex-Cap Art Nuno Rubim, nosso muito estimado amigo, hoje coronel, e grande especialista em história da artilharia. Vd. posts de:

14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)

Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras do MNF (Fernando Chapouto)

Lisboa > Belém > 14º Encontro Nacional de Combatentes > 10 de Junho de 2007 > O Marques Lopes e o Fernando Chapouto, dois homens que palmilharam o subsector de Geba.

Sobre o ex-Fur Mil de Op Especiais Fernando Chapouto.: (i) Partida no Niassa em Agosto de 1965; (ii) Em Outubro de 1965 está em Camamudo; (iii) Em Dezembro de 1965 passa por Banjara; (iv) Em meados de 1966 está destacado em Geba; (v) Em Março de 1967 está em Cantacunda; (vi) Em Maio de 1967 regressa à metrópole no Uíge; (vii) Recebeu uma cruz de guerra.

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos rerservados.

1. Mensagem do Fernando Silvério, mais conhecido por Fernando Chapouto, ex-Fur Mil, Op Esp, CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda

Retribui e agradece para ti e toda a família um Natal Feliz e um Ano novo cheio de felicidades, paz e amor assim como para a TABANCA GRANDE, são os votos sinceros da família Chapouto.

Pois, infelizmente, que os dois Natais que passei na Guiné foram em Banjara, capital do Oio, como nós lhes chamavamos, assim como a passagem de Ano.

Como as senhoras da Cruz Vermelha levavam os brindes aos militares destacados, mas a Banjara nunca foram, mandaram-nos na coluna uns dias antes. Ainda me lembro que no primeiro Natal foi um isqueiro e uns aerogramas (bate-estradas).

Um abraço para a TABANCA GRANDE

F Chapouto
Fur Mil
CCAÇ 1426 Guiné 65/67

2. Comentário de L.G:

Fernando, tens de explicar melhor à gente quem eram essas senhoras da Cruz Vermelha [, digo, do Movimento Nacional Feminino, quer dizer o autor,] que, nessa época (1965/66), levavam ao tuga os isqueiros, os maços de cigarros e os bate-estradas... Presumo que fossem senhores... da Guiné (vivendo em Bissau, Bafatá...), possivelmente esposas da tropa do "ar condicionado". Nunca lhes pus a vista em cima, no meu tempo (1969/71), a essas tais senhoras da Cruz Vermelha da Guiné.

3. Pedido de correcção (e de desculpas) do F.C.:

Quero pedir desculpa às "Senhoras da Cruz Vermelha" que por Banjara não passaram no Natal, pois queria dizer as Senhoras do Movimento Nacional Feminino (MNF), mas também não passaram de Bafatá ou nem de Bissau.

Mas pelo menos ainda se lembravam de nós uma vez por ano.

Continuação de boas festas.

Um abraço

Fernando Chapouto

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1450: Operação Jóia ou o dia mais trágico da minha comissão (Fernando Chapouto)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1233: O meu cantinho na Net (Fernando Chapouto, CCAÇ 1426, Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, 1965/67)

30 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira, que mora na Foz do Douro (1):

Amigo Luís Graça, se vires que esta história tem algum interesse publica no nosso blogue e se achares por bem podes corrigir algo do Português.

Omito nomes para que só seja entendida a história,se achares que como historia não vale nada,não há problemas porque me fez muito bem escrever hoje fim de tarde friorento e até te digo estou aliviado e feliz, e seja o que Deus quiser.

Um abraço, um dia ainda te hei-de conhecer, isto vai lá devagarinho é que há muitos anos que não mexia na ferida.

Um bom natal para ti e para as pessoas que mais amas, assim como para todos os tertulianos e camaradas de todas as nossas Guinés.

Henrique Cerqueira


2. O meu Natal no mato (2) > Um milagre em Bissorã, 1973

por Henrique Cerqueira (CCAÇ 13)

Protagonista Principal:

Henrique Cerqueira, Fur Mil Atirador, BCAÇ 4610/72, em regime de voluntariado na CCAÇ 13 até Julho de 1974.

Protagonista secundário:

Regime de Marcelo Caetano e restantes (A BESTA)

Introdução:

Capitão, Alferes, Médico... não se sintam culpados, vocês foram vítimas da BESTA e com a vossa atitude permitiram o meu "Milagre de Natal", daí esta minha introdução que só os protagonistas entenderão.

Quanto á história tentarei que a entendam, pois que não sou escritor e só vou narrar o que está gravado na mente. Além disso prometi escrever algo para a tertúlia e sendo assim aqui vai e ao jeito do correr da pena.É que amanhã já não arrisco.

Véspera de Natal do ano de 1973. Nesse ano e contra mares e marés consegui ter a minha mulher Dulcinea (Ni para os amigos) e meu filho Miguel, de dois anitos, junto de mim. Vai daí pensei eu que atendendo a circunstâncias relacionadas com o Natal de 1972 e eu explico essas circunstâncias.

No ano de 1972, Natal e Ano Novo, cá o rapaz ficou a Patrulhar nessa noite de Natal só como Graduado e com o seu grupo de combate. Pois que aceitou (que remédio) que o seu Alferes fosse passar o Natal aos Açores e, como tinha mais um furriel no grupo, mas que por acaso era Guineense, esse também foi autorizado a ir para Bissau.

Cá o Henrique até nem se chateou pois que para levar um balázio na mona tanto faz ter mais furriéis ou mais Alferes junto e, como ainda era a noite em que a única falta era a da família e como os ditos atrás até tiveram passes e autorização,porque não???

E assim se passou o Natal de 1972. O Alferes veio dos Açores. O Furriel veio de Bissau e mais tarde até vieram, de prenda atrasada, mais dois Furriéis para o Grupo.Como vêem, até foi um Natal feliz para todos, ná é ?!...

Bom o ano de 1973 foi correndo - correndo devagarinho...devagarinho - , , mas lá chegou a outro Natal, o de 1973. Ah! esse, sim, ia ser o meu Natal Feliz na Guiné. Calma, malta, isto tem de ir devagarinho´, é que estou a abrir o ficheiro(mona,tola, massa encefálica,etc.). É que isto, malta, também é Guiné.

Bom, andemos.Dia 24/12/1973 chegou e então logo pela manhã e como sabia que o plano de protecção ao comando estava traçado e que mais uma vez o meu grupo estava escalado para Patrulha até pelo menos a meia-noite, este rapaz que acreditava que ainda havia Natal para todos, o que faz? Vai, muito alegre e contente, falar ao Aferes e pedir dispensa para a patrulha da noite e até disse que o único motivo de tal pedido era pelo simples facto de ter a mulher e filho junto dele.

Errado... Errado... O Alferes até parecia que estava à espera de tal pedido, pois que de imediato e de rajada me disse:
- Não, senhor, nem pense ,você não tem privilégios, não é mais que outros, por tal há que ir pró mato.

Ainda tentei falar ao coração do meu "camarada", depois até lhe lembrei o Natal de 1972. Qual quê?! Nem pensar, o grupo esse ano ia todinho para o mato patrulhar ou seja UM Alferes, três Furriéis e vinte e tal Soldados.

Meti o rabinho entre pernas (que é como quem diz sufoquei as lágrimas) e vim para a minha tabanca e pensei…..(ainda pesava !..):
- Parto um pé e prontos, não vou ao mato!!!

Merda, a pedra era torrão ferruginoso, desfez-se no pé e só ficou a arder... Merda, merda, assim não podia ser. Ainda pensei num tirito no pé,mas não se tornou viável, tinha muitos mirones e depois as balas eram caras, não é?? Então cá o rapaz que ainda não estava Homem feito,resolveu escrever um bilhetinho e mandou ao Capitão a dizer que estava doentinho.

Porreiro, mudou de folha e até coincide com a mudança de tudo e em especial com a minha grande mudança nesse dia e até para todo o sempre.

Passados mais menos uns trinta minutos vejo a se dirigir para a minha tabanca uma Delegação de Respeito, ou seja: Um Capitão, um Alferes e um Médico e creio ainda que mais atrás vinham alguns mirones "aramistas" e então começaram as "negociações" (hé…hé..deixa-me rir!).

1º Você não está nada doente, o que quer é se baldar;

2º Não tem privilégio nenhum só porque teve o atrevimento de trazer a família para junto de si (a palavra atrevimento eles pensaram e eu só agora escrevo, é da minha autoria neste texto)

3º Como toda aquela conversa me estava a enojar, pois que todos sabiam que eu sempre fui voluntário para tudo que não era desejável, sabiam ainda o que se tinha passado no Natal de 1972, nunca tinha contestado ordens de superiores,sempre tinha respeitado todos os camaradas Furriéis e todos os soldados do grupo ou de outros agrupamentos, assim como apesar da minha juventude eu tinha uma óptima relação com os civis e até no aspecto de Humanização e ainda após todos aqueles anos já longos de Guinè não havia nada a apontar na minha folha de serviços e como já estava farto da treta dos três e após ameaça de ficar preso no domicílio, ser despromovido, e ainda recambiado para a Fronteira, eu então tive... o MEU MILAGRE DE NATAL!

Fiquei Homem de verdade e aceitei o valor da proposta e, como tal nessa noite de Natal de 1973, em Bissorã eu fiquei preso, comi rabanadas que fritei em conjunto com a Ni ,comi arroz doce, tive muitos amigos em casa, tocámos viola, cantámos chorámos e rimos, enfim houve Natal esse ano,eu tive o Natal que queria,o Milagre aconteceu e deu-me coragem para me revoltar contra o sistema da altura e até venci a BESTA porque: Não fui para a Fronteira, não fui despromovido, não fui preso e vivi em companhia da Ni e do Miguel mais todos os intervenientes desta história o FIM GLORIOSO DA BESTA COM A CHEGADA DO 25 DE ABRIL...

Não fiquem todos contentes por ter acabado a história, é que até Julho de 1974 ainda tive de enfrentar mais algumas BESTEIRAS e assim consolidar o meu amadurecimento como Homem.

É assim que eu, a Ni e o Miguel desejamos um muito Feliz Natal a todos os Tertulianos e em especial ao Capitão e Alferes que foram pessoas marcantes na minha vida.Um bom ANO para todos e para quem mais amam na vida.

Henrique Jorge Cerqueira da Silva

Ex-Furriel Miliciano
Batalhão 4610/72
3º Companhia no Biambe
4º Grupo de Combate da CCAÇ 13, 1972/74

Dulcinea (NI: Minha Mulher e mobilizada por mim para Bissorã em 1973/74

Miguel Nuno: Meu filho de dois anos mobilizado pela NI para Bissorã em 1973/74

3. Comentário de L.G.: Henrique, grande leão, fiquei muito sensibilizado por arranjares tempo e coragem para nos contares esse belíssimo milagre de Natal, no já longínquo ano de 1973 e nesse lugar não menos distante que era Bissorã. Um homem é um homem, e um bicho é um bicho: eis a conclusão (moral) que a gente pode tirar do teu relato, onde a emoção ainda se sente à flor da pele... Um homem, armado com a poderosa arma da razão, é um homem livre e frontal, capaz de enfrentar o medo, a ameaça, a prepotência...

Como sabes, nenhum camarada, neste blogue, deve fazer julgar o comportamento (militar) de outro camarada no TO da Guiné... Não sou (nem quero ser) juiz, não vou dizer que fizeste bem ou que fizeste mal. Não tenho dúvida em concordar contigo: nunca mais esquecerás esse Natal que te ajudou a tornar-te um homem de corpo inteiro... A tua Dulcineia e o teu Nuno tiveram muito orgulho em ti nessa noite, e vejo que continuaram a admirar-te pela vida fora... Deixa-me ainda dizer-te que é uma atitude de nobreza, da tua parte, não mostrar hoje qualquer rancor ou desejo de vingância, em relação ao Capital, ao Alferes e ao Médico, também eles vítimas de um sistemas iníquo e prepotente... Aquele abraço. Luís.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2219: Tabanca Grande (37): Apresenta-se Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil (BCAÇ 4610/72 e CCAÇ 13, 1972/74)

domingo, 16 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > Natal de 1965 > Uma imagem do presépio, construído pelo Artur Conceição e pelo Manuel Mendes...


Foto: © Artur Conceição (2007). Direitos reservados.


1. Os editores do blogue lançaram, hoje, o seguinte desafio ao pessoal da Tabanca Grande:

Amigos & camaradas:

Aproxima-se uma data que no TO da Guiné nos era muito cara...Vamos lá a puxar da caneta, ou melhor, das teclas do computador e toca a recordar o melhor ou o pior Natal das nossas vidas... Onde é que eu estava na noite de 24 para 25 de Dezembro de 196.., 197.., algures na Guiné ?... Deve haver para aí muitas estórias (natalícias) por contar...

Um Alfa Bravo. Os editores do blogue, Luís Graça, Carlos Vinal, Virgínio Briote

2. Um pouco antes o Luís Graça tinha deixado a seguinte mensagem:

Amigos e camaradas:

Eu sei que a quadra (natalícia) é esquisofrénica... Desde o regresso às aulas da criançada, que somos bombardeados (é o termo!) com a musiquinha (deliquodoce) do Natal...E com a paranóia das compras e dos preparativos da Grande Noite... Eu sei que a quadra (natalícia) não é a mais propícia para a leitura e a escrita... Mas, por favor, não percam os excelentes posts deste fim de semana... Só do Jorge Cabral - o mais famoso Cabral da Guiné, a par do do outro sósia, o Amílcar - temos 2 (duas!) estórias cabralianas... Um verdadeiro acontecimento, para os seus fãs... O Torcato (ou o José, nunca sei) também nos conta mais um estória de Mansambo (uma delícia!)...O VB, por sua vez, conta mais pormenores dos bastidores da Op Ostra Amarga, operação na qual participaram (facto inédito ?) jornalistas estrangeiros, entre eles, uma bela mulher, francesa de seu nome Geneviève Chauvel... O VB, claro, não descansou enquanto não a descobriu algures, no planeta... O Carlos Vinhal trabalhou que se fartou para vos dar o texto e as fotos do Santos Oliveira que, em 1964, apontava - ele mais os bravos do pelotão - os seus morteiros contra o Nino, na Ilha do Como...enquanto o cabrão do alferes do Pel Mort 912 gozava as delícias do sistema em Bissau... Moral da estória: na Guiné, fomos todos iguais, mas há sempre uns mais iguais do que outros...

Na sexta feira também tivemos a boa notícia de que o DVD do filme, da Diana e do Flora (um documentário de 120 minutos, estreado em 2007), vai estar disponível em DVD antes do Natal... Se querem a minha opinião, ponham o DVD no v/ sapatinho... Por fim, o Tigre de Missirá é colocado em Bambadinca, depois da terrível mina que lhe ia tirando o sebo... O livro do novo Soncó (que um dia ainda poderá vir a ser régulo do Cuor, quem sabe) será lançado a 6 de Maro de 2008, e esse podia ser um bom pretexto para a malta se encontrar, ao vivo, e partir mantenhas...

Deixem por mim referir aqui a agradáve surpresa que foi, há uma semana atrás, encontrar no Porto, no bar e espalo de convíbio Contagiarte, os nossos camaradas António Pimental, Álvaro Basto (e esposa), A. Marques Lopes, Xico Allen (e Inês, a sua filha, simpatiquíssima, amorosa)... Os mais resistentes (ou malucos) - eu, o Álvaro, o Pimentel - saímos de lá às 3 e tal da madrugada... O pretexto foi a musiquinha dos Melech Mechaya onded toca violino) o meu filho João... (Para quem não pôde lá ir, aqui fica a página oficial do grupo: há diversos vídeos/clips ao alcance de um clique.... É claro que o grupo é mais divertido ao vivo, passe a publicidade e o elogio).

Espero ainda ter tempo para vos contactar até ao Natal (como habitualmente, irei passá-lo ao Norte, e depois das festas seria bom encontarrmo-nos na Casa da Teresa, em Matosinhos... Que tal a ideia ?).

3. Uma primeira resposta, ao nosso desafio (natalício), veio do Artur Conceição, que é meu vizinho, aqui da Amadora:

Artur Conceição,
ex-soldado de trms,
CART 730 (1965/67),
Bissorã, Farim e Jumbembem (actual Região do Oio)

Meus Caros: Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal

Estou plenamente de acordo com o Luís Graça quando diz: Eu sei que a quadra (natalícia) é esquizofrénica... E nesse contexto envio em anexo, só para vocês, uma apresentação que contém uma mensagem que traduz mais ou menos o Natal nos nossos dias.

Quero no entanto mandar qualquer coisa sobre o Natal vivido na Guiné em tempo de Guerra.


Os homens também choram...

Muitos dos nós choraram na noite de 24 para 25 de Dezembro algures na Guiné, em Angola, ou em Moçambique e porque não em Cabo Verde, São Tomé ou mesmo Timor? Então e os que cá ficaram, que não sabiam sequer por onde andávamos ?!

Pela minha parte confesso que foram noites de Natal não muito diferentes das outras. Só que hoje quando assisto a euforias materialistas e consumistas, cai em mim uma tristeza que me leva às lágrimas, pensando exactamente nesses Natais.

Quero apenas recordar que o Natal de 1964, passado em Lisboa, terá sido bem mais marcante do que os Natais de 65 e 66 passados na Guiné. O de 65 em Jumbembem e o de 66 passado em Bissau. Isto porque fui mobilizado em Dezembro de 1964 (meados), e fui enviado para o RAL 1, onde o Cap Garcia Leandro fez o favor de me colocar de serviço na noite de Natal e Fim de Ano, como castigo por me ter recusado a trabalhar na Brigada da Pedra.

Para deixar uma ideia do Natal da CART 730 em Jumbembem, no ano de 1965, vou enviar uma foto do Presépio que ali foi construído. Obra da iniciativa do Manuel Mendes (MC) e do Artur, mas em que muitos participaram, incluindo o Cap Amaro Rodrigues Garcia.

Como se depreende, até teria sido um Natal bem divertido não fora a distância, e a ausência dos nossos familiares.

Um grande Abraço

Artur António da Conceição
Av. Gorgel do Amaral, 6 - 1º Drt
Damaia
2720-267 AMADORA
Telef: 214901772/ Telem: 919652342

4. Comentário de L.G.:

Obrigado, Artur, pelo teu contributo. Eentendi/entendemos a tua mensagem. Faremos o nosso melhor para que todos os amigos e camaradas da Guiné, que fazem parte desta Tabanca Grande, se sinta menos sós neste Natal de 2007. Sobretudo aqueles de nós que estão doentes, ou que perderam recentemenete alguém muito querido, a companheira, um amigo ou algum familiar mais próximo. Ou que por outros acontecimentos de vida (reforma, desemprego, acidente, etc.) não se sentem física, psicológica, mental e espiritualmente nas melhores condições para celebrar uma festa que é (ou deveria ser) a da paz, da solidariedade, da família, do amor, da amizade... Artur, ficas à vontade para me telefonar, aqui para Alfragide: 21 471 0736... L.G.

Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap Zé Neto (1927-2007)... Enquanto que as feministas da Europa, do oós-Maio de 1968, queimavam os seus soutiens, símbolo da opressão sexista, na Guiné, o supremo luxo, para as bajudas, era ostentar um corpinho (soutien), como este que se vê na foto... O Jorge Cabral foi o primeiro dos régulos da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Abril de 2005 > O Zé Teixeira, que voltou lá em 2005, escreveu no verso desta foto: "Em 2005, tal como em 1968"... Muitos de nós, na casa dos vinte, vinte e poucos anos, oriundos de uma cultura antifeminista, patriarcal, machista, misógina, de matriz judaico-cristã, deixaram-se impressionar (ou até seduzir) pela beleza da mulher guineense e pelo orgulho com que esta assumia (e cuidava de) o seu corpo...

Foto (editada por L.G.), tirada pelo Zé Teixeira (ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, actualmente residente em Matosinhos, bancário, reformado, um homem bem disposto que tem por alcunha, entre os escuteiros de que é dirigente, o Esquilo Sorridente...

Foto: © Zé Teixeira / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Bajuda local. Foto do Cap Zé Neto (1927-2007).

Foto: © Zé Teixeira / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Guiné > Fá Mandinga > c. 1970 > Jorge Cabral, um felizardo tuga, bendito entre as bajudas mandingas...

Foto: © Jorge Cabral (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral, advogado e professor universitário, datada de Dezembro de 2005, na altura em que formalizou a sua entrada para a nossa Tabanca Grande (1):

Luís,

Muito obrigado! Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas.

Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o pícaro de alguns episódios que vivi.


2. Estórias cabralianas (29) > A festa do corpinho...

Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque (2). Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho (3).
Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50.

Embora existisse uma estrada para Bissaque [, a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito], o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado. O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores, (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca[, sede do BCAÇ 2852, 1968/70].

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a Tabanca, numa acção sócio-erótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito étnico-mamário.

Afim de me redimir, em Janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 35 corpinhos (soutiens) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 35 soutiens de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro soutien.

Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os soutiens constituíam a minha única bagagem. Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo.

Jorge Cabral
(ex-alferes miliciano,
comandante do Pel Caç Nat 53,
Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) (4)
2. Comentário de L.G.:
Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer... o pino!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o humorista-mor e outras figuras que tais, que em muito contribuiram para o fim do nosso longo, vasto e glorioso Império... O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor... Depois de te ler, um homem, um tuga, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a tusa... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá para combater na guerra, na próxima guerra...
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

(2) Vd. post de 18 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXVII: O meu Natal de 1969 em Bambadincazinha (Luís Graça)

(...) Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte]" (Excertos da História da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71] (...).

(3) Sobre o Marinho, vd. post de 15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

(...) Íamos abandonar um óptimo aquartelamento, [Fá]. Tinha sido uma antiga Estação Agronómica de Amílcar Cabral. Hoje restavam os edifícios, o guarda Marinho (um mandinga dependente da Administração), a recordação, nos mais velhos, do Engenheiro Cabral e os restos de alguma agricultura. Deixávamos Fá com desgosto. Chegara a nossa hora de partida. Éramos o terceiro grupo a ir para a construção do novo aquartelamento e as ordens cumprem-se (...).

(4) Vd. post anterior desta série:

sábado, 15 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O alfero Jorge Cabral, de pé, ao centro, o corpo coberto de mezinhos à prova de bala (e de mau olhado, de inveja, de impotência, de ciúme, etc.), com alguns dos homens do seu pelotão... mais o bode, ao fundo, meio envergonhado (e assinalado com um círculo a roxo), o verdadeiro herói desta estória de Mansambo, e que já fazia parte do inventário de Fá, em 1968, ao tempo que por que lá passou a CART 2339 e o Alf Mil Torcato José Mendonça...


Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Mendonça , antes de ser recambiado para Mansambo, paar o trabalho de pá e pica > O arriar da bandeira ... Tirando às patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos da Gouveia que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga, antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, era uma verdadeira colónia de férias... (Esta história do Amílcar Cabral ter trabalho aqui está por comfirmar: parece não ser verdade, ele trabalhou,sim, com a esposa, portuguesa, e também agrónoma, em Pessubé, perto de Bissau).


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ele ? E qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ?


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ? Ou qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ? Diz o Torcato: "Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez. Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema".


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Imagem da alma do obus 10,5... A verdade é que as peças de artilharia tinham alma... Pleo menos, era o que diziam os arilheiros. Nunca fui bom nem em teologia nem artilharia, mas acredito que esses engenhos mortíferos tenham alma... Se não tivessem, os tugas não lhes tirariam fotografias para mandar para a família, cristã, a milhares de quilómetros, a norte... Há uma terceira teoria sobre isto: tal como o bode, o obus fazia parte da cultura falocrática do tuga... O obus era o caralho lusitano, orgulhosamente só mas desvatador, apontado ao resto d0 mundo...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Um dos famosos abrigos do "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC... Uma obra-prima não da engenharia militar, mas do génio do tuga, da tríade Sangue, Suor e Lágrimas...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 >
Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Uma mensagem para os vindouros...

Fotos: ©
Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados.


Comentário de L.G.:

1. O Torcato (ou o José, nunca sei qual deles...) é um bom amigo, que nos lê, de fio a pavio, e nos telefona quando o seu sexto sentido o alerta para questões potencialmente fracturantes para a nossa Tabanca Grande (Pides, fuzilamentos dos comandos africanos, 25 de Abril., descolonização...), ou quando se entusiasma um pouco mais do que o coração lho permite, com a leitura de um post nosso...


O Torcato (ou o José), um deles, ou ambos, merece um prémio de assiduidade, dedicação, amizade e camaradagem... O Torcato (mas também o José) tem-nos mandado, além de muitas fotos e alguns filmes (estes do seu camarada Alf Mil Cardoso), belas estórias que, infelizmente, continuam na calha, a aguardar vez... Decididamente não é justo. Por isso, eu hoje pus, à boa maneira portuguesa, uma cunha ao editor para ele despachar a estória de Mansambo nº 10, que tem por figura principal... o bode de Fá Mandinga (sim, essa mesma, onde viveu o nosso Jorge Cabral, mas também um outro Cabral, o Amílcar, não menos famoso, muito antes da guerra; e que, para cúmulo, irá ser, a partir de finais de 1969 / princípios de 1970, a sede da 1ª Companhia dos Comandos Africanos, comandada pelo Capitão graduado João Bacar Jaló).

2. Entretanto, deixo-vos aqui o mail que ontem, à noite, o Torcato teve a gentileza de mandar aos editores do blogue:
Ora até que enfim tive um palpite certeiro. Aí está o DVD [do filme 'As Duas Faces da Guerra']. Até o sujeito da aldeola por detrás do sol-posto, se tiver electricidade, bateria no portátil, ou souber subtrair energia àquelas ventoinhas horrorosas que enxameiam os cumes das serras, vai ver como se fosse gente de cidade… haja deus…

Acabei de ler o J. Cabral e comentei: 'Maravilha'!… Espero que o Beja leia e que se cuide: parece que os Tigres, mais ainda se tiverem risca sim risca não, a bênção ou o mezinho de um Soncó, estão no catálogo dos bichos a extinguir…

Tá um frio do caraças[, no Fundão]. A lenha não veio e o ar condicionado não derruba tanto frio.

Bom fim de semana e um abraço para vocês do, Tocato Mendonça


3. Estórias de Mansambo (9) > O bode
por Torcato [José] Mendonça

Final de tarde, o toque combinado da campaínha e aí está o José. Conversa trivial, sobre a eterna crise, a política, um livro que estava a ler. De repente dispara:
-Vou contar-te mais uma estória, dando continuidade às anteriores (1). Antes, por razões que não quero focar agora, digo-te que não morria de amores pela Administração Colonial. Haviam excepções. Poderemos falar nisso, estabelecendo as diferenças, se abordarmos os Temas – História e Lendas da Guiné. Poderemos mesmo falar da Canção de Cherno Rachide. Ficará para depois.

Quando ainda estava em
, fazíamos com regularidade seguranças ao Mato Cão. No regresso, de uma delas, tinha uma mensagem rádio do batalhão á espera: Queira apresentar-se Bambadinca, para seguir hoje Mansambo.

De lá, tínhamos nós vindo... um banho, engolir e beber algo, preparar o indispensável, deixar todo o restante emalado em Fá e partir. Íamos abandonar um óptimo aquartelamento. Tinha sido uma antiga Estação Agronómica de Amílcar Cabral. Hoje restavam os edifícios, o guarda Marinho (um mandinga dependente da Administração), a recordação nos mais velhos, do Engenheiro Cabral e os restos de alguma agricultura. Deixávamos Fá com desgosto. Chegara a nossa hora de partida. Éramos o terceiro grupo a ir para a construção do novo aquartelamento e as ordens cumprem-se…

Todos a preparem o vário material, a confusão própria, o tempo a escassear… finalmente as vituras a roncarem… o olhar triste a percorrer Fá e a ordem: Tudo pronto, segue.

Ainda não se iniciara a marcha, surge um grito:
- Pára, pára…os cabritos!
- Quais cabritos ? - grito eu…
- Os da Páscoa - respondem-me.
- Depressa, apanha isso depressa.

Eram dois ou três cabritos comprados, tempos antes, para serem comidos pela Grupo, à boa tradição nortenha, pela Páscoa. Só que o Capitão achou melhor dar atum nesse dia. Tristeza que, por motivos estomacais e de tensão arterial, prefiro não recordar.

Passa o tempo e finalmente, berrando como se os fossem capar, aparecem os bichos:
- Depressa - grito eu. - Este também? Tudo, depressa… está a sair!

Viagem curta e rápida até Bambadinca, troca de coluna e, já com o sol a preparar a descida, nova viagem até ao novo destino.

Chegada tardia, a tentar a distribuição possível pelas novas instalações e esperar o dia seguinte. Lá nos espalhamos, da maneira possível, uns nas tabancas, outros nos improvisados abrigos. Era o início de uma vida semi-enterrado em vida. Não havia luz. Abria-se um buraco no chão, enterrava-se uma garrafa grande de cerveja, cheia de petróleo e com uma torcida, a sair da tampa (carica) previamente furada, à qual se puxava fogo. O resultado era uma luz trémula, mal cheirosa e a lançar figuras fantasmagóricas à volta. Como à noite nada se fazia, divertia-me com as ditas figuras e provocava o aparecimento de outras.

Loucura? Não! Sobrevivência! Vivia-se…em precárias condições até estarem construídos os abrigos caserna. Duro, muito duro viver assim.

Passados, talvez dois dias após a nossa chegada foi recebida uma mensagem rádio. O Alf Cardoso tentou compreender e achou melhor passar-ma. Dizia o rádio, vindo do Batalhão 1904, mais ou menos isto:
- Devolva urgente próxima coluna bode levado abusivamente de Fá.

O Cardoso, 2º Comandante, dizia-me:
- O que é isso, um bode… um bode?
- Sei lá  - digo eu.

De repente fez-se luz…os cabritos da Páscoa…já os terão comido? Não houve tempo. O bode é o macho da cabra, o cabrito grande, o cabrão, o chibo adulto. Chamei o Furriel Rei, era o desenrasca tudo, mostrei-lhe a mensagem e ele saiu disparado. Pouco tempo depois aí estava ele, o bode, com corda ao pescoço, berrando. Tinha porte altivo, pelo negro e lustroso, cornos e barbichas curtas. Bonito o bicho. Certamente a envergonhar o dono, como representante das respectivas espécies, no mundo animal.
- É este? Quem é o dono? - Ninguém sabia. Fui eu que dei a ordem:
- Vem tudo ?
- Veio!

Ora o bicho era de um negócio entre o Marinho e alguém da Administração. Ou seja, era o cobridor das cabras na Tabanca de Fá Mandinga.
- Amanhã vamos ao Batalhão e eu trato disso.

E assim foi. Chegados ao Batalhão falei com o Tenente-coronel Branco e esclareci o assunto. Creio que entregaram o animal ao representante colonial.

Resolvido o assunto…em parte…pois ficaram contas pendentes. São outras estórias…O bode certamente voltou a cobrir cabras.

Muito tempo depois, o Capitão Neves e o Tenente-coronel Pimentel Bastos (2), após o ataque a Bambadinca (3), talvez tenham sentido a “bondade” da Administração, na apreciação à actuação deles e das NT, a esse ataque… Os pendentes…os pendentes!

Vamos beber um café e conto-te outra… Em Setembro de 68, sofremos um brutal ataque à fonte de Mansambo. Sofremos baixas. Uma delas, a do protagonista da estória que te conto.

Torcato Mendonça
(ex-Alf Mil da CART 2339,
Fá Mandinga e Mansambo, 1968/79)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série:

28 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos


(2) Cap Neves, comandante da CCS / BCAÇ 2852; ten cor Pimentel Bastos, o Pimbas, foi o 1º comandante do BCAÇ 2852 (1968/70), que veio substituir o BART 1904 (1967/68).

Ambos serão substituídos por ordens de Spínola, após o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969. Sobre este ataque do PAIGC, vd.post de 25 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969

Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

1. Mensagem do Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66) (1), enviada para Mário Fitas, em 11 de Novembro de 2007:

Revisão e fixação do texto: CV


Caríssimo Amigo Vicente [ou Fitas]:

De acordo com a nossa conversa telefónica de ontem, vou tentar escrever o que sei dizer, mesmo com imprecisões cronológicas, datas e ausência de muitos nomes, que durante cerca de 40 anos procurei varrer das minhas lembranças.

No entanto, os factos vividos jamais foram esquecidos, sobretudo os que foram menos maus, pelo que te narrarei e documentarei, sempre que possível, o que tu próprio testemunhaste, embora num período curto (do mesmo modo que todas as Unidades que por mim passaram, ou eu por elas passei).

Gostava ainda de referir que passei, entre a minha chegada e a despedida, cerca de 20 dias com o Pelotão Independente de Morteiros 912 e que não sei distinguir quem foram os militares (afora os 2 Cabos e 7 Soldados que sempre estiveram comigo) que pertenciam à minha Secção de 20 homens.

Após a apresentação no BCAÇ 599 e depois ao Pel Mort 912, foi-me ordenada a Missão de, por três meses, render a Secção da mesma Unidade que estava há 4 meses na Ilha do Como.

Na passagem por Bissau, foi-me ordenado, verbalmente, por Sua Ex.ª o CEM, Ten Cor Rebelo de Andrade, que:

1) - A posição do Cachil (Ilha do Como) era vital para as NT; por isso teria que usar todo o meu potencial material e humano, com os critérios que eu próprio estabeleceria;

2) - Operacionalmente, reportar-me-ia exclusivamente a Sua Ex.ª e que ninguém interferiria comigo;

3) - Que, no exterior, me aguardava um condutor para me fazer transportar ao Palácio do Governo, para receber o aval de Sua Ex.ª o Governador, Gen Arnaldo Schulz. Sua Ex.ª informou-me que, tudo quanto o CEM tinha dito, era para ser cumprido, mas que continuaria a ser ordem verbal.

Efectuei a instalação de três Morteiros, em posição adequada, após ter analisado todas as probabilidades da situação militar e do terreno, aliei os conhecimentos adquiridos e aperfeiçoados em Lamego.

Criei a minha própria Carta de Tiro para o local, inventei um transferidor de tiro (tudo tosco como o só o Português sabe fazer).


Foto 1 > Como> Carta de tiro para a Posição ocupada no do Cachil



Foto 2 > Como> Transferidor de tiro que parece ter sido adaptado oficialmente e agora se denominará M1o


Ensaiei e esperei. Nessa Noite não tivemos visitas. Passados sete meses (sem sequer ter obtido qualquer resposta, ou comunicação do Cmdt do Pel Mort 912, acerca do que quer que fosse, inclusivamente dos Vencimentos e Pré dos Militares que estavam sob o meu Comando, desloquei-me a Catió, sendo recebido pelo 2.º Cmdt do BCAÇ 616 (?), confrontando-o com os três meses de Missão, com os Vencimentos, com a Disciplina (já não cortava o cabelo há 4 meses) e com a ameaça de agredir um qualquer Oficial, porque se isso resultou com o meu antecessor colocado em Bissau, no BSM (Furriel Miliciano Contente – já falecido), certamente também iria resultar comigo.


Foto 3 > Como> Estava na moda ser Beatle, vejam o meu cabelo


Tive a promessa de que iria resolver o nosso problema da Ilha do Como e a meia verdade é que apenas fomos deslocados, dois meses depois, para Cufar. Já não era tão mau, embora durasse mais quatro meses...

No Como, se exceptuássemos as rendições periódicas de Unidades, éramos flagelados todas as noites. Já nem dávamos muita importância. Apenas era muito útil para o açambarcamento de munições de morteiro, já que eram fictícios os números de disparos, porque, raciocinava eu, estávamos completamente à nossa mercê; só podíamos ter LDM durante o dia e se houvesse maré; similarmente se passava com os meios aéreos que só faziam Missões de Apoio de Fogo de dia.

Fizemos abrigos subterrâneos e aí colocávamos as nossas reservas. Nas rotações das Unidades as coisas ficavam um pouco feias. Continuava a reclamar o Pré e Vencimento, até que, finalmente, talvez pressionado por outro alguém, o nosso Alferes Rodrigues, dito Comandante do Pelotão, nos deu o ar da sua graça e enviou-nos os nossos bem merecidos Vencimentos, mas … em cheque.

Ficamos perplexos e até o 1.º Sargento da Companhia (?) ficou abismado e andou pelo aquartelamento com o braço erguido a mostrar o cheque. Só não conseguia ter um encontro, de amigos, com o Comandante Nino para lhe pedir o favor de descontar, o dito, lá por Conacri, onde ia regularmente. É de loucos.

Outrossim, ouvíamos alternada e quase continuamente a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre, esta a emitir a partir de Argel e apresentada por um distinto militar português, que havia desertado [, o Manuel Alegre].

Oficialmente, era proibido escutar estas emissoras, mas o facto é que ali se ouviam algumas verdades; era uma questão de saber separar o trigo do joio.

A 16 de Novembro de 1964, avistei dois charutos estampados no escuro do céu, de forma difusa, que aparentavam dois cigarros acesos atirados ao ar, desde o fundo do aquartelamento. A recriação, mais ou menos fiel dos Fortes de defesa contra os Índios, em que a paliçada era construída de troncos de Palmeira, que, como se sabe, são moles e duram cerca de três meses; aquelas tinham mais que isso. Portanto, eram apenas uma defesa psicológica.

Acordei. A Rádio Portugal Livre havia sido extremamente suave e comedida no seu estilo linguístico.
-Fogo! Rápido!

Os objectivos estavam todos (todos, mesmo) planeados, para obstar a continuação do fogo de Morteiro. E assim foi. Mas o caso era muito mais sério, porque deslocaram para a orla da mata muitas metralhadoras pesadas (incluindo quádruplas, destinadas a tiro antiaéreo) que nos fizeram lembrar que o pior estava para vir. A densidade de fogo era tamanha que a iluminação e as antenas do Posto de Transmissões foram destruídas. Chegaram a ter metralhadoras pesadas no perímetro interior do arame farpado (havia duas barreiras aos 30 e 60 metros).

Bem, chuva miudinha, molha tola, e as calças do camuflado completamente secas. Demos o nosso melhor, fazendo tiro, a olho, para os locais em que as pesadas cantavam e chegamos até ao incrível (perigoso e inseguro, embora tivesse a consciência disso) de fazer fogo para as pesadas, dentro do perímetro de segurança. Tínhamos os Morteiros sobreaquecidos, alaranjados…

O inesperado aconteceu. Uma granada não percutiu. Tirei o blusão do camuflado e fui afastado pelo cabo e dois soldados que me pediram para continuar com os outros dois Morteiros. A munição foi retirada com sucesso; no entanto, por precaução, colocamos a arma fora de serviço. Quando arrefecesse, logo se veria.

Foram 216 granadas, durante as duas e horas e vinte que durou o ataque. Depois, de repente, o silêncio expectante e caricato da noite africana.

Apenas nos restavam munições para, naquele rimo de fogo, mais cerca de 15 minutos. Se não fora a batota calculada... Aguardámos algum tempo e tentámos, mais vigilantes pela falha na iluminação exterior, retomar o nosso ritmo normal no meio dum escuro e sepulcral silêncio.

Voltamos ao Noticiário da Rádio Portugal Livre, que estava prestes a começar. Uma gargalhada geral ecoou por aquelas bandas. Não é que o ilustre locutor nosso conhecido, acabara de declamar: ”A Ilha do Como acaba de ser libertada. As tropas colonialistas foram completamente derrotadas. Não há sobreviventes.
- Então, eu estou morto!


Foto 4 > Como> Os que "morreram" na noite de 16 de Novembro de 1964. Em cima: Soldados, João Marçal, João Paulo, Manuel Pinto, 1.º Cabo António Gomes e eu. Em baixo: 1.º Cabo Abílio Marques; Soldados, Amélio Fernandes, Carlos Mosca, Eduardo Martinho e Artur Rodrigues.


Foto 5 > Como, Novembro de 1964> Pormenor do cartão onde, a giz, se indica foram só 216 granadas. Lê-se mal, mas com esforço percebe-se; na Op Tridente, em mais de 70 dias, apenas gastaram cerca de 500 granadas.


De Catió, soubemos depois, expectantes, viram os clarões, ouviram os rebentamentos e não fizeram nada; absolutamente nada, embora tivessem um Pelotão de Artilharia com duas Peças de 8.8cm e com alcance mais que suficiente para, pelo menos, desmoralizar o inimigo. Não havia comunicações, mas nada ???!!!...

Conjecturas foram mais que muitas, mas que caíam sempre no mesmo: Não se safou ninguém!”. Eu tinha um soldado que estava em Catió, porque havia ido ao médico.

O balanço do dia seguinte, era dantesco. Massa humana com fragmentos de armas, pedaços de armas, ausência do arame farpado nas duas fiadas, a orla da mata tinha recuado uns 30 a 40 metros, porque as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas, apenas um corpo em muito mau estado, uma PPSH e o mais espantoso, entre três poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável e a que denominávamos Enfermaria, recolhemos 2 unimogues de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos.

Mais nada, porque quem conhecia a mata teve todo o tempo para efectuar a sua limpeza de corpos, feridos e armamento.

Em Tite, (estive a acumular operações no BCAÇ 1860, sob as ordens do Ten Cor Costa Almeida e Major Jasmim de Freitas) procurei e descobri que o Comandante Nino levara mais de três mil homens para aquela missão. Pouca sorte a dele...

Quando foram restabelecidas as comunicações, a Guiné, no seu todo, regozijou. Dezenas de mensagens de felicitações… A esta distância, no tempo, a minha gratidão a todos os que compartilharam da nossa alegria. Já havíamos sobrevivido...

Os louros foram todos para a Companhia residente. Afinal, duma Secção de Morteiros, de dois (2) morteiros e vinte (20) homens, apenas havia dez (10) homens e três (3) Morteiros.

Que falem os responsáveis da Companhia que lá estava na época. Sinceramente gostava de conhecer o teor ou o ponto de vista tida do lado da Companhia destacada. Já foram questionados, os meus subordinados, mas nenhum se lembra da identidade da Unidade (tantas foram, as que por nós passaram…)

Os meus três Morteiros estavam com a cor característica de terem sido destemperados (anéis azulados de tons vários) cerca da zona de percussão. Valeu-nos o Mec Auto da Companhia para nos desenrascar lixa de água (a única que dispunha) e tinta dos Unimog.

Nada grave se não se soubesse. Mas com aquela cadência de tiro, cerca de cinco vezes superior ao normal, era, além de anti-regulamentar para a especificação da Arma (disciplinar, também), era esperado acontecesse, mesmo visto por um leigo.

No entanto, com ferramenta improvisada, lá estivemos todo o dia, a rectificar (com lixa de água) o tubo da arma, porque havia apertado e riscado, com o forte aquecimento que teve, e a granada não descia ao percutor.

Para testar, retiramos a espoleta e o cartucho propulsor a uma granada; quando esta começou a passar livremente, demos por terminado o trabalho. Estava como nova, operacional, e foi reintroduzida no Serviço. Nada se soube a nível oficial.

Em Cufar, repeti o estudo pormenorizado do terreno, instalei os Morteiros no local que entendi ser o adequado, ensaiei e, à semelhança da Ilha do Como, elaborei uma Carta de Tiro para os objectivos assinalados.


Foto 6> Cufar> Carta de tiro de morteiro para a Posição de Cufar


A situação era incómoda para a CCAV 703 (?). Tivemos um primeiro ataque e, como o terreno era bem mais aberto que no Como, tudo resultou pela positiva. A guerra desvaneceu-se.

Tentaram jogar com a CCAÇ 763 (era sempre assim, quando rodavam as Companhias).

Para mim, já era tudo automático (não simplista), porque os trabalhos de casa eram feitos previamente. Sei que causava muita confusão, mesmo a Companheiros da Especialidade, verem-me fazer fogo sem colocar o aparelho de pontaria (só era utilizado quando se alterava a posição do Prato). Sempre foi uma questão Geométrica, de pontos de referência, estacas, etc.

Tive muitas cumplicidades com o Cap Costa Campos, com quem tive o gosto e a honra de partilhar pontos de vista acerca do modo de fazer a Guerra (firmeza, flexibilidade e humanidade). Foi um grande oficial (um dos poucos oficiais que, frontalmente, valorizava e apreciava o meu trabalho e era humilde para ser capaz, com a sua formação castrense, de mo dizer de viva voz).

O que se passou para a frente, enquanto estive em Cufar, considerava eu, serem pequenas escaramuças; 4 ou 5 granadas bastavam para fazer a paz (excepções para as intervenções que a CCAÇ 763 onde tive que fazer Apoio de Fogo).

Voltei a Tite, não por vontade própria, mas porque o tempo de regresso dos meus homens chegou ao fim.

Comparativamente com o Cachil (Como), a nossa estadia em Cufar, igualmente sem qualquer conforto, eram como que de férias, descanso, tranquilidade, paz interior.


Foto 7 > Cufar, Abril de 1965> Abrigo-Suite que através de trincheiras nos tinha em ligação com os abrigos de morteiros

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2007). Direitos reservados.

Tive saudades daquela gente, naquele lugar, que respeito e admiro muito e que igualmente muito me acarinharam (eles nem sabiam quanto…)

Do meu Cmdt de Pelotão, nem sequer a dignidade duma referência, no seu Relatório Final, pelo desterro de 10 homens de quem se deveria sentir responsável. Para ele, não existimos nunca.

Estas são amostras dos episódios por que passámos.

Santos Oliveira
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Nota de CV:

(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

A jornalista francesa (hoje, escritora, autora de romances históricos) Geneviève Chauvel terá sido uma das raras mulheres, jornalistas, estrangeiras, a testemunhar uma cena de combate no TO da Guiné, no período da guerra colonial, embebed (como se diz agora, depois da guerra do Iraque) numa unidade das NT...

Na sequência de contactos com o actual Coronel, na reforma, Sentieiro , o nosso co-editor, o ex-comando Virgínio Briote, localizou, na Internet, a bela e misteriosa jornalista francesa e tem-se correspondido com ela...

Hoje damos conta desse aventura... à procura do tempo perdido... Nas fotos, acima, a Madame Geneviève Chauvel (e não Chaubel, como erradamente procurámos na Net...), tal como pode ser vista na sua página pessoal...

Como editor do blogue, manifesto aqui publicamente o meu apreço pelas diligências feitas pelo VB, a sua persistência, a sua inteligência emocional, a capacidade de utilização da sua rede de contactos sociais (ou não tivesse sido ele um homem do marketing farmacêutico, a par de um andarilho da Guiné)...

E já agora, uma última curiosidade, talvez um pouco mórbida, ou roçando mesmo o mau gosto: será que em Bula ou em Bissau alguém se lembrou de traduzir, para a nossa amiga Geneviève, o nome da operação em que ela participou ? Ostra amarga, huître amère... com mais o irónico pormenor de, em França, em Paris, as ostras portuguesas, até aos anos sessenta/setenta serem conhecidas simplesmente como les portugaises: eram as melhores do mundo, para o exigente palato do parisiense...

Esta, na Guiné, foi mesmo uma ostra amarga para todos... Coincidência ou não, na mesma altura, ao virar da década de 1960, a portuguesa desaparecia dos viveiros dos ostreicultores de França e da mesa dos consumidores franceses, devido a uma estranha doença: (...) Portugaise ('crassostrea angulata') : Espèce d'huîtres creuses introduite dans le Bassin d'Arcachon au milieu du 19ème siècle. Les huîtres portugaises disparurent du Bassin au début des années 1970 à la suite d'une maladie ...(LG)


Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > 18 de Outubro de 1969 > Dois mortos e um ferido no decurso da Op Ostra Amarga (também ironicamente conhecida como Op Paris Match)... As NT (2 Gr Comb da CCAV 2487, comandadas pelo Capitão Sentieiro, hoje Coronel), caiem num emboscada do PAIGC... O combate é presenciado por jornalistas estrangeiros e registado em filme por uma equipa da televisão francesa... No fotograma, as NT prestam os primeiros socorros a um dos feridos graves. Um dos militares transporta, às costas, uma fiada de granadas de LGFog 3,7...

Foto: INA - Institut National de l' Audiovisuel (2006) / Cópia pessoal de Virgínio Briote (1)


1. A Op Ostra Amarga é talvez o único documento filmado do que foi a guerra-tipo da Guiné.

Emboscadas mortíferas, uma dúzia de minutos de disparos de PPSH (costureirinha), de AK 47 ou de RPG, bem dirigidos para quem a sorte escolheu e que o destino traçou para que os restos de uma parte dos seus alvos ficassem, muitos deles até hoje, nas terras onde combateram.

Em Outubro de 1969, o BCAV 2868, comandado pelo Ten Cor Alves Morgado e enquadrado por oficiais experimentados, alguns deles os melhores alunos dos cursos da Academia Militar, estava destinado a outras paragens. Spínola, tendo em consideração o que sabia do comandante do Batalhão, conseguiu encurtar-lhes a viagem, poupando-lhes mais uns dias no mar.

Estava-se em plena era da chamada Por uma Guiné melhor, uma ideia do General António de Spínola, que, mais tarde, se veio a verificar infrutífera, mas que, na altura, foi uma esperança para muitos, até então habituados a serem dirigidos por Governadores-Gerais que a única ideia que tinham era a supressão pura e simples do então chamado IN.

A política de Spínola assentava num Portugal unido por uma confederação de Estados que poderiam evoluir, mais ou menos rapidamente, para uma autonomia progressiva. O general do monóculo (com vários nicknames ou alcunhas: o Caco, o Caco Baldé, o Homem Grande de Bissau...) tinha estado em Angola e a sua acção não tinha passado despercebida. Procurava manter-se a par da evolução dos tempos, a Argélia Francesa já não o era e o Vietname, apesar do poderoso envolvimento bélico dos Estados Unidos, estava a ter os resultados que se viam. Concluíra que, sem as populações do seu lado, qualquer guerra estava destinada ao insucesso.

Numa primeira fase apostou num maior envolvimento das populações na defesa dos seus chãos contra o que chamava o imperialismo comunista. Congressos anuais dos povos da Guiné, reordenamentos, libertação de prisioneiros, pavimentação de estradas e melhoria da prestação de cuidados de saúde às populações, foram algumas das etapas da sua governação.

Todas estas fases, segundo o pensamento do General, deveriam ser bem mostradas não só à população local mas especialmente à comunidade internacional. Estavam a ser tomadas e a ser postas em execução medidas importantes para a Guiné e havia que dar conhecimento delas ao mundo.

Várias diligências foram levadas a cabo na divulgação desta política.

Uma parte importante da população autóctone tinha aderido às ideias do novo governador e a direcção do PAIGC passou a ver o General como um inimigo mais importante que o próprio governo que o mantinha. A imagem do general do monóculo e do seu pingalim correu mundo, através das capas de revistas estrangeiras, então muito lidas.

Neste enquadramento, o governo de Spínola convidou e pagou as despesas de viagens e estadia de cerca de 2 semanas a vários jornalistas da ORTF (a estação pública, de televisão francesa) e da Agência Gamma (2), com o objectivo de mostrarem ao mundo a política que se estava a seguir e que mostrassem também a adesão entusiástica das populações à ideia Por uma Guiné Melhor (3).

É assim que o BCAV 2868 do Ten Cor Morgado entra nesta história e, com ele, o Cap Cav Sentieiro (4).

Em 17 de Outubro de 1969, o comando do Batalhão recebe instruções para desencadear acções na sua zona de quadrícula, acções estas que teriam o acompanhamento de enviados da imprensa estrangeira. A Op Ostra Amarga inseriu-se na série de acções descritas no quadro abaixo e já objecto de posts anteriores (4).
Referência a três Operações: Caça Ratos, Ostra Amarga e Gato Assanhado


2. Estávamos em 1969, em 15 de Novembro. Tal como muitos semanários e revistas o Paris-Match passava em revista os grandes acontecimentos da semana.
Cópia da capa do Paris-Match, nº 1071, de 15 de Novembro de 1969


No sumário do referido nº, o Paris-Match, entre os artigos do estrangeiro, escrevia sobre Nixon e a sua maioria silenciosa, a odisseia da Apolo XII (que se preparava para a 2ª alunissagem, a 19 de Novembro) e inseria um pequeno texto da autoria de Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma (2), sobre a guerra da Guiné Portuguesa.





Escrevia Chauvel:

Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.
Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”.
Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).

O General Spínola, ladeado pelo Major A. Bruno (de G3 e luvas), Major João Marcelino (2º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o Ten Cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada momentos após a emboscada. Imagem extraída do Paris-Match.


Na mesma imagem, de costas, o Capitão de Cavalaria José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485, que por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir a Op Ostra Amarga. Imagem obtida momentos após a emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487. Cópia da imagem do Paris-Match.


Geneviève Chauvel e o Capitão Sentieiro, momentos após a emboscada. Foto cedida ao VB pelo Coronel Sentieiro.

3. Contactámos Geneviève Chauvel (5), solicitando-lhe que puxasse pela memória e nos dissesse onde poderíamos procurar informação sobre a sua estadia na Guiné em 1969.
Extractos da correspondência trocada:

(...) Madame,

Chamo-me V. Briote e fui militar do Exército Português na Guinée-Bissau. Vi um filme de Outubro de 1969, "Guerre en Guinée", que encontrei no site do I.N.A. (Instituto Nacional do Audiovisual).

Temos um blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde mais de 200 ex-combatentes contam a vida do conflito colonial.

Encontrei-me hoje com o Coronel Sentieiro, que me forneceu pormenores da operação “Ostra Amarga”, em que a Madame Chauvel participou como repórter da Gamma. Trata-se de um documento filmado que retrata a violência do conflito.

A Madame Chauvel ainda se lembra desta história? Pode fazer-me um pequeno texto deste infeliz episódio? Perdoe-me este pedido, Madame. Mas, estou certo que compreende que estamos a falar da nossa juventude e não nos esquecemos do que os poderes de então fizeram de nós.

E obrigado pelo magnífico trabalho que fez.
V. Briote


A resposta de Geneviève Chauvel não tardou:

Monsieur,

Votre mail réveille de vieux souvenirs parmi les plus forts de ma carrière de journaliste. À l'époque j'ai raconté cette opération en Guinée qui fut violente et a coûté la vie à un portugais qui fut déchiqueté par un mortier. Je vais rechercher dans mes archives afin de retrouver le ou les articles écrits à l'époque et je vous l'enverrai sur cette adresse mail.
A très bientôt.

Geneviève Chauvel


Tradução livre de V.B.:

A sua mensagem recorda-me antigas lembranças entre as mais fortes da minha carreira de jornalista. Na época relatei esta operação na Guiné que foi violenta e que custou a vida a um português que foi atingido por um morteiro (*). Vou procurar nos meus arquivos o ou os artigos escritos na altura e enviá-los-ei para o seu endereço.
Até breve,

Geneviève Chauvel


(*) Obs.: Na verdade, foi uma roquetada e as NT sofreram dois mortos. A jornalista não teve conhecimento da 2ª morte, porque o ferido tinha sido entretanto evacuado.

Na volta enviei-lhe nova mensagem:

Madame Geneviève Chauvel,

Veuillez excuser mon Français. Il est le Français que j'ai étudié il y a plus de quarante ans, pendant mes études sécondaires au Portugal.

Aprés mon commission militaire obligatoire à la Guinée-Bissau, j'ai travaillé à Ciba-Geigy (Pharmaceutique), où j'ai fait ma carrière dans le département de Marketing. Et le Français était seulement parlé comme langue non officielle. Mais les paroles me manquent, non seulement en Français, aussi en Portugais. Vous comprenez bien ce que je veux dire, il n' y est pas seulement une question de vocabulaire.

Ils ont été des temps trés difficiles pour des garçons de 20 ans, comme moi. Et si tout s'est passé il y a presque quarante ans, nous n'avons pas oublié cette guerre, injuste pour tous.

Flora Gomes (directeur-cine, de la Guinée-Bissau) et Diana Andringa (journaliste portugaise) ont produit un documentaire de presque 100 minutes, nommé 'Les deux faces de la Guerre'(en Portrugais, 'As duas faces da Guerra'), où nous pouvons entendre les voix des élements de la guerilla et ex-militaires de l' Armée Portugaise. Les images que vous avez filmé, près de Bula, au Nord de Guinée, font partie du documentaire. Le commandant de l' opération du coté portugais c'ést l'actuel Colonel Sentieiro, capitaine à ce temps-lá. Je l'ai rencontré la semaine dernière et nous avons parlé de cette mission, comme je vous ai déjà dit. Et aprés ça je vous ai cherché et trouvé dans Google.

Nous attendons donc l'envoi du texte que vous avez écrit à 1969 et vous remercions en avance par la permission de sa publication dans notre blog. Vous avez été trés gentille et nous vous en remercions beaucoup.

Merci, Madame.

V.Briote


Tradução livre desta mensagem:

Senhora Geneviève Chauvel,

Desculpe o meu francês. Foi o que estudei há mais de quarenta anos, durante o ensino secundário em Portugal.

Depois da minha comissão militar obrigatória na Guiné-Bissau trabalhei na Ciba-Geigy Farmacêutica, onde fiz a minha carreira no departamento de Marketing. E o francês era então falado como língua não-oficial. Mas as palavras faltam-me, não só em Francês, também em Português. Compreende bem o que quero dizer, não se trata só de uma questão de vocabulário.

Foram tempos muito difíceis para jovens na casa dos 20 anos. E se tudo se passou há quase quarenta anos, não esquecemos esta guerra, injusta para todos.

Flora Gomes (realizador de cinema da Guiné-Bissau) e Diana Andringa (jornalista portuguesa) produziram um documenhtário de cerca de 100 minutos, chamado “As duas faces da Guerra”, onde podemos ouvir as vozes do conflito, de um lado e do outro. As imagens que a vossa equipa obteve, perto de Bula, no Norte da Guiné, constam do documentário. O comandante da operação, do lado português, é o actual Coronel Sentieiro, Capitão nessa altura. Encontrei-me com ele a semana passada e falámos dessa missão, como já lhe contei na mensagem anterior. Depois procurei o seu nome no Google e encontrei-a.

Esperamos então que nos envie o texto que escreveu em 69 e agradecemos desde já que permita a sua publicação no nosso blogue.
A Senhora foi muito gentil (….)

vb


__________

Notas de vb:

(1) Vd . post de
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

(2) Agência de fotografia, fundada em 1966 por alguns fotógrafos, como Raymond Depardon. No final dos anos 90, a Gamma foi adquirida pelo grupo Hachette Filipacci Médias.

(3) Vd. post de 13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

(4) Vd. posts de:

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)

(5) Geneviève Chauvel, jornalista e escritora, francesa : vd. a respectiva página pessoal (em francês)

Resumo biobliográfico:

(i) Infância passada na Síria e depois na Argélia;

(ii) Estudos de Direito e Ciências Económicas em Argel e em Paris;
(ii) Casou, em 1961, com Jean-François CHAUVEL (filho do embaixador Jean CHAUVEL), jornalista, escritor, produtor televisivo;

(iv) Como jornalista, trabalhou, de 1967 a 1982 , para as agências GAMMA e depois SYGMA, tendo estado em diversos palcos de guerra (Vietname, Angola, Moçambique, Guiné Portuguesa, Biafra; guerra dos Seis Dias na Síria e na Jordânia, Setembro Negro em Amã, Israel...);
(v) Tem fotos publicadas em grandes revistas internacionais (Time Magazine, Newsweek, Paris-Match, Le Point, L'Express, Stern, Manchete, Actualidad, Europeo);

(v)De 1973 a 1981, trabalhou como jornalista e realizadora de televisão, tendo feito diversas reportagens (Egipto, Koweit, Guerre du Kippour, Montes Golã, Sinai, Suez, Guerre civil em Angola);

(vi) Fez o "retrato" de diversos chefes de Estado ou de importantes personalidades como Yasser Arafat, o Rei Hussein da Jordania, o presidente vietnamita Nguyen Van Thieu, o imperador da Etiópia Haïlé Sélassié, o General Spínola, o coronel Kadhafi, o presidente Sadate, o general Dayan, o rei Constantino da Grécia, o Xá do Irão, Chapour Bakhtiar, os emires do Golfo...

(...) É autora de numerosos romances históricos, sobre grandes mulheres, mas também sobre um grande herói muçulmano, Saladino, Saladin (1999), traduzido em alemão, espanhol e árabe.

Contacto por e-mail: chauvel.genevieve@orange.fr

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

O Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.

É autor da série Estórias Cabralianas (1), uma das mais populares do nosso blogue.


Hoje mandou-nos mais uma das suas deliciosas short stories em que é especialista.


O Hipopótamo, As Formigas e o Prisioneiro
por Jorge Cabral


Guiné-Bissau > Áreas Protegidas > Parque Nacional de Orango, na parte sul do Arquipélago dos Bijagós > Um hipopótamos e a sua cria (2).


Fonte: Guiné-Bissau, página da AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...)


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca, e para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros, que inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (3), relatei com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (4)…


Jorge Cabral

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post da série:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)


(2) Nunca vi um hipopótamo na Guiné, morto ou vivo... Não tive/tivémos tempo para fazer... turismo. Mas não creio que existissem no Rio Geba, pelo menos no Geba Estreito... A sua existência era referenciada no Rio Corubal, onde seriam abundantes, mas onde nós, pelo menos no meu/nosso tempo (1969/71) não punhamos os pés... a não ser armados até aos dentes e com apoio aéreo...

Passados estes anos todos, os hipopótamos são uma das muitas espécies ameaçadas na Guiné-Bissau e em muitos outros países africanos ... O nosso camarada A. Marques Lopes acaba de nos mandar uma notícia, da Angola Press, que refere o risco de extinção dos hipótamos e outras espécies de grande porte... Aqui vai a notícia, com a devida vénia (e a nossa preocupação: porque sem o hipopótamo da Guiné, ficamos todos mais pobres, ao planeta, a África, a Guiné, nós e os nossos amigos guineenses, que já são pobres de tudo):


Guiné-Bissau: Mamíferos de grande porte em vias de extinção, diz especialista

Bissau, 13/12 - Mamíferos de grande porte, que até há pouco tempo existiam na Guiné-Bissau em abundância, estão em vias de extinção devido à pressão do homem, disse, quarta-feira, Cristina Silva, especialista em espécies.

Cristina Silva é a coordenadora para a acção de seguimento das espécies no Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP), da Guiné-Bissau, que hoje comemorou o seu terceiro aniversário, tendo como pano de fundo a preocupação sobre a protecção da fauna e flora do país.De acordo com a especialista, os "grandes mamíferos" como o leão, a onça e oelefante, são hoje espécies "extremamente ameaçadas" de extinção devido à acção dos seres humanos. Por exemplo, os poucos elefantes que restaram são vistos esporadicamente nas florestas de Boé, no leste e em Cantanhez, no sul, explicou Cristina Silva, sublinhando que estes apenas aparecem nas épocas chuvosas.

"O último recenseamento apontava para a existência de apenas três casais de onças na zona do Boé", declarou Cristina Silva, um registo que contraria os dados de há dez anos, indicando que havia entre 50 a 100 seres dessa espécie.

Em 2004, foi realizado um registo nacional dos hipopótamos, em seis das sete áreas protegidas na Guiné-Bissau, tendo sido recenseados entre 500 a 1000 seres daquela espécie, mas o último recenseamento realizado recentementeapontou para menos de 500, adiantou Cristina Silva.

De todas as sub-espécies de animais, os ungulados, isto é, búfalos e cabras do mato, "são as que correm o risco de extinção" por constar da dieta alimentar de grande parte da população rural guineense, afirmou aespecialista.

O director do IBAP, Alfredo António da Silva, lamentou o facto do país não estar ainda dotado de legislação para a protecção das áreas protegidas eespécies ameaçadas de extinção.

in Angola Press, 13.12.07


(3) Major Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63.

(4) Ten Cor Jovelino Corte Real.