quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2367: Parabéns a você (1): Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71): born in Portugal, December 19th, 1946 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > O famoso e imponente bagabaga, existente nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis. O júri do Concurso O Melhor Bagabaga nunca se reuniu, mas eu por mim dava o prémio a esta foto (1).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 , deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC... O primeiro tuga que se vê na foto é o Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71. Na época teria 23 aninhos, mas já com uma careca a denunciar mais idade... De qualquer modo, o cabelo que lhe tinha a cair, caiu na Guiné...

Guiné > Zona Leste > Geba > O Humberto Reis na ponte sobre o Rio Geba, a noroeste de Bafatá... Sempre revelou uma atenção precoce por ponte e estruturas similares... Talvez isso explique a opção, mais tarde, pelas engenharias...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados largos meses, após o ataque a Bambadinca (Maio de 1969), ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... na estrada Xime-Bambadinca que era vital para o abastecimento da Zona Leste... Em que é que pensaria o nosso Humberto ? Talvez na ementa do jantar: arroz de peixe, apanhado à granada no rio (1)...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Três tugas do 2º Gr Comb, com ara de desalento ou de cansaço, no regresso de mais uma operação: da eswquerda para a direita, o 1º Cabo Alves (mais conhecido por Alfredo) e os Fur Mil Reis e Levezinho...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 > Sinchã Mamajai > Janeiro de 1970 > A secção do Humberto Reis (2º Gr Comb) na tabanca em autodefesa da Sinchã Mamajai. Em primeiro plano, o 1º cabo Alves (mais conhecido pela sua alcunha, Alfredo, sempre bem disposto e prestável).

Para a posteridade aqui fica, a composição da 2ª secção do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (3):

Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis; º Cabo 17626068 José Marques Alves; Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (Fula); Soldado 82101469 Udi Baldé (Futa-fula)Sold 82101069 Sajo Candé (Fula); Sold 82108069 Alfa Jaló (Fula); Sold 82116469 Iéro Juma Camará (Ap Mort 60) (Futa-fula); Sold 82111969 Mamadú Jaló (Mun Mort 60) (Fula); Sold 82111069 Adulai Baldé (Fula); Sold 82117269 Adulai Bal (Fula).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > 1970 > Montando segurana a uma coluna em trânsito ou aos trabalhos da Tecnil (comnstrução da nova estrada)... O Humberto Reis apanhado num momento de grande comunhão com a natureza (luxuriosa) da Guiné... Uma faceta contemplativa, menos conhecida, do nosso ranger...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > Coluna logística ao Xitole... Pergunta o Humberto Reis: "Zé Vacas de Carvalho: Conheces este rapazinho de lencinho ao pescoço no Xitole? À tua direita, estou eu e à esquerda - penso eu, se a memória me não falha - o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917 que foi connosco, à turista... À direita, temos o nosso amigo e camarada da CCAÇ 12, o furriel miliciano T. Roda". O Alf Mil Cav Vacas de Carvalho era o comandante do Pelotão Daimler, estaccionado tal como a CCAÇ 12 em Bambadinca (1969/71). Era um pouco mais novo que nós...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

1. Uma explicação do editor L.G.:

O Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) - na vida civil, engenheiro, empresário, ligado à concepção de sistemas de ar condicionado - é um dos mais antigos membros da nossa tertúlia. Um tertuliano da primeira hora.

Foi meu camarada na CCAÇ 12, camarada de quarto e de operações... Conhecemo-nos no Campo Militar de Santa Margarida, depois de sabermos que o nosso destino era a Guiné, onde viríamos a formar, em Contuboel, uma companhia africana, independente, de intervenção... Magníficos os 50 dias que passámos nesse paraíso que se chamava Contuboel, a formar uma companhia, pau para toda a obra, com soldados africanos, fuals, que não falavam português... Bom, o resto a seguir, e até ao final da nossa comissão (Março de 1971), já não foi tão divertido...

O Humberto é também apresentado no nosso blogue como "o nosso primeiro e até agora único mecenas". Temos com ele uma dívida de gratidão, mesmo que ele o negue. De facto, pagou do seu bolso todas as cartas militares da antiga Guiné Portuguesa, cartas essas que são consideradas uma obra-prima da nossa cartografia militar eque continuam a ser-nos muito úteis.... O Humberto pagou ainda do seu bolso a digitalização desssas cartas na Rank Xerox. Andamos a prometer há tempos que, em breve, todas as cartas militares da Guiné estarão disponíveis em linha, incluindo as ilhas.

O Humberto é/foi também, um dos nossos fotógrafos de serviço.

Logo no início do nosso blogue, escrrevi o seguinte (4):

(...) O Pai Natal do Humberto Reis fez-me chegar mais umas cartas (militares) da 'nossa' Guiné... com alta resolução, de modo a permitir localizar os sítios por onde andámos no mato... No cabaz de Natal vinham as seguintes cartas: Mansoa (que inclui também Bissorã), Cadoca/Gadamael, Guileje, Binta, Bula, Pelundo...

(...) Divirtam-se, sobretudo aqueles de vós que aprenderam na tropa a orientar-se só com bússola e mapa... Deixem-me dizer-vos que, apesar dos nossos excelentes mapas (chegámos a ser os melhores cartógrafos do mundo, na épcoa dos Descobrimentos!), nunca vi comandante de operação, no meu tempo, dispensar o guia das milícias...


A resposta do Humberto Reis aparceu nestes termos singelos:

(...) Se vocês soubessem o prazer que me dá olhar para aquelas cartas compreendiam o gosto que tenho em as partilhar convosco. Imagino a cara de alguns de vocês a recordarem as picadas e os trilhos que lá estão assinalados e a recuarem 30, 35 e 40 anos atrás. A mim não me faz sentir velho, mas apenas saudoso de alguns tempos bons que passei naquela terra, apesar dos muito maus. Se não fossem esses tempos estaríamos agora aqui a conversar uns com os outros? (...)

O editor do blogue confidenciou, logo na altura, o seguinte:

(...) Pessoalmente confesso que, com estas cartas militares (que temos vindo a disponibilizar no nosso blogue) e com as estórias que vocês têm contado (para não falar do valiosíssimo álbum de fotografias e de outros documentos...), conheço melhor hoje a Guiné de 1969/71 do que naquela época, quando eu lá estava...


O Humberto tem sido um discretíssimo, amável, solidário e generoso tertuliano. Tenho, temos, para com ele, uma dívida de gratidaão... Lembrei-me, por isso, de fazer hoje uma pequena homenagem ao meu amigo (e vizinho) Humberto e ao nosso camarada Reis, a pretexto dos seus 61... aninhos, feitos ontem. Já lhe telefonei ontem, estava com uns amigos na ANA, a almoçar... Sabe sempre bem sabermos que os nossos amigos se lembram de nós no dia de anos, mesmo que a gente diga a todo o mundo que já não tem idade para ligar a essas coisas...

Humberto, não fiques zangado com a surpresa (e a inconfidência): daqui até ao quilómetro 100, ainda tens/temos muito que palmilhar... E já que tem que ser, que estejamos juntos, como velhos e bons camaradas e amigos. Com a tua Teresa e as tuas meninas.

Aquele abraço tabancal... da rapaziada toda, da CCAÇ 12 e do resto das Companhias, que formaram em parada, nesta imensa blogosfera, só para te dizer: Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA...

Luís Graça




Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Guiné > O Grito do Ranger (duração 7 ss).

Texto e videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

No encontro na Ameira, em 14 de Outubro, descobriu-se quem era ranger e quem não era... O Magalhães Ribeiro que veio do Norte, juntamente como seu inseparável amigo, o ranger Casimiro, quis brindar-nos com o célebre Grito do Ranger.... Enquanto o diabo esfregava um olho, já ele tinha pronta a sua equipa, tudo gente formada e treinada no célebre Centro de Operações Especiais de Nova Lamego.

Neste videoclipe, temos por ordem, da esquerda para a direita, os rangers Capitão Sampedro, e os Furriéis Chapouto, Ribeiro, Reis e Casimiro... Foi o momento guerreiro da tarde. Obrigado, rangers. Agora percebo por que é que um ranger não se pode desfardar: por debaixo da farda, tem pele de ranger, é-se ranger para toda a vida...

Na bela e ensolarada tarde alentejana, a fazer lembrar as tardes calmas da Guiné, calou fundo este Grito de Guerra dos Rangers Portugueses, ecoando pela planíce alentejana... (LG) (5).

__________

Notas de L.G.:

(1) 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1347: Concurso O Melhor Bagabaga (1): Bambadinca (Humberto Reis / Luís Graça)

(2) 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)

(3) 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)

(4) 13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIV: Chicorações para o nosso Pai Natal (Luís Graça)

(5) 16 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1182: Ameira: O Grito de Guerra dos Rangers ecoando na planície alentejana (Luís Graça)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça (o segundo da esquerda), sentado, junto a malta do seu Grupo de Combate, no exterior do respectivo abrigo. Foi em aquartelamentos, como este, forticados, com abrigos subterrâneos, cercados de mato por todos os lados, e pelo IN (ou o seu fantasma), que os tugas aprenderam o sentido da palavra Fátria, mesmo que ela não constasse, na época, do seu vocabulário (LG).

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Torcato Mendonça:

Meus Caros: de facto o Natal, nesta sociedade de consumo está esquisito. Mas é natural. Contudo é Natal, sinónimo de dia de maior dádiva, maior tolerância… Tenho a minha maneira de sentir o dia. Respeito outros que o sentem e comemoram de diferentes maneiras.

O meu Natal da Guiné, Post 1892 foi em Junho de 2007 (1). Falei dos mortos do meu Grupo. Mórbido? Talvez.

Hoje envio um anexo. Terá a ver com o Natal?! Não sei. Tem a ver com amizade, com o ser tramado pela Pátria ou Mátria (lembro-me sempre da Natália Correia) e pode, além de não ter préstimo, de estar muito cortado, mesmo assim ferir, em sítios como este, algumas susceptibilidades. Mas quando estiver com o Manel, prometo dizer-lhe: Ensinaram-me uma palavra nova; FÁTRIA e digo-lhe o que é… vamos sorrir e certamente aceitar. Aceitamos! Devia ser mais sentida… porque não, seguida…

Aproveito para mandar para vocês e, através de vós, a toda esta enorme Tertúlia: Votos de Boas Festas.

Um Santo e Feliz Natal.

Um 2008 com SAÚDE e que os Vossos Desejos se concretizem.

Segui o teu conselho, Luis Graça, ofereci a mim mesmo o DVD do filme [sobre a Guiné, As Duas Faces da Guerra, lançado hoje]. Espero que o Midas o envie. Pedi-o hoje. Certamente o vou emprestar…

Um abraço,
Torcato Mendonça

2. O meu Natal no mato (6): Meninos no Natal de 69,
por Torcato Mendonça


Chuva miudinha, caindo leve e docemente, entristecendo mais o fim da tarde fria de Dezembro, em vésperas de Natal.

Dois homens, dirigem-se para o Café – Restaurante, cabeça baixa, passo apressado em fuga ao frio e chuva.

Um levanta olhar. Pára. Tenta chamar o outro e nada diz. Sai só um eh pá. Olham-se. Empurrados por mola invisível, dão passos mais largos e abraçam-se. Abraço longo, forte, sentido, indiferente à chuva e frio. Palmadas nas costas e, pouco depois mãos nos ombros. Olham-se. O calor do abraço, seca a leve chuva e mesmo alguma lágrima, atrevida, que lhes escorre pelas faces.
- Então pá?
- Tudo bem, tudo bem. Já cá estamos.

Olham-se e nada mais dizem. Palavras para quê? O pensamento, esse volta atrás e pára rápido, como só ele é capaz, indo até ao tempo em que ambos eram meninos. Menino mais, menino menos. Meninos!

Entraram na Escola no mesmo dia. Na mão direita um levava uma sacola de pano, o outro uma mala de cartão pintado. Na mão esquerda eram iguais. Davam-na aos pais que, naquele primeiro dia de aulas, os acompanhavam.

Partilharam a mesma sala, a mesma carteira. Fizeram copianços em cumplicidade matreira, longe do olhar ríspido da professora.

No final da 3ª classe separaram-se. Um ficou na escola, o outro foi para o colégio. Mais tarde, um foi aprender a arte da mecânica auto e o outro prosseguiu os estudos.

Nunca perderam o contacto, a amizade forte, as conversas em partilha de desejos, de segredos e de ideias. Ambos sabiam o País triste onde viviam e que amavam. Sabiam que Ele gostava mais de uns do que de outros. Sabiam e detestavam certa gente feliz e emproada, própria da sua mediocridade de vida. Os felizes, sossegados, alinhados. Eles preferiam, preferem, o desassossego.

Foram às sortes, ou melhor, à inspecção militar juntos. Vexatório. O chefe daquela gente ditou a sentença: Apurados.

Um ano e pouco depois, nem tanto, primeiro um depois outro foram chamados a servir a Pátria. Saiu um mecânico – auto e um oficial miliciano, atirador de qualquer coisa. A ambos foi dado o mesmo destino: Guiné. Só diferiram nas datas da partida. Mantiveram o contacto, mesmo lá, enviando bate-estradas, azulados ou amarelados, animando-se mutuamente.

Por mero acaso encontraram-se em Bissau. Festejaram o encontro numa tasca próximo da Amura. O Manuel sabia haverem lá petiscos alentejanos. Até torresmos, dizia ele ao José. Confraternizavam comendo, bebendo, rindo, pensamento longe dali, a sentirem-se novamente meninos.

Hoje, ali estavam, em regresso ao País deles, sentados à mesa do café – restaurante, beberricando tinto alentejano, petiscando, alegres como meninos a trocarem berlindes, piões ou outros brinquedos. Trocavam, agora, palavras e risos, sentindo a felicidade do encontro e o regresso.
- Conseguiste vir passar o Natal.
- Consegui. Cheguei há poucos dias. E tu, continuas por Lisboa?
- Não, porra, não é Lisboa. Fica perto. Periferia, dizem eles. O que interessa é ter vindo até cá. Os meus Velhotes já desesperavam. Temos tempo para conversar nestes dias. Que pensas fazer agora, Zé?
- Não sei. Estudar não me apetece. A cabeça está baralhada. Arrumo ideias. Preciso disso, de pôr muitos assuntos em ordem e depois logo se vê.
- Isso passa, vais ver. Nos primeiros tempos sonhava com aquilo. Passaste lá só um Natal, não foi?
- Só o de 68. Parti de cá em Janeiro desse ano e vim agora. Tu passaste dois, não foi?
- Foi. Um no mato, outro já em Bissau. Natais esquisitos com aquele calor, as saudades a apertarem, a tristeza. Não quero recordar. O teu Natal como foi?
- Dia praticamente igual aos outros. Normal e felizmente sem porrada. Recordo os pensamentos que enviei para cá. Certamente os de cá fizeram o mesmo. Olha encontraram-se a meio caminho, no deserto. Nesse dia choveu por lá finalmente. Recebi do Movimento Nacional Feminino um pequeno estojo de barba. Eu que tinha uma barba enorme. Barba de estimação. Acabei por dar o presente aos Milícias.

Sorriam felizes pelo encontro e tristes pelas recordações.
- Que presentes recebeste nos teus Natais?
- Eh, pá, não quero recordar. Desculpa, esquece. Não dá.

Param, olham-se em silêncio e agarram os copos. Indiferentes a quem os rodeia, fazem uma saudação e, em uníssono dizem:
- Cabrões, filhos de puta… bota abaixo.




Enchem de novo os copos, em silêncio. Mudam de tema de conversa e voltam a sorrir.

Encontram-se hoje, mais em troca de palavras pelo telefone. De quando em vez um abraço, uma conversa sobre assuntos diversos. Raramente falam da Guiné e dos Natais lá passados.

Meninos felizes que foram, jovens de juventude perdida, porque roubada e hoje estão em velhice, por isso mesmo, apressada…

Ficção? Realidade? Que interessa isso se ambos, como tantos, foram tramados…

Natal!
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Nota dos editores:
(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos

Guiné 63/74 - P2365: O Cap Cav Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim foi o único comandante da CCAV 1484 (Benito Neves)

1. Mensagem do Benito Neves (1):



Assunto - P2360 - A CCAÇ 726 - A primeira Companhia a ocupar Guilege





Meu caro Virgílio

Não por vício mas por mero prazer, sou um frequentador quase permanente da nossa caserna virtual. E digo quase permanente porque é a primeira coisa que faço quando me levanto e também a última do dia, antes de me deitar.

Foi o que agora aconteceu e li as andanças da CCAÇ 726.Porém, no 8º parágrafo da história da CCAÇ 726, é referido que "em 16 de Julho foi substituída pela CCAV 1484 (Cap Cav Coutinho e Lima), seguindo para Catió onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587.".

Ora bem, há aqui uma correcção a fazer no que se refere a o comandante da CCAV 1484 que foi sempre o Cap Cav Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim. Desde a constituição da CCAV 1484 no RC 7, até à sua desmobilização na mesma Unidade. O Cap Cav Pessoa de Amorim apenas não esteve no comando da Companhia nos períodos das suas férias.

Eu estive nesta rendição no Cachil e o Cap Pessoa de Amorim também lá esteve. Desconheço em absoluto quem terá sido o Cap Cav Coutinho e Lima (3).

A rendição no Cachil da CCAV 1484 pela CCAÇ 1587, foi feita por fases, Gr Comb a Gr Comb, iniciada em 07/07/66.

Que me seja perdoada a intervenção, mas o rigor não me deixou ficar indiferente.

Votos de Boas Festas ao editor, co-editores, tertulianos e respectivas famílias.



Benito Neves

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Nota dos editores:


(1) Ex-Furriel Mil Atirador de Cavalaria, Companhia de Cavalaria 1484, Guiné 1965/67 (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 8/6/66 a finais de Julho/67). Mora em Abrantes.

Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

(2) Vd. post de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

(3) Não deve ser (ou será ?) o Coutinho e Lima, major, comandante do COP 5 que em 22 de Maio de 1973 deu orderns para abondar Guileje: vd. post de 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex- Alf Mil Op Esp, Guiné, Dez 1971 / Dez 1973, CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):

Caros Luís, Carlos, Virgínio e Pessoal da Pesada

Antes de tudo o mais, desejo a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.

Podia escrever mais umas coisas nestes votos de Boas Festas, mas parece-me sempre que não acrescentam nada!

Bem, quem me conhece sabe que eu sou um gajo maníaco da família! Sou o nono e mais novo filho de uma família que neste momento já deve rondar, (descendentes dos meus pais), assim umas 140 pessoas, incluindo os aderentes, claro!

Isto para dizer que o Natal sempre representou muito para mim e que foi preciso vir a tropa para me tirar o Natal em família.

Como já escrevi anteriormente e foi publicado aqui na Tabanca, o primeiro Natal fora de casa, foi passado a bordo do Niassa, já no Golfo da Guiné (1). Foi uma coisa irreal, da qual eu não me apercebi bem!

Mas o Natal de 1972 foi passado no Mato de Cão! (2) Vês, Beja Santos, eu passei lá o Natal! Não sabes o que perdeste! Estou a gozar, claro!

Longe da família, longe dos meus camaradas que tinham ido comigo, para a Guiné, da CART 3492 e a adaptar-me ainda às minhas novas funções de comandante do Pel Caç Nat 52, a coisa não foi fácil.

Não tínhamos luz eléctrica, mas tínhamos uma arca frigorifica a petróleo. Vivíamos debaixo do chão, mas tínhamos um tecto de estrelas. Não tínhamos a família connosco, mas tínhamos a amizade, a camaradagem que nos unia.

E tínhamos outra coisa, que foi a que me fez mais confusão: calor, muito calor.Por muito que eu quisesse pensar em Natal, o raio do calor desmentia que fosse Natal.

Habituados à Europa e ao Natal da neve, (embora em Portugal não a tivéssemos), aquela coisa do calor estragava qualquer Natal!

Foi assim difícil entrar no espírito de Natal, o que apesar de tudo acabou por ser bom, pois amenizou as saudades e a tristeza

Lembro-me que fiz um qualquer cartaz para colocar na, (nem sei como lhe chamar), sala de refeições (?), que devo ainda ter guardado em qualquer lado, e que o mesmo era muito infantil, talvez a chamar as reminiscências dos Natais em criança, o regresso às origens!

Bebeu-se o que havia e não havia, houve algumas lágrimas e o Natal passou!

Recordo-me, ou talvez não, que ao princípio da noite de 24 para 25, houve um qualquer ameaço de sarrafusca, mas que se veio a revelar falso.

Como hoje em dia se diz, e que não quer dizer nada: Foi o Natal possível!

Bom Natal para todos, sobretudo para aqueles em quem as marcas da guerra, sejam elas quais forem, permanecem marcadas.


Abraço camarigo do

Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Monte Real, Leiria
Tel: +351 244 619 020
fax: +351 244 619 029
_____________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de:

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também o post de 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

(2) Sobre o Mato Cão:

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Obus 14

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Canhão s/r 5,7

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Pista aviação de Cufar

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos reservados. (Com a devida vénia... Do sítio do Moura Ferreira > Fotografias Fotografais cedidas ao HMF pelo pessoal da CCAÇ 1621).


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112




Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte V - Pami é sujeita ao primeiro interrogatório dos Lassas e sofre com a sua separação de Malan (pp. 40-47) (1)




© Mário Fitas / 2007). Direitos reservados.

Resumo do episódio anterior (2):

Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal recinhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinbta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite
.




(i) Os olhos de águia da prisioneira



Aos poucos, a prisioneira começa a sentir o incómodo da situação em que se encontra. Mostra o pano empapado em sangue a uma companheira, e esta, não tendo em atenção o que se passa, mas julgando tratar-se de auto agressão, grita. Imediatamente por entre o pano que servia de porta à improvisada prisão, aparece uma cara escura de G3 em punho. Troca de palavras entre as mulheres, e a situação é clarificada e explicada ao vigilante. Passados poucos minutos, aparece um militar. Pami reconhece nele, um dos que muito se tinha movimentado junto do Leão de Cufar.
- Que aconteceu Amadu? - Pergunta o branco.

O carcereiro informa em crioulo meio português o que se passa. O militar ouve, e ordena:
- Diz à tua mulher que vá com a prisioneira junto do poço para que ela se lave!
- Eh... Arferes Palmeiro, e se mulher foge? - Pergunta aflito, o guarda das prisioneiras.
- Não foge! - Responde o que Pami fica a conhecer como alferes Palmeiro.

Aparece, então, uma mulher já de certa idade, que tenta falar crioulo. Mas em vão, pois tudo se mantém mudo. Começa então, a dirigir-se em balanta, às mulheres, pelo que Pami se levanta, e segue a mulher velha. Passam pela frente da casa principal da Quinta. Observando tudo, a professora verifica tratar-se da casa onde estaria instalado todo o comando. Olhos de águia observadora, Pami vai vendo onde ficam as transmissões e a enfermaria. Passando a estrada, contornam o edifício que mais tarde fica a saber tratar-se da messe de sargentos. Por detrás deste, situa-se um poço que abastece os soldados, para tudo quanto é lavagens. Param, e a velha sorridente dirige-se a um soldado que sobre a parede do poço se abastece:
- É, pessoal, parte água, para pessoal ali lavar catota!

O soldado dá uma gargalhada e returque:
- Só tiro água, se partires catota comigo!

- Chi! Minino, a mim belho! Esse pessoal lá é pisoneiro! Não pode faze esse cumbersa! Capitão num deixa!
- Olha! Mas ela é maneta!... Mas com a mão direita ainda tocava uma punheta! Toma lá a água, e se ela quiser mais, chama pessoal ali do abrigo!

O soldado, tirando a pulso uma lata de dez litros de água, entrega-a à velha e desaparece em direcção a um abrigo que Pami verifica ser colectivo. Paredes de adobos, com dois metros de terra pela frente. Por cima, troncos de palmeira e chapas de bidões cobertos com cerca de cinquenta centímetros de terra. Uma cobertura de colmo faz a protecção da chuva e do sol..

Pami retira o pano que lhe cobria o corpo, e coloca-o no chão. Flecte-se, dobrando os joelhos, e com uma pequena concha - feita de meia cabaça -, vai tirando água da lata, fazendo a sua higiene pessoal. Após as ablações feitas, pega no pano, colocando-o sobre uma pedra, e deita-lhe por cima o resto da água. Com uma mão apenas ajudada pelo coto esquerdo vai lavando até as manchas desaparecerem. Enrola ao corpo o pano molhado, e faz sinal que está pronta à mulher do milícia. Em silêncio, regressam ao improvisado cárcere.

Ao atravessar o arruamento que dividia o Aquartelamento, Pami olha para a esquerda e vê surgir da porta de armas um grupo de nativos acompanhado de dois militares armados. Fica a saber que se trata de pessoal das tabancas a Sul, que vêm convidar os militares para estarem presentes no Choro. Tempos mais tarde analisa este acto e confirma tratar-se de técnica de efeito psicológico, feita pelos militares junto dos moradores a Sul. Seria honra convidar os militares, que se tornavam pródigos, carregando uma viatura, com rações de combate e alguns garrafões de vinho, água de Lisboa, que depois eram distribuídos pelos homens grandes e família do morto. Oportunamente, aproveitavam todos os pormenores para conquistar a confiança das populações.

Voltando ao cárcere, verifica que apenas a bajuda e outra mulher de meia-idade - a qual não lhe era desconhecida - se encontram no interior. As outras duas companheiras tinham-se ausentado. Uma hora depois, aproximadamente, as ausentes regressam. Pela troca de olhares e pelas meias palavras, pronunciadas muito baixinho, verificam que tinham começado os interrogatórios. Quem se seguiria?



(ii) O Alferes Telmo e o Furriel Mamadu interrogam Pami


Pami Na Dondo segue-se na lista. Um soldado milícia faz-lhe sinal para que o acompanhe. Pelo curto caminho até onde funcionam os interrogatórios, Pami decide-se por mentir e, mentalmente, vai gizando um estratagema para não cair em nenhuma cilada ou, de forma alguma, denunciar Malan.

Contornando pela parte de trás o edifício do comando, é introduzida num quarto onde se encontra o sujeito milícia que parecia conhecer de Catió. Os de nome Telmo e Mamadu - este último apresentava-se de farda amarela, com a boina preta, mas sem lenço e, pendia-lhe à cintura um cinturão de lona de onde caía um coldre com uma pistola de grande calibre -, também estão presentes.

Virando-se para o milícia, Telmo começa:
- Quêba! Pergunta-lhe lá o nome?

O milícia Quêba olha para Pami e pergunta-lhe o nome em crioulo. Pami já tinha delineado manter-se firme e responder só na língua balanta, fazendo-se ignorante a qualquer outra. Pelo que não responde. Quêba torna a insistir, sem resultado.

Virando-se para Telmo informa:
- Este gaja só fala balanta, arferes Telmo!
- Está bem! Então fala em balanta! Qual o nome dela?

Quêba volta à carga, agora em Balanta. Pami hesita um pouco, olha o milícia e responde:
- Sanhá Na Cunhema.

O ora identificado alferes Telmo continua, fazendo perguntas e escrevendo:
- Idade?
- Num sabe! Mas deve ter vinte anos!
- Onde nasceu?
- Num sabe! Pai e mãe morreu quando rebentou guerra!
- Onde?
- Na Ilha do Como.
- O que é que ela fazia em Cobumba?
- Nada!

O da boina preta, mete a mão no punho da pistola, e retirando-a diz:
- Pergunta-lhe lá se sabe o que é isto, e para que serve?
- Diz que é coisa com que militar mata!

Quêba suava por todos os poros, e irritado, disse para o da boina preta:
- Furriel Mamadu este gaja está a enganar pessoal!

Pami confirmou assim a identificação do boina preta, mas não devia ser este o seu verdadeiro nome. Deveria ser nome de guerra. Não havia branco com nome de preto.

Telmo, desculpa lá! Deixa ver a reacção dela!

Pegou na pistola, e enfiando o cano no ouvido de Pami, ordenou ao milícia:
- Pergunta-lhe lá onde é que ficou a mão esquerda dela?

Pami sentiu o frio do aço da arma no ouvido e, com um gesto brusco, fugiu ao contacto. Estremeceu, pela primeira vez começou a ter medo. Este militar, com olhos fundos, não deve ser bom. A barba dele e o olhar faz medo. Um pouco trémula, a professora respondeu ao milícia e este traduziu:
- Não sabe! Quando era minino pequinina, cobra mordeu nela, e pai teve de cortar mão a ela!

O furriel Mamadu meteu a arma no coldre e sorriu para o alferes dizendo:
- Parecia fácil, não era? Aí está uma gaja que sabe muito e se está a armar em parva, ou então é mesmo louca.

O alferes olhou para o furriel e disse-lhe:
- Rafael, vamos utilizar outra forma, põe-na lá a rir!

Ficou desvendada a alcunha, Rafael era o verdadeiro nome de Mamadu.

Mamadu sentou-se no chão, puxou do bolso um maço de cigarros, tirou um e acendendo-o, de imediato ofereceu à prisioneira. Esta olhou e fez negação com a cabeça. Rafael olhando para ela, sorriu de uma forma aberta e descontraída e disse para Quêba:
- Diz-lhe lá que eu gosto do nome dela! Se ela quiser eu caso com ela!

O intérprete repetiu em balanta, e Pami descontraiu um pouco. Rafael voltou de novo ao ataque, enquanto o alferes começava a fumar também.
- Então a gaja não diz nada?

O intérprete insistiu.
- Diz que não, furriel. Branco não gosta de preta!
- Ah, sim? Mas diz-lhe lá, que aqui não há mulher branca! Espera!... Diz-lhe que os soldados brancos dizem que ao fim de quinze dias na Guiné as pretas começam a ficar brancas!

O à vontade do furriel e a forma engraçada como disse aquilo iam traindo a prisioneira, que quase esboçou um sorriso. O interprete como sempre voltou a repetir as palavras do furriel. Nestes momentos a mente de Pami trabalhou e pensou seguir um caminho que, embora perigoso, poderia transformar as coisas, e respondeu. O interprete começou a rir e voltando-se para o alferes disse:
-Ai! Arferes Telmo! Este gaja é mesmo maluco! Diz que não casa, mas que faz muito conversa giro!
- Queres ver que nos saiu uma puta na rifa! Estamos fodidos com esta merda! - Exclamou o furriel.
- Não! Espera! Vamos explorar esta situação!

Diz Telmo:
- Quêba, pergunta-lhe com quem é que ela faz conversa giro?
- Com homem! Diz ela!

Retorquiu Quêba.
- Certo! Então diz-lhe, que vai fazer conversa giro com os Militares todos do Quartel!

Pami viu que tinha ido longe demais, não se sentiu com capacidade para resistir. Pensou em Malan, e começou a chorar.

Telmo e Rafael olharam um para o outro e os seus olhares entenderam-se. Enquanto Quêba ria e ia dizendo:
- Gaja mesmo maluco! Cá tem cabeça!
- Quêba, leva a mulher para junto das outras, amanhã vamos explorar isto melhor. OK, Rafael?
- Certo! Se for uma puta para serviço da guerrilha, pode ser uma boa fonte!

O alferes e o furriel saíram, enquanto o milícia levava a prisioneira para junto das suas companheiras.


(iii) Pami não quer trair os ideais de seu pai e de Malan


Pami estava exausta, a cabeça fervilhante, não a deixava coordenar o pensamento. Sentia que tinha embrulhado tudo, e que os militares não tinham acreditado em nada do que dissera. Coisa horrível! Como seria com Malan? Tinha de saber, havia que fazer qualquer coisa para tentar no mínimo saber o que lhe estava acontecendo. Ouviu vozes fora da palhota prisão, e por entre as frestas do capim, verificou que vários soldados conversavam na varanda da casa da Quinta, agora Comando. A prisão distava uns quinze metros da varanda, e as conversas poderiam ser perfeitamente audíveis. Com extremo cuidado afastou um pouco mais o capim, e ficou com um ângulo visual mais alongado. Desta forma, poderia não só ouvir, como também ver os soldados. Lá estavam o Leão, os alferes Telmo e Palmeiro, e mais quatro. Dos restantes quatro, observou que dois tinham nos ombros a graduação, a qual tinha aprendido em Simbele, na República da Guiné. Um, já de idade mais avançada que os outros, tinha as divisas de sargento; o outro, pequenino, vestindo calções e camisa de farda amarela, tinha os galões de tenente.

Estes momentos de espionagem, acalmaram-na um pouco. Mas... logo voltou à preocupação por Malan. Fechou os olhos e recostou a cabeça no tronco do canto que servia de prumo e sustentação do cárcere. O pensamento voou e pensou em seu pai, e como tinha tido coragem de trocar o seu nome pelo de sua saudosa mãe. No amolecimento da dor e do calor, adormeceu naquele silêncio de meio do dia.

Antes de anoitecer, os milícias trouxeram mais arroz com carne. Já pela noite dentro, chegaram dois milícias que levaram a Bajuda. Pami receou o pior, concerteza iriam violá-la, e chorou de novo. Embrenhando-se nos pensamentos de lama desta guerra, sentiu que estava a fraquejar. Não!... Não poderia ser, tinha de criar forças, nunca poderia trair os ideais de seu pai e de Malan.

(Continua)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. episódios anteriores:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)



28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)


(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.


(2) Vd. último post desta série > 10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P2362: O Movimento Nacional Feminino no filme em DVD Natal de 71, de Margarida Cardoso, que recomendo (Diana Andringa)


1. Mensagem da Diana Andringa:

A propósito de senhoras da Cruz Vermelha, cigarros, isqueiros e outras ofertas de Natal (1):

Na sessão em que vai ser lançado o DVD Guiné: As 2 faces da guerra, vai ser lançado um outro, com um documentário da Margarida Cardoso, Natal de 71, em que o tema é também a guerra colonial - mas em Moçambique - e o disco que, nesse Natal, o Movimento Nacional Feminino (e não as senhoras da Cruz Vermelha, pergunto-me se não há confusão) oferecia aos soldados (2).

O documentário é muito bom, na minha opinião - e, se não o viram (passei-o na RTP2 em 2001, penso que já terá passado outras vezes), vale a pena verem-no. Já que referiste prendas no sapatinho, acho que esse DVD é outro bom presente).

Abraço,

Diana
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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras da Cruz Vermelha (Fernando Chapouto)

(2) Vd. post de 13 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2348: Convite (1): sessão de lançamento em DVD do filme As Duas Faces da Guerra, 4ª F, 19 Dez 07, na A25A (Diana Andringa)

Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de Dezembro de 1966.

Foto: © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Hugo Moura Ferreira:

Caros:

Como disse há dias ao Luís, tenho andado arredado mas não desatento. Aliás quem é que depois do que por passou se mantém desatento? Isso é uma característica que acho que acabámos todos por, de uma forma ou de outra, adquirir.
Estou de volta, mas devagarzinho. Voltei à vida dita activa e produtiva e ainda não me habituei a gerir convenientemente os tempos. Mas com a continuação e boa vontade lá chegarei! Porque no resto estou muito melhor e mais disciplinado.

Bom, mas agora o que interessa é o conteúdo da mensagem do Luís.

Quando a li, lembrei-me de uma mensagem que lhe enviei em 26 de Novembro de 2006, às 2h28, sobre algo que se enquadraria no tema agora proposto e que nunca teve qualquer tratamento ao nível da divulgação no no nosso Blogue.

O Assunto da mensagem era "Memorial" e pretendia eu associá-lo às questões que na altura andavam em tratamento relacionadas com os cemitérios e os monumentos locais efectuados pelas Companhias aos seus mortos.

Como nessa altura não teria sido a meu ver, eventualmente, achado interesse na sua referência não insisti no tema e limitei-me a inseri-lo no meu sitezinho no Spaces. Mas como agora querem estórias ou histórias (sou subscritor de uma das petições conta o acordo ortográfico Luso-Brasileiro que circulam na Net), sobre ocorrências nos Natais passados entre 1963/1974, resolvi enviar-lhes de novo aquilo que enviei há um ano.

Como poderão verificar aquilo que escrevi não estava formatado nem redigido para fazer simplesmente o copy/paste havendo a necessidade de retirar ou compor aquilo que decidirem publicar. Portanto mesmo agora vou enviar em anexo a parte que importa desse Mail de um caso que se passou no Cachil, em 24 de Dezembro de 1966, quando ali se encontrava a CCAÇ 1423, contado pelo Alf Carmo, meu amigo de infância e de Instrução Primária a quem eu, periquito, fiz uma visita, quando em Novembro de 1966 cheguei a Catió em trânsito para Cufar (cerca de um mês antes da ocorrência).

Aproveito para vos desejar um Santo Natal com muita saúde e repleto de Felicidade para vós e para toda a vossa Família. Um Abraço.

Hugo Moura Ferreira

2. Mensagem do Hugo Moura Ferreira enviada para o Blogue em 26 de Novembro de 2006, e que não foi publicada na altura:

(...) Queria, no entanto, antes disso enviar-te uma peça descrita por um amigo e camarada nosso que esteve no Cachil, em 1966, antes da minha CCAÇ 1621 ter para ali ido, quando saiu de Cufar e se relaciona com um memorial que ali se encontrava cuja foto obtive de um outro amigo, o 1º Cabo Gandra, do meu grupo de combate.

A foto em questão vai em anexo e como deverás verificar, se a aumentares, há uma inscrição que diz 'Aos Furrieis Condeço e Boneca', mas há outras inscrições, nomeadamente o número da CCAÇ que com grande dificuldade consegui descortinar: 1423.

Assim, porque me parecia que esse meu amigo de infância (vizinho e colega da primária) tinha pertencido à CCAÇ 1423, que eu visitei no Cachil quando cheguei a Catió, a caminho de Cufar, em Novembro de 1966, mandei-lhe uma mensagem a fazer perguntas sobre o referido memorial, acerca do qual o pessoal da CCAÇ 1621 desconhecia o significado.

A determinado passo da minha mensagem coloquei as seguintes questões:

A tua Companhia era a CCAÇ 1423? E pertencia ao BCAÇ 1858, que estava em Catió, quando eu cheguei à Guiné, em 1966? Penso que sim, porque verifiquei na pag. 140, da 'Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África', 3º Volume - Guiné, do Estado Maio do Exercito, que aquela Companhia esteve também, antes do Cachil, em Empada. Tudo isto, por exclusão de partes me faz pensar que era mesmo a tua CCAÇ" e ainda "...por pertencer à Tertúlia Virtual , para a qual te convido a fazeres parte, ao receber algumas fotos para digitalizar de antigos camaradas da CCAÇ 1621, a que pertenci, mas da qual saí quando fui colocado em Bedanda e ela seguiu para o Cachil, presumo que para vos render, encontrei uma que me despertou a curiosidade, que te envio em anexo que, depois de a analisar bem, verifiquei ser de um monumento no Cachil a 2 Furriéis falecidos por acidente (isto o que consta nos registos oficiais), de nomes Colaço e Boneca.

Poderias confirmar-me se assim é? Caso venhas a confirmar, poderias também dizer-me qual foi o acidente que provocou as suas mortes? E será que tens algumas fotos em que eles se encontrem? Se por acaso tiveres, eu gostaria de as digitalizar.


Assim, e porque os memoriais são para fazer recordar, aqui estou eu a contribuir para tal, transmitindo aquilo que o meu Amigo, Alf Carmo, me mandou dizer sobre o assunto que, com a devida vénia, depois de ele me ter autorizado a divulgar o que conta (" Não tenho qualquer problema em seres tu a utilizar quer a informação quer as fotos, as presentes e/ou futuras.") e a prometer que "Logo que um destes dias crie mais 'estaleca' para entrar no Blogue, assim o farei e poderei então entrar directamente", passarei a contar.

A propósito da foto e do Memorial nela representado, concordando em que 'falar nos mortos é perpetuar a sua memória e mantê-los 'vivos' no nosso espírito, sem se perderem no tempo' contou-me então o Alf Guimarães do Carmo que realmente a CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858 (Ago 1965 a Abr 1967) era a dele e da ocorrência que originou a morte dos Furriéis Condeço e Boneca disse:

Quanto ao acidente que vitimou os Furriéis Condeço e Boneca, o mesmo ocorreu no Cachil na tarde de 24 de Dezembro de 1966, por razões de 'casmurrice' do então CComp que borrado de medo (era vulgar ocorrerem ataques nas alturas de festas) impôs por Ordem de Serviço que fossem verificadas as minas instaladas pelas NT. Era eu que estava de Oficial de Dia e já no regresso da saída 'simbólica' que decidi fazer, um dos Furriéis acidentados, disse que segundo o croquis havia uma ou duas minas muito perto e, como tal, era pena não ir verificá-las. Acedi e ao verificar a 1ª mina o Fur Boneca disse de longe que "nem um camião fazia saltar a cavilha" - provavelmente a cavilha estava oxidada e ao tentar rodá-la a mesma saltou fazendo rebentar a mina. Foram as suas últimas palavras!

O Fur Condeço, que se encontrava perto foi severamente atingido e acabaria por falecer no Heli a caminho de Bissau. Eu ainda fiquei com um estilhaço cravado na canela da perna esquerda.

Junto uma foto (Empada, Janeiro de 1966) em que o Condeço é o primeiro da esquerda. Quanto ao Fur Boneca não tenho nenhuma foto uma vez que o mesmo entrou na Companhia em rendição individual, penso que pouco tempo antes do acidente.

Desconhecia a existência do pequeno monumento documentado pela foto que me enviaste. Se ainda existe será talvez o único memorial pessoal dedicado a ambos. Um bem haja a quem o fez ou a quem decidiu mandá-lo fazer!

Como deves calcular os meus Natais são, ainda hoje, um pouco ensombrados pela lembrança deste fatídico evento


Legenda: Em Empada, da esquerda para a direita: Fur Condeço, 2º Sarg Nunes, o nosso alfero [Guimarães do Carmo] e Fur Castro. Do soldado africano à frente não me recordo o nome (*).

... E foi isto que ele [Guimarães do Carmo] me mandou como resposta!!

Esperando trazer algo de interesse para inserir no Blogue, nomeadamente relativo a ocorrências no Cachil (Ilha do Como), por agora termino, com um Abraço.

Hugo Moura Ferreira

Ex-Alf Mil,
Guiné, 1966/1968
CCAÇ 1621 -Cufar e CCAÇ 6-Bedanda

Presente nas seguintes páginas da Net:

http://bairromadredeus.hi5.com/

http://mouraferreira.spaces.live.com/

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

http://blogueforanada.blogspot.com/

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(*) No Blogue já encontrei referências à CCAÇ 1423, no Post 913, e quem sabe se o soldado africano que o Guimarães do Carmo não se lembra é algum daqueles que estão em amena cavaqueira com o Francisco Allen na foto que ali se encontra, tomada em 2005?!...


Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P913: Empada 1969 ou as duas Guinés (Zé Teixeira, CCAÇ 2381)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

A CCaç 726 em terras da Guiné. Uma Companhia a escrever a sua história.

A CCaç 726 não tem ainda a história escrita da unidade. O Alberto Pires (o Teco, como é mais conhecido entre nós) e o Carlos Guedes, com mais cinco camaradas estão a escrevê-la, com recurso às histórias dos Batalhões a que a Cª esteve adstrita e às memórias de mais de 400 fotos seleccionadas, tiradas entre Novembro de 1964 e Julho de 1966.






A história da CCaç 726 em datas

Mobilizada através do RI 16, Évora, a CCaç 726, comandada pelo Capitão Martins Cavaleiro (1), embarcou em Lisboa em 6 de Outubro.

Após o desembarque em Bissau, em 14 do mesmo mês, a CCaç 726 rendeu a CArt 676 no dispositivo e manobra do BCaç 600, enquanto, sob a orientação da CCaç 508, fazia a adaptação operacional na zona de Quinhamel, perto de Bissau. O primeiro GrComb a ser destacado para Guileje marchou em 28 de Outubro e o segundo em 17 Novembro.

Em 25 de Novembro de 1964 toda a CCaç 726 já estava no sector de Guileje (2), então criado, primeiro na dependência do BCaç 513, depois na do BCaç 600 e ainda na do BCaç 1861. Anteriormente Guileje esteve ocupado por um pelotão da CArt 495.

A CCaç 726, ao longo da permanência no sector, só ou em conjunto com outras subunidades, tomou parte em diversas operações, patrulhamentos e emboscadas no chamado corredor de Guileje. E por períodos variáveis, forneceu pelotões para temporariamente reforçarem as guarnições de Gadamael e Cacine.

Em 30 de Março de 1965, na sequência da Op Arpão, ocupou a povoação de Mejo, tendo lá deixado dois pelotões.

Em 27 de Janeiro de 1966, para reforçar a CCAÇ 1424, destacou dois pelotões para o Cachil, então na zona de acção do BCAÇ 1858.

Em 2 de Julho de 1966, por rotação com a CCAÇ 1424, passou a integrar o dispositivo do BCAÇ 1858, assumindo a responsabilidade do subsector de Cachil, mantendo ainda um pelotão em Mejo.

Em 16 de Julho foi substituída pela CCAV 1484 (Cap Cav Coutinho e Lima*), seguindo para Catió, onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587.

E em 6 de Agosto de 1966, seguiu para Bissau, a fim de embarcar de regresso à Metrópole.

As baixas da CCaç 726

Durante a comissão na Guiné, a CCAÇ 726 sofreu 10 mortos, dos quais 9 em combate.

Mais de metade da CCAÇ 726 sofreu ferimentos em combate, tendo alguns militares sido atingidos duas e três vezes ao longo da estadia em Guileje.

No total, existe o relato de terem sido evacuados para o HMP 14 elementos da Companhia, tendo cerca de 69 feridos, continuado ao serviço, depois de recuperados.

Mortos:

  1. Furr Mil António Gonçalves da Silva, em 29 Nov de 1964, por ferimentos em combate.
  2. 1º Sarg Joaquim Balsinhas, em 28 Fev 1965, por explosão de armadilha IN.
  3. 1º Cabo Amadeu Jaló, em 28 Maio de 1965, por doença, no HMP
  4. 1º Cabo Enf Manuel Moreira Marques, em 28 Jun de 1965, por ferimentos em combate.
  5. Sold Cond Armando Gonçalves da Fonseca, em 28 Ago de 1965, por ferimentos em combate.
  6. 1º Cabo Elísio Santos Filipe, em 28 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  7. Sold Mil Mussa Bela Camará, em 28 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  8. Sold Cond José Luís L. Pereira, em 29 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  9. Sold Luciano Florêncio, em 7 Set 1965, por AP, em Cutia, ao serviço do GrCmds "Vampiros".
  10. 1º Cabo João Seborro, em 7 Nov 1965, por ferimentos em combate

As primeiras acções armadas da CCAÇ 726

A 1º acção em que a CCAÇ 726 participou foi uma emboscada que montou, para os lados de Balana, junto a uma cambança do rio. Apanharam armas e tantas munições (mais de 12.000) que se viram aflitos para trazerem todo o material para o aquartelamento.

Não demorou muito a terem a resposta. Um Gr Comb viria a cair, dias depois, numa emboscada. O IN, até essa data, estava habituado a utilizar o corredor sem ser incomodado, uma vez que os efectivos de Guileje, até então, não tinham passado de um pelotão.

Extractos de Perintreps e Sitreps com referências à CCAÇ 726

Novembro de 1964

República da Guiné-Conakry

O conjunto de notícias sobre a presença de grupos IN na Rep. Da Guiné, relacionadas com instrução e reabastecimento de material, levam a admitir o recorte de:
- Elementos do PAIGC regressados da URSS, onde receberam instrução;
- Um centro de instrução em Boké, onde, em Out. de 64, receberam instrução cerca de 300 elementos IN, que se admite pertencerem ao Exército Polpular (2 secções)

Sector E

- Registou-se o final da instrução das duas primeiras unidades do E. Popular, uma das quais se destina ao Quitafine (a outra irá para Boké), supondo-se que tenha sido já uma dessas unidades que actuou na região de Guileje.
- Referida a existência de metralhadoras pesadas AA de 3 canos e viaturas blindadas na posse do IN.
- Observados vestígios de passagem de numerosos grupos, em ambos os sentidos, na área Gadamael-Guileje-Gandembel e caminhos recentemente abertos na área de Contabane.
- Observados 3 sobrevoos de helicóptero em Sangonhã, sempre na direcção E-W.

Dois ataques a Guileje no mesmo dia

Na madrugada de 29 de Novembro de 1964, a CCaç 726 levantou-se mais cedo. Acordou com fogo nutrido de armas automáticas e granadas de morteiro e de RPG. Durou até ao nascer do dia o ataque ao aquartelamento.

Depois do ataque, houve que evacuar os feridos mais graves. Guileje assistiu pela primeira vez a um movimento de helis e Dorniers, que, a partir daí, passaria a ser banal.

Dos relatórios dos ataques:

29 Nov 64 – grupo estimado em cerca de 200 IN atacou a tabanca e o quartel de Guileje, durante cerca de duas horas, com LGF, Mort 60 e 80, MP, Esp, P e GM, provocando incêndio e destruição de instalações militares e civis e causando 2 M e 11 F às NT e 4 M e 20 F à população.

Cerca das 4h00 um grupo estimado em cerca de 200 elementos atacou Guileje usando toda a gama de armas, em especial morteiros, lança-granadas-foguete, metralhadoras pesadas e espingardas automáticas. A intensidade do ataque era brutal e o uso de granadas incendiárias deu origem à destruição por incêndio da maioria das instalações militares e casas da população.

Por se tratar de um acontecimento notável e extraordinário refere-se aqui que no dia 29 de Novembro de 1964 foi Guileje atacada pela primeira unidade do chamado 'Exército Popular' IN, dotado de armamento poderoso, incluindo(…).

Todas as casas da tabanca foram incendiadas e destruídas.

Do Sitrep nº 89 P 300103 de 29 Nov 64 da CCAÇ 726

- Povoação deprimida perdas haveres (.) Boa reacção imediata aparecer pessoal comandante BC513 e oficial reabastecimentos e FAP evacuação feridos (.) Bom moral geral com desejo vingar ataque (.)
- FOX 963 transportar reabastecimentos chegaram em boa ordem (.) Chegar reforço PARAS (.) Trabalhos em melhorar defesa (.) CmdtCCaç726 ferido evacuado (.) Médico presente anima população (.)
- De Bissau arroz e farinha povoação que recebeu oferta sensibilizada (.)
- Oficial TMS encontra-se neste (.) Veio engenheiro águas e obras (.)

Nesse mesmo dia esteve em Guileje o Comandante do Batalhão a fim de tomar contacto com os estragos causados e necessidades imediatas das tropas e da população. Estabelecida uma ponte aérea de socorro em géneros, munições e roupas. Nem um só dos seus habitantes pediu para sair dali ou se deslocou por sua iniciativa para outras localidades. Mais decididos do que nunca, mostraram-se firmes na defesa da sua terra e no desejo de vingar os seus mortos.

Durante o dia fizeram-se as evacuações e foi reforçada a guarnição com um Pelotão de Pára-quedistas.

Foi tanto o movimento que até o próprio IN se convenceu que uma boa parte da CCAÇ 726 tinha abandonado Guileje.

À noite, assinalaram com vários very-lights o 2º ataque.

Os militares da CCAÇ 726, abrigados em toscos abrigos (ainda não tinha havido tempo para os construir) viram e ouviram guerrilheiros, de pé, junto à fiada do arame farpado, a incentivar a população a juntar-se-lhes. Recortados pela intensa luz, foram alvo do fogo dos militares abrigados.


Povoação e quartel de Guileje com iluminação exterior a petromaxes. Reconstituição e montagem, a partir da foto original, de J. Guedes. Com a devida vénia.

O aquartelamento foi defendido pelo 2º e 3º pelotões da CCAÇ 726 e por um pelotão da CART 495, com um efectivo total de 76 militares. Dias antes, um GrComb da CCAÇ 726 tinha sofrido 1 morto e 14 feridos numa emboscada.




A cozinha, o refeitório, a GMC e a armação de uma das tendas, na manhã a seguir ao 1º ataque.

Foto de António Pires (Teco).
A - 1º Sargento Balsinhas (morto por AP, em 28 Fev 65)
B - Furr Mil Enf. Manuel Rodrigues
C- 2º Sarg José Bebiano
D - Furr Mil Transm Carlos Cruz
E - militares da CArt 495

O 2º ataque no mesmo dia

Do Sitrep nº 93 de 30 Nov 64 da CCAÇ 726

1. 291900 a 301900 (.)
2. IN atacou esta das 2215 às 2325 (.) Utilizou Mort, Bazuca, MP, Esp aut, P, GM (.) Causou 3 feridos nativos sem gravidade (.)
3. NT reagiram bem, capturadas 2 Esp aut e vário material (.) Causou baixas avaliar poças de sangue e restos humanos.
Às 22h15 o mesmo grupo IN voltou a atacar, talvez entusiasmado com o relativo êxito que obtivera na madrugada anterior. Foram no entanto surpreendidos com a reacção das NT tendo sido postos em fuga cerca das 23h25.

Abandonou 1 Esp aut e 1 Carabina semi-aut e muito outro material havendo a destacar 1aparelho de pontaria de morteiro 60. Pelas poças de sangue, sinais de arrastamento de corpos e despojos humanos abandonados, o IN deveria ter sofrido pesadas baixas. Notícias posteriores referem que i IN sofreu 30 (?) mortos.

Amílcar Cabral em Guileje

Dezembro de 1964

República da Guiné

- Reportada a presença de Amílcar Cabral até aos primeiros dias de Dez de 64, na área fronteiriça, entre Sansalé e Simbeli, admitindo-se que a sua presença estivesse ligada às actuações do E. Popular contra Guileje e Gadamael.
- Verificou-se que a R. da Guiné incrementou o auxílio que vem prestando ao PAIGC dando-lhe facilidades de utilização dos seus aquartelamentos e de viaturas, quer para ministrar instrução, quer para efectuar reabastecimentos e transportar pessoal.

Já está reportado o apoio dado pelos aquartelamentos de Koundara (a norte) e o de Boké (a sul) no aspecto de concentração, instrução e transporte de elementos IN e ainda no aspecto de ligações rádio com o secretariado do PAIGC em Conakry.

Sector E

- Observados sobrevoos de helicóptero, de Sangonhá, na direcção W, e sobre o rio Cacine.
- O IN, sempre que pretende fazer entradas maciças de material pelo corredor de Guileje, destrói previamente os pontões na estrada, antes e depois daquela região, para o isolar.


As defesas de Guileje após os ataques



Guileje depois dos ataques. Abrigos com MP e com AA (c), espaldões do LGF (d) e do Mort 81 (e), resguardados com tapumes e trincheiras de protecção (b) e duas fiadas de arame farpado (a). Fora deste o aquartelamento estava armadilhado.
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Nota do co-editor vb:

Publicam-se aqui extractos da história de uma das Companhias que mais baixas sofreu na Guiné. A história escrita da CCÁÇ 726 está ainda em construção. Agradecemos ao Teco e ao Carlos Guedes o privilégio que nos quiseram dar, de sermos os primeiros a ler a história da CCAÇ 726.

(1) A CCAÇ 726 teve ainda como Comandantes o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim.

(2) Vd. ainda posts de:

Guiné 63/74 - P2358: A CCAÇ 726, a primeira unidade a ocupar Guileje: em memória do Alf Mil Comando António Vilaça (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)

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Nota de vb:

(*) O Cmdt da CCav 1484 era o Cap. Cav Rui Pessoa de Amorim e não, como está indicado acima, o Cap Coutinho e Lima). Corrigido pela mensagem do nosso Camarada Benito Neves, a quem agradecemos a informação correcta e as informações adicionais que nos enviou:

Meu caro Virginio,

Não por vício mas por mero prazer, sou um frequentador quase permanente da nossa caserna virtual. E digo quase permanente porque é a primeira coisa que faço quando me levanto e também a última do dia, antes de me deitar. Foi o que agora aconteceu e li as andanças da C. Caç. 726. Porém, no 8º parágrafo da história da C. Caç. 726, é referido que " /Em 16 de Julho foi substituída pela C. Cav. 1484 (Cap. Cav. Coutinho e Lima), seguindo para Catió onde se manteve até à chegada da C. Caç. 1587.". /

Ora bem, há aqui uma correcção a fazer no que se refere ao comandante da C.Cav. 1484 que foi sempre o Cap. Cav. Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim. Desde a constituição da C. Cav. 1484 no RC 7, até à sua desmobilização na mesma Unidade. O Cap. Cav. Pessoa de Amorim apenas não esteve no comando da Companhia nos períodos das suas férias.

Eu estive nesta rendição no Cachil e o Cap. Pessoa de Amorim também lá esteve. Desconheço em absoluto quem terá sido o Cap. Cav. Coutinho e Lima. A rendição no Cachil da C. Cav. 1484 pela C. Caç. 1587, foi feita por fases, G. Comb. a G. Comb., iniciada em 07/07/66.

Que me seja perdoada a intervenção, mas o rigor não me deixou ficar indiferente.

(...)

Benito Neves, Fur. Mil. Cav. CCav. 1484

Guiné 63/74 - P2359: Dando a mão à palmatória (4): Afinal, não era só em Bissau que se gozava as delícias do sistema (Santos Oliveira / Editores)

Guiné > Bissau > Amura > Dezembro de 1965 > Um turista [o 2º Srgt miliciano Santos Oliveira, do Pel Ind Mort 912], "gozando as delícias do sistema"...

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do do Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66):

Digníssimo Chefe da Tabanca Grande:

Saudações!

Obrigado pela referência aos Bravos do Pelotão que não existiu (1). No entanto o seu ao seu dono: o Alferes Cmdt do Pel Mort 912 não estava nas delícias de Bissau, mas pela Região de Tite, algures num dos Destacamentos que o Cmdt do BCAÇ 1860 gentilmente lhe ia destinando ao ter conhecimento do que nos estava acontecendo no desterro e pela sua própria inércia e falha de iniciativas de Comando.

Gostaria que fosse dado conhecimento, aos Tabanqueiros, deste pormenor menos exacto.

Aqui fica a rectificação. Desculpa-me.

Santos Oliveira

2. Comentário dos editores:

Santos Oliveira, herói do Como: A verdade dos factos acima de tudo. As nossas desculpas a ti e ao teu comandante (ausente, mas pelo RMD, e para todos os efeitos legais... teu superior hierárquico, que o respeitinho era muito bonito!) pela nossa frase menos exacta (e quiça infeliz), insinuando que ele teria ficado por Bissau, "gozando as delícias do sistema"... Afinal, ficou por Tite, que ficava em frente a Bissau, do outro lado do Rio Geba...

Sem queremos fazer um juízo de valor sobre o comportamento do teu alferes (coisa que evitamos fazer no nosso blogue, já que não somos tribunal, e muito menos tribunal militar), é costume recordar aqui que, na guerra e noutras acções humanas organizadas, há chefes e chefes, há líderes e líderes ... A chefia (que tem a ver com penacho, coroas, penas, galões, palanques...) uma atributo da organização, a liderança é uma relação... Não é líder quem quer, nem quem pode, mas sim quem se assume como tal e é reconhecido como tal... Etimologicamente falando, líder, no inglês antigo, quer dizer aquele que vai à frente mostrando o caminho...

E falando agora de camaradagem entre milicianos e soldados do contingente geral: a verdade é que, na Guiné, eramos todos camaradas, mas havia sempre uns mais camaradas do que outros... Sempre foi assim, em todas as guerras, em todas as sociedades: não havia só heróis, não havia só homens, não havia só camaradas, também havia vilões e filhos da mãe...

Damos a mão à palmatória, pelo erro factual: de facto, não era só em Bissau que se podia gozar as delícias do sistema... A comprová-lo, temos inúmeras fotos tuas do resort de Tite para o Carlos Vinhal publicar em tempo oportuno...

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

(...) Ensaiei e esperei. Nessa Noite não tivemos visitas. Passados sete meses (sem sequer ter obtido qualquer resposta, ou comunicação do Cmdt do Pel Mort 912, acerca do que quer que fosse, inclusivamente dos Vencimentos e Pré dos Militares que estavam sob o meu Comando, desloquei-me a Catió, sendo recebido pelo 2.º Cmdt do BCAÇ 616 (?), confrontando-o com os três meses de Missão, com os Vencimentos, com a Disciplina (já não cortava o cabelo há 4 meses) e com a ameaça de agredir um qualquer Oficial, porque se isso resultou com o meu antecessor colocado em Bissau, no BSM (Furriel Miliciano Contente – já falecido), certamente também iria resultar comigo (...).

(...) Fizemos abrigos subterrâneos e aí colocávamos as nossas reservas. Nas rotações das Unidades as coisas ficavam um pouco feias. Continuava a reclamar o Pré e Vencimento, até que, finalmente, talvez pressionado por outro alguém, o nosso Alferes Rodrigues, dito Comandante do Pelotão, nos deu o ar da sua graça e enviou-nos os nossos bem merecidos Vencimentos, mas … em cheque.

Ficamos perplexos e até o 1.º Sargento da Companhia (?) ficou abismado e andou pelo aquartelamento com o braço erguido a mostrar o cheque. Só não conseguia ter um encontro, de amigos, com o Comandante Nino para lhe pedir o favor de descontar, o dito, lá por Conacri, onde ia regularmente. É de loucos. (...)

(...) Do meu Cmdt de Pelotão, nem sequer a dignidade duma referência, no seu Relatório Final, pelo desterro de 10 homens de quem se deveria sentir responsável. Para ele, não existimos nunca. (...).

24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

Guiné 63/74 - P2358: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (1): em memória do Alf Mil Comando António Vilaça (Virgínio Briote)



O alferes António Vilaça, ao centro, rodeado pela 1ª Equipa do Gr Cmds Vampiros, em Setembro de 1965. À sua esquerda, o Jamanca e o Justo que fizeram parte da 1ª Companhia de Comandos Africanos, tendo sido executados pelo PAIGC, já depois da independência, sendo na altura tenentes graduados (1). À direita do Vilaça, dois camaradas que sairam da secção do Fur Mil Comando João Parreira, na CART 730 e depois do 2º Curso de Comandos ficaram na 1ª equipa do Grupo Cmds Vampiros: António Paixão Ramalho (Monte Trigo) e o João Maria Leitão (2).


Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos rerservados.


A CCAÇ 726 em terras da Guiné. Uma Companhia ainda à procura da sua história (3). À Memória do António Vilaça, alferes da CCAÇ 726, colega e camarada, onde quer que estejas.

Colega, nos nossos tenros anos do liceu Sá de Miranda, nos cafés da Arcada, na Lusitana, na Rua do Souto em Braga.



O Vilaça (de costas), o Furr. V. Sousa, (...) o alf Gião do QG, o V. Briote, o Furr Marques e o Alf Toni Ramalho, à mesa do Hotel Portugal, em Bissau.

Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos reservados.


Camarada, poucos anos depois, com 20 e poucos anos, nas bolanhas e nas lalas de Iracunda e de Canquelifá, naquela Guiné que ambos odiávamos e amávamos. Nas nossas desavenças em Brá, no quarto que repartimos meses e meses, nos jantares no Hotel Portugal, em Bissau, nas brincadeiras em que nos metemos, nos castigos, punições em linguagem militar, que ambos sofremos, no solene frente a frente com o Brigadeiro Sá Carneiro, o Comandante Militar, a ler-nos nas trombas as redacções das infracções que cometemos, a vergonha que devíamos sentir, contra o espírito da psico-social, então a iniciar-se nos meados daqueles anos.

E depois da Guiné, dois ou três anos passados, os nossos encontros em Braga, as conversas que tivemos sobre a vida à nossa frente, com a Guiné para trás, como se nunca por lá tivéssemos andado. Lembras-te, António?

Não tiveste a vida que gostarias de ter tido e, no entanto, isto cá entre nós todos, pouco fizeste para teres outra. Quando te avisaram que a despedida estava próxima, ainda me telefonaste. Apanhaste-me num táxi, no Marquês, quiseste dar-me a honra de ser o primeiro a saber do mal que tinhas e dos dois ou três meses que nos restavam para pormos a conversa em dia. Não houve tempo para mais, António. E assim te foste, sem mais nada dizeres, quiseste ir só, com os teus à beira.





Curvamo-nos perante todos os que defenderam aquilo que lhes ensinaram que era Portugal. A nossa História a isso nos comprometia. Uma História feita de Albuquerques, Gamas, Egas Moniz, Magalhães e tantos e tantos outros que honraram, por feitos desmedidos, o sagrado nome de Portugal.
Tinhamos então pouco mais de 20 anos. Poucos anos antes, tinhamos trazido das escolas a ideia que a Pátria era una e indivisível. Depois, nas Mafras deste país, ensinaram-nos a usar as armas, a jurar que se o nosso precioso sangue tivesse que verter, que o fosse, que só assim seríamos realmente dignos de cá termos nascido.

Dulce et decorum est pro patria mori, doce e honroso é morrer pela Pátria. Assim mesmo jurámos, alguns com os pêlos da pele eriçados.

De pouco mais de meia dúzia de nomes ilustres faz parte a nossa lembrança escolar, mas não foi só deles que a história deste País se fez. De muitos também se fez o esquecimento e, no entanto, eles estiveram lá e outros foram mesmo decisivos nesses declinares da história.

vb

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Notas de vb:

(1) Vd. posts de:

23 Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)

12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

(2) Vd. posts de:

8 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2037: Memórias dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

(3) A CART 726 foi comandadq pelo ex-Cap Art Nuno Rubim, nosso muito estimado amigo, hoje coronel, e grande especialista em história da artilharia. Vd. posts de:

14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)