sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2540: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (20): A morte de Uam Sambu, na Missão do Sono, em Bambadincazinho

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Tabancas de Bambadincazinho onde estava instalada a Missão do Sono. Estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Foto do Luís Moreira (ex-alf mil da CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71; BENG, Bissau, 1971; será gravemente na explosão de uma mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971, em Nhabijões, no mesmo sítio onde duas horas depois rebentaria outra mina que atingiu a viatura onde ia um Gr de Combate da CCAÇ 12, e onde seguia o editor do blogue) (1).

Foto: Luís Moreira (2005). Direitos reservados.

Cópia do poema escritoi por beja Santos, na morte do Uam Sambu: "O pseudopoema foi escrito logo a seguir à morte de Uam, penso que a 2 de Janeiro.Vim para Bissau a 12, reescreviu-o e enviei-o à Cristina, tal como se pode ver, cheio de dor.Estou doente, mas comecei a dormir melhor.Digo à Cristina que estou ansioso por a ver,suspeito que será em Fevereiro,não será assim. Saio de Bissau, e com o Pel Caç Nat 52 vamos para a operação Topázio Valioso" (BS).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), remetido em 13 de dezembro de 2007:

Luís, tal como prometido, aqui tens mais um episódio esta semana. Seguem amanhã as capas dos livros. Se tivesses uma fotografia com a missão do sono do Bambadincazinho era o ideal. Creio que tens uma fotografia da vossa passagem de ano, na messe de sargentos. E, como sempre, temos a espelunca da ponte de Udunduma. Para a semana volto a interrogar o Queta e o Pires. Faltam-me cartas e as que tenho falam mais no casório do que nas coisas da guerra (vou casar por procuração no inicio de Fevereiro). Recebe um abraço do Mário.

Operação Macaréu à vista > Episódio XX

A MORTE DE UAM SAMBU

por Beja Santos

(i) Aquela tumultuosa noite de passagem de ano

Um pouco antes do lusco-fusco, o Setúbal levou-nos para a Missão do Sono, no Bambadincazinho, partíamos para uma emboscada visando proteger Bambadinca a partir da estrada de Mansambo, fazia parte do plano defensivo do quartel. O transporte por Unimog era obrigatório por causa das munições, pois caso houvesse flagelação das gentes de Galo Corubal, Bambadinca não podia ripostar na nossa direcção, seríamos nós a reagir ao fogo inimigo.

A velha Missão do Sono resistia de pé e ainda em bom estado, era uma daquelas construções coloniais típicas, rebocada de branco, bem telhada, paredes arejadas e com uma varanda simpática com tijolos, cuidadosamente cimentada. Em torno do edifício, a malta da engenharia com a tropa do batalhão fizeram um largo U que era uma barricada de bidões cheios de terra, com uma leve cobertura de cimento.

Era aí que passávamos a noite, duas sentinelas em permanência, não era recomendável pernoitar dentro da missão, uma simples roquetada podia fazer uma mortandade, abrigávamo-nos junto dos bidões, os cunhetes de granadas de bazuca e morteiro num espaço central, bem como os cunhetes de balas e o telefone de campanha. Pelas 6 da tarde, estávamos todos instalados, havia cantis e rações de combate, atendendo que se tratava de uma estadia de doze horas.

Há muito pouco a contar sobre estas noites de emboscada. Até ao anoitecer, estávamos entretidos a ver a população chegar e a partir de Bambadinca, havia gente a viver na região de Água Verde, mas também em Iero Nhapa, Aliu Jai, Sare Nhado e Queroane. Depois, crescia o silêncio total pontuado pelo piar das aves e o restolhar dos animais. À distância de dois quilómetros, talvez um pouco mais, os holofotes no quartel referenciavam com clareza a estrada para Mansambo. Mas a mata fechada era imponente, era dali que procurávamos ouvir os sons de uma intempestiva flagelação.

Inactivos, aproveitávamos para conversar em voz baixa: quem estava doente, quem queria ir de férias, com mais discrição alguém perguntava ao alferes se este podia adiantar duzentos ou trezentos escudos, seguiam-se as explicações intermináveis, a cerimónia de um choro, uma mãe muito doente, um paizinho no hospital, a compra de um rádio, dar dinheiro ao irmãozinho que ia para Bolama, há sempre argumentos de toda a ordem para pedir dinheiro emprestado ou adiantado. Depois, chegava a modorra, lá nos aconchegávamos na friagem da noite, levávamos mantas e adormecíamos aos três e quatro, o Domingos umas vezes, outras o Queirós, outras o Benjamim, outras o Barbosa, iam chamar de duas em duas horas os novos sentinelas. Quem podia dormia, os outros procuravam dar repouso ao corpo, recordavam quem os esperava em Portugal, o que fazer depois do fim da guerra. E assim chegávamos ao amanhecer.

Só que naquela noite tudo aconteceu às avessas, por capricho do destino. Do Xime primeiro, do outro lado do Geba, depois, começou um medonho foguetório quando precisamente se deu a passagem de ano. No caso do Xime era horrível de se ver, o céu rasgado pelas descargas do fogo das espingardas metralhadoras, das saídas de morteiro e bazuca, mas havia o incompreensível silêncio do inimigo que não se apresentava.

Irei escrever à Cristina:

“Era meia noite e estava eu em ânsias, impressionado com o potencial de fogo, supondo que aquela flagelação arrasaria o quartel. Liguei para Bambadinca (maior deste chama maior desse, proponho ir auxiliar força atacada, escuto, e depois de um longo silêncio com o ruído de fundo do costume, o maior daquele avisou-me que eram tiros de festa, devia haver ali uma boa bebedeira, que o maior deste não se preocupasse). Quando nos preparávamos para descansar, foi a vez do fogo de Mansambo, desta vez nem usei o telefone de campanha, não chegaram instruções de Bambadinca. A partir das 2 da manhã, demos por finda a preocupação com o tiroteio dos outros, a sua exuberância de reveillon na floresta. E depois da tempestade veio a bonança. Mal sabia eu que estava no princípio dos meus azares”.

O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe Doutor, dá cá a mão! - Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!”

Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações. Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.

Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.

A DO chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós.

À tarde fomos trabalhar para Galomaro, levámos coisas a Madina Bonco, depois Bafatá, à noite voltámos à missão do sono. Escrevi à Cristina:

“Pelas 10 da noite desse 1 de Janeiro, o Reis telefonou da ponte de Udunduma dizendo que tinha um soldado gravemente ferido. Lá fomos e trouxemos um apontador de morteiro que estava com uma mão escavacada pelos impactos de uma morteirada. Logo a seguir foi a nossa vez de voltarmos para a ponte”.

Era assim esta nossa guerra sem feitos épicos, só mágoas e canseira. No dia seguinte, chegou-nos a notícia de Bissau: Uam finou-se no bloco operatório.

(ii) As minhas recordações de Uam

Quando cheguei a Missirá, no início de Agosto de 1968, Uam tinha sido evacuado na véspera, com o peito estilhaçado, em resultado de ter tocado nos fios de uma armadilha. Só o conheci em Abril de 1969, quando regressou totalmente restabelecido. Escrevi dele no meu caderninho de viagem, convencido que dominava a prosa poética: “É um azeite de palma com ceptro de maracujá, enfeitado com bicos de periquitos no seu guarda de corpo”.

Vinha do Morés, sabia rir devagar, possuía um andar elegante, o seu comportamento militar era o de um herói. Conhecera ferimentos graves em duas emboscadas. Os seus estilhaços formavam nódulos no peito, e por isso ele ia a Bambadinca extrair insólitos pedaços de ferro e aço que deixava o médico pasmado. Era um prazer passar, nas noites de Missirá, um pouco na sua companhia quando eu o visitava no reforço. Ouvi-lhe contar narrativas guerreiras mansoanques, eu ficava deslumbrado. Ao fim da tarde, ele despia o camuflado, adornava-se de amuletos e fetiches punha um manto com as cores de Navarra, lembrava-me um Zulu.

Numa das minhas conversas com Lânsana, perguntei-lhe se os mansoanques eram islamizados. O padre de Missirá respondeu-me que os mansoanques eram totemistas, acreditavam nos elementos da natureza, nas pilhas de fogo, nos símbolos aquáticos, eram gente sem deus. Quando fomos destacados para Bambadinca, o estado de saúde do Uam tinha-se agravado, já não podia fazer operações, tal a sua fragilidade.

Talvez o tenente Pinheiro tenha razão, eu estou a amalucar, quando o helicóptero o leva para Bissau e Binta Sambu arranca os cabelos, transida com o arame farpado profundo, eu inventei uma lenda. Que um anjo lhe acobertara a nudez e que o dia se estava a avermelhar num calor de tornados e febres. Que Uam corria velozmente para o céu onde foi recebido em festa e que o Uam se torcionava ao som de um batuque trepidante. Ele fumava um canhoto (cachimbo), para mim ele tinha morrido de olhos abertos, lembrava-me do que me tinha dito Mamadu Camará de uma emboscada que o 52 sofrera em Canturé, em 1967, ele em cima de um Unimog, de pé, reagiu à emboscada, estava em dia fasto, nenhuma bala lhe roubou a vida.

No meu quarto, escrevo poema para Uam Sambu, uma coisa sem importância que vou mandar num aerograma para a Cristina:

Canhoto chupado, preto mansoanque, manto
de Navarra, um gamo antigo.

Nascera na hora de batuque, acima do Oio,
tabanca era Sambu.
No peito, traços de estilhaços, mas estilhaços
O níquel da vida...


E digo à Cristina que estou doente, incapaz de resumir em meia dúzia de linhas tudo o que me vai na alma. E termino: “Desejo ardentemente o nosso encontro, começar a fazer-te feliz.”


Copia da obra Casa Grande e Senzala, do brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987). Edição: Livros do Brasil, Lisboa. "Esta obra,tal como Sobrados e Mucambos,entusiasmou-muito: estava finalmente a confrontar-me com um colono retratado a corpo inteiro, o que era impossível na Guiné. Curiosamente, voltei a ler este livro quando fiz História do Brasil" (BS).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


(iii) As minhas recordações do Xabregas

Chamava-se Mário Dias Perdigão e quando o voltei a ver, no fim dos anos 80, trabalhava na Trevauto, na rua de Arroios, em Lisboa. Eu representava o Ministério do Ambiente no Conselho de Prevenção do Tabagismo, que funcionava num serviço do Ministério da Saúde, ali perto. Um dia, olho para o balcão de atendimento da Trevauto, o rosto daquele homem que escrevia atentamente num livro de encomendas, era-me familiar. Entrei, apontámos um dedo um ao outro e houve gritaria no reencontro. Deu-me o seu cartão, queria que eu fosse a sua casa. Todos os meses se repetia o ritual, eram uns minutos de recordações de Bambadinca e arredores.
- Oh meu alferes, lembra-se quando fomos ao Xitole e a GMC rebentou os pneus debaixo de uma mina? Os sapadores vieram, não havia novidade, mudámos os pneus, lá seguimos para o Xitole e para o Saltinho... Oh meu alferes, e se aquele gajo que matou o outro no dia 1 de Janeiro [de 1970] tem enfiado uma rajada em nós? As coisas que vivemos, meu alferes!.

Até que um dia passei por ali e não vi o Xabregas no balcão, o que me surpreendeu já que poucos meses antes o tinha encontrado uma noite no Café Império, e ficara aprazada uma nova visita com almoço, depois de uma das minhas reuniões do Conselho de Prevenção do Tabagismo. Dirigi-me a um outro colega e pedi para falar com o Xabregas:
-O senhor não sabe? O Mário Perdigão morreu com cancro, no fim foi quase fulminante. Não o avisaram?.

Saí cá para fora, apatetado. O Xabregas era um dos meus telefones para o passado, nunca aceitamos estas separações sem um grito de revolta. Limpei os olhos humedecidos, continuei a caminhar, mas mais lentamente, a refazer-me da perda.


(iv) Leituras, entre Bambadinca e Bissau

No inicio do ano, numa operação no Xitole, a Navalha Polida fez-se um prisioneiro em Satecuta (3). Dias depois, ambos algemados, partiremos para Bissau, ele para ser interrogado, eu para fazer tratamento às minhas insónias. Até lá, foi o penar do costume: colunas, Nhabijões, reabastecimentos de emergência, ponte de Udunduma. O Cherno procurava lançar a lenda que eu era um guerreiro imortal, mostrando a minha camisa perfurada pelas balas que tinham atingido Uam. Creio que uma conversa em privado falando-lhe na sorte e no destino não o convenceu. Até hoje.


Capa do romance policial de Elleru Queen, A Porta do meio. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Colecção Vampiro.

"Percebo como Ellery Queen passou de moda. Eram tramas de perspicácia, ajustes de contas densamente elaborados, por vezes ao arrepio da informação sumária que se fornecia ao leitor. Aqui, é inteiramente impossível supor-se que um pássaro possa fugir com uma metade de tesoura e fazer recair as suspeitas sobre uma inocente. Uma boa capa de cândido da Costa Pinto, tradução de Wilson Velloso, revisão de Baptista de Carvalho". (BS).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Não é possível ler na ponte de Udunduma depois de anoitecer, mas até lá desforro-me. Primeiro um Ellery Queen original, com os seus crimes da mente, bem elaborados, vinganças que acabam no caixão. Desta feita, a famosa escritora Karen Leith, meio americana, meio japonesa, aparece morta no seu gabinete de trabalho, cá fora estivera sempre a filha do Dr. MacClure, o noivo de Karen e prestigiadíssimo médico, não há outro acesso possível que a porta sempre vigiada. Todos as suspeitas recaem sobre Eva McClure. Ellery, detective por acidente, vai descobrir na sua investigação diferentes ajustes de contas do passado remoto, descobre que Karen obrigava a irmã a escrever as obras primas que passavam por ser dela, que houvera um hara-kiri, que um pássaro levara a arma, que o Dr. MacClure preparara a frio uma tenebrosa vingança. Uma porta do meio, entre o gabinete da vitima e o sótão era a chave do mistério. A Porta do Meio é uma obra digna da Colecção Vampiro e das construções cerebrais de Ellery Queen.

Prato de substância da semana foi Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, um estudo monumental sobre a origem da família brasileira no colonialismo português. E, de facto, estão ali elementos que mostram ao colonizador e a sua obra: o carácter português, entre o fatalismo e os rompantes do heroísmo, a sua capacidade de adaptação, a nova agricultura escravocrata e o nascimento de uma sociedade colonial e patriarcal. Os brancos na casa grande e os negros na senzala, a vida dura, a construção de um equilíbrio feito de antagonismos: na economia e na cultura, com europeus e indígenas, no mundo agrícola e na extracção mineira, com os jesuítas e os fazendeiros, os bandeirantes e os senhores do engenho, os bacharéis e os analfabetos. Nascia um modo novo com mestiços e filhos naturais, o cristianismo lírico à portuguesa, uma hospitalidade única no mundo. É uma leitura estimulante, vou levar Gilberto Freyre e a Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro para Bissau.

__________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

18 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXVII: O meu Natal de 1969 em Bambadincazinho (Luís Graça)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)

" (...) O dia 13 [de Janeiro de 1971] seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos (...)"


(2 Vd. post de 8 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2513: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (19): O Natal de 1969 em Bambadinca e na Ponte do Rio Udunduma

(3) Vd. poste de 7 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXII: Assalto ao destacamento IN de Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (Janeiro de 1970, CCAÇ 12, CAÇ 2404, CART 2413) (Luís Graça)

(...) "Em 2, às 5h00, dava-se início à Op Navalha Polida para uma batida à região de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, e em que participaram 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A), além de forças da CCÇ 2404 (Dest B) e CART 2413 (Dest C), [estas duas últimas sediadas, respectivamente, em Mansambo e Xitole].
No dia seguinte, às 3h30, os Dest B e C iniciaram o movimento em direcção a Satecuta. E uma hora mais tarde o Dest A começou a deslocar-se para a região de Seco Braima, tendo ouvido por volta das 7h00 ruídos do pilão e vozes humanas.

Dirigindo-se imediatamente nessa direcção, o Dest A [CCAÇ 12] teve de cambar um curso de água, utilizando uma ponte submersível feita de troncos de cibe, deixando então de ouvir as vozes por se encontrar numa baixa.

Entretanto, o 4º Gr Comb ficava emboscado junto ao ponto de cambança. Continuada a progressão ao longo da margem, ouviram-se de novo vozes. Feita a aproximação de maneira cautelosa, verificou-se que havia ali um destacamento avançado do IN que deveria constituir o dispositivo de segurança próxima da tabanca de Seco Braima.

Como era impossível qualquer manobra de envolvimento sem ser detectado, devido ao capim e à vegetação arbustiva, o Comandante do Dest A deu ordem para que os homens da frente fizessem um assalto imediato. O acampamento foi atacado à granada de mão, tendo-se ouvido gritos lancinantes de dor.

Apesar de surpreendido, o IN reagiu rapidamente com armas automáticas, ao mesmo tempo que retirava, levando dois corpos de arrasto (no terreno havia sinais de arrastamento de 2 corpos através do capim e vestígios de sangue).

Concentrando o fogo na direcção da retirada do IN, os 2 Gr Comb (1º e 2º ) do Dest A tomaram o acampamento que era constituído por 5 casas de mato. Feita a batida a zona, encontrou-se o seguinte material:

5 granadas de RPG-2,
1 carregador de Metralhadora Ligeira Degtyarev,
2 lâminas 18 cartuchos,
além de vários utensílios e um balaio cheio de arroz.

Entretanto, já os Dest B e C tinham atingido o acampamento de Satecuta, de resto abandonado. Porém, devido aos rebentamentos que se ouviam da direcção de Seco Braima, alguns elementos IN, de passagem em Satecuta, foram alertados e na fuga seriam interceptados pelo Dest C [CART 2413] que abriu fogo sobre eles. 0 IN reagiu da vários pontos da mata. Na perseguição as NT fizeram um prisioneiro que ficara para trás, ferido.

Quase simultaneamente os 2 Gr Comb do Dest A em Seco Braima começariam a ser flagelados com canhão s/r e mort 82, instalados na margem esquerda do Rio Corubal, em frente de Ponta Jai. Foi entretanto pedido apoio aéreo e dada ordem de retirada pelo PCV. Enquanto os bombardeiros T 6 martelavam as posições do IN, as NT retiraram mas ordenadamente.

Os 3 Dest encontraram-se na estrada por volta das 13h00, tendo o Dest C seguido para o Xitole e os Dest B e A para Mansambo em coluna apeada (até à Ponte dos Fulas e ponte do Rio Bissari, respectivamente).

Em resultado da acção das NT, o IN teve 2 mortos prováveis e vários feridos confirmados, além dum capturado" (...).

Guiné 63/74 - P2539: As nossas mulheres (2): Em Dia de São Valentim... ou o amor e a morte em tempo de guerra (Mário Fitas, Torcato Mendonça, Manuel Bastos)



Cópia de aerograma, tendo por remetente o Manuel Correia de Bastos, SPM 8244...

Foto: Blogue de Manuel Correia de Bastos > Cacimbo - Episódios da Guerra Colonial


1. Em dia de São Valentim, lembrei-me de mandar a seguinte mensagem à malta da nossa Tabanca Grande:

Assunto - O São Valentim não andou na guerra

Amigos/as & camaradas:

Então, em Dia de São Valentim (uma modernice da sociedade de consumo, diga-se de passagem…) não há um carta de amor escrita em tempo de guerra ? Onde estavam os (e)ternos namorados de antigamente ? Ou a guerra matava a paixão, o desejo e a inspiração poética ?

Camaradas, no feminino, não havia, tirando as enfermeiras pára-quedistas… Mas essas eram de mau agoiro, por mim nem vê-las nem cheirá-las… Como eu costumava dizer, elas eram as nossas Jocastas que vinham arrancar os seus filhos às guerras da morte... Só levavam os feridos, nunca os mortos... Restavam as saudosas madrinhas de guerra que, afinal, não eram assim tantas como a gente pensava…

Segundo a nossa sondagem, a que responderam, até agora 89 participantes:

(i) cerca de dois terços (64%) não tinham madrinha de guerra.

(ii) dos 32 que se correspondiam com madrinhas de guerra (excluindo esposa, noiva ou namorada), um terço era "monogâmico" (tinha só uma);

(iii) 16 tinham duas ou três;

(iv) apenas uma minoria de nós (5%) correspondia-se com quatro, cinco, seis ou mais madrinhas de guerra…

A nossa amostra, como tudo o indica, não é representativa da população de militares (soldados, cabos, furriéis, sargentos, alferes, milicianos e não milicianos, etc.) que fizeram a guerra colonial... Afinal, quem é que coleccionava madrinhas de guerra ? Os escriturários ? Os básicos ? Eu sempre ouvi dizer que havia malta a receber dezenas e dezenas de cartas e aerogramas...

De qualquer modo, ainda faltam dois dias para terminar o prazo de resposta.

Um Bom São Valentim.

Um Beijinho às bajudas da nossa Tabanca Grande. Tratem bem os vossos homens grandes.

Um Alfa Bravo para os nossos moiros e morcões. Sejam gentis com as vossas bajudas. Luís

2. Tive, de imediato, a resposta de três camaradas: o Mário Fitas, o Torcato Mendonça e o Manuel Correia Bastos. A resposta do Manuel Bastos, que andou por Çomçanique, e é o autor de um belíssimo blogue, o Cacimbo, merece um especial destaque (vd. a seguir, ponto 3).

2.1. Do Mário Fitas:

Mentira! Estão mas é todos caladinhos, para não se saber os malandros que foram!

Estou a brincar, Chefe. De qualquer forma, e complicado como foi, alguém que partiu ainda em botão escrevia-me todos os dias. Com os recatos devidos, se quiseres, podes publicar as pag. 145 a 148 de Putos, Gandulos e Guerra. Amor, desvaneio, prosa e poesia em tempo de Guerra. Umas décadas de avanço à época em que vivíamos. Dor e saudade, tresmalhados nos carreiros da mata de Cbolol.
Se o fizeres, para mim será um louvor a essa criança Mulher, que não teve tempo para viver a vida.

Chefe da Tabanca Grande, somos tão piquenos! Força para os homens e
mulheres que o souberam ser.

Do tamanho do Cumbijã, o Abraço de sempre.

Comentário: Uma Oscar Bravo, muito sentido. Não será hoje, mas publicarei esse teu texto de homenagem à criança-mulher que a morte levou cedo... Lamento muito. Depois aviso-te. LG

2.2. Do Torcato Mendonça:

Abro e dou de caras com o S. Valentim. Já, no nosso tempo teriam inventado o dia dos namorados ?

Havia muitos apaixonados. Tanto assim que alguns escreviam diariamente… Era obra!

Não tenho carta ou bate-estradas desse tempo… E tudo o vento levou (com a devida vénia)...Nem os amores da altura ficaram... as madrinhas de guerra... Ccomeço a recordar… Ainda um dia escrevo.. Melhor, junto letras e por aí fora...

Sabes(sabem), camarada(s), a espera do correio desesperava muita gente. Era faca de dois gumes: por um lado levantava o moral das NT mas, se recebido na véspera de uma operação... era uma chatice... A malta tinha a cabeça cá. Pior: tinha as duas e isso desestabiliza(va) um homem.

Mas só tu… te lembravas do S. Valentim dentro da guerra… Oh, oh,oh… porro em riste, como arma ia o Santo... Se usei linguagem menos própria, perdão, não ao Santo mas enfim… Como se chamará o Santo da paciência?

Um abraço que vos envolva a todos

Torcato Mendonça


Comentário de L.G.: Fico à espera dessas letras, todas juntinhas uma a uma...LG


3. Do Manuel Bastos, que foi furriel miliciano em Moçambique, e é autor do blogue Cacimbo onde tem publicado belíssimos textos como este, que ele nos manda:

Boa tarde, Luís Graça:

A título de contributo para a celebração do Dia dos Namorados anexo um texto que publiquei em tempos no meu blog. Se achares de algum interesse e o quiseres publicar basta copiar o texto que leva os códigos de html para exibir uma foto e colá-lo directamente no separador de html do editor de texto para uma nova mensagem do bloger.

Um abraço

Manuel Bastos

Cacimbo - Episódios da Guerra Colonial Aerograma

Mueda, 10 de Março de 1972



Meu amor,


Hoje morreu o Rivelino. Disseram que morreu. É irremediável, mas queria falar disto a alguém.

Sabes? Quando morre alguém nós ficamos um pouco mais sós. Por isso te escrevo, um dia quando te conhecer, quando nos amarmos e quando eu precisar de dizer isto outra vez a alguém, entrego-te este aerograma, para me fazeres companhia.

Aqui onde estou, a meio mundo de ti e a meia vida de te conhecer, há uma guerra e todos os dias morre alguém, é como se deus fizesse connosco o que eu estou a fazer agora com aquelas latas de cerveja alinhadas na vedação. Hoje a lata em que deus acertou chama-se Rivelino e eu precisava de chorar um pouco.

Eu choro sempre que morre alguém, mesmo que morram várias pessoas por dia. É a minha maneira de não aprender a morte; mesmo que não me apeteça chorar, choro. É uma espécie de exercício para não me esquecer que sou humano.

De vez em quando interrompo este aerograma e dou um tiro numa lata de cerveja e não vejo que prazer pode dar isso. É por pura curiosidade que o faço, para ver o que pode ter sentido deus quando o Rivelino morreu.

Falhei. Não é fácil acertar numa lata de cerveja com uma G3 a esta distância. Se aquela lata fosse o Rivelino eu hoje talvez não tivesse chorado, talvez não estivesse a escrever este aerograma e talvez não te viesse um dia a conhecer.

Mas o Rivelino morreu e eu sinto que é imperioso não deixar que isso passe em vão.

Aponto de novo a G3 e a lata de Laurentina aguarda ao longe que a minha pontaria volte a falhar. Eu enchi as latas de areia e quando lhes acerto em cheio elas explodem. É mais divertido assim, pensei eu, do que com uma lata vazia. Mas quando se trata de destruição e de morte não vejo que o espectáculo divirta mais.

Será por isso que dizem que deus pôs uma alma dentro de nós, será que é para ela explodir quando morremos, para ser mais divertido?

Não faças caso. Eu sei muito bem que não é deus que faz connosco o que eu faço com as latas de cerveja; são pessoas como eu que fazem isso, pessoas que aceitaram a missão de nos irmos abatendo uns aos outros por um motivo de que já nem sequer nos lembramos.

Quando esta guerra acabar ninguém se lembrará mais do Rivelino, então um dia, quando eu me sentir tão só como hoje e me apetecer dar tiros em latas de cerveja, eu hei-de encontrar este aerograma e dar-to-ei como se tu fosses a minha correspondente de guerra e nessa altura a solidão desvanecer-se-á um pouco.

Mas tenho que te encontrar primeiro, tenho que ir tentando pela vida fora até ter a certeza que és tu a destinatária deste aerograma.

Saberei que és tu se ao olhar-te não me apetecer chorar ninguém, como se não tivesse havido uma guerra, como se eu não tivesse feito com homens como eu, o que agora faço com as latas de cerveja.

E então sentirei um apelo enorme para te contar tudo isto, como se a música de um piano se soltasse, retinindo pérola a pérola sobre o pesado mármore do silêncio e acordasse em mim o riso e a inocência.

Se fores tu, lembraremos o Rivelino como uma criança inocente antes de lhe terem dado a missão que só é costume desculpar aos deuses e que na verdade nos transforma a todos em predadores ou em presas, em projécteis ou em alvos.

Se fores tu, terei a certeza que não aprendi a lição da morte, e este aerograma terá finalmente a sua destinatária.


Com todo o meu amor,

Manuel

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2538: Guineenses da diáspora (2): António Rocha, economista, casado com Juvelina Cabral, irmã de Amílcar Cabral

Guiné-Bissau > Bissau > 1998 > "Almoço no Clube de Caça da Anura, em 1998. Eu sou o segundo do lado direito, no primeiro plano. O segundo do lado esquerdo, no primeiro plano, é o Rocha, economista, casado com a Juvelina Cabral (irmã do Amílcar Cabral), que moravam na altura em Bissau (estão actualmente em Angola).

"Mesmo de frente, o homem de bigodes é o comandante do navio mercante que trouxe os portugueses quando se deu o golpe de Ansumane Mané (1); ao seu lado direito está o gestor da GUIPOR (empresa detentora da exploração do Porto de Bissau, na altura em mãos de portugueses)" (2).

Foto e legenda: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do António Rocha, enviada ao A. Marques Lopes, com conhecimento ao editor do blogue:


Assunto - Guiné da minha saudade, Guiné da minha tristeza

Caro A. Marques Lopes:

Eu sou o Rocha, o economista casado com a Juvelina Cabral e que agora reside e trabalha em Angola e que, num dia de 1998, creio que pouco tempo antes da guerra civil da Guiné (1), teve o prazer de o conhecer, curiosamente na companhia daquele que seria o nosso Comandante salvador.

Creio que já há cerca de dois anos quando fazia uma pesquisa relacionada com a família Cabral, descobri, num dos primeiros sites da lista de resultados, a vossa tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné, que no excerto de apresentação fazia referência a mim e à minha mulher.

Claro que fui imediatamente ao sítio do blogue e lá descobri o seu artigo com a fotografia no Clube de Caça de Anura (publicado em 7 de Agosto de 2005)(2), e resolvi escrever o texto seguinte, o qual enviei para o e-mail do Professor Doutor Luís Graça.

Curiosamente hoje, quando estava a reorganizar o Outlook (que há muito tinha deixado de usar) descobri que o tal e-mail ainda estava no arquivo de "a enviar".

Então revisitei o Blogue e entendi reenviar o texto mas, agora, também para si uma vez que lá descobri o seu endereço.

Já agora também lhe digo (porque vi que é de ou mora em Matosinhos ou Porto) que sou nascido e criado no Porto e durante muitos anos trabalhei em Matosinhos e em Leça, na Petrogal.

O texto que na altura julguei ter enviado foi o seguinte:

"Luís Graça e amigos,

Não poderei considerar-me do vosso grupo, no sentido em que não fui combatente nem na Guiné, nem na guerra colonial.

Consegui escapar, com muita artimanha e também por real incapacidade física (visual). Fui, sim, um combatente contra a guerra colonial, nas trincheiras da oposição anti-fascista, nos débeis períodos eleitorais e nas manifestações da universidade.

Respeito muito quem foi forçado a entrar nessa triste guerra, mas também respeito quem, na altura, se sentia na obrigação e com vontade de defender a pátria e o "glorioso império" português.

Mas entendo ter algo a ver com o vosso grupo porque amo e choro, todos os dias, a minha querida Guiné. A Guiné para onde quis dar o meu contributo voluntariamente em 1985 e me mantive até 2000 (com ano e meio de interregno causado pela guerra), a Guiné onde encontrei a mulher da minha vida, a Guiné que eu vi nascer para a democracia, a Guiné pátria do ídolo da minha juventude - Amílcar Cabral -, mas também a Guiné onde deixei amigos vivos e muitos mortos, a Guiné da minha tristeza diária, a Guiné que tarda em encontrar o caminho e que tanto me faz sofrer.

Eu sou o Rocha, o tal economista que o Coronel A. Marques Lopes refere no Blogue Nove Fora Nada, aquando da sua visita à Guiné em 1998 e que está na fotografia do Clube da Anura (2).

De facto ainda me encontro em Angola, juntamente com a Juvelina, minha mulher, e o nosso neto/filho João Carlos, há quase 7 anos!

Mas, não há um único santo dia que a primeira coisa que faça, não seja ler as notícias sobre a Guiné. Sou um viciado amante da Guiné que há muito só me tem dado motivos para chorar, para me revoltar.

Por isso não serei a melhor companhia para vocês que, passados tantos anos conseguem ver as coisas doutra maneira, que conseguem encontrar sempre algo de positivo ou até de belo nas vossas andanças por aquelas terras.

Isso é muto bonito e encorajo-vos a continuarem a recordar esses tempos tão significativos das vossas vidas, com a serenidade de quem consegue, hoje, ver no antigo adversário um amigo.

Eu só quis intervir para vos dizer que aprecio o vosso blogue, a vossa amizade e solidariedade e, sobretudo, o vosso contributo para o esclarecimento desta época, talvez a mais importante da nossa história contemporânea.
Por mim, despeço-me com amizade, até um dia em que possa intervir com mais serenidade e com o distanciamento e lucidez que vocês conseguem.

Até lá serei vosso atento leitor.

Desejo a todos muitas felicidades e muita saúde e que esta tertúlia se prolongue por muitos e bons anos.

António Rocha - O tuga-guineeense."


Creio que, apesar de decorridos 2 anos, nada teria a mudar deste texto. Continuo a ter os mesmos sentimentos pela Guiné e a sofrer da mesma maneira porque, infelizmente, as coisas não melhoraram, antes pelo contrário...

Só gostaria que um de vós me fizesse o favor de me informar se o endereço da v/ tertúlia é o mesmo pois constato (no que acedi, http://blogueforanada.blogspot.com/) que não foram acrescentadas mensagens recentes (3).

De qualquer modo desejo a todos muita saúde e até um dia.

Grande abraço

António Rocha

2. Comentário do editor L.G.:

António (e Juvelina):
É bom saber de vocês... Gostei muito de ler a tua mensagem que esteve dois anos à espera de ser enviada (permite-me que te trate por tu, por que isso simplifica muita coisa). É de um grande tuga e de um grande guineense.... Lamento muito que tenhas sido obrigado a sair da tua Guiné, e que haja tanta amargura e tanta saudade no teu coração... Fico feliz por saber que te faz bem ler o nosso blogue e que aprecias muitas das coisas que por cá publicamos... Formamos uma Tabanca Grande onde tu e a tua Juveliana seguramente que cabem... Aparece mais vezes, sempre que quiseres e puderes. Se for a Angola, gostaria de te conhecer pessoalmente. Um abraço solidário.

__________

Notas de LG:

(1) O brigadeiro Ansumane Mané liderou, em Junho de 1998, um levantamento militar, a partir do quartel de Mansoa, e que levaram a uma sangrenta guerra civil. Na altura, cerca de 3 mil estrangeiros, incluindo portugueses, tiveram que fugir do país. Ao fim de onze meses, a rebelião acabaria por levar ao afastamento do então Presidente Nino Vieira, e colocar no poder uma Junta Militar liderada pelo brigadeiro.
Ansumane Mané será entretanto morto, alegadamente em combate, nos finais de Novembro de 2000, no decurso de uma também alegada tentativa de golpe de Estado contra o Presidente Kumba Ialá, entretanto eleito.
(2) Vd. poste de 7 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLV: Bissalanca, Bambadinca, Anura... ou três fotos com legenda (1) (A. Marques Lopes)

(3) Desde Junho de 2006, estamos na 2ª série do blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. E formamos uma tertúlia ou Tabanca Grande onde cabem todos os amigos da Guiné e do seu povo... Reservamos, naturalmente, a palavra camarada para os ex-combantentes, portugueses, independentemente da sua posição (político-ideológica) face à guerra colonial / guerra do ultramar...

Guiné 63/74 - P2537: Bibliografia (16): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Capa do livro do Mário Beja Santos, Diário da Guiné 1968-1969: Na Terra dos Soncó.Foto: Círculo de Leitores (2008). (Gentileza da Dra Isabel Mafra, da Editora Temas e Debates)

1. Mensagem do Rui Alexandrino Ferreira a dar-nos conhecimento da carta que enviou a alguns Camaradas:


Viseu, 14 de Fevereiro de 2008

Meu caro amigo

Sob o lema “ Não deixemos que os outros contem por nós a nossa história “, Luís Graça, Sociólogo do Trabalho e da Saúde, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e da Universidade Nova de Lisboa, que criou e editou um blogue colectivo em que os antigos combatentes da Guiné vêem descrevendo as suas participações naquela que passou à posteridade como a guerra colonial, a guerra subversiva ou a guerra de África.


Sendo que essa guerra foi o marco que condicionou a vida colectiva dos Portugueses na segunda metade do século vinte, continua a ser um tema sempre presente, controverso, discutido e nunca encerrado sobretudo para quem a viveu.

Daí lhe vem não só a importância mas a notoriedade e a curiosidade que o blogue Luís Graça & camaradas da Guiné vem despertando que o fez ultrapassar na data em que te estou a escrever o meio milhão de visitantes: Mais propriamente 525528.

Um sucesso verdadeiramente espectacular. Só possível pela competência, integridade simpatia e espírito de missão daquele nosso camarada que teve além do mais a felicidade, o bom senso e o cuidado de se fazer acompanhar por dois ex-combatentes de excepcional craveira moral, de liderança e de disponibilidade como são o Carlos Vinhal e o Virginio Briote.
Pessoalmente sinto-me muito honrado por pertencer a tão ilustre tertúlia.

Sucede que outro tertuliano de grande valor como é o Mário Beja Santos, figura pública bem conhecida que dispensa apresentações, organizou e vai publicar em conjugação com o Circulo dos Leitores (...) o Diário da Guiné – Na terra dos Soncó.
Estamos certamente perante um livro especial para todos quantos passaram pela Guiné, que aí viveram e a ela se sentem ligados, por quantos tiveram lá algum familiar, por quantos querem saber mais sobre a guerra colonial ou pelos que querem render homenagens ás gerações sacrificadas que, por terras então dominadas pelo espectro da morte, comeram o pão que o Diabo amassou.

Esse livro que é certamente um pouco de todos nós e para o qual te recomendo já a aquisição vai ser lançado no dia 6 de Março, em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Geografia, junto ao Coliseu dos Recreios.

A apresentação terá lugar às 18 e 30.
Aqui fica o meu convite para estares connosco.

Informo-te ainda que nesse dia vamos almoçar na Casa do Alentejo e na parte da tarde antes do lançamento estaremos em convívio numa sala posta à nossa disposição por aquela Sociedade onde como é lógico serás bem-vindo.
Se pretenderes almoçar connosco deverás proceder à inscrição o mais rápido possível eventualmente através da minha pessoa. O custo previsto por pessoa é de aproximadamente 12 euros.

Lá estarei à tua espera.

Um grande abraço.

Rui Alexandrino Ferreira

2.
Lançamento: Lisboa, 6 de Março de 2008, 18.30h, na Sociedade Portuguesa de Geografia.

Almoço: Presenças confirmadas (até 14/02)

1. Henrique Matos, o 1º Cmdt do Pel Caç Nat 52 (vem do Algarve).
2. A. Marques Lopes, (Porto), o nosso Camarada de Barro, de Sinchã Jobel e de tantos outros sítios da Guiné.
3. António Graça de Abreu, (Mafra), que viveu os anos do fim, em Canchungo primeiro, depois em Mansoa e finalmente em Cufar, nas margens do Cumbijã, e autor do bem sucedido "Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura".4. António Santos, (Lisboa), sempre atento e presente em tudo o que diz respeito à Guiné.
5. Delfim Rodrigues, (Coimbra), que esteve em Suzana e Varela, entre 71 e 73.
6. Mário Fitas, (Estoril), que escreveu a história da Pami Na Dondo (Cufar).
7. Rui Ferreira, (Viseu), autor de Rumo a Fulacunda, uma obra cheia de revelações sobre alguns dos acontecimentos mais dramáticos da nossa Guerra.
8. Raul Albino, que esteve em Có, Mansabá e Olossato (1968/70).
9. Carlos Vinhal e Esposa, (de Leça), nosso indispensável editor, capaz de pôr alguma ordem nesta imensa avalanche de informação.
10. Albano Costa e Esposa (de Guifões), o fotógrafo de Guidage e da Guiné de agora.
__________

vd artigos de:

Guiné 63/74 - P2536: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (19): Cotejando as fotos da Fundação Mário Soares com as nossas

Ocupação do Quartel de Guiledje pelo PAIGC, 22 de Maio de 1973: soldado do PAIGC preparando-se para hastear a bandeira.

Foto: Documentos Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares (2008) (com a devida vénia...)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 73), Os Piratas de Guileje > o Fur Mil At Inf Op Esp J. Casimiro Carvalho junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971). A penúltima unidade de quadrícula de Guileje foi a CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972), conhecida por Os Gringos de Guileje.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Ocupação do Quartel de Guiledje pelo PAIGC, 22 de Maio de 1973: aspecto do interior do dormitório.

Foto: Documentos Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares (2008) (com a devida vénia...)


Ocupação do Quartel de Guiledje pelo PAIGC, 22 de Maio de 1973: aspecto da destruição geral, distinguindo-se, à direita, a entrada de um dos abrigos subterrâneos (e o espaldão do morteiro 81 mm, o mesmo que se vê em maior detalhe na foto a seguir, com o J. Casimiro Carvalho).

Foto: Documentos Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares (2008) (com a devida vénia...)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Especiais Carvalho, no abrigo do Morteiro 81

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

Ocupação do Quartel de Guiledje pelo PAIGC, 22 de Maio de 1973: porta de armas com as insígnias da Companhia de Caçadores nº 3477, os Gringos (1971-1972.

Foto: Documentos Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares (2008) (com a devida vénia...)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 73) > O Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, na famosa porta de armas de Guileje... Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > O Alf Mil Médico Mário Bravo (que vive no Porto) na porta de armas... O Mário Bavo, que pertenceu à CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72) ia regularmente a Guileje, para prestar assistência médica aos respectivos militares e população.

Foto: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados



Amílcar Cabral e Constantino Teixeira, entre outros, a bordo de uma canoa. Uma das fotos-ícone de Cabral. Fotografia da italiana Bruna Polimeni, a fotojornalista que é autora de algumas das fotos mais famosas de Amílcar Cabral, do PAIGC e da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Recebeu o Prémio Amílcar Cabral em 2006.

Foto: Documentos Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares (2008) (com a devida vénia...)

A Fundação Mário Soares (FMS) associa-se à realização do Simpósio Internacional "Guiledje: Na rota da Independência da Guiné-Bissau", que se realiza em Bissau, de 1 a 7 de Março de 2008.

Neste âmbito, o Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares preparou um conjunto de documentos e fotografias relacionadas com Guiledje, com recurso, designadamente, ao Arquivo Amílcar Cabral.

De entre esses documentos, agora disponibilziados, é de referir o relatório elaborado, em 1973, pelo PAIGC sobre as forças armadas portuguesas no TO da Guiné (exército, força áérea e marinha), sua organização, meios e efectivos, com base em documentos capturados em Guileje em 22 de Maio de 1973 e que as NT não tiveram tempo de destruir. São 55 páginas, incluindo cópias dos originais. O documento está disponível em pdf.

A página da FMS sobre o Simpósio Internacional de Guileje tem um link directo para o nosso blogue > Luís Graça & Camaradas da Guiné. Foram utilizadas algumas imagens do nosso blogue, com a devida autorização do editor Luís Graça ao coordenador Vitor Ramos.

Para além das fotografias, nossas e do Arquivo Amílcar Cabral, veja-se também os textos (sobre anticolonialismo, Guileje, contexto). Os conteúdos são da responsabilidade de Vitor Ramos e Alfredo Caldeira.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2535: PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX Parte): Defesa anti-aérea (A. Marques Lopes)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: A antiaérea que era pressuposto proteger o pessoal contra eventuais ataques ... dos Migs russos da República da Guiné-Conacri. Um dos objectivos (falhados) da Op Mar Verde - que consistiu na invasão do país vizinho, em 22 de Novembro de 1970 - foi justamente a tentativa de destruição dos Migs soviéticos, estacionados no território da Guiné-Conacri, cuja hipótese de utilização, a pedido do PAIGC, era terá sido seriamente ponderada por Spínola e o seu Estado Maior.

Foto gentilmente cedida pelo António Almeida, o intérpetre do Hino de Gandembel, soldado da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69) (1).

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 > Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, por ocasião da visita do Presidente da República, Alm Américo Tomás > Metralhadoras pesadas Degtyarev, de origem soviética, em reparos de utilização terrestre e antiaérea (2).


Foto: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados .




Continuação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado, de que nos foi enviada uma cópia, em 18 de Setembro de 2007 pelo nosso camarada A. Marques Lopes (qie acrescenta, à margem, a seguinte nota sibilina: Quando eles ainda não tinham os Strella...) (3)


PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX) >

(G). DEFESA ANTI-AÉREA


(1) De documentos capturados foram extraídos os seguintes elementos relativos a defesa anti-aérea:


CONHECIMENTO DA DEFESA ANTI-AÉREA


I – As funções dos aviões de combate



1.º Fazer reconhecimentos pelo ar, uer observando a baixa altitude quer fotografando a alta altitude.

2.º Transportar tropas e materiais.

3.º Lançar espiões.

4.º Atacar de surpresa os objectivos principais.


II – As fraquezas dos aviões


1.º O avião é muito influenciado pelas condições meteorológicas e limitado pelo aeredino e pela gasolina.

2.º Para o avião é muito difícil encontrar os objectivos dissimulados ou camuflados no chão.

3.º O avião não pode ocupar os objectivos terrestres pois somente a infantaria pode resolver o combate terrestre.

4.º Se os destacamentos efectuam movimentos e dispersam, o avião não pode desenvolver plenamente as suas funções.

5.º Se conhecermos as fraquezas e as funções dos aviões podemos evitar as suas qualidades e aproveitar as suas fraquezas. Portanto, os aviões não são omnipotentes nem medonhos. As experiências revolucionárias provaram que, embora o inimigo seja forte, o seu equipamentyo excelente e as sua armas potentes, podem-se inventar muitos meios bons para vencer os aviões inimigos.


III – Como se distinguem os diferentes aviões


Distinguimos o avião para conhecer as suas capacidades e as suas tarefas, para julgar as suas intenções e tomar as medidas convenientes.

1.º As categorias dos aviões segundo a as utilização são as seguintes:

- aviões de combate

- aviões de bombardeamento

- aviões de transporte

- aviões de reconhecimento


2.º Os aviões distinguem-se segundo as suas formas e características.

- Os aviões de combate são de forma pequena e velocidade grande. Andam 300 metros por segundo.

- Os aviões de bombardeamento são de forma grande e velocidade equena; o barulho é grande e os motores são numerosos.

- O avião de reconhecimento é de forma estreita e longa e a velocidade é pequena, o barulho é lento e pode voar a grande altitude.

- O avião de transporte é de forma grande e velocidade pequena – máximo 450 Kms por hora, 125 metros por segundo.


IV – Como se organiza a defesa anti-aérea


Organizar de uma maneira planificada as diferentes armas para abater o avião e os paraquedistas do inimigo, agora vai-se estudar como se deve atirar sobre o avião e os parquedistas com as espingardas e as metralhadoras ligeiras e pesadas.

- O tiro sobre o avião

As condições de espingarda e metralhadoras para atirar no ar são vantajosas por serem fáceis de manejar. Podem-se apontar e atirar rapidamente e o tiro com elas pode formar uma rede de fogo.

- O tempo de começo de tiro

Quando o avião entra no alcance eficaz das nossas armas pode-se começar a atirar. Para atirar sobre o helicóptero do inimigo instalam-se as tropas numa região onde o helicóptero pode aterrar e desde que ele toca a terra é preciso concentrar o fogo para atirar vivamente sobre ele antes que os paraquedistas desçam dele.

Pode-se também organizar e instalar grupos de tiro nas proximidades onde o inimigo pode provavelmente passar e quando o helicóptero passar atirar-lhe de surpresa.

Como se atira sobre o avião inimigo:

- Se o avião se encontra a uma distância de 500 metros marca-se a alça n.º 3;

- Se o avião se encontra à distância de 100 metros vê-se clramente a cabeça e a face do aviador; a 600 metros vê-se claramente a fuselagem do avião, a frente e as asas do avião; a 1200 metros pode-se ver o contorno do avião não se podendo distinguir as diferentes partes;

- Se não se faz o cálculo do alcance do avião escapa-se a posição; para que seja atingido de modo certo calcula-se o alcance do avanço em relação à posição A e quando o avião chega à posição B choca-se com a bala.





Para se saber esta distância há que conhecer duas condições:

- a velocidade do avião;

- o tempo de duraçãoda trajectória, isto é, em quantos segundos a bala percorre a distância da arma ao alvo.

Se o tempo de duração for de 0,5 segundos e a velocidade do avião 100 metros por segundo teremos: o alcance de avanço = 0,5 x 100 metros. Se o avião se encontra em A, aumenta-se 50 metros à frente do avião e o projéctil ai encontrar-se com o avião na posição B.


A direcção da trajectória = correcção da alça + N a multiplicar por duas vezes o menos alcance a dividir por 100.


Velocidade inicial / Algarismo a adicionar

750 m/s .................................... 14

800 m/s .................................... 12

850 m/s .................................... 20


A velocidade inicial da espingarda automática é geralmente 750 m/s; a da espingarda de repetição é geralmente de 800 m/s e da metralhadora ligeira é geralmente de 850 m/s.




(2) Organização defensiva (anti-aérea) de CASSEBECHE

(a) Resumo da Evolução


- Em 06OUT67, estavam referenciados em CASSEBECHE 3 espaldões para metralhadora anti-aérea, localizados nas posições 21,24 e 27 (Ver pág. 82).


- Em 24JAN68, existiam espaldões nas posições 1,2,3 e 4 (este com a forma circular) a oeste e, pelo menos, as posições 21, 24, 25 e 27 a leste, emboa algumas com aspecto desactivado.

- Em 09MAR69, quando da operação VULCANO, existiam espaldões nas posições 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste, todas desactivadas, e possivelmente três posições para atiradores em 6.

A leste encontravam-se activadas 12 das posições 21,24,25,29,32,34,37,40,48,52 e 55, sendo a posição 37 a da metralhadora quádrupla.

No decorrer da operação, e bem assim na actividade aérea subsequente, foram destruídas ou danificadas as armas instaladas em cinco das posições, deixando o IN de reagir com as restantes, que desmontou.

Verifica-se, assim, que entre 24JAN68 e 09MAR69 o IN modificou o espaldão da posição 4 que passou a ser do tipo “espiral” permitindo montagem da metralhadora quádrupla; construiu as posições 5 a 10 a oeste e cerca de oito outras posições a leste.

- Em 30OUT69 foram identificados os seguintes espaldões: 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste (a posição 5 com três posições de atiradores) e os espaldões 17,19,20,21,22,23,24,25,27,28,31,32,34,35,37,39,40,41,44,46,48,51,52,53 e 55.

Parece notar-se a realização de trabalhos de beneficiação de quase todas as posições 21,24,28,48,37,44 e 51.

Em data relativamente próxima deviam ter-se iniciado trabalhos de beneficiação na posição 25.

- Em 16DEZ69, não se notaram ainda trabalhos de protecção dos espaldões das armas anti-aéreas nas posições 30, 33 e 38, notando-se já a posição 28 e possivelmente a 47

- Em 10 e 11JAN70, reconhecimento fotográfico e fotográfico/visual revelaram:

(i) recente construção de uma trincheira – 11,12 a 15 – com posições para atirador isolado e, provavelmente, duas posições de armas pesadas destinadas a tiro rasante, 13 e 14, e a construção de uma trincheira de combate de traçado irregular, 16; salienta-se que estas trincheiras se situavam de forma a evitar qualquer aproximação pelas direcções por onde foi tentada a das tropas pára-quedistas em MAR69;

(ii) a construção de mais um espaldão de metralahdora anti-aérea, 42;

(iii) a construção de posições defensivas avançadas para protecção dos espaldões; posições 26, 28, 30, 33, 36, 38, 43, 47 e 54 (admite-se como possível que as posições 28 e 47 já estivessem iniciadas em 10DEZ69;

(iv) a realização nítida de trabalhos de beneficiação dos espaldões 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 46, 48, 52, 53 e 55.

(v) Salienta-se que nos espaldões 24, 25, 34, 48 e 53 os trabalhos de beneficiação pareciam ser apenas nos espaldões e não no poço e trincheira para a instalação de armas e guarnições respectivas.

(vi) Destacava-se, ainda, a ausência de trabalhos de beneficiação nos espaldões 21, 27, 44 e 51.

(vii) Não foi possível concluir da existência de trabalhos de beneficiação nas posições 1 a 10.

(viii) A ligação entre a trincheira de comunicação 15 e a trincheira de combate 16 não estava ainda concluída.


(b) Procedimentos assinalados



- A partir da acção de pára-quedistas em MAR69 e dos ataques aéreos subsequentes verificou-se um desembaraçamento dos campos de tiro, realizado à custa de abate de árvores e palmeiras.

- Verificava-se o extremo cuidado posto na camuflagem das posições à medida que se processava a sua construção, sendo os espaldões das posições de anti-aérea camuflados com ramos de palmeira colocados radialmente e as trincheiras e posições de combate para atiradores de armas ligeiras camufladas com tufos de capim que dão um aspecto “mosqueado” às posições.

- A falha mais assinalável era a falta de camuflagem das áreas onde foi feita remoção de terras, nomeadamente no interior das trincheiras e poços e na área adjacente aos espaldões de metralhadora anti-aérea.

- Após a concluisão dos trabalhos procedeu-se à instalação do armamento pesado, havendo que distinguir dois tipos de espaldões, provavelmente destinados a tipos diferentes de armamento.


Espaldões tipo “espiral”

Têm parede dupla e admite-se que se destinam a receber material cujo reparo seja susceptível de ser montado sobre rodado, sendo de admitir que se destinem a metralhadoras quádruplas.


Espaldões circulares


Têm paredes simples, com uma pequena entrada – 19 – apresentando no centro um poço ligado a uma trincheira em forma de “T”.

Admite-se que um dos ramos do “T” possa vir a ser coberto, ficando com a forma de “L”, como nas posições mais antigas – 23 -, servindo o ramo coberto para a guarnição se abrigar.

Estes espaldões admite-se que possam vir a receber apenas metralhadoras com um raparo relativamente pequeno, e portanto metralhadoras simples, no máximo duplas.

Estão neste caso as posições 1, 2, 3, 5, 7, 9, 17, 20, 21, 23, 25, 27, 34, 35, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 48 e 55.


Espaldões de outro tipo


Com contorno exterior diferentes aparecem-nos os espaldões 29 e 53.

Verificou-se o crescimento da organização defensiva com vista à instalação de armas ligeiras, caso das trincheiras, posições avançadas, etc., podendo-se admitir que o In visou estabelecer uma organização defensiva anti-aérea e terrestre sendo, neste caso, os espaldões circulares destinados também à instalação de armas de tiro curto.


(c) Possibilidades de tiro


A forma como os espaldões estavam construídos faz supor que as posições dotadas com armas antia-aéreas dificilmente poderiam ser utilizadas em tiro terrestre com uma rasança aceitável.


(d) Instrução das guarnições


- No interior do perímetro defensivo notava-se a existência de diversas cubatas que poderão agrupar-se em três tipos mais ou menos distintos:

(i) do tamanho normal de uma casa balanta – A –

(ii) sensivelmente com metade desse tamanho – B –

(iii) de dimensões mais reduzidas – O –

- Admite-se que nalgumas destas casas pudessem habitar as guarnições das armas enquanto que outras poderiam servir de depósito de munições e material.

As casas de dimensões muito reduzidas pareciam cobertas de “IRÃS”.

- Não se notava em todo o perímetro defensivo a existência de escavações destinadas a abrigos nem terreno sobreelevado que pudesse corresponder à cobertura desses mesmos abrigos.

- A verificar-se a existência de tais abrigos admite-se que tenham sido cavados em “galeria”, o que, dada a consistência do terreno de areia, levaria à necessidade da existência de um sistema de cofragem eficiente.


(e) Finalidade da organização defensiva


- Admitindo-se o princípio, geralmente aceite, que a organização defensiva é uma envolvente das instalações a defender, não se vislumbram no interior da posição a existência de qualquer instalação de valor que justificasse tamanha organização do terreno.

- Admitindo-se que aquela organização defensiva pretendia garantir a defesa de quaisquer instalações excêntricas não se vê que as tabancas situadas imediatamente a norte, 5 casas, ou as situadas a sul, com sinais de intensa actividade e apreciável número de casas, fossem de molde a justificar só por si tamanha organização, ainda que se parta do princípio ser aquela uma região extremamente rica em gado, arroz e cola, visto que a área efectivamente defendida é muito reduzida relatiamente à extensão total da região.

Parece igualmente pouco provável que o IN tivesse concentrado na região depósitos de material, pois embora a região lhe permita um acesso fluvial fácil podê-los-ia construir com maior segurança em zona de mata densa, a coberto das vistas da nossa FA.

- Pondo de parte estas duas hipóteses poderemos ainda admitir que:

- as instalações tenham apenas um fim de propaganda e sejam aproveitadas para tentar materializar os cuidados dispensados pelo PAIGC às populações sob o seu controle no, por ele chamado, “território libertado”;

- o PAIGC tenha instalado na região um campo de treino, aproveitando para instruir o pessoal na construção de trincheiras e espaldões e, eventualmente, na reacção contra meios aéreos; a região tem um acesso fácil por via fluvial permitindo o transporte de material pesado;

- o PAIGC vise desviar a atenção dos nossos meios aéreos para uma região de menos interesse relativamente a instalações principais existentes no QUITAFINE; esta hipótese parece, aliás, pouco provável pois nesse caso deveria ter o cuidado de afastar as populações ad proximidade, facto que se não verifica, e não é de admitir que o PAIGC queira expor desnecessariamente essas populações;

- o PAIGC procure apenas causar baixas nos nossos meios aéreos; esta hipótese parece igualmente pouco lógica pois poderia obter resultados mais compensadores noutros pontos do território, actuando por surpresa, concentrando e dispersando as suas armas AA por forma a não oferecer um alvo remunerador par acções das NT ou da nossa Força Aérea.

- Embora não se disponha de elementos que permitam concluir a existência de trabalhos de beneficiação de núcleos de posições 1 a 10, aliás desactivadas em MAR69, há ainda a possibilidade de apoio dos dois núcleos 1/10 e 51/55 e a sua colaboração na defesa de qualquer objectivo intermédio, que também não está referenciado.


(f) Conclusão




Este estudo, baseado essencialmente em documentação fotográfica, tem apenas avaliar da evolução da organização do terreno não permitindo avaliar as intensões do IN quanto à montagem de armamento e objectivos a defender, pelo que as hipóteses postas em (a) não podem considerar-se como válidas sem uma análise conjugada com o conhecimento das suas intenções, facto que nunca foi obtido.


(g) Pormenor de espaldões



Organização Defensiva da Ilha de Cassebeche [, a sul de Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, incluída no mapa de Cassumba, um dos poucos mapas que nos falta pôr em linha]


____________________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

22 de Novembro de 2007 < Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2311: Vamos expor o Álbum Fotográfico dos homens-toupeiras de Gandembel ? (António Almeida / Idálio Reis / Luís Graça)

(2) Vd. postes de:

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)

(3) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2534: Convívios (39): II Encontro de ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, 12 de Abril de 2008 (Carlos Vinhal)



Momento de fado, no I Convívio, interpretado por camaradas com jeito e arte.

Foto: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.

No dia 12 de Abril de 2008 vai realizar-se o 2.º Encontro de Ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.


Os interessados em participar no almoço deverão inscrever-se até ao dia 31 de Março de 2008.

Contactos:
Manuel Agostinho, telem 969 023 731
António Maria, telem 938 492 478
Carlos Vinhal, telem 916 032 220

OBS:- Com muito prazer aceitaremos inscrições de ex-combatentes da Guiné de outros concelhos, especialmente do Grande Porto, que queiram confraternizar connosco.

Carlos Vinhal
_________

Notas de CV:

(1) Vd. post de 7 de Março de 2007 Guiné 63/74 - P1570: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)

(2) Comentário a este post, feito por um leitor identificado:

Cada vez que aqui venho, entre o muito que aprendo e o muito que me emociono, fico sempre com uma certeza outra: a da imensa dignidade da vossa camaradagem e da vossa ausência de ressentimento.
Aqui se destaca com grande evidência a generosidade, a sabedoria e a inteligência do papel das Forças Armadas... Infelizmente... os mandantes de hoje parecem sofrer todos de memória de grilo!
Os melhores cumprimentos, Senhor e Senhores.

Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

Lisboa > T/T Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; comprimento: mais de 151 metros; arqueação bruta: c. 10.742 toneladas; potência: 6.800 cavalos ; velocidade normal: 16,2 nós; alojamentos para 22 em primeira classe, 300 em classe turistica, no total de 322 passageiros; nº de tripulantes: 132; armador; Companhia Nacional de Navegação - Lisboa.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004)página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...). O autor foi oficial da marinha mercante.

Manuel Traquina ex-Fur Mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70 (1)


Assunto - A Guiné, os Tempos de Guerra > CCAÇ 2382 (1968/70) > O velho Niassa (2)


O Velho Niassa... Foi este o navio que nos transportou à Guiné, e também de regresso a Portugal. Antes tinha sido um cargueiro, farto de cruzar oceanos, tal como o Uije, o Alfredo da Silva e outros. Foi no inicio da guerra colonial adaptado ao transporte de tropas.

Terá feito imensas viagens à Guiné, Angola e Moçambique, milhares de ex-militares ainda hoje se recordam da incómoda viagem, com os habituais enjoos, e também de um ou outro dia mais calmo que lhes dava tempo para dormir uma sesta no convés, e com um canivete entalhar na madeira o seu nome, a data, ou outra referência! Compreende-se que, depois das muitas viagens realizadas e dos milhares de militares transportados, aquele convés quase já não tinha um pedaço de madeira disponível para mais um nome!

Além dos enjoos e das noites mal dormidas a bordo, recordamos também que tinha uma agradável sala de jantar, destinada apenas a oficiais e sargentos. Já do alojamento para os soldados o mesmo não se pode dizer, em todos os cantos do porão tinham sido improvisados dormitórios, as condições eram deploráveis. A comida era razoável, no entanto a sopa, embora fosse a mesma todos os dias, no menu tinha todos os dias um nome diferente...

O bar onde se bebia whisky, cerveja e se jogava à lerpa, dispunha de um pequeno conjunto musical que à meia tarde tocava sempre os mesmos trechos musicais, enfim o seu repertório não era muito vasto…

Deste navio recordamos ainda o barulho característico dos seus potentes motores e das suas hélices, e também a luz do luar reflectida na imensidão das águas do Oceano Atlântico.

Um dos passatempos a bordo era enviar mensagens dentro de garrafas de cerveja que eram atiradas ao mar, curioso é que pelo menos uma delas foi encontrada, passado não muito tempo a resposta a uma dessas mensagens - calculem... - veio de uma praia do Sul de Espanha onde una Chica de corpo bronzeado (presume-se) a terá encontrado, e assim se arranjou madrinha de guerra que quase deu em namoro…

Porém não há mal que sempre dure: a guerra acabou, também para aquele velho barco as viagens terminaram, soubemos que ele terá sido vendido a quem lhe mudou o nome, e o levou para a América Central onde ultimamente desempenhava funções de barco/hotel.

No entanto, acho, que poderia ter um fim mais glorioso em Portugal, já que aqueles que nele viajaram nunca o irão esquecer, bem como as inscrições que nele foram feitas que representam também uma página da história da guerra colonial.

Manuel Batista Traquina
(Ex-Furriel Miliciano)
____________

Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Histórias de Manuel Traquina (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

(2) Vd. postes anteriores desta série:

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

15 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1953: O cruzeiro das nossas vidas (6): Ou a estória de uma garrafa, com o SPM de Mansoa, que viajou até às Bahamas (Germano Santos)

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

13 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA

José J. Macedo, quando era cadete da Escola Naval, em Portugal... Foi FZE (fuzileiro especial na Guiné, 1973/74, DFE 21)
  O José Macedo, natural de Cabo Verde, ex-tenente fuzileiro especial, vive nos Estados Unidos desde 1977. É advogado, segundo informação telefónica que deu ao nosso co-editor Virgínio Briote. 

Fotos: José Macedo (2008). Direitos reservados 


1. Em 19 de Janeiro de 2008, recebemos uma mensagem de José J. Macedo, natural de Cabo Verde, e que vive nos Estados Unidos, desde 1977. Esteve na Guiné, em 1973/74 "como oficial do Destacamento de Fuzileiros Especiais 21 (DFE21) (...), o primeiro Destacamento de Fuzileiros Especiais africano e que tomou parte, entre outras, na célebre Operação Mar Verde de que muito se fala no blogue". 

O José J. Macedo esteve , com o seu destacamento, em Vila Cacheu, Bolama e em Cacine "para as evacuações que foram feitas aos aquartelamentos do Sul". Faz questão de dizer que , "como Cabo-verdiano, nado e criado, tive e continuo a ter uma perspectiva diferente dos bloguistas do seu blogue sobre o que se passou na Guiné durante a Guerra Colonial". 

Define-se como "um leitor diário do blogue e muitas das crónicas me fazem viajar no tempo a Susana, São Domingos, Canchungo e outros locais da Guiné". Tem, no entanto, reservas em participar no blogue devido ao tipo de linguagem que muitas vezes usaríamos. O Macedo acha-a, por vezes, "racista", com uso e abuso de "expressões de caserna" que ele não aprecia nem aprova. "Parece que há membros da tertuúlia que têm prazer especial em usar nharro, preto pu** e outros termos pejorativos quando se referem aos Guineenses , inclusive aqueles que estiveram ao lado de Portugal". 

Em contrapartida, das "poucas vezes que li intervenções que Guineenses e/ou Cabo-verdianos que participaram na luta de libertação nacional pelo PAIGC, nunca vi nenhuma referência pejorativa em relação aos soldados Portugueses que lutaram na Guiné". 

Em suma, para o nosso visitante José Macedo e antigo camarada de armas não se trata de ser politicamente correcto , como está na moda dizer, mas tão apenas de "não chamar aos outros o que não gostaramos que nos chamassem a nós". Manda-nos "um abraço amigo". 


2. Em 21 de Janeiro, voltou a mandar-me um mail, que passo a transcrever (em parte): 

Luis: 
Espero que ja tenha recebido o meu e-mail com a minha apreciação do blogue. Estive a ler as normas de conduta e apenas gostaria de fazer um reparo: a norma (ix) garante a todos os tertulianos a "liberdade de expressão", razão porque, na minha opinião, aparecem expressões como as que mencionei no meu e-mail anterior. Contudo, parece-me que o Artigo (ix) está em colisão com o (iv), "Carinho e Amizade Pelos Nossos Dois Povos" e o (v), "Respeito Pelo Inimigo de Ontem." Acho que quando a Liberdade de Expressão serve para negar "Carinho, Amizade e Respeito", a mesma deveria ser cerceada. O exemplo típico para os constitucionalistas é que ninguém tem a liberdade de gritar FOGO num cinema cheio de espectadores (...). 


3. Na qualidade de fundador e editor do blogue, mandei-lhe a seguinte mensagem, em 22 de Janeiro: 

Meu caro José Macedo: 
Antes de mais, obrigado pela sua crítica ao nosso blogue. Vou, naturalmente, publicá-la. O seu ponto de vista merece-me todo o apreço e consideração que é devida a um antigo camarada de armas, e para mais cabo-verdiano, terra que amo desde pequenino, e onde tenho bons amigos. Tenho pena que não queira entrar para esta Tabanca Grande, e partilhar connosco as suas memórias dos fuzileiros e das suas emoções da Guiné... 

Farei, eu ou os meus co-editores, algumas apreciações às suas críticas, naquilo em que elas nos parecem injustas: por exemplo, nunca fizemos aqui a apologia do racismo ou publicámos relatos de violação de crianças ou adolescentes... São questões factuais: se achar que sim, diga-me onde e quando... Isto tem que ser dito, e com veemência. Somos gente com valores, aliás basta ver a nossa preocupação com as questões éticas... 

O seu reparo sobre eventuais contradições entre as nossas normas de conduta e a nossa prática editorial tem razão de ser... Mas isso acontece com tudo na vida... Como sabe, há várias questões fracturantes entre nós, amigos e camaradas da Guiné: por exemplo, os desertores, os fuzilamentos dos nossos camaradas guineenses, o 25 de Abril... Mas até agora temos sabido viver com as nossas diferenças... 

Quanto à linguagem de caserna, bom... O que é que eu posso dizer-lhe ? Não somos um blogue de meninos de coro... Mas prometo estar vigilante ao uso e abuso de expressões que eventualmente possam ter conotações racistas e sexistas... Felizmente não tenho nem formação nem mentalidade de censor...Naturalmente que tenho que assumir a minha responsabilidade como fundador e editor deste blogue (que é colectivo e onde coexistem muitas sensibilidades e idiossincrasias)...Irei procurar manter a coerência com as nossas normas de conduta... 

Obrigado por nos ler e criticar. Mas apareça mais vezes, que hoje já não temos o Atlântico a separar-nos. E, claro, fica sempre de pé o nosso convite para franquear o pórtico da nossa Tabanca Grande. 

Um Alfa Bravo. 
Luís Graça 


4. O nosso co-editor Virgínio Briote, que foi Alferes Comando da 1ª geração (Guiné, Brá, 1965/66), superior hierárquico do Justo e do Marcelino da Mata, entre outros, mandou-me a seguinte apreciação: 

Estou surpreendido com a leitura que o José Macedo faz. Não me lembro de ler as expressões com sentido pejorativo. A preocupação com o políticamente correcto, a nós, não se aplica porque não sentimos necessidade de pensar nesses termos. Falo por mim, mas não só, falo pelo que tenho lido até à data. (...) 

Puta é conversa de caserna e fora da caserna, é uma expressão menos corrente aqui que nos USA. É fuck para aqui fuck para acolá, presidentes americanos incluídos. Nharros? Só se for. 

E para uma observação isenta, é necessário não excluir os conhecimentos da língua de quem lê, os hábitos de leitura e tantas outras coisas. É assim que obras louvadas por muitos são apelidadas de pastelões por muitos outros também. 

Mas, esta não esperava. 

Um abraço, 
vb 


5. Resposta do José Macedo, com data de 21 de Janero: 

Luis: 
Obrigado pela sua resposta. Tenho seguido as vossas iniciativas e a divulgação da história de todos nos que passámos pela Guiné-Bissau. Através do blogue recordo os momentos (bons e maus) que por lá passei. Como falo o crioulo de Cabo Verde, muito semelhante ao da Guiné-Bissau, tive a sorte de poder compartilhar do dia a dia dos fuzileiros do meu destacamento, nas minhas viagens a São Domingos e São José no Chão Felupe e com os Manjagos de Canchungo. 

Também convivi com os Comandos de Brá, nomeadamente o Justo, o Folques, o Sicri Vieira e muitos outros. Com o Zicky Saiegh convivi de perto, pois era afilhado do meu tio Agnelo Macedo, que foi chefe de posto em Catió e esteve preso na Ilha das Galinhas, por alegadamente ter tido uma reunião em casa com o Aristides Pereira e outros quadros do PAIGC. 

Quando vou de férias a Portugal, um dos highlights da minha visita é encontrar-me nos Restauradores com o Sino Uie Cambe e o Saco Sano, fuzileiros do DFE 21, especialistas no MG-42 e na bazuca respectivamente, que se deliciam em contar e recontar as peripécias da Operacao Mar Verde e a veneração que têm pelo Comandante Rebordão de Brito. Também me contam o destino triste (fuzilamento) de alguns elementos do 21. 

Um abraço amigo 
Jose J. Macedo 


6. Novo mail do José Macedo: 

Luís: 
Obrigado pela sua resposta. Deve ter havido um mal entendido sobre ser apologista de atitudes racistas ou sexistas. Houve sim, não me lembro bem a data, em que um dos camaradas escreveu um texto a rondar o racismo e o o Luís disse que "sabia que ele não era racista" ou algo parecido. 

Se calhar por ser imigrante e viver numa sociedade multicultural, sou mais sensível a certas abordagens do blogue. Tambem eu sofri perdas de amigos e camaradas africanos do meu destacamento que foram fuzilados na Guiné. Sei que o blogue não faz , ou pelo menos tenta não fazer, juízo de valores; contudo, idolatrar (como alguns o fazem) o Marcelino da Mata... Please

Um abraço amigo, 
José J. Macedo. 


7. Zé Macedo: 

Estamos de acordo em relação ao Marcelino da Mata (...). Não o conheço sequer pessoalmente. Mas não posso impedir que haja pessoas, no nosso blogue, que com ele conviveram na Guiné e que escrevam sobre ele (...). 

Peço-lhe que, ao analisar o nosso blogue, veja a floresta e não apenas a árvore (centenas de pessoas que já cá escreveram, cerca de 2500 postes, meio milhão de visionamentos, vários milhares de fotos e outros documentos publicados, etc.), e sobretudo o reforço da amizade entre os nossos povos, o exorcismos dos nossos fantasmas, o direito à memória, etc....Você não tem muitos blogues deste tipo no mundo: infelizmente, os nossos amigos guineenses que combateram, tanto do nosso lado como do lado do PAIGC, não têm os mesmos meios (tecnológicos e outros) que nós temos... 

Mas, deixe-me que lhe diga, que temos incentivado e apoiado, através do nosso amigo Pepito e do seu/nosso Projecto Guileje, a preservação da memória dos antigos combatentes do PAIGC... Muito provavelmente, sem a nossa existência (colectiva, como blogue e como grupo) não seria possível a realização, no próximo mês de Março de 2008, do Simpósio Internacional: Guileje na Rota da Independência da Guiné-Bissau... (...) 

Gostaria de publicar, no nosso livro de visitas, alguns das suas observações e críticas em relação ao nosso blogue...Mas parte da nossa correspondência é privada... Já limámos algumas arestas, desfizemos alguns equívocos... Enfim, gostaria de o receber na nossa Tabanca Grande como um ex-camarada da Guiné e, porque não, como um amigo... Em suma, o que quer que eu publique (ou não) das suas mensagens anteriores ?... Não me interessa criar polémica (com os meus co-editores e com outros camaradas...) por questões de lana caprina... E quero que você entre pela porta grande... Pode ser ? Estou a fazer-lhe um convite. 

Um Alfa Bravo. 
Luís 


8. A resposta do nosso camarada não podia ser mais clara: 

Podes publicar a nossa comunicação. Acho que não será tão polémica como pensamos, pois como disse, ja limámos as arestas dos possíveis conflitos. (...) Publicar no blogue a nossa correspondência pode ser que ajude algum camarada a não usar a chamada conversa de caserna quando se refere a outros camaradas. 

Um abraco amigo, 
 Jose Macedo 


9. Nova mensagem a 5 de Fevereiro: 

Luis: (...) 
Depois de ter viajado ultimamente pelo blogue e com a próxima realização do Simposio de Guiledge, recordo-me que o meu destacamento, o DFE 21 de Fuzileiros Africanos, esteve em Cacine a montar segurança e a ajudar com a evacuação o para uma LDG de uma companhia do exército, na sua maioria soldados Açoreanos. 

Até me lembro de um triste episódio que aconteceu durante o transbordo em que um soldado, com armas e bagagens caiu ao rio e desapareceu. Como era noite, nada se pode fazer. Ele, que de certeza tinha sobrevivido ao infernos de Guiledge ou talvez do de Gadamael, para vir morrer nas margens do rio Cacine. 

Tambem gostaria de contactar alguém que tivesse estado na Companhia do Exército em Cacheu de 73-74. Se não me engano, o comandante era Capitão Rodrigues, de Aveiro. Também me lembro de ir a São Domingos, onde havia uma Companhia do Exército, a Suzana e São José, no Chão Felupe. Tinha formado uma equipe de futebol com miúdos do Cacheu e jogávamos contra os soldados. 

Gostaria que alguém que tivesse estado em Vila Cacheu, São Domingos ou Cantchungo (Teixeira Pinto), nessa altura, aparecesse no blogue

Um abraco amigo. 
José Macedo 
Tenente FZE DFE21-Guine 

PS - Mandei-lhe uma foto recente. Junto lhe envio uma dos meus tempos de cadete da Escola Naval. Se encontrar uma do meu tempo de fuzileiro, vou-lha enviar. 


10. Mensagem do editor do blogue, com data de 6 de Fevereiro: 

Obrigado, Zeca: 
Isto quer dizer que passarás a ser membro de pleno direito da nossa Tabanca Grande... E já agora, manda-nos uma estória (ou mais, as que quiseres) sobre o teu tempo de Guiné e sobre os teus fuzileiros... A actividade dos fuzileiros tem sido muito pouco abordada no nosso blogue... 
Fica bem. 

Aquele abraço. 
Luís