terça-feira, 15 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

Guiné > Região, possivelmente do sul, controlada pelo PAIGC > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 14 > TRasnporte de sacos de arroz ... As autoridades militares portugueses subestimaram, inicialmente, o génio organizativo de Amílcar Cabral e dos demais dirigentes e militantes do PAIGC. Em 1971, num documento produzido pela inteligência militar do Estado-Maior de Spínola, reconhecia-se a real importância da logística do PAIGC, mesmo não tendo os meios (navais, aéreos e terrestres) das NT...

Guiné > Região do interior (possivelmente, no sul) controlada pelo PAIGC > Visita de uma delegação escandinva às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 19 > Uma pequena enfermaria ou hospital de campanha, com camas e lençóis brancos. Na foto, vê-se uma enfermeira.

Guiné > Região (no interior, possivelmente no sul) controlada pelo PAIGC > Visita de uma delegação escandinva às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 31 > A piroga era uma dos meios de transporte mais adequados à guerrilha, nomeadamente no apoio às colunas logísticas. Contrariamente à ideia que se fazia, na época, as colunas de reabastecimento do PAIGC eram compostas por cerca de 30 elementos civis. Julgo que por razões de segurança e dificuldades de recrutamento de carregadores. A estes elementos deveria acrescentar-se a escolta, presume-se.


Guiné > Região controlada pelo PAIGC > Novembro de 1970 > Foto nº23 > Uma consulta médica, ao ar livre. Em primeiro plano, um enfermeiro (presume-se) e a "farmácia ambulante".

Guiné -Conacri (?) > Base do PAIGC em Kandiafara ? > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 30 > Uma sala de esterilização de um hospital do PAIGC

Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente no sul > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 25 > Progressão, na savana arbustiva, por meio do capim alto, de um grupo de guerrilheiros. Presume-se que as colunas logísticas do PAIGC tivessem segurança por parte da milícia ou do exército populares...


Guiné > Região controlada pelo PAIGC , possivelmente no sul > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 7 > Uma aldeia, possivelmente no Cantanhez (onde a tropa portuguesa não entrava desde 1966)


Guiné > Região controlada pelo PAIGC > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 29 > Aproximação de guerrilheiros a uma aldeia

Guiné > Possivelmente numa base do PAIGC, no sul, na região fronteiriça > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 28 > Transporte de sacos de arroz em viaturas soviéticas. Segundo a inteligência militar portuguesa, o PAIGC dispunha, na Guiné Conacri, de cerca de 4 dezenas de camiões russos (havia dois modelos, o Gaz e o Gil) , que faziam o transporte dos abastecimentos de Conacri até a Kandiafara e, depois de queda de Guileje, em 22 de Maio de 1973, até mesmo para lá das fronteira... Recorde-se que o corredor de Guiledje (também chamado Caminho do Povo e Caminho da Liberdade) estendia-se de Kandiafra, Simbel e Tarsaiá (Guiné-Conacry) a Gandembel, Balana, Salancaur e Unal (na Guiné-Bissau).

Este corredor foi, para o PAIGC, o maior e mais importante corredor de infiltração e de abastecimento ao longo de toda a guerra. A sua função estratégica potenciou-se consideravelmente após o assalto ao quartel de Guiledje em Maio de 1973 até sensivelmente depois do 25 de Abril, quando se instituíram as tréguas entre os contendores. Depois do 25 de Avril e das tréguas estes camiões passaram mais vezes a transpor a fronteira desde Kandiafara, passando por Gandembel e parte importante do Carreiro de Guiledje no sentido Gandembel-Salancaur e Porto de Santa Clara.

Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente no sector de Bedanda ou Cacine > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº35 > Magnífica imagem de uma bolanha, com produção de arroz. Parte da população controlada pelo PAIGC tinha que ser reabastecida, em arroz, alimentação-base, por não ser autosuficiente. Como se pode ler no Supintrep, "este reabastecimento não se processa, no entanto, de igual modo para as duas Inter-Regiões, pois que (...), enquanto a Inter-Região Sul (à excepção da Frente Bafatá/Gabú Sul) é auto-suficiente na produção do alimento base, o arroz, a Inter-Região Norte não produz hoje o necessário para se abastecer, pelo que, além das colectas efectuadas às populações controladas, se torna necessário enviar para as bases da fronteira e interior quantidades muito apreciáveis deste produto".

Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Imagens obtidas algures, nas bases sediadas na Guiné-Conacri, e nos regiões libertadas do sul (possivelmente, Cantanhez), pelo fotógrafo norueguês Knut Andreasson. Recorde-se que o fotógrafo norueguês acompanhou uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) na visita às regiões libertadas da Guiné-Bissau, em Novembro de 1970.

Segundo o sítio da
Nordic Africa Institute (uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala ), esta visita deu-lhe oportunidade de falar com Amílcar Cabral, em pleno palco da luta pela independência, e ficar a conhecer melhor o PAIGC, a guerrilha e a sua implantação no terreno.

Andreasson e Dahl publicaram mais tarde um livro em sueco sobre essa viagem. Andreasson, por sua vez, realizou uma exposição fotográfica e publicou um álbum fotográfica sobre esta visita. A maior parte das fotos deste período foram doadas ao Nordic Africa Institute pela viúva de Andreasson. A exposição foi , por sua vez, doada à
Fundação Amílcar Cabral pelo Nordic Africa Institute, sendo apresentada por Birgitta Dahl, a antiga líder do Parlamento Sueco, por ocasião das celebrações do 80º aniversário de Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

A Suécia foi o país ocidental que mais apoio deu ao PAIGC, no plano político, diplomático, humanitário e financeiro. Os manuais escolares eram impressos na Suécia. Este país escandinavo, nomeadamente sob a liderança do social-democrata Olof Palme (1927-1986), também fornecia gratuitamente ao PAIGC material médico e sanitário, como se reconhece no Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, que temos vindo a publicar.

As fotos acima ilustram alguns aspectos da máquina logística do PAIGC de cuja grandeza e complexidade muitos de nós, combatentes portugueses, no terreno, não tínhamos uma ideia exacta... Ao ler este documento, insuspeito, ficamos a saber que a população e a guerrilha do PAIGC, no interior do TO da Guiné, era abastecida regularmente (em alimentos, medicamentos, armamento, equipamento, etc.). Ficamos a saber que havia evacuações (incluindo por meios aéreos) de feridos graves para os hospitais de rectaguarda (Ziguinchor, no Senegal; Conacri, Koundara e Boké, na Guiné-Conacri). Devo, no entanto, acrescentar que foi recentemente desmentida, por uma histórica e mítica dirigente do PAIGC, Carminda Pereira - no Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008) - que houvesse helicópteros ("O PAIGC nunca teve helicópteros ou outras aeronaves"). Agora também é verdade que foi fundamental para o PAIGC o apoio, sem reservas, dado pelo regime de Sékou Touré. Já no Senegal, o PAIGC não se movimentava tão à vontade.


Ficamos também a saber que havia evacuações de feridos graves, em tratamento, para outros países estrangeiros (nomeadamente, da Europa de Leste). Que nesses hospitais, na rectaguarda, havia médicos, estrangeiros, tanto ocidentais (por exemplo, holandeses) como do bloco soviético (cubanos, jugoslavos e russos). Curiosamente não se faz menção do português, natural de Angola, o Dr. Mário Pádua, médico, que desertou das fileiras do nosso exército, Angola, e dedicou parte da sua vida, como médico e como militante, ao PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, Senegal)(Vd. o seu depoimento no filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra, 2007).

Este excerto do Supintrep sobre a logística do PAIGC deve ser lido em complemento do que já aqui escrevemos sobre a importância estratégica que tinha o corredor de Guileje e o significado da queda de Guileje (1).

Fonte:
Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI) (2) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. Legendagem de LG).


Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, em 18 de Setembro de 2007 pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma, e a quem mais uma vez agradecemos publicamente (3):

PAIGC - Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (Parte XI) > Logística


LOGÍSTICA

a. Generalidades


Para satisfação das necessidades resultantes da actividade desenvolvida, o PAIGC organizou nos países limítrofes (República do Senegal e República da Guiné) um “complexo logístico” com a finalidade de introduzir no nosso território os meios indispensáveis à manutenção do seu esforço de guerra. Os órgãos centrais dessa “máquina” – armazéns de víveres, depósitos de armamento e munições, de combustíveis, medicamentos, oficinas e fardamento – encontram-se em Conakry, om órgãos de menor capacidade em Boké, Kandiafara, Kambera, Foulamory e .

É pois a partir de Conakry que cerca de quatro dezenas de viaturas de fabrico soviético (marcas Gas e Gil) estabelecem a ligação entre os pontos atrás referidos, transportando pessoal, material e víveres.

Para Boké e Kandiafara e também Bissamala, onde o PAIGC dispõe de um complexo logístico de apoio ao Quitafine, é aproveitada ainda a navegabilidade dos rios Nunez e Kandiafara, os quais são percorridos por um conjunto de barcos de carga de que se destacam:

AROUCA (BI 72 L) – ex-SAGRES, é uma lancha a motor, casco de aço, casa de motor, porão e escotilhas, um mastro. O motor é Diesel Kelvin K3, n.º 26927, de 3 cilindros de 66HP e 750 RPM; tem 15,40 m de comprimento, 4,10 m de boca e capacidade para 19,700 tons. de carga.

MIRANDELA (BI 112 L) – ex-SADO, é um batelão a reboque, casco de ferro, alojamento para a tripulação com seis beliches, duas escotilhas, um porão de carga com duas coberturas de ferro corrediças que lhe servem de tampa, um mastro de ferro com dois paus de carga, motor com potência de 95/105 HP, 24,40 m de comprimento, 4,82 m de boca e capacidade para 65,054 tons. de carga.

2 BARCAÇAS – tal como são denominadas, que se julga tratar de duas embarcações tipo lancha de desembarque, talvez semelhantes às LDM da nossa marinha.

Os abastecimentos são enviados mensalmente de Conakry para as bases logísticas de apoio, sendo destinados ao mês seguinte, com níveis que se julgam bastante baixos, pois que, quando o reabastecimento se atrasa, que é frequente, logo as bases do interior insistem na sua falha. São polivalentes, incluindo géneros alimentícios, gasolina e óleos, material e munições.

Estas remessas são feitas nos últimos dias do mês, dando origem a concentrações de viaturas em Conakry.

Efectuados que são os reabastecimentos, algumas viaturas e embarcações regressam a Conakry, fazendo no retorno o escoamento dos produtos agrícolas cultivados nas “regiões libertadas” (arroz, milho, coconote...) e ainda evacuações, quer de feridos ou doentes, quer de material inoperacional.


b. Apoio exetrior à actividade logística


Em 21 de Março de 1966 foi celebrado um “protocolo” entre o Governo Senegalês e o PAIGC que estabelecia as modalidades de cooperação entre as autoridades senegalesas e os responsáveis do PAIGC, o qual, fundamentalmente, assenta nos seguintes pontos:

- Serão fixados pontos de reagrupamento obrigatórios pelas autoridades senegalesas para o estacionamento prolongado dos militantes combatentes. Os militantes combatentes detentores de armas e de munições deverão entregá-las obrigatoriamente nestes centros nas mãos das autoridades senegalesas. Toda a entrada de armas ou material destinado ao PAIGC em território senegalês deverá fazer-se com o acordo das autoridades encarregadas da segurança, que tomarão posse e assegurarão a entrega nas condições a definir.
- Para permitir aos militantes e combatentes do PAIGC abastecerem-se em território senegalês, os responsáveis designados pelo PAIGC devem dirigir-se às Autoridades Administrativas que se esforçarão para satisfazer os pedidos em toda a medida do possível. Este fornecimento de mercadoria e artigos diversos não são gratuitos.
- Os militantes e os combatentes do PAIGC doentes ou feridos beneficiam, como no passado, dos cuidados dispensados pelas formações sanitárias senegalesas.
- Para permitir a identificação dos militantes, os únicos beneficiários destas medidas, os responsáveis do PAIGC comprometem-se a entregar-lhes os documentos de identidade com fotografia e a remeter às Autoridades Senegalesas encarregadas da segurança a lista completa destas pessoas com os talões.
- Estas facilidades concedidas aos militantes e combatentes do PAIGC são susceptíveis de serem anuladas unilateralmente pelas Autoridades Senegalesas devido a factos imputáveis ao PAIGC ou devido a circunstâncias particulares.

Como se verifica analisando o teor do acordo, este, a ser cumprido, implicaria uma série de restrições que, em boa verdade, e com excepção de algumas alíneas, nunca foram totalmente impostas, continuando o PAIGC a proceder quase como se o referido acordo não existisse e com liberdade de acção em todo o Casamansa, muito provavelmente até pela força do Partido naquela região.

Muito mais amplo, no entanto, é o apoio incondicional dado pelo Governo de Sékou Touré ao PAIGC, que tem na Rep Guiné, como já se referiu, além dos órgãos de direcção central e de apoio logístico de base, uma total liberdade de circulação nos itinerários, as mais amplas facilidades de instrução militar das FARP e de educação dos futuros quadros, assistência sanitária e hospitalar, instalações e até empréstimos de material de guerra, quando o PAIGC dele carece.

Salienta-se, no entanto, que, dada a excentricidade de determinados “departamentos” fronteiriços, o que os liberta de certo modo do controle eficaz dos Governos Centrais, o apoio concedido ao PAIGC depende muitas vezes das Autoridades Civis e Militares que superintendem esses Departamentos, embora não o afectando e sendo este aspecto mais palpável na Rep Senegal.

O apoio concedido por outros países africanos não fronteiriços não tem significado, traduzindo-se apenas em manifestações de “solidariedade política”, o que, aliás, sucede com a maioria dos países e organizações internacionais, à excepção dos referidos em 3.a [do Supintrep].

c. Fabrico, confecção e manutenção


Muito pouco tem sido assinalado sobre o “fabrico, confecção e manutenção” presumindo-se, por isso, que, neste capítulo, o PAIGC está ainda numa fase muito incipiente. Admite-se que, nas oficinas referenciadas em Conakry, Boké, Kandiafara, Koudara e Ziguinchor, execute diversos escalões de manutenção do seu material auto, a qual se julga eficaz, dado que as dificuldades neste campo decorrem normalmente da quantidade e não do aspecto funcional. Igualmente se admite que as oficinas instaladas em Conakry para o efeito procedem a determinadas beneficiações no seu material de guerra, dadas as “evacuações” detectadas.

Em Boké está referenciado um estaleiro naval onde se procede a reparações nos barcos que o PAIGC possui.

Quanto ao “fabrico”, além da execução e arranjo de alfaias agrícolas e utensílios domésticos por processos rudimentares, há a referir, ligada aos Serviços de Economia e Produção e dentro do âmbito das actividades do Comité da Inter-Região Norte, a existência, algures na região do Morés, de uma pequena fábrica de sabão (marca Lolo), aproveitando a abundância da matéria prima utilizada, o óleo de palma. Muito embora não detectadas, admite-se a existência de outras fábricas deste tipo.

d. Alimentação


Mensalmente, tal como acontece com a generalidade dos reabastecimentos, são enviados de Conakry para as bases de apoio às Inter-Regiões géneros alimentícios, nomeadamente arroz, açúcar, sal e conservas, os quais são depois distribuídos pelos efectivos estacionados ao longo da fronteira e interior.

Este reabastecimento não se processa, no entanto, de igual modo para as duas Inter-Regiões, pois que, como veremos, enquanto a Inter-Região Sul (à excepção da Frente Bafatá/Gabú Sul) é auto-suficiente na produção do alimento base, o arroz, a Inter-Região Norte não produz hoje o necessário para se abastecer, pelo que, além das colectas efectuadas às populações controladas, se torna necessário enviar para as bases da fronteira e interior quantidades muito apreciáveis deste produto.

Em quase toda a Província o IN procede a colectas de arroz nas tabancas sob o seu controle. Estas colectas são feitas por tabancas ou por áreas e delas se encarrega o chefe da tabanca que faz a cobrança junto de cada morança, ou um delegado da área que tem por missão reunir o arroz colectado pelos cobradores distribuídos pelas tabancas da referida área.

Depois de reunido o arroz colectado é aguardada a chegada dos grupos que o vão buscar a cada uma das áreas ou tabancas. Estes grupos têm um efectivo de cerca de 10 elementos armados de maneira a poderem reagir a possíveis encontros com as NT. Por vezes vão efectivos maiores, cerca de 30 a 40 elementos, que se admite seja devido ao conhecimento que o IN possa ter da presença das NT na região.

A colecta exigida varia com a época do ano, razão por que na época seca as colectas são maiores que na das chuvas.

Do estudo feito a documentos bem como de declarações prestadas por elementos IN capturados pelas NT, é possível concluir da maneira como se processa o reabastecimento de géneros alimentícios às unidades IN sediadas ao longo da fronteira, bem como aos efectivos no interior. Assim:

Para as Unidades da Fronteira

Ao longo da Fronteira, as populações refugiadas encontram-se organizadas político-administrativamente, pelo que encontramos entre elas os comités de tabanca e de secção, órgãos primários da estrutura político-administrativa do PAIGC. As bases e acampamentos IN que se situam nesses locais apoiam-se nessa organização, do que resulta serem os referidos órgãos os encarregados de proverem aos reabastecimentos, efectuando colectas e, de seguida, a entrega dos géneros obtidos. Por outro lado, as unidades em deslocamentos ao longo da fronteira e em contacto com as referidas populações vão também efectuando, por sua vez, colectas.

Para as Unidades do Interior (só Inter-Região Norte)

Só a partir do corrente ano passaram a ser detectadas colunas de reabastecimento de arroz que, idas das bases logísticas do Casamansa, se destinem a prover as necessidades do interior.

Assim, a partir de Koundara o arroz é canalizado especialmente para a base de Cumbamore em colunas de viaturas, sendo depois transportado para o interior por colunas de carregadores através dos corredores de infiltração, como oportunamente se referirá.

e. Saúde

(1) O Desenvolvimento do Serviço de Saúde no PAIGC

Vencendo inúmeras dificuldades, resultantes muito especialmente da falta de quadros logo após a eclosão da luta armada, o PAIGC começou a instalar pouco a pouco em diversos pontos das Regiões Libertadas alguns postos de saúde, onde colocou os poucos enfermeiros que o Partido à data dispunha.

Sendo este número, porém, insuficiente, e segundo directivas da Direcção do Partido, estes enfermeiros procuravam dar a outros elementos recrutados nas escolas na Milícia Popular uma preparação mínima que lhes permitisse auxiliá-los no seu trabalho. Foram assim iniciados no serviço de enfermagem muitos elementos que, muito embora carecendo de preparação teórica, foram solucionando o problema até à formação e Escolas de Enfermagem no interior, entre as quais se destaca a Escola de Ajudantes de Enfermagem do Morés.

Entretanto, e dada a insuficiência a que estas escolas ainda conduzem, o Partido, no sentido da formação o pessoal qualificado necessário a um funcionamento mais eficaz dos centros de saúde, tem enviado para o estrangeiro muitos jovens que aí seguem estudos práticos de enfermagem e medicina, de modo a poder dispor, a curto prazo, de um número sempre crescente de pessoal capaz, o que irá permitir uma progressiva melhoria da actividade do Partido no domínio da saúde.

(2) O auxílio estrangeiro

Como já se referiu, o auxílio estrangeiro ao PAIGC no domínio da saúde reveste-se de uma importância muito grande, dado que é através do fornecimento de bolsas de estudo para a frequência de cursos médicos e de enfermagem que o PAIGC obtém elementos qualificados de cuja carência tanto se ressente. Assim, numerosos bolseiros do PAIGC cursam Medicina na Rússia e na Bulgária, enfermagem na Bulgária e Cuba e Profilaxia e Higiene Social na Checoslováquia.

Não termina, porém, aqui o auxílio estrangeiro ao Partido, pelo que se caracteriza também na cedência de pessoal médico, pelo que vamos encontrar médicos cubanos, jugoslavos, russos e holandeses nos principais estabelecimentos hospitalares. Este auxílio é completado com o fornecimento gratuito de medicamentos e material sanitário por parte de Cuba e dos países do Leste da Europa, revestindo-se também de particular importância a contribuição dada por particulares da Europa Ocidental, nomeadamente a Fundação Mondlane, com sede em Haia, e a Suécia.

(3) Como é prestada a assistência sanitária

A assistência sanitária aos combatentes e populações sob o controle IN é realizada através de enfermarias e hospitais existentes no interior do TO, formações sanitárias muito rudimentares, quase nunca dispondo de médico.

Os indisponíveis que denunciam casos graves são transportados em macas improvisadas desde essas enfermarias ou hospitais para as bases fronteiriças, onde normalmente o PAIGC dispõe de instalações mais apetrechadas, e daqui, em automacas ou viaturas de transporte, senão mesmo em meios aéreos, para os hospitais de Conakry, Ziguinchor, Koundara ou Boké.

No capítulo da assistência sanitária, mormente nos hospitais e enfermarias do interior, além da falta de pessoal qualificado surge ainda toda uma série de condicionamentos, nomeadamente o reabastecimento irrregular dos medicamentos, a conservação do sangue para transfusões e o transporte e feridos graves para o exterior, que muito afectam o funcionamento normal do serviço.

(4) Orgnização dos serviços de saúde (civil e militar) do PAIGC


Tanto quanto os elementos disponíveis o permitem, julga-se que estes centros sanitários (hospitais e enfermarias) se dividem em dois ramos, o civil e o militar, dependentes de entidades distintas.

No meio civil, ainda em estado incipiente de organização, compreenderá enfermarias ou mesmo hospitais existentes nas áreas libertadas, os quais se destinam a prestar assistência às populações controladas pelo IN. Estas enfermarias são accionadas nos escalões administrativos a que correspondem pelos responsáveis da Saúde dos respectivos Comités, e destacam, com o fim de efectuarem uma cobertura eficaz das respectivas zonas, brigadas sanitárias que percorrem as tabancas que não dispõem de serviço de saúde próprio. Julga-se que a saúde civil esteja dependente, a nível superior, da Direcção para os Assuntos Sociais do Departamento para os Assuntos Sociais e Cultura.

No ramo militar, o serviço de saúde encontra-se já num grau de desenvolvimento diferente, dispondo de estabelecimentos hospitalares (no exterior) de apreciáveis recursos. Julga-se que no topo de toda a organização sanitária militar se encontra o Serviço de Saúde do Departamento da Defesa, o qual acciona três Secções Sanitárias (Ziguinchor, Koundara e Boké) que abrangem todo o TO e zonas fronteiriças dos países limítrofes. Estas Secções Sanitárias corresponderam às três Frentes (Norte, Leste e Sul) em que o IN dividia o TO até à reorganização levada a efeito durante o ano de 1970, mas mantendo actualidade mesmo depois desta reorganização.

Cada Secção dispõe de um Hospital Central, dela dependendo os hospitais e enfermarias correspondentes aos Sectores e Frentes. As unidades, por sua vez, dispõem também de enfermeiros responsáveis pela assistência sanitária imediata aos guerrilheiros.

Continua

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

2 de Fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje

3 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/4 - P2502: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (14): Enquadramento histórico (II): o significado da queda de Guileje

16 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)


(2) Mensagem anterior da
Webmaster do NAI:

Dear Luís Graça, I am glad to hear that you like the photos and that you use them. Best regards,

Agneta Rodling
Information/Webb
Nordiska Afrikainstitutet
The Nordic Africa Institute
Box 1703,
SE-751 47 UPPSALA
Tel +46-18 56 22 21

Mensagem enviada hoje pelo editor do blogue:

Dear Agneta:

I have written to you recently. My name is Luis Graca. I am the founder and main editor of the Portuguese blog Luis Graca & Camaradas da Guine, centred on the individual and collective experience of Guinea Bissau colonial war / liberation struggle, during the period of 1963/74.

Please notice that I have used again some photos from your album on Guinea-Bissau (see the text posted today, on my blog; subject: PAIGC logistics during the liberation struggle)… Blog members are war veterans, ancient fighters of both sides, or their relatives and friends of Portugal and Guinea-Bissau.

I have used, with your kind permission, the following photos, taken in November 1979, by Knut Andreasson: 07, 023, 025, 029, 030, 031, 032, 035 and 038.

Our blog has no commercial purpose, it intends to be a bridge of peace, reconciliation, co-operation and friendship and but also an information and knowledge database (research and dissemination, photo and paper documentation, poetry, life stories, fiction, scientific meetings, social events…). And my self, I appreciate very much your institutional support to the people of Guinea-Bissau.

Please feel free to use also our web materials.
Many thanks.
Luís Graça



(3) Vd. postes anteriores, desta série:

22 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2124: PAIGC - Instrução, táctica e logística (1): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (I Parte) (A. Marques Lopes)

24 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2126: PAIGC - Instrução, táctica e logística (2): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (II Parte) (A. Marques Lopes)

1 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2146: PAIGC - Instrução, táctica e logística (3): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (III Parte) (A. Marques Lopes)

8 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2164: PAIGC - Instrução, táctica e logística (4): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IV Parte): Emboscadas (A. Marques Lopes)

29 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2228: PAIGC - Instrução, táctica e logística (5): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (V Parte): Flagelações (A. Marques Lopes)

4 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

17 de Janeiro de 2008 >
Guine 63/74 - P2446: PAIGC - Instrução, táctica e logística (7): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VII Parte): Minas II (A. Marques Lopes)

19 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

13 de Fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2535: PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX Parte): Defesa anti-aérea (A. Marques Lopes)

7 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2730: PAIGC - Instrução, táctica e logística (10): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (X Parte): Organização defensiva (A. Marques Lopes)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2761: Convívios (53): CART 2412, no dia 17 de Maio de 2008 em Paços de Ferreira (Afonso Sousa)

1. Conforme informação do nosso camarada Afonso M. F. Sousa, ex-Fur Mil Trms, damos notícia do Convívio da CART 2412, (Bigene, Binta, Guidage e Barro) a realizar no dia 17 de Maio em Paços de Ferreira


CART 2412 > Sempre Diferentes

Porto, 27 de Março de 2008

Caros Companheiros
É com a maior satisfação que temos a honra de organizar o nosso Convívio Anual, que se realiza no dia 17 de Maio próximo, na Freguesia de Ferreira, no Concelho de Paços de Ferreira; em homenagem ao nosso companheiro falecido, Brandão. (Último companheiro - 2007)

A chegada está marcada para as 11 horas no Mosteiro de Ferreira (Monumento Nacional) e daí se fará uma romagem ao Cemitério, ao túmulo do nosso companheiro.

O Almoço realizar-se-á na Quinta das Palmeiras em Figueiró, Paços de Ferreira; terá o preço de 25€ por pessoa

Agradecemos a confirmação até ao dia 9 de Maio para os telefones:

António Machado - 917 508 280
Bento Machado - 914 067 463
Godinho - 917 508 292

Um grande abraço, até lá!

Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)

Mensagem do António G. de Abreu, de 7 de Abril:

Meu caro Luís,

Enviei-te o mail abaixo (1) em Dezembro passado. Podias ter aproveitado qualquer coisa para o blogue. Mas não é por isso que te escrevo.
Estou a preparar um texto sobre uma questão fundamental da História da Guiné-Bissau e da História das Guerras de África e esse texto, peço-te que publiques no blogue. Por uma questão de higiene, pela veracidade e rigor que a História deve ter.

Estive na Guiné de 72 a 74, num comando de operações, no norte (Teixeira Pinto), no centro (Mansoa) e os últimos onze meses no sul (em Cufar, até Abril de 1974.

A guerra não estava militarmente perdida, ao contrário do que muita gente afirma e referiu recentemente no blogue o Beja Santos na crítica infeliz ao livro do Manuel Bernardo, "em 1973/74 (...) o PAIGC passou a ter a total iniciativa entre o norte e o leste, em todo o espaço fronteiriço com a Guiné-Conakry."


A tese de que a guerra, no terreno, estava perdida, é uma tese falsa, não corresponde à realidade. A tese de que depois de Maio de 1973, quando foram abatidos os cinco aviões pelos mísseis do PAIGC, as NT passaram a não ter apoio aéreo e por isso a superioridade do PAIGC passou a ser evidente e esmagadora, também é falsa.


Sei do que falo, e comigo muitos camaradas que estiveram nessa altura na Guiné. A partir de Julho de 1973 até Abril de 1974, os aviões continuaram a voar, com muito mais cuidado, é verdade, a "rapar", etc., mas continuaram a bombardear, continuaram (os helicópteros) a fazer evacuações directamente no mato, a levar géneros e frescos, a transportar carga, pessoal e armamento, sobretudo os Nord-Atlas, estes para Cufar, Bafatá e Nova Lamego.

Quem controlava a esmagadora maioria das cidades vilas e aldeias, com as suas populações, era ou não era o exército português?

É preciso demonstrar a falsidade de algumas teses. Sem nenhum patriotismo ou nostalgia de um passado bolorento quando um regime autocrático e cego nos enviou para África.

Vou fazê-lo num texto que te enviarei dentro de dias.

Um forte abraço

António Graça de Abreu
________________________

Notas: adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.

(1) Mensagem que o António G. Abreu nos enviou em 3 de Dezembro sobre a Companhia 4740 mais o médico Bagulho, camarada e amigo (e que não publicámos...sem perdão, Caro António):

Meu caro Luís
Não tenho dito nada, mas estou, dia a dia, atento ao blogue e há uma imensidade de camaradas com imenso para contar!

Eu contei quase tudo no meu livro Diário da Guiné 1972-1974.
O livro continua a circular com sucesso e fico sempre satisfeito por sentir que aqueles textos correspondem à vida de muitos de nós por terras da Guiné.

Estive sábado passado, dia 1 de Dezembro, em Fátima com o pessoal da Companhia 4740, os Leões de Cufar.

Reuniram-se pela primeira vez, ao fim de 33 anos e 161 dias. Foi uma festa!

Metade do meu livro tem a ver com a minha estadia em Cufar (Junho de 1973 a Março de 1974), vivências partilhadas com aqueles camaradas e amigos. Do cap mil João Gaspar da Silva (actualmente advogado em Alcobaça) aos alferes, furriéis, soldados, éramos trinta companheiros, quase irmãos, a recordar, por bem, tempos tão importantes, inesquecíveis da nossas vidas.

Esta é a Companhia do Enfermeiro António Manuel Salvador, que anda lá por Amesterdão e de vez em quando entra no blogue a falar de injecções sem dor dadas em Cufar a majores com vinte e poucos anos (não seria um tenente?...).

Eu não pertenci à 4740, mas ao CAOP1 (Comando de Agrupamento Operacional 1) e foi através do teu blogue que o pessoal que organizou este 1º convívio me descobriu. Ainda faltam mais homens da companhia 4740 e do meu CAOP 1.

Quem dá uma ajuda para nos descobrirmos e engrossarmos o leque majestoso destes quase heróis do fim da Guerra da Guiné?

Perguntas-me pelo Bagulho, o médico, cirurgião de Teixeira Pinto. Falo nele no meu livro, conheci-o bem quando cheguei a Teixeira Pinto, em Junho de 1972. Estava lá com outro médico, outro grande senhor chamado Pio de Abreu que é hoje professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e um dos maiores especialistas portugueses em Psiquiatria. Foram duas pessoas que me orgulho muito de ter conhecido.
Do Dr. Bagulho, filho do almirante Tierno Bagulho, sei que faleceu poucos anos depois de voltar da Guiné. Afinal tu conheces a viúva, a Raquel.

Infelizmente não tenho nenhuma fotografia do Bagulho e do Pio de Abreu, apenas uma onde apareço com o outro médico, o Mário Bravo, que veio substituir um deles em Teixeira Pinto. Um abraço ao Mário Bravo.

Meu caro Luís, agradeço-te por tudo, o blogue, a amizade, a disponibilidade para, via Guiné, nos reencontramos com os outros camaradas e connosco próprios.

Mais um abraço,
António Graça de Abreu
__________

Artigos relacionados em:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

Guiné 63/74 - P2759: Convívios (52): BENG 447, Guiné (1964/74), dia 10 de Julho de 2008 em Fátima (Lima Ferreira)

1. A pedido dos nossos camaradas Lima Ferreira e Guedes Araújo, ex-Furiréis Milicianos do BENG 447, divulgamos o 25.º Encontro deste Batalhão.

BENG 447 - Que a Tamanhas Empresas se Oferece

2. É com o maior prazer que vimos convidar V.Exª. e Exma. família a participar num Almoço de Confraternização, a realizar no dia 10 de Maio de 2008, com o seguinte

PROGRAMA

07h30 - Porto - Partida da Rua Firmeza, 588
08h00 - Lisboa - Partida da Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, 12-A

Viagem em moderno autopullman para Fátima

11h00 - Missa na nova Igreja da Santíssima Trindade
13h00 - Concentração no Restaurante Califórnia em Santa Catarina da Serra, seguida de Almoço de Confraternização com a seguinte

EMENTA:
Entradas - Martini, Vinho do Porto, Amendoins salgados, Pão, Broa, Azeitonas, Morcela, Linguiça assada, Queijo, Presunto e Salada de orelha de porco com grão.

Sopa - Creme de nabiças

Peixe - Bacalhau à Casa (posta) com batatinha assada no forno

Carne - Nacos de vitela com cogumelos, arroz e legumes

Bebidas - Vinho branco e tinto da Região, Águas minerais, Cerveja e Refrigerantes

Sobremesa - Delícia de maçã ou gelado

Digestivos - Café e Digestivo (Bagaço, Amêndoa amarga, Brandy e Whisky novo)

17h30 - Lanche - Caldo verde, Pão, Camarão cozido ao natural, Rolinhos de presunto, Salpicão, Fiambre, Frango assado, Rissóis de camarão, Pastéis de bacalhau, Caprichos do mar, Fruta e Café

Bolo e Champanhe

Animação - Conjunto musical
A instalação sonora estará à disposição de quem quiser relembrar os "Bons Velhos Tempos"

Pelas 19h00 - Despedida. Viagem de regresso ao Porto e Lisboa. Chegadas previstas para as 22h30 e 22h00, respectivamente.

Preço por pessoa

Só almoço - 22,50 euros
Viagem e Almoço - Porto - 45,50 euros
Viagem e Almoço - Lisboa - 45,50 euros

As crianças até 4 anos de idade nada pagam
Dos 5 aos 9 pagam 50%

Pela Comissão Organizadora,
Francisco Guedes Araújo

Guiné 63/74 - P2758: Blogoterapia (47): O tédio que às vezes nos invade (Torcato Mendonça / Carlos Vinhal / Virgínio Briote)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339, Os Viriatos (1968/69)> "Campo fortificado", chamava-lhe o PAIGC. "Colónia de férias", brincavam os tugas... E o tédio dos dias... que custavam a passar ?

"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (?), eis Mansambo. Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação.

“Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné” (Luís Graça, Setembro de 1969).

Na Foto, um jovem turco tentando, em vão, vender peles de animais à porta de um abrigo-caserna... O tédio ? Usava-se a palavra em tempo de guerra ? Não sei, não me lembro... (LG)

Foto: ©
Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


1. Mensagem de 2 de Abril de 2008, do nosso amigo e camarada Torcato Mendonça:

Caros Editores:

Breve, muito breve, o suficiente para vos dizer que, o que venho sentindo alguma razão terá e não é mero fruto de alucinação.

Efectivamente ou este espaço caminha, de forma efectiva, para uma desejada pluralidade ou, pelo contrário, algo perturba alguns escritos (ou certas pessoas?)... Pensamos pela positiva, sempre pela positiva… mas!?... Para certos peditórios já dei… não é comigo e nisso não estou de modo algum interessado. Ou não tenho capacidade de entender… Que interessa isso? Nada, pode argumentar-se.

Sinto a memória a fechar-se, o tempo a regredir lentamente, o tédio a instalar-se. Problema meu, pois certamente há, felizmente, alguns ou muitos a pensar de forma diversa. Há ainda os de espírito mais esclarecido. Felizmente para eles, pois assim, melhor alcançarão o Reino dos Céus…

Bem hajam pela leitura e a todos um forte abraço do
Torcato Mendonça




2. Resposta do Carlos Vinhal, co-editor:

Caríssimo camarada e amigo Torcato:

A melhor maneira de combater o tédio é continuar interventivo, usando, como é teu timbre, ironia, sarcasmo e capacidade de crítica, sempre em doses correctamente servidas. Remédio indispensável para manter as massas activas.

Camarada, desistir nunca. Não podemos dar as costas ao inimigo.

Desculpa a brincadeira. É só para te animar, já que parece estamos todos carentes de algum ânimo. Não posso imaginar o Blogue sem determinadas participações. A tua é uma delas. Contamos contigo, não só com as tuas estórias, mas também com as tuas críticas sempre na hora.

Aquele abraço do
Carlos


OBS - Aprendi muito novo que aquilo que hoje parece importante, amanhã é nada, está esquecido. Por outro lado, em todos os lugares e em todas as funções, só faz falta quem está. Não me obrigues a particularizar.


3. Mensagem do Virgínio Briote, enviada ao Torcato, com conhecimento ao resto da equipa editorial, LG e CV.


Caro Camarada e Amigo (espero que não leves a mal por te tratar assim) Torcato:

Não sou do teu tempo, sou mais antigo na tropa e, como te habituaste a ouvir vezes sem conta (se calhar, vezes demais), a antiguidade naqueles tempos era um posto. Não quero com isto dizer que sou eu que tenho razão, já naqueles tempos nem sempre o era (como comprovámos vezes e vezes) quanto mais agora que nos fartamos de ouvir exactamente o contrário. Esta mistura de palavras é, ou quero com elas dizer, que o tédio não te pertence em exclusivo.

Depois de me ver obrigado a antecipar a reforma, por causa do aneurisma que me acompanha há meia dúzia de anos, vi-me pela primeira vez na minha vida sem objectivos. Aquela história que, com a idade que nos pertence, nos acontece.

E agora, que porra!, sem ter para onde olhar, a não ser para esta avenida com mais carros que gente, e agora? Papelada e livros arrumados e limpos dos pós, cinemas de Lisboa vistos, acompanhado do silêncio de uma pessoa só, PC à frente e sem grande vontade de o abrir, cansado por tantos dias e noites de o ver aberto no Excel, com os objectivos, as percentagens e o que faltava para os atingir, a cabeça às voltas, madrugadas, o PC na cama, acordar com ele ainda aberto, em rede com a sede em Lisboa e com a casa mãe em Basileia, nem vontade tinha de o abrir.

Público lido, anúncios classificados de casas para vender, alugar e trespassar, massagens e botões de rosa feitas por garotas sedentas, filmes, tudo lido, naquele dia abri-o mais por hábito e náusea do que por qualquer outra coisa. A olhar para o écrã, se calhar durante minutos (o tédio, o tal), lembrei-me da palavra Guiné.

Nem hoje sei porquê, escrevi-a no Google e, rápido como costuma ser, surgiram-me alguns locais para visitar. Pois que seja, não me lembro de o ter dito, mas deve ter sido assim que vim ter com o blogue do Luís Graça.

Guiné era uma palavra emprateleirada para mim, um caso arrumado há quase quarenta anos. À medida que fui lendo, o interesse foi aumentando, voltei a ver-me naqueles tempos e naquelas terras. Passei a ser um cliente diário, até que, vencida a relutância inicial, resolvi apresentar-me ao serviço outra vez.

Depois, é o que tens visto, continuo fiel à loja, embora nem sempre fique satisfeito com a qualidade do serviço. Estou, calculo como tu, numa fase de algum cansaço e saturação. Muitas vezes digo para mim que a Guiné foi chão que deu uvas, não há mais nada para dizer, toca mas é a fechar a porta e encerrar, o balanço já está feito por qualificados contabilistas. Por outro lado, dou também por mim a pensar que o que aconteceu comigo pode estar a tocar a outros Camaradas e isto tem-me obrigado a resistir e a ficar. E não falo agora do que se fala do blogue, que é comprometido com a esquerda, com a direita e com o centro, com os centros esquerdo e direito, com o rés do chão para já não falar de caves e sótãos. Como tu escreves, já dei para esse peditório.

O que me leva a abrir o blogue todos os dias é rebobinar os tempos que passei naquela terras e reviver a camaradagem que nunca mais a senti como naqueles anos. É isto que me leva a permanecer de sentinela no posto 4 em Cuntima, na companhia do s/r e de uma grade de bazookas, a contar as estrelas enquanto de muito longe, vindos dos lados do Senegal, toques de batuque soam ora muito nítidos ora esfumados.

Desabafei contigo, Caro Torcato, de rajada. Como se estivesse ao teu lado em Mansambo ou naquelas terras enlameadas que ninguém sabia se eram definitivamente do Corubal, como muitos dos que lá vivem hoje também não devem saber.
Um abraço,
vb

4. Novo comentário do Torcato, com data de 3 de Abril:

Citando António Lobo Antunes: Camarada, só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas…

Não fui correcto por não ter respondido ao Carlos Vinhal, ontem ou hoje. Escrevi ao Virgínio Briote e não vou reler, nem o meu nem o texto dele. Martela, martela ainda como, há horas atrás, quando o li. Foi um entrar de ideias de coisas de vidas. É bom ler assim ou o de ontem, de forma diferente, mas a sentir porque ambos são sentidos… só nós sabemos porquê…ou por isso;

Vá-se lá saber porquê ou todos sabemos o porquê, a razão deste meu enfado, deste meu tédio, desta dispensável leitura de certos escritos (posts) de redondilha (não de verso mas de rabo na boca) …diz tu, direi eu, mete tu, meto eu…e mais...

Camaradas e Amigos: não posso, com as minhas emoções despoletar algo a que não tenho direito. Menos ainda gerar inquietações. Não. Isso não. Tranquilidade.

Tinha uma reunião que se foi. Ainda bem.

Martela o texto e ainda o vou reler. Ontem dizia o C. Vinhal: O que parece ter muita importância hoje, amanhã não. Referia-se à razão do tédio. Talvez.

Mas parece-me que regressei lá – ou nunca de lá saí? – é no que dá.

O Luis Graça é homem gerador de consensos em saberes sobre mentes perturbadas…a minha, claro. Não é, Camarada?

Boa noite e bom descanso. Fico por aqui. Sossegado, só, não desgosto, até gosto, mas…um período sabático até faz bem... De quanto? Bhá... de... ? Faz bem á bomba que não gosta de muita excitação... mas descansa na escrita e em certas leituras.

Recebam um abraço do,

Torcato Mendonça


5. Mensagem do V.B., respondendo ao L.G., que sugeriu que se publicasse estes nossos pensamentos em voz alta, tanto ao estilo do (ainda felizmente activo e nunca desactivado) blogue Tantas Vidas... [O blogue Guiné, Ir e Voltar, do Gil [Duarte], ou melhor do V.B.]... Um blogue intimista sobre a arte da guerra e do amor em tempo de guerra, da amizade, da camaradagem, da solidariedade, da cumplicidade, da alegria de viver, da recusa da lógica estreita do matar para não morrer, da memória, do retorno, do ir e voltar...


Caro Luís:

Há tipos que se podem ofender. É protagonismo em excesso. Não tenho coragem, tenho vergonha e já não tenho cão. Mas não me oponho a que tu ou o Carlos publiquem. Tirar o botão de rosa, é capaz de ser mais conveniente para não ofender a moral de alguns.

Um abraço,
vb

PS - Tive críticas negativas ao Tantas Vidas, quando o acabei. Da Maria Irene e dos meus filhos. Que nunca pensaram ter em casa um escritor de novelas erótico-pornográficas. Ri-me com eles e nunca mais falámos do assunto.


6. Novo comentário do Torcato Mendonça, de 6 de Abril:

Cheguei a casa e, por esquecimento meu, isto estava aberto. Antes de fechar cliquei no blogue e li…passei ao Outlook e zás, e zás…li em solavancos, entre limpidez e névoas, parando e lendo… parando e pensando, relembrando, cogitando: mas que gaita… a que puta de raça pertencemos nós… E ainda por cima, como diz o Abrunhosa, quem me leva os meus fantasmas, quem me leva os meus fantasmas, quem me faz ir não indo ou voltar…um pouco atrás…

É de facto o tédio, o escrito a puxá-lo… Ontem fartei-me e teclei e o Carlos Vinhal respondeu… e hoje dizes tu em escrita com leitura de solavanco e névoa…. Meus Amigos e Camaradas: eu fico agora brevemente na penumbra, a noite está a descer a mulher certamente a chegar. Cansada, stressada…e eu na penumbra espero... Só teclar no enviar… Abraços

Torcato Mendonça

Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte



Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > Proximidades de Nhacobá > Dois guerrilheiros mortos no decurso de uma operação, em finais de 1973, que envolveu, pelo lado das NT, diversas forças (Batalhão de Comandos Africanos, a CCAV 8351, aquartelada em Cumbijã, a CART 6250, a unidade de quadrícula de Mampatá, a que pertencia o José Manuel Lopes, Fur Mil Op Esp)...

Na primeira foto vê-se o Fur Mil Gomes, madeirense (hoje a viver no Canadá), do Pel Caç Nat que estava sediado em Mampatá (o José Manuel não se lembra do nº desta sub-unidade)... Foram os soldados e as milícias africanos que despojaram os cadáveres dos seus pertences (armas, roupa e haveres pessoais), uma prática que dificilmente os graduados conseguiam evitar, prevenir e muito menos reprimir...

Este é um dos lados brutais da guerra: já não basta matar, é preciso profanar o cadáver do Inimigo, destruir-lhe o resto de humanidade, de dignidade, que deve ter um morto, mesmo que seja um combatente inimigo... O José Manuel andava sempre com a sua máquina a tiracolo... Foi ele o fotógrafo... Chegou já tarde, depois da morte e do saque... Mas o fotógrafo esteve lá. Imagens que são raras, e que ainda hoje nos chocam... Põe-se a questão (ética) de as publicar ou não.- O meu entendimento editorial, é que as devemos divulgar neste blogue: têm interesse documental, sócio-antropológico, historiográfico e didáctico... Somos decididamente contra a exploração (comercial, mediática, ideológica ou outra) da estética da violência e da morte, o voyeurismo, a morbidez, mas somos também contra o falso pudor, o cinismo e a hipocrasia.(LG)


Gente do 1º e 2º Gr Comb da CART 6250, envolvidos na oeração acima referida...Na altura já a estrada em construção (que vinha de Quebo) tinha chegado a Nhacobá... O PAIGC procurou opôr-se, com tenacidade, à sua construção, já que ela atravessava o estratégico corredor de Guileje (que, vindo da Guiné-Conacri, passava por Guileje, Mejo, Salancaur...) (1).

Com o 25 de Abril, a estrada parou em Salancaur (vd. Carta de Guileje). Hoje o alcatrão desapareceu, depois de Quebo... Há uma amostra, esburacada, entre Quebo e Mampatá (vd. Carta de Xitole)... Na foto, um dos camaradas do José Manuel está deitado, sobre o ombro esquerdo, junto a uma arvore, com um pano branco sobre a coxa direita... Foi atingido por um estilhaço de RPG e aguarda evacuação por helicóptero...

O Capitão da companhia era um miliciano, Luís Marcelino, "um amigo, antes de ser capitão" (leia-se: amigo, apesar do posto, do cargo, dos galões...), um homem por quem o José Manuel ainda hoje nutre um sentimento de respeito e de amizade... Nesta companhia, é de assinalar a deserção do Alf Mil Fragata, em circunstâncias que o José Manuel um dia poderá contar, se assim o desejar e entender.

A CART 6250, que vai apanhar o 25 de Abril em Mampatá, sofreu um único morto em combate, numa mina A/P ou A/C... É esse morto a que se refere o poema do dia que hoje publicamos, em homenagem a todos aos muitos mortos, de um lado e de outro, que esta guerra provocou.

Temos falado aqui dos "nossos mortos", espalhados por centenas de cemitérios improvisados nas muitas matas e povoações da Guiné... É justo também lembrar os mortos do PAIGC, combatentes e população que ficaram insepultos ou enterrados, sem dignidade nem honra... Haverá milhares de sítios na Guiné, onde repousam os restos mortais de homens e mulheres, mortos ao longo dos anos da guerra colonial / luta de libertação, e que nem sequer estão sinalizados...

Alguma das ideias que estão agora em discussão entre os organizadores do Simpósio Internacioanld e Guiledje (Guiné-Bissau, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008) passam também por levar a cabo um conjunto de iniciativas que melhorem "a auto-estima dos Combatentes da Independência", incluindo:

(i) divulgação da a exposição “Amílcar Cabral, a Frente Sul e Guiledje”, da Fundação Mário Soares, nas escolas e agremiações culturais de todas as regiões do país, explicada directamente por Combatentes, visando fundamentalmente os jovens que nasceram no pós-independência;

(ii) construção da sede regional dos Combatentes em Farim (Cantanhez);

(iii) recenseamento dos Combatentes de Cubucaré;

(iv) Reabilitação da Base Central na zona de Daresalam;

(v) Identificação e sinalização de todas as barracas da luta [acampamentos temporários], na mata de Cantanhez;

(vi) Continuação da recolha em DVD de testemunhos dos Combatentes;

(viii) E, por fim, e não menos importante, Dignificação das campas dos Combatentes enterrados em Cubucaré... (Ideias pós-Simpósio, que me foram transmitidas pelo Pepito, e que estão em debate) (LG).

Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Texto e fotos enviados a 12 de Abril último, pelo José Manuel Lopes (2):

Naquela picada havia a morte
havia a morte naquela picada
de vinte e quatro
foi tirada a sorte
para um foi a desgraça
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu
havia a morte naquele caminho
naquela picada havia a morte.

Estrada de Nhacobá, 1973
josema
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

(2) Vd. postes anteriores:

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

domingo, 13 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2756: Dia 14 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira)

Mensagem do Valentim Oliveira, Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490:

Caro amigo Virgínio


Hoje, dia 13 de Abril, e amanhã, dia 14, se a memória não me falha, vai fazer 43 anos que foi Domingo de Páscoa do ano 1965.

Foi um Domingo cheio de sol e também de rancho melhorado. Tenho a lembrança firme de que foi batata frita com BIFES EM LETRA GRANDE. Porque era muito raro aparecer uma coisa destas.
Estava nesta época em Farim, precisamente no local que servia de base à CCav 487 onde me instalei num canto da caserna juntamente com os meus colegas, Horácio, condutor 777, e o 783, o Pacheco.

Tudo correu na normalidade durante o dia. Claro que á noite não houve distribuição de rancho, mas como no rancho do meio-dia tudo foi avantajado, todos levaram um pouco mais para á noite continuar a festa. E a festa continuou.

Só de uma maneira diferente daquela que esperávamos. Precisamente já com o sol escondido a algumas horas, estávamos nós a saborear o resto dos bifes, quando fomos sobressaltados com explosões de granadas de morteiro 82, que neste caso o IN estava mais avançado, porque nós só tínhamos o 81.

O IN estava na outra margem do rio Cacheu. Felizmente as granadas começaram a cair uns 50 m à frente da caserna, mas houve duas que com a apontaria afinada rebentaram, uma em cima do posto de socorros e outra precisamente no canto esquerdo onde eu me encontrava, junto dos meus colegas Horácio e Pacheco.

Claro, todas as telhas a caírem e um grande estilhaço a passar entre nós e a fazer um grande furo numa mala que se encontrava encostada à parede. A que caiu no posto de socorros feriu um Furriel que agora não me lembra o nome e foi evacuado no outro dia para Bissau.

Responderam ao ataque o pelotão de morteiros que estava sediado a alguns 100m da margem do rio, juntamente com uma fragata de guerra estacionada no mesmo local.



Farim, edifício do comando do BCaç 2879 e anteriormente, entre outros, do BArt 733 e do BCav 490.
Fotos: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.

Antes da reacção das nossas tropas diversos locais foram atingidos, um deles o local onde estava instalado o comando do Comandante Ten Cor Fernando Cavaleiro. Valeu-lhe uma grande mangueira, que estava na frente do edifício onde rebentaram as granadas.
Esta é uma das passagens tristes que vivi na Guiné, mas muitas outras tenho para escrever.

Também quero dizer ao nosso amigo e camarada Teixeira, que a parte romanesca como ele terminou com a Fanta Baldé é de louvar, porque só pessoas com civismo e respeito pelos Valores Humanos, assim o fazem. UM ABRAÇO, TEIXEIRA!

Virgínio, já me pronunciei, que não estive em Cuntima, mas passei por diversos lugares da região de Farim.

Eu era soldado condutor 784/63 da CCav 489/BCav 490 e passei para a CCS, para condutor do Oficial de transmissões, Alferes Pires. Se alguém souber o contacto deste camarada, agradecia que mo dessem.

Um abraço para o comandante Luís, para ti e para o Vinhal e todos os que fazem parte da TABANCA GRANDE.

Até breve,

Valentim Oliveira

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Nota de vb: artigo relacionado em
10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

Guiné 63/74 - P2755: O Acampamento Osvaldo Vieira, o meu GPS, o Google e a nossa excelente cartografia militar (Nuno Rubim)



A posição do Acampamento Osvaldo Vieira, perto de Iemberém, segundo as coordenadas obtidas pelo GPS do Nuno Rubim, assinaladas na imagem do Google Earth e na carta (militar) de Cacine (Escala: 1/50000).

Fotos: © Nuno Rubim (2008). Direitos reservados


1. Texto do Nuno Rubim:

Caro Luís

Eis o mapa do Acampamento do Osvaldo Vieira, baseado no Google e na Carta de Cacine (1:50000).

Realmente a saída para o Tarrafe vai ter ao Rio Bomane, afluente do Chaquebante, por sua vez afluente do Cacine (1).

Como se pode constatar, não só os nossos mapas eram excepcionais, como se vê que não houve praticamente mudanças nos leitos dos rios de há mais de quarenta anos para cá !

Se precisares de algo mais, apita ...

Um abraço

Nuno Rubim
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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2731: Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira: Coordenadas GPS (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2754: Fórum Guileje (15): Há ainda muita gente do PAIGC calada... Por medo? Por falta de domínio da língua de Camões? (Mário Fitas)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento Temporário (Baraca) Osvaldo Vieira (1) > Um grupo de mulheres, nalus, que tomaram parte no espectáculo que foi oferecido aos convidados, nacionais e estrangeiros...Trinta e cinco anos depois da independência não é em português, a língua de António Lobo Antunes, de Pepeta, de Amílcar Cabral, de Craveirinha, de Mia Couto... que nos entendendos, mas em crioulo... Nós e a generalidade dos guineenses. Em menos de década e meia, os militares portugueses fizeram mais pela promoção da língua portuguesa do que cinco séculos de fraca ou reduzida penetração dos portugueses no interior da Guiné (outrora parte integrante da Senegâmbia)... Em audiência dada a um grupo de cerca de duas dezenas de portugueses, antigos combatentes da guerra colonial, participantes do Simpósio Internacional de Guileje (a que se h«juntaram a cieneasta Diana Andrunga e o jornalista José Carlos Marques), em 6 de Março de 2008, o presidente da República da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira, insistiu muito na importância da língua portuguesa e no envio, para o seu país, de mais professores portugueses ("com tantos professores desempregados em Portugal")... Estava a ser sincero ou apenas politicamente correcto o antigo comandante do PAIGC na região sul, agora com responsabilidades de representação máxima do povo guineense, a nível do Estado ? (LG).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Mário Fitas (ex-Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 763 , Os Lassas, Cufar, 1965/66) (2):

Caro Luís,

Desculpa a minha inconveniente intromissão, neste interessante bate-papo de Guerrilheiros do PAIGC a quando da festa em Guiledje (1).

Admiro profundamente a paciência e a disponibilidade do nosso Homem Grande, o Pepito, para fazer de intérprete, naquela confusão toda.

Há que ter muita paciência, e ter gente no terreno, para como nós que aqui na Tabanca Grande nos expomos, contando aquilo que eu considero a 99,0% próximo da autenticidade, e aquilo que da outra face ou lado (o que quer que queiramos dizer), não ouvimos. É claro que não podemos comparar as nossas condições com as dos antigos guerrilheiros do PAIGC, sobre a narração da realidade dos acontecimentos.

É sintomático, e embora quarenta anos passados, os dados escritos que tenho - aliás que todos os Tertulianos possuem - venham eles a ser a História do próprio PAIGC.

Luís! Não podemos fugir, nem contar a vida dos outros. Há muita gente do PAIGC calada!... Por medo? Façam como nós! Contemos, rectifiquemos os erros, tenhamos pequenas questiúnculas, mas que olhos nos olhos rectifiquemos. É isso e que nos dá a honestidade de sermos nós próprios a contar a NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA.

Conheço alguma coisa sobre o PAIGC e sobre a GUINÉ, caso contrário não teria escrito Pami na Dondo a Guerrilheira. Mas também me custa sentir o trabalho extraordinário do Pepito, tradutor, duma realidade de há quarenta anos, e que se mantém.

Será que não somos dignos de CAMÕES? A Língua é o maior elo de comunhão entre povos irmãos! Saibamos sê-los!

Vivi em 1965/66 o Sul da Guiné, embora em Cufar. Percorri as margens do Cumbijam. Em Catió, a conversa de caserna funcionava. Por ser de caserna? Talvez! Abstenho-me de entrar em polémicas fúteis.

Mas quanto ao PAIGC?! Em termos de honra, exijo! Estive a duzentos metros do Sr. Presidente Nino Vieira, eu com 23 anos e ele com 25. Tive na mão uma foto dele, tirada em Pequim, na altura em comandava uma Secção do Exército Popular. Há portanto alguém da outra face, que deve ter a honestidade de também falar.

Se forem os que não fizeram a guerra a narrar e conjecturar sobre o que se passou, não vale, não vale a pena. Como se diz na minha linda Planície: "A conversa está coxa".

Falei em Camões! Que nenhum de nós esqueça que a Língua Portuguesa é hoje em dia a aglutinação de muitos povos, que serão grandes se souberem entender e conviver, como fala o Grande Craveirinha, filho de branco emigrante não colonialista.

Aquele abraço de sempre do tamanho do Cumbijam para toda a Tabanca.

Mário Fitas
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Notas dos editores:

(1) Vd. 12 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

(2) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

Guiné 63/74 - P2753: O Nosso Livro de Visitas (12): À procura do meu amigo Germano Santos (Eliseu dos Santos Gomes, Holanda)

1. Em 10 de Abril de 2008, recebemos esta mensagem de um nosso leitor residente na Holanda

Sr. Luis Graca

Desculpe de me dirigir desta forma perante o Sr.

À procura de meu amigo Germano Santos, entrei no seu Blog que me surpreendeu muito como antigo combatente em Angola, ainda vou retornar a ler esse bom blog.

Caro Sr. se por acaso for o meu amigo que tento contactar agradecia, se não fosse muita maçada o endereço electrónico dele.

Eu joguei com ele no Atllético Clube Moscavide, e tinhamos bom contacto de amizade, moravamos em Moscavide, e ele pelo que li no blog do Sr. António Gouveia enviou-me um abraco e mais, e por esta assim tento contactar com ele que já lá vão uns 36 anos que eu não o vejo.

Fico-lhe imenso agradecido e mais uma vez minha desculpa de assim contactar com o Sr.

Com saudações de grandes combatentes
Eliseu dos Santos Gomes

2. No dia 12, enviei esta mensagem ao nosso camarada Germano

Caro Germano Santos
Vê se conheces este camarada que procura alguém com o teu nome.
Um abraço
Carlos

3. Hoje mesmo, dia 13 de Abril, o Germano repondeu

Caro Luis Graça,

O nosso (teu) blogue é fantástico.

Só por ele o meu amigo Eliseu, que vive na Holanda há muitos anos, acaba de chegar a mim.

Agradeço-te reconhecidamente a ponte que serviu para o Eliseu me reencontrar.

Vou escrever-lhe.

Recebe um grande abraço.
Germano Santos

4. Comentário de C.V.

Temos que ter muito orgulho no nosso Blogue, já que ele contribui, e muito, para o conhecimento da Guerra Colonial e em particular para a Guerra na Guiné.

Por outro lado, quem lê o nosso blogue procurando as nossas estórias, acaba por reconhecer entre os tertulianos mais activos, alguém que julga ser o seu amigo e companheiro.

Mais um caso aconteceu, desta vez com este nosso amigo, antigo combatente em Angola, que encontrou nas nossas páginas o Germano, seu companheiro de juventude.

Ao Germano e ao Eliseu, desejamos muitos anos de convívio após este reencontro.

sábado, 12 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberem e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de Março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento (Baraca) Osvaldo Vieira , outro dos momentos gratificantes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral (1) > Neste vídeo, um dos homens grandes da região conta como foram os primórdidos da luta... Infelizmente não consegui fixar o seu nome. Creio que é nalu. Entrou no mato, como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC. A designação deste acampamento não tem nada a ver a verdade fáctica, histórica: é apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis do PAIGC (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional) : Osvaldo Vieira actuou no Oio (Frente norte), não no Cantanhez (Frente sul).

"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... Fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...

E a narrativa continua: Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto. Atenção, diz o Pepito, com confundir com o outro Capitão Curto, que andou a espelhar o terror no chão manjaco (Devia estar a referir-se ao Cap António Curto, comandante da CCAÇ 5, conhecida pela Companhia Manjaca de Bachil… Esse Cap Curto devia ser o mesmo que tinha fama de cortar cabeças. .. No filme-documentário As Duas Faces da Guerra, de Flora Gomes e Diana Andringa, um dos entrevistados, antigo combatente do PAIGC, também evoca esse famigerado Cap Curto... A crer no depoimento do antigo guerrilheiro, o Cap Curto cortava as cabeça dos seus prisioneiros e, depois ia apresentá-las às mães das vítimas, nas suas tabancas... O Cap Curto do Tombali também era dos duros.

Enfim, não tive, no Cantanhez, oportunidade de confirmar esta história (macabra) nem saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho sujo, resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos anos de chumbo que antecederam a guerra... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconcialição, para falar deste e de doutros homens que não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1963 e 1974....

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Canhanez)…

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes




A memória de Cabral (que conheceu bem a região de Tombali, como engenheiro agrónomo, antes de se tornar o fundador e o líder histórico do PAIGC) bem como da luta de libertação nacional está ainda bem viva entre as mulheres e os homens da região de Tombali... Uma das mulheres, presentes na cerimónia, canta uma das canções revolucionárias da época, dando vivas à Guiné e ao Partido.

Vídeo (0' 55''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes





Cabral fala sábi...


Vídeo (20''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes

"A unidade foi a melhor arma nos momentos difíceis dos camaradas" - pode ler-se num pequeno monumento, tosco, de cimento, encimado pela estrela negra, erguido na antiga barraca da guerrilha... Testemunho do passado, recado para o presente, pensa a Alice que, como muitos portugueses e portuguesas, não fazia a mínima ideia das reais condições do terreno (e do clima) onde se operava a guerrilha e a contra-guerrilha na Guiné....

O que pensarão estes miúdos ? Quais são os seus sonhos ? Para onde estão a olhar ? O que serão daqui a 15/20 anos ? O que sabem da luta pela independência, levada a cabo pelos seus avós ? Quem serão hoje os seus ídolos, os seus heróis ?

Sabotagem ? Provocação ?... Não, é apenas uma camisola do craque do Manchester United e da Selecção Nacional de Futebol de Portugal, Cristiano Ronaldo, um herói do mundo global e mediatizado de hoje...

As mulheres do Cantanhez exemplificaram como cozinhavam no mato, sem fazer fumo, iludindo a observação aérea do IN... Os combatentes tinham apenas direito a uma refeição po dia... Ainda hoje será difícil comparar a sua à nossa fome... Nas unidades de quadrícula ou nas operações no mato, o tuga sonhava com comida e sobretudo com bebida... Muita, fresca!

Uma guerra de libertação (ou subversiva, como diziam as nossas chefias militares...) não se faz sem as mulheres, como a antiga enfermeira do PAIGC, Francisca Quessangue, que participou na batalha de Guileje....

Actores, figurantes, assistência... Nos bastidores ou no placo.... As mulheres são parte fundamental da luta do povo da Guiné, ontem como hoje: pela paz, pela liberdade, pela democarcia, pelo desenvolvimento, pelo direito à história....

À esquerda, o Luís Moita e o Paulo Santiago seguem com atenção, desvelo e carinho, o inédito espectáculo de representção teatral que nos deram, a todos, os antigos guerrilheiros e a população local ddo Cantanhez...

Um verdadeira lição, ao vivo, de história, de antropologia, de ciência política, de arte da guerra, de gestão, de humor, de humanidade, de sobrevivência, de dignidade, de amizade, de esperança no futuro...


De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (2), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Continua

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Notas de L.G.:

(1) Vd. os três últimos últimos postes desta série:

5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau

29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (I)

(2) Vd. poste de 7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2731: Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira: Coordenadas GPS (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P2751: Convite (3): Projecção de As Duas Faces da Guerra na Malaposta em 24 de Abril de 2008 (Diana Andringa)


Centro Cultural Malaposta – Municípália EM
Rua Angola, Olival Basto
2620-492 Odivelas
Tel: 21 938 31 00 – Fax: 21 938 31 09
http://www.blogger.com/www.malaposta.pt

1. Em 7 de Abril de 2008 recebemos uma pequena mensagem da nossa tertuliana Diana Andringa, dando notícia de mais uma projecção pública do seu co-documentário As Duas Faces da Guerra.

Caro Carlos Vinhal,
Como está?
Não sei se ainda vale a pena avisar da projecção de As Duas Faces da Guerra. Mas, caso achem que vale a pena, aqui fica a informação de que vai passar na Malaposta, a 24 de Abril, pelas 21H30.

Melhores saudações,
Diana Andringa

2. Transcrição do Convite acima publicado

O Núcleo de Administração da Municipália EM
Tem o prazer de convidar V.Exa para a projecção do filme
AS DUAS FACES DA GUERRA
DE DIANA ANDRINGA E FLORA GOMES
Produção: Lx-Filmes
[COM A PRESENÇA DE DIANA ANDRINGA]
que terá lugar dia 24 de Abril de 2008
pelas 21H30, no Auditório do Centro Cultural Malaposta
no âmbito das Comemorações do 25 de Abril de 1974
M/12 - Entrada Livre


A jornalista Diana Andringa e o realizador guineense Flora Gomes, autores do Documentário As Duas Faces da Guerra

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2750: Ói pessoal... ou o regresso do filho pródigo (Vitor Junqueira / Carlos Vinhal)

1. Confesso-me admirador de alguns dos nossos camaradas quanto ao seu modo de escrever. Seja pelo sentido de humor, pelo seu poder de memória que lhes permite, ao fim de tantos anos, ter presente as mais diversificadas situações, ao ponto de as contar com o mais ínfimo pormenor, pelo modo como viveram uma guerra, contornando o aspecto bélico, servindo-se dela para prestar serviço humanitário, quer pelo português correcto com que se exprimem, etc.

Claro que não vou falar em nomes, pois a alguns deles já expressei a minha maneira de pensar.

Hoje vou falar de um camarada, que eu considero neste grupo e que esteve ausente durante quase um ano, em parte incerta, em termos de blogue falando, entenda-se.

Telefonei-lhe no Natal para lhe desejar Boas Festas, já que por mail não obtive resposta, fazendo-lhe sentir o quanto era notada no Blogue a sua ausência.
Contou-me que estava com problemas técnicos na sua linha telefónica e que não tinha Net.
Fiz-lhe sentir que pessoas como ele não podem deixar de alimentar esta página com as suas estórias, ora de guerra, ora de humor e muito mais importante, com os seus conhecimentos técnicos na área da saúde.

Estou a falar do nosso Dr. Vitor Junqueira, que na Guiné foi Alf Mil At Inf da CCAÇ 2753, operacional dos quatro costados, e a quem foi atribuída uma medalha que ele teima em não dizer por que motivo.

Nunca é demais lembrar que a ele devemos a organização do último encontro nacional em Pombal, que eu quero que sirva de exemplo, em número de participantes, para este ano.

Foi com grande alegria que encontrei hoje na minha caixa de correio uma mensagem sua, que a seguir transcrevo.

C.V.



Vitor Junqueira,
ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2753 - Os Barões
Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,
1970/72


2. Mensagem de Vitor Junqueira

Data: 11 de Abril de 2008

Assunto: O gajo deu à costa

Ói, pessoal!

A toda a malta amiga que se inquietou com a minha sabática ausência, amigos do coração e do reviralho, quero dizer-vos que todos me fizeram falta; tive saudades de vós.

Devo-vos satisfações pelo ocorrido.

Há cerca de um ano, devido a uma encrenca com a instalação telefónica, tive uma zanga com a PT. Sob o impulso, pedi-lhes que retirassem os seus pertences da minha residência ...e lá se foi a linha e o meu acesso à rede!

Começou então um folhetim protagonizado por outra operadora que no seu sítio ia adiando de mês para mês a cobertura da minha zona. Até que foi comprada, ao que me dizem, pelo ti Belmiro.

E nunca mais se ouviu falar dela. Fiquei no mato sem cão! Pensei então na hipótese do serviço móvel, mas a velocidade de transmissão de dados era tão fraquinha que bastava um emílo trazer uma fotografia em anexo para me levar aos píncaros da irritação. Até que há cerca de duas semanas, constatei que um conhecido batráquio estava mais espertinho, espevitou, pelo que resolvi adoptá-lo.

Fui então a uma loja onde por setenta paus adquiri uma péne, apetrecho parecido com um isqueiro preto, cuja cabecinha introduzi num buraquito das traseiras do meu pêcê, e ... eis que vi a luz finalmente. Estou ligado à néte, feliz por estar de novo convosco.

De resto, está tudo bem, comigo. A família está OK e quanto à saúde ... vamos andando.

Iniciei o ano com um raide pela américa do sul (Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Brasil) de onde regressei há pouco. Em Buenos Aires fui parar ao hospital por causa de um tréco que me deu no realejo. Vi jeitos de passar à caçarola, mas já está tudo bem.

Então meus caros, aqui vai um abração do Vitor Junqueira e até breve.
_______________

Nota de C.V.:

Vd. postes de:

7 de Novembro de 2006> Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1084: O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1581: O elogio dos pára-quedistas das 121ª e 122ª CCP (Nuno Mira Vaz / Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2749: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (27): Quando os mortos abrem os olhos aos vivos

"Fotografia do Carlos Sampaio, nas suas últimas férias. É nestas férias que este meu querido amigo destrói toda a sua obra. Regressará a Moçambique em Dezembro [de 1969], falecerá no Norte, perto de Mocímboa da Praia. Uma parte importante da minha juventude morreu com ele" (BS).

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 22 de Janeiro de 2008:


Operação Macaréu à vista - Parte II > Episódio n.º XXVII > OS MORTOS AOS VIVOS ABREM OS OLHOS (2)
por Beja Santos


(i) Ó vida feita uma detida morte


Ó vida feita uma detida morte.
Ó morte feita um inocente amor.
Amor que as asas sobre o corpo nu
fecha tranquilas no possuir da sorte.


Jorge de Sena


Os males não vêm rogados. Quando nos preparávamos para as obras da ponte de Udunduma, a ponte cedeu pela calada da noite, houve rebuliço, saímos todos dos abrigos quando as pilastras começaram a esfarelar, até se pensou ter havido uma carga de trotil posta à sorrelfa. Não, a ponte deu um gemido pela idade sem manutenção e pelos os excessos de colunas com GMC e Unimog, e até gruas, depois o início do alcatroamento do troço Xime-Amedalai precipitou a crise.

De madrugada, consternados pelos barulhos da ponte, e verificado que não havia terramoto, recorremos à pedra, ao cascalho e à cimentação. Assim se iniciaram com carácter de urgência os arranjos da ponte, com a supervisão do Queirós. Estávamos na ponte de Udunduma e não estávamos. Imprevistamente, fomos duas vezes ao Xitole, outra vez a Sansacuta. Uma ocasião houve em que mandaram gente da CCS de Bambadinca para a ponte e nós para a emboscada do Bambadincazinho.

Foi um tempo virulento de trabalho faxina. Mas com compensações. Por exemplo, chegou uma ordem do Quartel General para mandar uma praça gozar vinte dias de repouso em Bolama, com piscina, cinema e outras diversões. Chamei o Domingos, avisei que a escolha não teria influências de ninguém, seriam as praças entre si a nomear aquele que partia para férias. O Pel Caç Nat 52 provou as suas qualidades elegendo o bonzão do Doutor, um mortificado Quebá Sissé, agora a ser ouvido no auto instruído pelo o Ismael Augusto.

O Queirós mostrou-se infatigável nos arranjos da ponte, era vê-lo sem descansar a picareta, abnegado e disciplinador, de facto nunca tive uma equipa de cabos tão boa como agora. Albino Amadu Baldé, Príncipe Samba para os amigos, volta a visitar-me e dá a boa notícia: vai ficar a andar sem defeitos, as fracturas nas tíbias e fémures não o deixarão defeituoso. Motivo de preocupação é Cherno: desmaia com regularidade, derrama líquidos viscosos dos ouvidos, foi visto pelo Vidal Saraiva que considera que tudo isto são consequências do traumatismo craniano de 16 de Outubro de 1969. Missirá passou a estar na mira de Madina, a todo o tempo.

Com a preparação da 1ª Companhia de Comandos Africana, em Fá Mandinga, o PAIGC ameaça com a instabilidade, em escassos dias foram detectadas cinco minas perto de Missirá. Como se previa um ataque a Fá, Missirá foi temporariamente reforçada por outro pelotão. Uma morança dos Nhabijões foi pelos ares com grande recheio de explosivos, tudo parecia ir arder à volta e um bravo condutor atirou-se às chamas para salvar uma viatura em vias de explosão.

Na ponte de Udunduma, ou onde quer que me encontre, mando aerogramas à Cristina: “Escreve para eu saber que nem tudo endurece à minha volta”. Mando-lhe um corrupio de banalidades, como se ela tivesse que saber a agenda diária de Bambadinca e arredores: o capitão Neves saiu de Mansambo e foi para o Pelundo; o Emílio Rosa escreve do Beng 447 perguntando se eu não ia de férias e quando é que havia casamento, etc.

Ora, num sábado à tarde, consegui acordar com D. Leontina, a funcionária dos correios de Bambadinca, que iria telefonar para Lisboa no domingo de manhã. À hora aprazada, vindo da ponte de Udunduma, apresentei-me no correio, a ligação fez-se sem problemas. Eu estava eufórico, a Cristina cautelosa, perguntando-me vezes sem conta se eu já tinha recebido a sua última carta. Eu feliz em poder ouvi-la em condições mais do que aceitáveis, vendo da janela soldados meus a fazerem compras na feira, mas a ficar cada vez mais intrigado com cautelas tão insistentes. Como já se tornara um hábito, a agenda socio-militar de Bambadinca passa dos aerogramas para a chamada telefónica. De concreto, do outro lado do oceano, fiquei a saber que a Cristina visita os meus doentes, a que se juntou agora o major Cunha Ribeiro, e menos concreto apurei que a Cristina pondera vir até Bissau, em data a negociar.

Meditabundo com esta conversa telefónica, subo lentamente a rampa de Bambadinca. O que se passou a seguir nunca mais me saiu da mente nem do coração. O tenente Pinheiro está a fechar a porta da secretaria, é a hora do almoço, traz o correio dos oficiais, acena-me e entrega-me algumas cartas e aerogramas. Vou até o meu quarto para deslindar o enigma dessa última carta da Cristina que ainda não li. É uma carta um pouco volumosa, abro com o dedo e salta uma notícia necrológica que cai no chão. Apanho e vejo do fotografia do morto, incrédulo, aturdido: é o Carlos Sampaio, está lá o nome dele por extenso, fala-se de uma missa do 7º dia, aproximo a notícia e diz claramente que morreu em combate.

Como se um tiro me derrubasse, encosto-me à parede e soluço aos gritos, aos uivos, sou uma besta cercada por cães de caça que lança olhares em todas as direcções, à procura de uma nesga para se salvar. É nisto que se abre a porta e entra o Abel que passa rapidamente da estupefacção para a compreensão de que algo muito duro aconteceu. Aliás, na semana passada, o Machado, do pelotão Daimler, que parte em breve, recebeu a notícia da morte do cunhado num desastre aéreo em Angola, ficou silencioso, abúlico, só depois é que trovejou debaixo da emoção, foi passear de jeep durante horas, depois acalmou.

É o Abel quem me vai chamar à realidade, ele tinha uma voz ciciante, naturalmente apaziguadora, sentei-me, serenei e li a carta da Cristina. O que ali vem escrito esclarece a última carta do Carlos Sampaio (3). Tudo se passou na região de Cabo Delgado, uns dos locais mais assolados pela guerra. Rebentou uma mina durante uma coluna, ele desceu da viatura e pisou um sistema de minas anti-pessoais. Na agonia, perguntou se tinha sido o único ferido e balbuciou: “Deus foi misericordioso com os meus soldados”. Fez um largo sinal da Cruz sobre o peito e morreu.

É esta descrição tão serena que me faz voltar à vida e me aplaca o grito de revolta. Depois, lavei a cara e fui almoçar. À tarde escrevi à Cristina, agradecendo a delicadeza que ela pusera nos documentos enviados, as lembranças doces de uma amizade que também a envolvera tanto. Sabe-se lá com que sofrimento, ponho no aerograma:

“Estou inconsolável, acabo de perder a mais pesada das âncoras da minha juventude. Só me recordo de um abalo destes que teve paralelo quando vi o Fodé estropiado e na discussão lancinante que tive com um capitão junto de uma fossa onde um soldado agonizava e o Fodé gemia. Há momentos em que não consigo reprimir as lágrimas, o Carlos Sampaio está associado aos meus últimos dez anos. Como te disse já, recebera uma extensa e linda carta, há poucos dias. Ele falava-me de viaturas despedaçadas, êxitos operacionais, continuava a acalentar o projecto em comum para a livraria Sampedro, sonhava ser nosso compadre, padrinho do nosso primeiro filho. Da adolescência até agora, foi uma amizade plena, com longos serões, vejo-o na sua bata de pintor, oiço-lhe a sede do infinito. Sabes muito bem que nunca foi uma amizade fácil. Pouco antes de eu partir para a Guiné, fez-me comentários aos esboço da peça de teatro infantil “O soldadinho de fogo”. Trocávamos manuscritos, eu saía de madrugada de casa para ir à Praça Pasteur ouvir os seus últimos escritos. A sua fotografia mais recente tenho-a eu, é a que vem na pagela necrológica que me enviaste. É um olhar de penumbra e recatada tristeza, o mesmo olhar que o pintor Fausto Sampaio fixou na tela, retrato dele com sete anos, que está na sala de jantar da Praça Pasteur. Sim, estou inconsolável. Vem-me à recordação a sua continência tímida quando o fui visitar a Mafra, em Maio de 1968. O que me abranda a dor é saber que ele não precisa das nossas orações, ele já está sentado à direita de Deus Pai. Vou agora escrever à Sr.ª D. Maria José a quem porei à disposição os escritos do Carlos e o quadro a óleo que ele me deu, salvo erro o único que subsistiu à destruição que fez de todas as suas obras. Por favor, quando procurares a Sr.ª D. Maria José e as irmãs do Carlos diz-lhes que eu perdi o anjo pascalino, o companheiro mais querido de toda a minha juventude”.

(ii) Uma conversa com o major Sampaio

No dia seguinte, sou chamado de urgência a Bambadinca, o major Sampaio quer uma reunião. Recebe-me com um ar grave e vai direito ao assunto:
- Consigo não faço rodeios, preciso de si a dar o seu melhor e no Xime. Tenho aquela companhia muito em baixo. No princípio do mês, foram flagelados durante uma operação, houve um morto, feridos graves e ligeiros; a seguir, ardeu a tabanca do Enxalé e logo depois um ataque a Ponta Varela fez a destruição de uma embarcação civil; em meados do mês, depois de destruírem grande quantidade de arroz numa batida, foram novamente flagelados e o capitão Maltez ficou sinistrado, embora ligeiramente. Temos de lamber as feridas e passar ao ataque. Falei com o nosso comandante e as coisas vão-se passar da seguinte maneira: V. vai planear inteiramente uma operação e logo a seguir outra; vai para o Xime e levanta o moral das tropas; não peça mais efectivos daqueles que eu posso dar, quanto muito, leva algumas secções de milícias de Finete e de Amedalai; é fundamental afastar o inimigo das proximidades do Xime e de Ponta Varela; levantar o moral das tropas tem de significar o fim desse medo em emboscadas a escassos quilómetros do quartel; limpe tudo à volta e faça com que o Poidom e Ponta Varela deixem de ser considerados invulneráveis; findo este objectivo, quero que V. percorra tudo até à Ponta do Inglês e mostre aos soldados do Xime que nós podemos ir a qualquer sítio; vem aqui para a sala, olha para o mapa o tempo que precisar, defina o que quer, escreva os efectivos que vai levar, logo a seguir dar-lhe-ei pormenores sobre as datas das operações. A primeira, a ter lugar no início de Março, é a “Rinoceronte Temível”. E nem uma palavra sobre este assunto com ninguém, nem aqui com os oficiais nem com os seus soldados.

Discretamente, passei as tardes seguintes na sala de operações e fazia inúmeras perguntas ao furriel Pinto dos Santos: onde, exactamente, os guerrilheiros atacam os barcos em Ponta Varela? quem escolhe os guias no Xime? há fotografias aéreas do Poidom? qual é o alcance das peças de artilharia? é possível ver os relatórios para perceber qual a cobertura que tem o inimigo quando flagela entre Madina Colhido e Gundaguê Beafada? onde é que pernoita a população civil no Poidom? O Pinto dos Santos respondia como podia e sabia.

A 3 de Março [de 1970], o documento preparatório estava pronto, a 4, discutimos o documento com Jovelino Corte Real, que aprova, a 5, ao amanhecer, o major Sampaio e eu partimos para um RVIS para percorrer toda a região do Xime. É a primeira vez que sobrevoo milimetricamente um dos nossos mais conturbados teatros de operações. A DO passa pelo Xime e seguimos por toda a estrada até à Ponta do Inglês.

É impressionante o número de trilhos que saem do mato denso de Gundaguê Beafada até Ponta Varela, é um inimigo afoito e combativo que soube impor-se e dominar o território. A bolanha do Poidom está igualmente sulcada por caminhos que vêm da foz do Corubal e que atravessam a estrada da Ponta do Inglês até à direcção do Buruntoni. À volta do Buruntoni, como já aprendi, é tudo inextricável, a floresta-galeria tudo dissimula do ar.

O major Sampaio pede ao piloto para se sobrevoar o devastado aquartelamento do Enxalé, que perdeu a sua tabanca. Pois é precisamente quando entramos no Cuor que se nos depara um cenário fantástico: lá em baixo os pára-quedistas estarão a atacar Madina, vêm-se grandes rolos de fumo, os T6 largam bombas, o heli-canhão anda às voltas, parece um cão de caça, o Cuor está revolto, tudo tem a dimensão de uma resposta implacável a quem queimou a tabanca do Enxalé.

É nisto que surge outra avioneta que nos dá ordem de retirada, não podemos estar a interferir na operação. Guardo a imagem dos pára-quedistas a correr em meia lua, uma das barracas de Madina a arder, sobre a protecção do heli-canhão. E regressámos à região do Xime, passámos sobre o Buruntoni, é espantoso como este quartel é completamente invisível do ar. Se dúvidas houvesse, estou esclarecido: as dificuldades serão imensas, duas tremendas operações estão à nossa espera. Dentro de dias, e durante um mês vou terminar muitos dos meus aerogramas à Cristina da seguinte maneira: “Logo que regresse, escrevo-te”.


(iii) O anjo pascalino

Na ponte de Udunduma, olhando ao fundo a floresta e os palmeirais de Demba Taco, escrevo o último aerograma ao Carlos Sampaio:

Sei da tua morte e ponho o teu nome a rodopiar
até uma ilha de coral.
Aviso-te: neste local vicejante, de lodos e águas fecundas para o arroz,
o vento incendeia os palmeirais. Trazes trigo nos cabelos,
és o meu sonho morto dos trópicos
Aqui o choro não me dá consolo,
é como se uma febre de falcão te trouxesse no meu lamento,
tu apareces pregado num lenho da savana.
Sei irremediavelmente da tua morte e soletro a palavra paz:
paz das entranhas, paz inquestionável, paz circum-navegante,
paz para fecundar este sílex que arremesso para o fim da terra.
É o último aerograma que te escrevo.
No entanto, tu és enzima de semeadura,
tu falas-me da rapsódia dos adolescentes, o meu mito da juventude.
Com os meus mortos, com este chão adubado de sangue,
no teu largo sinal da cruz e no teu tálamo de poeira,
eu choro o meu maior amigo,
e temo todo o imprevisto da vida que se vai seguir.

Termino este aerograma esmagando o aparo, depois de ter escrito:

morreu o meu fula, o meu mandinga branco.

Levei um gira-discos a pilhas para a ponte de Udunduma e oiço música. Primeiro, o retemperador Dido e Eneias, de Purcell. É uma ópera cénica exemplar, cativa-me a frescura e a dimensão dramática, todo o lamento de Dido é uma despedida sublime. A seguir, mergulho na sinfonia Ressurreição, de Mahler. É uma versão espantosa pela orquestra Philarmonia, dirigida por Otto Klemperer. Oiço e volto a ouvir o quarto andamento, em que surge a voz do contralto louvando: “Deus que é bom vai dar-me a sua luz e vai iluminar-me até à vida eterna”.


"Capa do disco Dido And Eneias, de Purcell. Gosto muito de The Fairy Queen, King Arthur e do Hino a Santa Cecília, mas Dido e Eneias é a sua obra-prima absoluta. Tem brilho, frescura, é retumbante e sofredora. O lamento de Dido acompanhou o meu sofrimento, quando perdi o mais querido dos amigos" (BS).


"Capa de Pietr, o Letão, de Georges Simenon, nº 145 da Colecção Vampiro, tradução de Mascarenhas Barreto, capa primorosa de Lima de Freitas. Um Simenon cheio de emoção e forte comoção. Um colaborador de Maigret , Torrence, será assassinado durante as investigações, Maigret faz uma longa e alucinante directa até ouvir uma pungente confissão,assistindo ao suicídio do criminoso, ferido e exausto. Dois irmãos canalhas, a história de um grande amor, uma delirante expiação" (BS).

Com o ânimo mais serenado, pego então nos livros. Num ápice, devoro Pietr, o Letão, mais uma pedra preciosa de Georges Simenon. As polícias de toda a Europa avisam a Polícia Judiciária de Paris que está a chegar de combóio um escroque de alta-roda, Pietr, o Letão. Maigret va para a Estação do Norte, Pietr apresenta-se e vais para um dos hotéis mais luxuosos de Paris, o Majestic. No comboio aparece um cadáver. Assim se inicia uma trepidante investigação, Maigret é baleado mas está imparável. Virá a descobrir-se que existem dois irmãos, há uma história de vingança, é um texto literário fabuloso, cheio de emoção e comoção. O que mais aprecio é a obstinação de Maigret que desafia todas as suas energias até derrubar a resistência psicológica do criminoso.

"Capa de Porta de Minerva, de Branquinho da Fonseca, nº25 da Colecção Contemporânea, Portugália Editora. É um livro desencantado sobre a vida estudantil, em Coimbra.Faz apreciações duríssimas às praxes e à vida dentro das repúblicas,desmonta o fascínio da sabedoria académica e o nível cultural na Academia.Tem capa de Tóssan" (BS).


Porta de Minerva, de Branquinho da Fonseca, inicia-me nas praxes e rituais da vida académica coimbrã: a perseguição ao caloiro, a vida nas repúblicas, a boémia, os estudos insípidos, a verborreia declamatória, as lutas entre os estudantes e a polícia. Admito que literariamente o livro não traga nada de novo, mas o personagem Bernardo Cabral leva-nos a um pequeno mundo dominado pelas praxes donde ele sai licenciado e liberto do pesadelo. Aprovado no último exame é rodeado de colegas que o despojam de toda a roupa, foge somente com a sua capa, nu como num regresso simbólico à pureza primitiva.

Concentro-me nos planos da Rinoceronte Temível. Será a única operação que comandarei. Terei razões para me orgulhar dela. Como passo a escrever.

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Notas de L.G.:
(1) Autor de Diário da Guiné: 1968-1969: Na terra dos Soncó. Lisboa: Temas & Debates. 2008. Uma obra de que o nosso blogue se orgulha de apoiar e de ter visto nascer. Começou por ser uma série, publicada semanalmente no nosso blogue, ao longo do ano de 2007. Está prevista a saída de um 2º volume, no próximo verão. Título provisório: Diário da Guiné: 1969-1970: Tigre Vadio. Sisponível também no Círculo de Leitores.

(3) Sobre o amigo do autor, Carlos Sampaio (Anadia, 19 de Novembro de 1946 / Moçambique, Nambude, 2 de Fevereiro de 1970), vd. os seguintes postes, além do já citado em (2):