domingo, 18 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3757: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Férias em Janeiro de 1969...

Mensagem do Torcato Mendonça: Queridos Camaradas e Amigos Cheguei a casa, desvio aqui e acolá, uma ou outra arrumação e o Blogue pronto a ser lido. Fui lendo. Guileje...e Guerra e Guerra e Guileje e as "nossas mulheres" e um texto ou outro giro. Todos giros de umbigos a macacos, de guerras a vidas tramadas...e de repente lembrei-me: - Eu disse ao Virgínio Briote que em Janeiro lhe mandava um texto. Porquê? Não me recordo... É preocupante... a senilidade começa pelo esquecimento do facto próximo ou até o simples esquecimento de fechar a braguilha e...aí está...instala-se mansamente a velhice...mas, como vos dizia aí vai um escrito. Bem é um escrito pronto há muito e não revisto. Um escrito demasiado pessoal, intimista, "volteado" e, a merecer cuidado...é de paz...mas a guerra e a morte, se bem me lembro, estão bem presentes. São daqueles escritos que escrevemos em recordação de desabafo ou em loucura num intervalo de algo que nos aconteceu....Se tiverem paciência, é difícil..., leiam...depois...bem depois saiu-me das mãos e ofereço a três amigos...por vezes as recordações doem e aquela estúpida guerra volteou-nos a vida. Não leio o que acabei de escrever e, menos ainda, os escritos...vidas...tantas vidas. FÉRIAS por Torcato Mendonça ex-Alf Mil CART 2339 (Mansambo, 1968/69) 1 - Chegada Acidentadas as férias nesse Janeiro. Férias de Inverno. Ainda na Guiné tivemos, no 2º Grupo, o primeiro morto em combate. Vim para Bissau, esperei uns dias e embarquei rumo a Lisboa. Na véspera cortei as barbas com imensa pena minha. Não queria problemas no aeroporto. Havia um pequeno papel branco a preencher e a entregar a um "fiscal de vidas e afins". Melhor dizendo, à PIDE/DGS, controladores de “tudo”, para quase todos. Levantou-se a hipótese de haver uma certa diferença, com aquela organização, lá e cá. Haveria? Claro que não. Fica em suspenso… À chegada a Lisboa, com catorze graus, mais grau menos grau, de temperatura, tive a sorte de ter à espera meus pais com uma camisola de lã grossa e um casacão. Passámos pelos Adidos e jantámos não muito longe. Tive um pequeno problema no restaurante. Nada de importância. A minha mãe lançou-me um olhar de reprovação. O meu pai sorriu e deu-me um toque no braço. Era o “clima” a mostrar os efeitos. O empregado, mostrou a tatuagem, sorriu também e, disfarçadamente, perguntou: - Onde? - Guiné - foi a resposta. Satisfeito, teve o cuidado de dizer algo aos visados. Olharam-me como se olha uma personagem perigosa. Terminada a refeição, saímos pois tinha pressa em chegar a casa. Entrei no carro, para o lado do condutor, como pendura. Sentia-me incomodado. As luzes dos carros, vindos em sentido contrário, o ruído do rolar pela ponte, então Salazar, deixavam-me confuso. Pouco depois pedi: quando puderes pára que eu prefiro ir lá atrás, as luzes, das viaturas vindas em sentido contrário confundem-me. Em Setúbal voltámos a parar numa festa ou feira, não sei ao certo. Pior porque o barulho perturbava-me. Pouca a demora, talvez só para entrega de uma encomenda ou algo parecido. A viagem decorreu sem problemas e, algumas horas depois, já em casa, rapidamente procurei um copo e bebi água. Tinha saudades de beber água tirada de uma torneira. Francamente. Hoje ao recordar parece ridículo. Mas passei demasiado tempo no mato, em Mansambo e nas Tabancas. A água boa era um bem raro. Bem, a boa só engarrafada ("Vichy" ou "Perrier"), a normal…enfim… O pouco conforto ou, simplesmente puder beber água, era nas passagens, curtas, por Bambadinca ou, mais raramente, por Bafatá. Os dois ou três dias de passagem por Bissau de pouco serviram. Recordo que, possivelmente nessa curta estadia, a raiva contida por ver tanto militar gozando o conforto de Santa Luzia me desagradou. Aquele mundo, pouco ou nada tinha a ver com o que eu vivia, lá para o leste. E se tivesse no lugar deles ou não fosse operacional?! Malhas do Império! 2 – Do café à PJ No dia seguinte, depois da chegada, juntei-me com dois amigos após o jantar. Um tinha estado no início da guerra na Guiné, integrado numa Companhia de Caçadores Especiais. O outro tinha vindo, pouco tempo antes de Cabinda. Conversámos e combinámos dar um pequeno passeio. As distâncias no Alentejo são logo ali, por isso uma voltinha de quase duzentos quilómetros era logo ali. Ficámos pelos cento e cinquenta…logo ali o Algarve. Partimos, o Zeca ao volante, a conversa a fluir e a viagem a ficar curta. Demos a volta, não a combinada, da cervejaria ao hotel – dancing do dito…ficámos só pela cervejaria e rumámos de novo ao local da partida, em regresso de acelera. Por isso, pelo azar ou porque até dava mais gozo, o cabo do acelerador partiu-se. - E agora? - Acende o isqueiro e dá à luz – disse o Zeca. Habituado à mecânica, aos carros, aos peões e eteceteras, lá atou um cabo e ficou com a aceleração, não de pé mas de fio de aço. - Aguentem que quando o puser a trabalhar até salta. Vai parecer um potro a escoicear. Não saltou. Escoiceou um pouco e veio rápido. Parámos uma ou duas vezes pois o quatro rodas aquecia. Finalmente chegámos. Parámos, à esquina de uma das cinco ruas que saíam de uma Praça, bem no centro da vila. Arrefecia assim o motor do automóvel e nós continuamos a conversar. Madrugada já entrada, resolvemos regressar aos lares. Um morava perto, eu e o Zeca morávamos na mesma rua mas, para o carro não parar, preferi ir a pé. Emprestaram-me um boné, cabelo curto e frio de Janeiro não era agradável à cuca e até amanhã companheiros. Logicamente no dia seguinte levantei-me tarde. Depois do almoço, falei um pouco com meu pai e viemos até ao café. Ele, devido ao adiantado da hora, nem entrou. Comprei [o jornal] O Século, juntei-o a um livro e ao boné e entrei no Derby. Saltei para um banco do balcão e pedi um café duplo. Estava a acabar a bebida, quando aparece o Zeca e diz: - Anda comigo ali ao Tribunal. - Falava baixo por hábito, e, por vezes, pouco abria a boca. Ou nervos ou feitio “prendiam-lhe” os dentes… Percebi mal e pensei que íamos ver um amigo que lá trabalhava. Saí calmamente. Depressa: dizia ele e acelerava o passo. Calma, dizia eu. Era perto o nosso destino, nem cem metros. Entrou ele e, pouco depois entrei eu. Escadas subidas, vejo-o entrar numa sala. Fui atrás dele. Numa secretária estava um sujeito de fato escuro, cara magra e macilenta ou úlcera no estômago, a olhar-me. De pé um outro, alto e forte. Fiquei a olhar e, antes de perguntar algo, ouvi o mais magro olhar-me e dizer: - Descoberto! - Só isso percebi. Tirei o boné, pu-lo junto ao jornal e ao livro e perguntei: - Descobriu o quê? - O sujeito disparou: - O boné, o boné, quando se entra numa sala destas é falta de respeito manter o boné. Nem o deixei continuar. Voltei-me para o Zeca e disse: - O que é isto? - Ele tentou responder mas gaguejou. O sujeito alto respondeu por ele: - Policia Judiciária e o Senhor Inspector (qualquer coisa) quer fazer-lhe umas perguntas. Retorqui de pronto, tirando o Cartão Militar do bolso. - Vim, há dois ou três dias de férias, da Guiné. Está aqui a minha identificação e ouvem-me por deprecada. Olharam-se e olharam-me. Falou o tal inspector, em tom mais comedido. - Já conversámos com o seu amigo, ainda falta um outro e o senhor. Sabemos que, na madrugada de ontem estavam estacionados a uma das esquinas desta Praça. Houve um problema no banco situado mais abaixo; só lhe queremos perguntar se viu ou ouviu algo. Se não se importa pode responder? Pensei um pouco e disse: - Não ouvi ou vi nada, falávamos e o que se passava fora do carro não me interessava. Ainda perguntei: - Roubaram muito? - Senti o sorriso em ambos e a resposta: - Não se tratou de dinheiro, foi nos arquivos. - Ficaram com o meu nome e saí dali com o Zeca. Ria dele e da figura que tinha feito. Quando entrei, à noite, no café voltei a ver de relance os homens da Judiciária. As férias continuaram e além de curtas, ainda tiveram pequenos incidentes. Um ano depois, talvez um pouco mais, já regressado da Guiné, cruzei-me na rua com um sujeito. Parou. Olhou para mim e tratando-me pelo antigo posto militar e pelo nome disse: - Já acabou a sua comissão ou volta a estar de férias? Olhei-o e disse: - Não estou a ver quem é. Judiciária – foi a resposta. - Lembra-se do meu nome? – perguntei-lhe. - Completo - respondeu. Falámos breves minutos. Se tinha boa impressão daquela polícia, a partir daí fiquei a respeitá-la mais. 3 - Viagem com Amores, Desamores ou Sonhos? (Já não na primeira pessoa. Porquê? Nem sei. É preferível: - Quem será o viajante ou o personagem desta estória? Um fulano qualquer; um fulano que passou pelo hotel e pelo bordel; um fulano que teve a donzela e a meretriz; um fulano que… ah…e… um dia, ou, em quantos dias se sentiu vazio, perdido, por vezes cambaleante, em balanço provocado por uísque, “1920”, “Carvalho Ribeiro & Ferreira” ou, simplesmente medronho. Só queria encontrar a “picada da vida”…mas esta tardava, tardava…um dia pensou tê-la encontrado…correu mundo, assentou…mas nunca se aquietou, no entanto, em eterno desassossego… qualquer dia… ou num dia qualquer, sorrirá, como outrora…se a encontrar, dir-lhe-á: olá; Tu outra vez? Vamos ou não…báh, ah, ah… tem cuidado estás em frente de um imortal….báh… mas é encontro certo… o mais certo…penso tê-la visto, vocês certamente também…se dela não gostamos, porque dela nos recordamos?...talvez porque este sitio fala demasiado disso… ou dela…certamente quanto menos se conhece mais se fala…. Vamos à estória: Desceu do comboio. Atravessou em passadas largas a velha estação. Caminhou, já cá fora, em direcção a um táxi. O motorista, certamente por o ver com um saco numa mão e um pequeno embrulho na outra, lesto, abriu-lhe a porta da bagageira. Entrou no táxi e, só então, desabotoou os botões do casacão. Adaptava-se lentamente ao frio, quase primaveril para muitos, mas, frio de Inverno para ele. Disse ao taxista: - Costumo ficar no Hotel XX. Desta vez preferia ficar num local mais central, calmo e discreto. Como resposta, além do olhar avaliador pelo retrovisor, recebeu um lacónico: - Devo ter o que precisa. Atravessaram parte da cidade. O pensamento dele voou até à fonte de Mansambo, à estúpida emboscada onde um antigo taxista, seu amigo, tinha falecido. Sentia o tormento a instalar-se. Felizmente, pouco depois, o táxi parou numa pequena praceta sua conhecida. O motorista saiu e não tardou muito a regressar. - Deve gostar – disse. Pagou. Esqueceu a nota pequena. Em troca, recebeu um sorriso cúmplice e um cartão: - Se precisar e estiver livre… Atravessou a rua e entrou na residencial. As formalidades habituais na recepção, deixou os documentos e, acompanhado por um empregado, subiu ao quarto. Pequeno hall, saleta e quarto. Gostou da boa recuperação do edifício, quer no exterior, quer no interior. Deixou o saco, o pequeno embrulho e desceu. Ao passar pela recepção devolveram os documentos, confirmaram os dias previsíveis da estadia e indicaram-lhe o bar. Pediu um café duplo, água e uísque simples. Bebeu lentamente e foi tirando notas para um pequeno bloco e uma agenda. Nem meia hora demorou em regressar ao quarto. Olhou o relógio, tirou o casacão, pequena arrumadela na roupa, abriu o rádio e recostou-se no sofá. Faltava mais de uma hora para o encontro combinado. Relaxava sentindo o calor suave a vir do aquecimento central. Tentava desviar, o mais possível, o pensamento no regresso à Guiné, mas era inevitável. Estava de férias e queria deixá-las decorrer sem o espectro da guerra, mas voltava sempre lá. Há pouco pensava no que iria fazer após o regresso daquela guerra. Saberia adaptar-se? Iria fazer outra e outra? Tinha tempo, muito tempo ainda para gastar desta comissão. Teria que voltar e viver…ou tentar voltar, o mais possível, ao seu passado. Sentia estar diferente! Passou rápido o tempo. Levantou-se e vestiu o casacão. Agarrou no embrulho e saiu para a rua. A noite de Inverno já descia, naquela luz suave da partida de mais um dia e os candeeiros, a custo, acendiam as suas luzes. Como conhecia bem as ruas, rápido as atravessou. De longe viu a pastelaria onde a namorada o esperava. Efectivamente lá estava ela, cabelo louro, caído pelo ombro, olhos verde-mar e um sorriso aberto. Abraçaram-se, beijo leve – à anos sessenta – sentaram-se mãos a apertarem mãos. Sentia a emoção no rosto dela e, apesar disso, tentava sorrir voltando a um passado, não tão longínquo assim. Talvez três ou quatro anos, nem tanto, quando começaram a andar juntos. Jovens, livres e alegres até à separação imposta. Mantiveram a relação, meio oficial, meio platónica, meio tudo e nada mas, sempre, isso sim, sempre sujeita à vida militar dele. Até nisso os militares, o serviço por eles imposto se intrometera e, o homem ora em frente daquela mulher, era significativamente diferente desse jovem de outrora. Ela sentia-o mudado, o olhar endurecido e inquieto. Disse-lho. Questionou-o porque não lhe contava o que por lá passava. Ele sorriu, ainda sabia – ao menos isso – sorrir. Bateu, no seu habitual gesto “maquinal”, com os dedos na mesa e olhou-a para, logo, baixar o olhar. - Estás nervoso? Tu? Vou sabendo o que por lá se passa, por amigas, mulheres de militares e o até madrinhas de guerra. Ele franziu a cara, respirou fundo e, olhando-a bem, disse: - Falemos de nós, deste momento, pois, de certeza que “daquilo” não falo. Permaneceram a conversar, longa e alegremente de outros assuntos. Saíram para jantarem juntos e prolongaram deliciosamente o momento. Deram um pequeno passeio e ele acompanhou-a a casa. Entrou, cumprimentou a família e demorou-se pouco. Regressou rápido á residencial. Sentia, ao atravessar aquelas ruas suas conhecidas, a insegurança das sombras. Que diabo de vida. Porquê? Entrou, dirigiu-se ao bar e pediu um uísque. Bebeu rápido e pediu um segundo. Agora, mais calmo, rodando o copo entre os dedos, bebia lentamente. Sentiu alguém a aproximar-se dele. Já o tinha visto anteriormente. Talvez sentado a um canto do bar aquando da sua primeira chegada. Possivelmente. O sujeito dirigiu-se a ele sorrindo e cumprimentou-o num fraquíssimo português. - Sou o dono da residencial e falo muito mal a vossa língua. Riram-se e tentaram falar bilingue. Numa algaraviada que, pouco depois sem disso se aperceberem, estava a ser escutada pela esposa do proprietário. O marido apresentou-a. Alta, elegante, olhar azul penetrante e bonita, muito bonita. Falava pausadamente, ligeiro sotaque, sorriso franco. Gostou. Talvez por isso, ou por necessitar estar só, retirou-se para o quarto. Deitou-se devagar e calmamente adormeceu, embalado pelo ligeiro calor do aquecimento e por algum pensamento. Acordou tarde e, sem pressas, foi-se preparando para a saída. Já na rua sentiu uma ligeira brisa, vinda do lado do mar, a tocar-lhe agradavelmente a cara. Dirigiu-se na direcção da brisa, sentou-se numa esplanada, abriu o jornal, antes comprado e beberricou um café, enquanto dava pequenas dentadas num bolo de amêndoa. Fazia horas para o almoço com a namorada e gozava a paz dos deuses. De quando em vez parava, vagueava o pensamento para junto dos camaradas em país longínquo, acendia mais um cigarro e voltava, por vezes com dificuldade à leitura do jornal. Noticias de gente feliz…com ou sem lágrimas…felizes… Almoçou com a namorada. Passou talvez mais dois dias sempre iguais. Mas começou a sentir a diferença, a adaptação, por vezes havia um misto de acomodação e inquietação. Não recorda já. Possivelmente ao terceiro ou quarto dia, de tarde, teve que regressar á residencial. Junto á recepção estava o proprietário em conversa com uma mulher. Cumprimentaram-se e simpaticamente a mulher foi-lhe apresentada. Falou em inglês e recebeu a resposta em português. Riram-se. Acabou por se sentar só para beber um café. A jovem, mais de trinta e menos de quarenta, irradiava simpatia. Olharam-se, fundindo um olhar a não esconder a empatia mútua. Demorou-se pouco. Subiu ao quarto e telefonou tratando de vários assuntos. Á noite, depois do jantar e do habitual, no regresso à residencial manteve também a rotina: entrou no bar. Sentou-se e viu-a sozinha. Cumprimentou-a com uma vénia e disfarçou o sobressalto. Ela, pouco depois aproximou-se e sorrindo começaram a conversar. O dono e a esposa juntaram-se na conversa. Jogou um pouco á defesa e não tardou a despedir-se. Na tarde do dia seguinte vagueando pela marginal, viu-a. Sentiu aquele click de ter sido seguido. Desconfiança ou coincidência? Esperou-a e cumprimentaram-se. Depois falaram de banalidades durante algum tempo. Pouco. De repente ela disse: - Tenho que sair, antes do jantar, em trabalho. Quer vir comigo? Olhou-a, sorriu e, antes de responder ela voltou a falar; - Por acaso vi-o esta tarde a despedir-se de uma jovem, não quero que tenha qualquer problema. Estou habituada a andar só. Além disso é perto daqui. Olá…temos gente que sabe puxar o anzol…esperou e sorrindo respondeu: - Aceito. Antes tenho que voltar á residencial. Necessita de um bodyguard… - Nada disso. Sei que é militar. Queria somente companhia. Penso que conhece o Algarve e lembrei-me de o convidar pois penso estar em férias. Nada respondeu e regressaram á residencial. Ele telefonou em desculpa de súbita indisposição e não tardou a descer. Estranhou a demora mas, quando ela apareceu não deu o tempo por perdido. Vinha vestida em tom cinza, camisa branca, lenço de cor mais alegre, casaco comprido num braço, mala e pasta no outro e cabelo solto. Linda mulher! Saíram. O carro dela estava perto. Entraram, o rádio debitava música suave a condizer com o tipo de condução dela. Olhava-a pelo canto do olho, a camisa não tão solta que não deixasse imaginar um peito firme, a saia a subir um pouco. Conversaram de futilidades na curta viagem. Quando chegaram, depois dela arrumar o carro, ainda deram um curto passeio olhando o mar a entrar na noite e regressaram devagar. Deixou-se guiar. Sentiu o braço dela a entrar no seu. Talvez tenha estremecido. Olhou-a e sorrindo apertou um pouco, sentia-a mais próximo e o perfume suave a provocar-lhe um desejo difícil de conter. Entraram no restaurante. O gerente esperava-a. Ele foi até ao bar tomar um aperitivo. Pouco depois, já acompanhado por ela esperaram a chamada para o jantar. Finalmente vieram chamá-los. Comeu pouco e menos bebeu. Conversaram mais. Ela, com um entusiasmo contagiante, falava de turismo e das fortes possibilidades do Algarve. Ele ouvia, contradizia aqui ou acolá ou concordava. Quase a terminarem o café com o sempre apetecível, adorado por ele, bolo de amêndoa, o gerente veio entregar um pequeno dossier. Trocou breves palavras com ela e afastou-se. Saíram e ela pediu: - Guie-me você agora. Onde me quer levar? - Onde você quiser. Terá que conduzir porque não tenho carta de condução. Caminhavam afastando-se do carro e a brisa fresca levou-os a regressarem. Voltaram em curta corrida e ela, encostada ao carro, esperou-o abrindo os braços. Entrou neles, beijou-a levemente na testa e ouviu a pergunta: - Diz-me quem és. É melhor o tratamento por tu. Eu sou a Beatriz…e… Olhou-a e foi demasiado brusco na resposta. Sentiu isso no olhar dela. - Sou um homem em férias. Chamo-me José. Só isso e é muito. Entraram no carro e ele pediu para ela ir a uma cidade próximo dali. Viagem breve e conversa quase sem sentido. A desculpa foi a música. Chegaram, saíram mas sentiram demasiado frio. Férias de Janeiro… - Regressamos? - disse ela. - Tudo bem. O regresso foi lento e a conversa calma, mais intimista ou mais sentida. Pareciam dois velhos conhecidos. Chegaram e ele tocou-lhe no braço. - Já vou, não tenho cigarros. - Há no bar - disse ela. - Espera então um pouco por mim. Ela compreendeu. Demorou pouco. Ao entrar no bar viu-a com o casal habitual e para lá se dirigiu. Falaram, em boa disposição, durante algum tempo. Alegando necessidade de dormir retirou-se. Deixou a porta encostada, a luz mais fraca acesa e esperou. Virá? Calmamente fumava e, de quando em vez “voava” até Mansambo. Era a sua eterna viagem, o seu eterno sentimento de culpa de algo que não sabendo exprimir, o deixava triste, o levava a pensar nos camaradas…a porta de entrada não se mexia e pensou que ela não vinha. Mas veio. Entrou como um visão etérea, roupão claro, cabelos soltos e riso aberto. Olhava-a sorrindo e sem nada dizer. Afastou-se um pouco no sofá e ela sentou-se. Conversaram então, quase em sussurro, em aumento de desejo e continuaram, adultos que eram, a fundirem-se num só…com o sol de Inverno a chegar sentiu um beijo e observou-a, novamente envolta no roupão, a sair. Levantou-se, bebeu um pouco de água e acendeu um cigarro para, logo de seguida o apagar e voltar á cama. O dia seguinte foi igual aos outros. Não estava de bem com ele. Partira-se algo. Á noite, quando regressava à residencial, encontrou uns amigos e beberam bastante. Quando entrou, o bar ainda estava aberto. Bebeu um uísque. Pediu segundo e sentiu a mão do dono no braço: - Why? Regressou ao quarto. Sentada no sofá, ela ainda o esperava. Olhou-o, abanou a cabeça, levantou-se e saiu. Esteve, não se lembra quanto tempo ali. No dia seguinte telefonou para um amigo e disse-lhe: - Vais buscar-me ao final da tarde ao comboio do Algarve? - Porrada, não? Safa-te ou fala com quem sabes, aí. - Nada disso. Antes de entrar no comboio, despediu-se da namorada em promessa de regresso rápido. Viu-a acidentalmente anos depois. Quase dois desconhecidos. Da Beatriz nunca mais soube nada. Ainda regressou, talvez três anos depois á residencial…outras vidas… Quando desceu do comboio, contou ao amigo uma versão muito aligeirada de um arrufo de namorados. - Sabes como curas isso? A Francine perguntou por ti... Vamos… - Não! Conduz esta droga e vamos beber um copo... Mulheres…. (Qualquer relação com a realidade é pura coincidência… mas se e alterarem os nomes…isso é a vida) ___________
Notas de vb:
Último artigo da série em 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3741: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Porra, meu alferes, sou cabrão, eu mato-a...

Guiné 63/74 - P3756: RTP1, As Duas Faces da Guerra (2): A Guiné sempre e a Diana Andringa às vezes... (Rui A. Ferreira)


Cartaz do filme

1. Mensagem do Rui Alexandrino Ferreira:


Assunto - A Guiné sempre e Diana Andringa às vezes


Meu caro Luís:

Tal como me recomendaste, ouvi com atenção a mensagem que a jornalista nos quis transmitir no programa televisivo que a nossa TV pública passou em hora nobre (*). O PAIGC é que eram os bons e nós tropas Portuguesas os maus.

É uma opinião a que logicamente tem todo o direito. Não será muito abonatória para o soldado português, englobando nessa designação todos quanto no cumprimento do Serviço Militar Obrigatório passaram pelas fileiras do Exército na Guiné e não só.

Gerações que durante treze arrastados e sofridos anos de guerra que extenuou, sacrificou, estropiou, mutilou a juventude de Portugal. Tudo aguentaram para dar ao poder político tempo mais que suficiente para lhe arranjar uma solução e que acabou por nunca acontecer.

Que tendo suportado contrariedades sem conta desde o desprestígio acelarado que as Forças Armadas vinham sofrendo, o descrédito em que foram caindo os mais altos escalões da hierarquia, a erosão a que a rotina da guerra conduziu, a desmotivação do Quadro Permanente, a mobilização praticamente total do contingente anual possível com a evidente perca da qualidade humna, a queda acentuada dos níveis de instrução, a justiça e falta de ideal da própria guerra acabaram por erigir mais uma epopeia de Portugal em África.

Numa África inóspita e desconhecida para a maioria, traiçoeira e perigosa onde se multiplicavam adversidades que iam da falta de água potável à má alimentação, das doenças tropicais endémicas às sexualmente transmissíveis, dos excessos do clima à precaridade ou inexistência de instalações, da ausência de material de guerra e logístico moderno, aligeirado ou de fácil manuseamento, o que contrastava com a rápida evolução e modernização do material usado pela guerrilha e que se acabou por chegar a uma situação que reporto única nos tempos e no mundo de um Exeréito Regular se encontrar em inferioridade técnica de meios.

Quer se viram confrontados com uma guerra onde o antagonista moralisado, matreiro, adaptado ao terreno, valorisado por anos sucessivos de luta, explorando as nossas fraquezas e melhorando os procedimentos a que pramaticamente só tinham para opor a abnegação, a capacidade de sofimento, a camaradagem, o espírito de sacrifício, um inacreditável poder de adaptação, um providencial sentido de desenrascanso, um extremo desembaraço, demonstraram uma imensa grandesa de alma.

Que se viram defraudadas nos seus sacrificios, vãos os seus esforços, inúteis as suas canseiras e inglórias tantas mortes.

Que se vejam esquecidos pelos seus próprios, muito mais preocupados em bajular o inimigo de então do que a reconhecer as dificuldades da sua acção. Que ve tentar amenizar, fazer esquecer ou nem disso falar do genocídio das tropas africanas que conosco e por nós combateram, que comprometemos com o slogan dum Porftugal do Minho a Timor e que desarmámos com promessas de integração num futuro Exército da Guiné com acordos com o PAIGC que sabíamos muito bem que não iam cumprir.

Genocidio que se pretende justificar com a pretensa violência com que essas tropas africanas actuavam. Que sorrateira e deliberadamente se esquece que se durante a guerra ambos estavam armados depois disso só uns tinham as armas. E como é diferente a situação. Ambos armados: matar ou morrer ou simplesmente morrer para os desarmados.

Não me parece, pois, que tenha sido uma justa abordagem do que sa passou, não me parece isenta, nem a homenagem que mereciam os soldados de Portugal que na Guiné deram tudo até a própria vida por aquilo que então se acreditava ser a defesa da Pátria.

A minha sincera homenagem ao meu herói - o soldado de Portugal. Que ninguém tenha vergonha nem de o ter sido nem do muito que fizemos pelo povo da Guiné.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira



__________________

Notas de L.G.:

(*) As Duas Faces da Guerra, filme-documentário, transmitido na RTP1, em duas partes, nos dias 14 e 15 de Janeiro de 2009, às 21.30h.

Ficha técnica:

Argumento e Realização: Diana Andringa e Flora Gomes; Imagem: João Ribeiro: Som Armanda Carvalho Montagem Bruno Cabral Produtor Luís Correia Produção Lx Filmes

Portugal, 2007, 105’, P/B e Cor, Betacam Digital, som 2.0, formato 4:3, Português e Crioulo

© Lx Filmes 2007
(P) Midas Filmes 2007

Filme estreado no DocLisboa2007, Lisboa, Culturgest, 19 de Outubro de 2007

Sinopse:

"Luta de libertação para uns, guerra de África para outros: o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é visto, desde logo, de perspectivas diferentes por guineenses e portugueses. Mas não são essas as únicas “duas faces” desta guerra: mais curioso é que, para lá do conflito, houve sempre cumplicidade: 'Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo', disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC.

"Não por acaso, foi na Guiné que cresceu o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné, a democracia para Portugal. É esta 'aventura a dois' que é contada pelas vozes dos que a viveram".


Participantes:

Chico Bá, Paulo de Jesus, Filinto de Barros, Agnelo Lourenço Fernandes, Sulei Baldé, Carlos Sambú, Amílcar Domingues , António Iria Revez, Teresa Barbosa , António Lobato, Manecas Santos, Osvaldo Lopes da Silva, João Marques Dinis, Vasco Lourenço, Pedro Pires, Ansumane Sambú, António Marques Lopes, Lassana Njai, Alfredo Santi, Mário Pádua, Manuel Boal , Maria da Luz (Lilica) Boal, Fernando Baginha, Amélia Araújo, Leonel Martins, Pedro Gomes, José Mendes Sentieiro, Mbana Cabra, Manuel Monge, Agnelo Dantas, Dalme Embundé, Féfé Gomes Cofre, Assana Silá, Alexandre Coutinho e Lima, Mamadi Danso, Assana Silá, Dauda Cassamá, Aladje Salifo Camará, Isabel Coutinho e Lima Manuel Batoréo.

Guiné 63/74 - P3755: Fauna & flora (12): Respondendo às perguntas sobre o macaco-cão (Pedro Neves / Alberto Branquinho)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (1971/77) > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé, não de macaco-cão, mas de chimpazé que ele comprou a um caçador local por 500 pesos... Foi um gesto bonito por parte dele, salvando de morte certa um animal que pertence à Ordem dos Primatas, como nós, e que é dos grandes símios o que partilha mais genes connosco (ou seja, o chimpanzé é nosso primo, o nosso primo mais próximo de acordo com a zoologia, a genética e a biologia evolutiva)...


Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Pedro Neves, com data de 11 de Janeiro:

Caro Luis Graça:

Em resposta ao pedido da Drª Maria Joana Silva (*),vou relatar alguns factos, que se passaram comigo, durante o tempo de comissão na Guiné e mais recentemente há cerca de 8 (oito) anos.

Quando cheguei à Guiné, no ano de 1973, integrado na CCaç 4745/73, formada nos Açores, fomos tirar o IAO (Instrução de Adaptação Operacional) no Cumuré e, em frente à porta de armas, havia um conjunto de casas e numa delas um restaurante, cujo prato típico e principal era o de carne de Macaco-Cão e que, se bem me lembro, era vendido meio à sucapa e por encomenda. Nunca comi,talvez por pensar que estaria a praticar um acto de canibalismo!!!

Quando estive em Polibaque,a fazer a protecção aos trabalhos da abertura da estrada entre Jugudul e Babadinca (mata do Changalana), havia um Macaco-Cão no nosso destacamento, preso junto à porta de armas, e que pertencia ao 1º pelotão. Quando algum guineense passava por perto, ele ficava furioso.Penso que a reação do macaco se devia ao facto de ter sido capturado por um natural e a côr da pele marcava o seu comportamento. Mais tarde foi libertado.

Assisti à captura, na mesma zona, de um Macaco-Cão, ainda juvenil, por naturais, que consistia no seguinte método:

Dentro de uma garrafa presa ao chão, colocavam uma banana e o juvenil, quando metia a mão, dentro da garrafa e agarrava a banana, nunca mais a largava, mesmo quando era capturado, porque a mão ficava mais larga que o bocal e ficava assim preso, mas não largou a banana. Bastava largá-la, tirar a mão e fugir, mas preferiu ser apanhado a largar a comida, apesar de estar a gritar e apavorado.

Depois de partida a garrafa, sem magoar o macaco, não largou a banana. Dei alguns pesos(moedas) ao caçador e ele libertou o juvenil. Deve ter pensado, que o tuga era doido!

Durante a protecção aos trabalhos, um Cão pertencente à nossa CCaç (não me lembro a que pelotão) foi atropelado por uma viatura pesada, da empresa civil, que estava a construir a estrada e morreu. Logo apareceu um capinador (eram às dezenas), apanhou o cão e, quando lhe perguntei se o ia enterrar, ele e os outros, que entretanto se juntaram, disseram que era para comer. Se comiam carne de cão, tambem comeriam carne de Macaco-Cão, pelo menos algumas etnias.

Numa das minhas idas à Guiné-Bissau, fui visitar um acampamento de caça perto de Bafatá,de seu nome Capé e, entre outros animais, tinham um Macaco-Cão, do sexo feminino, que penso se chamava Mizé e que adorava catar os pelos dos nossos braços e vêr-se ao espelho em tudo o que reflectisse a sua imagem. Vaidosa e era um encanto!

Com este modesto contributo, penso têr ajudado um pouco,na pesquisa da Drª Maria Joana Silva, sobre os locais e como era respeitado pelo Exército Português o Macaco-Cão.

Aproveito para desejar, uma vêz mais a todos os camaradas e amigos, um BOM ANO de 2009!

Pedro Neves
ex-Furriel Mil Op Esp
CCaç 4745

Águias de Binta
inverterac@gmail.com


2. Mensagem do Alberto Branquinho, com a mesma data:

Respondendo, alínea por alínea, às questões colocadas pela doutoranda Maria Joana Silva (*):


(i) Onde foram avistados os grupos de babuínos ?


Onde vegetação fosse mais ou menos densa, com árvores de médio e grande porte. Posso referir, como exemplo, no sul (Catió, Cufar, Bedanda...), no centro/norte (Banjara, Canjambari...).


(ii) Quantos animais existiriam num grupo social e quantos machos adultos ?

10/15/20. Machos adultos-3 a 5. Havia sempre um mais idoso que assumia a liderança do grupo, caminhando à frente; era mais corpulento e tinha o peito coberto de cabelos brancos. Para além de seguirem as colunas militares apeadas, saltando de árvore em árvore, por vezes imitando a coluna militar em fila (se fosse em picada ou estrada), seguindo-a também em fila, estando à frente o macho corpulento e com cabelos brancos no peito.

Este e os outros machos adultos, quando provocados com gestos, "ladravam" e arreganhavam os dentes em atitude ameaçadora, chegando a dar cambalhotas como atitude agressiva ou dissuassora. As crias seguiam agarradas ao ventre (mais ao ventre que às costas) das fêmeas.


(iii) Se os babuínos eram caçados pelos caçadores das tropas para os portugueses ...

Não, nunca vi.

(iv) Se as crias de babuínos eram levadas para os quartéis...


Havia alguns quartéis que tinham um babuíno/macaco-cão que era uma espécie de mascote da unidade militar (por vezes "herdado" da unidade que os antecedera) ou era "companhia" particular de um soldado, que o cosiderava como seu. Houve casos em que tentaram embarcar com eles no regresso a Lisboa. O mesmo acontecia com os periquitos e conheci o caso de um veado. Os babuínos, por vezes, não estavam acorrentados e pouco se afastavam da zona onde eram alimentados e estavam alojados.

Se eram apanhados enquanto crias, é possível e verosimil. Os que conheci eram já adultos ou jovens adultos.

(v) Se os bloguistas ouviram falar de medicinas tradicionais que usassem peles de mamíferos (nomeadamente babuínos)...

Não.



(vi) Onde se comeria "cabrito pé de rocha" na Guiné ?


Não sei o que é ou que tenha sido. (**)

(vii) Outras informações deste teor que considerem relavantes.

a) Tendo andado por várias zonas da Guiné, desde o Nordeste (Canquelifá, Piche...) onde não me lembro de ver babuínos, Centro/Norte (Canjambari, Sambaculo, Banjara ...), Centro (Bambadinca,Xime, Xitole, Enxalé...), Sul( peninsula de Empada,Catió, Cufar, Bedanda, Cabedu...), Sudeste (Buba, Aldeia Formosa, Gandembel...), o território onde vi maior quantidade de babuínos e famílias mais numerosas foi no Sul - Catió, Cufar, Bedanda.

b) Em accões (que na gíria militar eram chamadas de psico-social para contacto com as aldeias próximas dos quartéis (quando as havia), por vezes elementos a população pediam para matar um babuíno que estivesse próximo e que, com a sua curiosidade natural, observava o ajuntamento de pesoas. Diziam que era para comer.

c) Creio que saberá que a designação de "macaco-cão" se deve ao facto de, quando em atitude defensiva e desafiante, ladrava "quase-quase" como um cão. Assim, também, os soldados chamavam ao sagui "macaco-gato", porque emite um som semelhante ao miar de um gato jovem. Alías, o sagui era preferido ao "macaco-cão" para "mascote", talvez por ser de pequeno porte mesmo quando adulto.

Desejando-lhe um óptimo trabalho e esperando ter-lhe sido útil, sou

Alberto Branquinho

______________

Notas de L.G. :

(*) Vd. último poste da série Fauna & flora > 17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3751: Fauna & flora (11): O babuíno da Guiné ou... cabrito pé de rocha (Vitor Junqueira)


sábado, 17 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3754: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (14): Pode não ser-se herói e dar provas de coragem (José Manuel Dinis)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5.30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade (Os Piaratas de Guileje) mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje.

Foto:
AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por L.G.]


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969/Março de 1970) > Abastecimento de água. Foto de
Armindo Batata, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70). Outras :

Lista das
companhias que passaram por Guileje (1964/1973):


CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965); CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966); CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966); CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967); CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968); CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969); CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970); CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971); CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971); CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972); CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973).

Foto: ©
Armindo Batata (2006) / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...).


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje, a cerca de 4 km. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A aparente descontracção dos militares, em tronco nu, sem armas, a avaliar pela foto, sugere que alguma ligeireza no que diz respeito aos procedimentos de segurança. Presume-se que a foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... Como é sabído, antes da retirada de Guileje, em 22 de Maio de 1973, o último abastecimento de água ao aquartelamento e tabanca tinha sido feito em 19 de Maio de 1973. Os guerrilheiros do PAIGC, a avaliar pelas declarações de alguns dos protaganonistas dos acontecimentos, prestados no filme-documentário As Duas Faces da Guerra (Diana Andringa e Flora Gomes, 2007), tinham o controlo da fonte a partir dessa data (ou até mesmo antes)... É estranho que desde 1964, altura em que se instalou a primeira subunidade em Guileje, nunca se tenha equacionado e sobretudo tentado resolver o problema do abastecimento da água... Coutinho e Lima, nas onze razões que evoca para decidir retirar Guileje, apresenta em 5º lugar "a falta de água no aquartelamento" (Alexandre Coutinho e Lima, Cor Art Ref - A retirada de Guileje: a verdade dos factos. Linda-A-Velha: DG Edições. 2008. p. 78).(LG).

Fotos: ©
José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (*)


Assunto - Comentário à apreciação de de António Martins de Matos (**)

[Subtítulos e negritos, da responsabilidade do editor L.G.]



Caros editores,

A retirada de Guileje tornou-se um assunto de eminente interesse para os tertulianos. E compreende-se, na medida em que foi aparentado a um sinal de derrota por parte das NT, coisa custosa de admitir por quem deu todo o esforço na defesa do território da Guiné, a grande maioria dos que por lá passaram.

Da apreciação feita pelo tertuliano António Martins de Matos, com base na sua experiência pessoal, e dos seus próprios conceitos, respigo algumas das ideias formuladas, confrontando-as com os meus pontos de vista, estribado nos conhecimentos a que tenho tido acesso.

(i) Comando do COP 5: Uma simples questão de perfil ?


Daquele texto, a ideia que mais me impressionou, foi a de que o Major não teria perfil para o cargo de comandante do COP-5.

De facto, como todos muito bem saberão, a avaliação de um perfil profissional resulta da análise de vários parâmetros, de que destaco os seguintes: a personalidade; o carácter; a inteligência; a competência; o relacionamento pessoal; o relacionamento institucional; a interpretação de normas; a recepção, interpretação e transmissão de ordens; capacidade física, etc. que, relacionadas entre si, proporcionam elementos fundamentais à avaliação do perfil. E, no que às organizações respeita, é da conjugação dos perfis dos seus responsáveis, que resulta o bom ou mau caminho, o sucesso ou insucesso.

No caso vertente, da retirada de Guilege, temos uma informação praticamente limitada à publicação, e a algum testemunho de personagens sem acesso a informação reservada, à voz do povo. E desse conhecimento, não me parece podermos inferir, que o Major não tinha o perfil adequado à função. Aliás, como muito bem refere o A.M.M., toda a cadeia de comando relacionada com o COP-5 terá falhado. Ora, estando o Major ao nível mais baixo dessa cadeia, por extensão daquele raciocínio, ninguem teria perfil para as funções que desempenhava, incluindo o General Com-Chefe, evidenciando a incompatibilidade.

(ii) A falta de segurança avançada e a sede do COP 5

Concordo com a referência à não efectivação de saídas do aquartelamento, naturalmente limitadoras da segurança avançada, bem como da informação sobre a real capacidade do IN, sem saber o que se passava para além do arame, declinando manter o IN em respeito. Mas, limitado ao pessoal da quadrícula, que parecia insuficiente, desgastado, e com falta de confiança, mais dois pelotões de milícia bastante exauridos após a emboscada, o Major pediu um reforço de pessoal para aquelas tarefas, mas, literalmente, levou com os pés.

Sobre o estabelecimento da sede do COP 5 em Guileje, ao contrério, eu penso que foi uma medida acertada, com vista ao estímulo do pessoal, à melhor identificação das dificuldades, e à autoridade que lhe advinha dessa prática, quer em relação aos subordinados, quer relativamente aos superiores. Não foi compreendido, pelo menos, pelos senhores da guerra, que iriam responsabilizá-lo, desresponsabilizando-se.

(iii) A falsa questão da culpa que morre sempre solteira

Refere, também, que houve outros militares que contribuiram para a queda de Guileje, dispensando-se, e bem, de os nomear, mas sem referir as causas dessa conclusão, apesar de algumas alusões à proibição de certos voos, ao critério de colocações em Guileje, e a algumas negligências por parte de algumas entidades.

(iv) Herói ou anti-herói ?

Refere, por último, "as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi". Concordo, e passo a explicar.

A retirada de Guileje resultou de várias decisões erradas, ao longo do tempo, que vão desde a escolha do local para instalação da unidade, sem autonomia de água (como em vários outros), e sem acessibilidade periódica, contrariando ensinamentos medievos, sem equipamentos alternativos, de que as comunicações rádio se ressentiram, sem a solidariedade e falta de imaginação do comando, de que se destaca a dificuldade no processamento de evacuações, a recusa no envio de tropa, que garantisse o domínio (pelo menos o controle) da região e elevasse o moral dos residentes, a falta de municiamento suficiente e confiante, revelando não estar à altura da situação.

Em Guileje vivia-se à beira de um ataque de nervos, e ninguém os tranquilizou, bem pelo contrário. O Major revelou coragem, quando, para motivar o pessoal, incorporou a coluna de evacuação, ou quando foi à água. Também, quando regressado de Bissau, decidiu partir a pé, desde Gadamael, apesar da escolta de dois grupos de combate.

O Major não foi herói, mas incorporou o anti-herói, sem veleidades sebastianistas, sem sacrifícios descabidos, sem subserviência espúria, racionalizando os problemas latentes, partilhando com os seus subordinados, pessoas com capacidade de amar, de sofrer, de desejar, e, máximo dos máximos, comprometendo a sua carreira e vida familiar, pela salvação da tropa e dos que lhe estavam confiados. Também por isso foi corajoso, ousando bater com a porta ao controverso General.

Como diria o Meirim, sem ovos não se fazem omoletas.

Um abraço fraterno.

José Dinis

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3147: Tabanca Grande (83): José Manuel Dinis, Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda (1970/71)

(...) Chamo-me José Dinis, integrei a CCAÇ 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil, Companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadricula em Bajocunda, em Agosto de 1970, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT1. Integrei o 2.º Pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após a transferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra.

O Grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da Companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de porradas.

Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para abafar as emissões. em virtude da falta de autorização para o efeito.

Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas. (...)


(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)


Vd. último poste desta série > 17 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)

Guiné 63/74 - P3753: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (17): com a arma na mão e o credo na boca. (Alberto Branquinho)

NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (17)

CAMBANÇA – II

Sempre que havia uma operação para norte do aquartelamento era necessário atravessar o rio, que distava, em linha recta, uns três ou quatro quilómetros.
A companhia saía, de noite, para sul, virava a leste ou oeste (como manobra de diversão), serpenteava pelo terreno uns quilómetros, até que invertia para norte, a caminho do rio.

No local da travessia o rio tinha cerca de duzentos metros de largo. Tudo era planeado de modo a que chegássemos junto ao rio quando a maré estava no seu pleno para evitar chafurdar (e perder tempo) nos dez ou quinze metros do lodo da maré baixa.

Com o rio iluminado pelas estrelas, os homens, em grupos de dez, carregados de G-3, cartucheiras, cantil, bazuca, granadas, metralhadora, embarcavam na canoa, que teria dez a doze metros de comprimento e um metro de largura.

A canoa aguardava encostada à margem, agarrada pelo remador. Baloiçava com a entrada de cada um dos passageiros e respectiva carga e metia uns goles de água. Completado o embarque, o remador, homem idoso e experimentado, empurrava a canoa para dentro do rio, entrava e, com um único remo, fixado à ré, fazia-a seguir silenciosamente.

A meio do rio e no meio da noite só se viam as estrelas no céu ou reflectidas na água, bamboleantes, devido ao leve chapinhar do remo e da proa a rasgar a água.
Alguns iriam rezando, encomendando a alma a Deus, mas todos iam tensos e silenciosos, tentando, talvez, localizar na água algum crocodilo noctívago.
Qualquer pequeno baloiçar ou movimento (sempre seguido da tentativa de o compensar para o lado contrário), fazia a água quase galgar as bordas da canoa. O risco de baldear a carga estava sempre presente e maior era quanto mais bruscos fossem os movimentos.

Chegados à outra margem, o remador saia e puxava a canoa para uma posição paralela à margem, para o pessoal sair.
A canoa regressava vazia à margem de onde partira e as viagens sucediam-se até passarem os últimos homens.

No fim de cada travessia o remador retirava do fundo da canoa a maior quantidade possível de água, com a ajuda de uma lata velha que transportava pendurada no apoio do remo. Ficava sempre alguma água, que aumentava com as oscilações do embarque.

No regresso da operação, dois ou três dias depois, o pessoal, cansado, voltava a fazer a travessia do rio do mesmo modo, mas, agora, em pleno dia.

Foi no início de umas dessas travessias nocturnas que um furriel, porque os soldados não acatavam a ordem para se sentarem no fundo da canoa, teimando em seguir de cócoras e com as mãos agarradas de cada lado para não molharem os fundilhos, que, sentado em último lugar, puxou a culatra atrás e berrou:

- Eu não sei nadar. Quero toda a gente com o cu sentado no fundo. Se esta merda vira, varo-vos a todos.
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)





Alexandre Coutinho e Lima, Cor Art Ref - A retirada de Guileje: a verdade dos factos. Linda-A-Velha: DG Edições. 2008. p. 415. Anexo X - Relatório da Missão de Apoio Aéreo a Guileje, 21 Mai 73.


Nesta missão foram largadas, por uma parelha de Fiat G-91, 4 bombas de 750 libras. Em observações pode ler-se: "Guilege (sic) pretendia que se bombardeasse todas as matas em redor do aquartelamento. Ao ser-lhe perguntado por que razão não utilizava a artilharia, reportou que procedia desse modo a fim de não referenciar a posição do quartel!"


(Imagem editada por L.G. e reproduzida com a devida vénia...)


1. A meu pedido, aqui fica feita a descodificação do relatório de missão da FAP no subsector de Guileje, em de 21 de Maio de 1973 (*). O meu agradeciemnto ao António Martins de Matos, Ten Gen Res da FAP, que participou nesta missão como Ten PilAv (**)


HORÁRIO

ATD (actual time of departure) 07:50

ATA (actual time of arrival) 08:35

Os aviões voaram 45 minutos, o que quer dizer que, quando regressaram a Bissau, já só tinham combustível para mais 5 a 10 minutos (face ao armamento que levavam não podiam levar tanques de combustível suplementares).

PILOTOS

Cap Bessa + Ten Matos

Como curiosidade o facto de, na Força Aérea, o comandante da missão não ter que ser o mais graduado mas sim o mais experiente.

Nesta saída para o Guileje, o Tenente Matos era o chefe da missão e o Capitão Bessa o seu asa.

TIPO DE MISSÃO

ATAP, tipo de missão resultante de um pedido de fogo imediato, com a saída da parelha de alerta.

À descolagem o piloto apenas sabe para que área se deve dirigir e quem deve contactar. Por este motivo é imprescindível que o quartel dê informações tão precisas quanto o possível no que refere a arma usada na flagelação, a direcção, há quanto tempo ...

Em oposição ao ATAP existia o ATIP, quando a missão era pré-planeada.

LOCALIZAÇÃO

BS = Bissau

Guilege 5 D2-32 e Guilege4 H1-73 (locais onde as bombas foram lançadas)

As coordenadas do lançamento eram referenciadas numa grelha colocada sobre a carta de 1:50.000.

Estas bombas tinham um efeito devastador num raio de 500 metros do impacto (zona de segurança a partir de 1.000 metros).


MODALIDADE

BOP = Bombardeamento a picar

Os aviões entravam numa picada a partir dos 10.000 pés, largavam o armamento por volta dos 5.000 pés e iniciavam de imediato a recuperação, sendo o ponto mais baixo da sua trajectória por volta dos 2.500 pés.

Enquanto um avião recuperava do passe, o outro circulava por cima a fim de descortinar eventual disparo de míssil ou antiaérea. Caso tal se verificasse, o armamento deste avião era imediatamente empregue nesse local.


OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Enquanto que no GUIDAGE os aviões tinham de fazer os ataques com infinitas cautelas devido ao facto de existir tropa no terreno (os meus mais angustiantes 5 minutos registaram-se quando, a pedido dum Gr Comb, intitulado SIERRA BRAVO, foi largado armamento num pontão da estrada para Binta, mesmo nas barbas das nossas tropas), no Guileje sabia-se que não havia tropa na mata.

Tendo sido lançadas 16 bombas deste tipo nas matas entre o Guileje e a fronteira, a haver tropa do PAIGC nessa área, os efeitos teriam sido devastadores.

__________


Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 15 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)

(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P3751: Fauna & flora (11): O babuíno da Guiné ou... cabrito pé de rocha (Vitor Junqueira)

Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Quando a fome era negra, até cabrito pé de rocha se come... Só que em Bissau o periquito Vitor Junqueira estava longe de imaginar que o dito cabrito era... macaco-cão! (*)...

Nesta foto, um macaco fidalgo caiu numa armadilha dos militares da CART 1690, de trágica memória... (Recorde-se que esta companhia, a que pertenceu o nosso querido amigo e camarada A. Marques Lopes, da Tabanca de Matosinhos, hoje Cor DFA Ref, sofreu 1 morto e 11 desaparecidos - levados para Conacri - num ataque do PAIGC, contra o destacamento de Cantacunda, na noite de 10 para 11 de Abril de 1968).

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Do Vitor Junqueiro, que é médico, residente em Pombal (não é no Pmbal!), membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso 2º Encontro Nacional, de saudosa memória (Pombal, 2007), pai e avô babado, portentoso contador de histórias (com H), ex-garboso oficial da nossa ex-gloriosa marinha mercante, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,1970/72)... Além disso, um belo amigo e um grande camarada, a quem agradecemos mais este contributo para o nosso blogue:

Caros editores,

A propósito do interesse académico que as nossas lembranças de ex-combatentes da Guiné possam apresentar para os estudiosos do macaco cão (**), aqui vai o meu contributo.

1 - A ZA da minha companhia, incluindo áreas limítrofes, pode definir-se grosso modo como uma faixa de território com cerca de dez quilómetros para cada lado do eixo Mansabá-Farim (região do Oio). Conheci bem a região por tê-la patrulhado inúmeras vezes.

2 - No princípio da década de 70 (70, 71 e 72), um babuíno conhecido pela tropa sob a designação de macaco-cão, proliferava neste território.

Julgávamos nós que o nome do animal teria a ver não apenas com a anatomia do focinho, a fazer lembrar o do cão, mas também pelas vocalizações dos adultos que muito se assemelhavam às dos caninos. Os machos mais corpulentos teriam à volta de 15 a 18 kg, as fêmeas pesariam entre os 10 e os 12 Kg.

3 - As famílias (bandos) eram numerosas constituídas por cerca de vinte a trinta elementos. Numa deslocação em coluna de Farim a Mansabá, podiam avistar-se quatro ou cinco grupos ao longo do percurso. Pareciam não temer os humanos nem tão pouco as viaturas militares, permitindo facilmente a nossa aproximação a menos de cinquenta metros.

4 - Cada família aparentava obedecer a um único macho adulto que, regra geral, "se empoleirava" num ponto conspícuo como por exemplo um baga-baga ou os ramos secos e desfolhados de uma árvore morta. Desse posto estratégico, controlavam a família enquanto esta se alimentava no solo ao mesmo tempo que vigiavam o que se passava em seu redor.

5 - Mais para o interior, grupos com idêntica constituição podiam ser encontrados na proximidade de antigas tabancas onde procuravam alimento com base em plantas de cultivo que cresciam espontaneamente, após o abandono destas áreas pelas respectivas populações. Aí encontravam também abundância de frutos como mangos e citrinos.

6 - O florescimento destas colónias pode atribuir-se ao facto de, o seu predador mais importante e praticamente único - o homem - ter sido desalojado de vastas áreas, quer por iniciativa própria para fugir à tragédia da guerra, quer devido à política de reagrupamento de tabancas. Deste modo, foram abandonados (destruídos) centenas destes aglomerados dispersos por todo o território. Não havendo habitantes não há caçadores e, assim, a pressão sobre o macaco-cão como fonte de alimento aliviou notavelmente.

7 - Para abater um destes animais, não basta ser caçador, tem que se ser um bom atirador! Se o animal não for atingido num ponto vital como a metade posterior da cabeça ou a coluna cervical, o bicho não cai. Atingido por vários projécteis noutra zona, pode até comportar-se como se não fosse nada com ele, acabando por ir morrer longe da vista do caçarreta para sua grande humilhação.

8 - Outro indicador da abundância destes babuínos pode encontrar-se na frequência com que caíam nas armadilhas montadas pela tropa. Quando se tratava de fêmeas com filhotes, estes podiam ficar por longos períodos (dias?), junto ao corpo das mães. Nestas circunstâncias e se encontradas a tempo, as crias eram geralmente adoptadas pelos militares que tinham para com elas cuidados e desvelos de verdadeiros pais!

9 - Confirmo que as manifestações de sofrimento dos bebés babuínos, sejam elas a dor física, a fome, o medo ou outras emoções que na nossa brutalidade estamos a anos luz de entender, são verdadeiramente pungentes.

10 - Pela minha parte, este é o fim da macacada a que me atirei, picado pelo Jorge Picado que no seu último poste me incita ao pronunciamento.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

(**) Vd. postes da série Fauna & Flora:

16 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)

16 de Janeio de 2008 > Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)

O Macaco cão da Guiné


Mensagem para a Maria Joana (não sei ainda se é assim que queres que eu te trate):

1. Aqui tens mais uma resposta às tuas perguntas.

2. Outra coisa: tens tido algum contacto com a ONG AD que tem projectos para Guileje e o Cantanhez ? Tens procurado o seu apoio ? Conheces alguém desta organização ? Estás, vais estar ou estiveste na Guiné-Bissau, recentemente?

3. Recebi os teus mails, com o resumo do teu projecto e a tua manifestação de interesse em "integrar" a Tabanca Grande...

Saudações bloguísticas.

LG

Mensagem de Herlander Simões (1), de 12 de Janeiro de 2008

Macaco cão. Foto de Herlander Simões.

Caro Luís Graça!


Na minha passagem pela Guiné tive algum contacto com os chamados macacos cão, com mais frequência na zona de Nova Sintra, onde andavam salvo erro, dois à solta no quartel.






Cheguei a fazer algumas caçadas naquela zona e era frequente vermos bandos desses macacos com os seus gritos que quase pareciam cães a ladrar. Era voz corrente entre a população que a carne desses animais era muito apreciada nalgumas zonas. Ainda hoje estou convencido que comi carne desse animal e o grande responsável foi o malandro do Furriel enfermeiro de Nova Sintra, do qual infelizmente já não recordo o nome.

Era frequente fazermos petiscos com o produto das caçadas que eu e o meu grupo fazíamos e onde o dito Furriel tinha lugar cativo. Certo dia fomos convidados pelo mesmo para um petisco feito por ele que, salvo erro, nos disse que ia fazer cabrito assado. No final do repasto toda a gente perguntava que carne tão saborosa era aquela pois era certo que cabrito não era. Ele nunca nos disse o que comemos, mas todos ficámos desconfiados que era macaco, pois o seu riso malandro assim nos fez crer. Se alguém dos "Duros" de Nova Sintra ler este texto e souber algo sobre este assunto, agradecia que me contactassem.

Junto, em anexo, algumas fotos que tirei com macacos cão, onde numa delas se vê um desses macacos a guerrear com um cão.

Espero que este meu pequeno contributo possa ajudar alguma coisa sobre o tema em questão.

Cumprimentos,

Herlander Simões

__________

Notas de vb:

1. Herlander Simões foi Furriel Miliciano na Guiné entre Maio de 72 e Janeiro de 74. Destinado à CCAÇ 16 (onde nunca cheguou a ser colocado) foi primeiro para os "Duros" de Nova Sintra e posteriormente para os "Gringos" de Guileje (CCAÇ 3477, 1971/73), entretanto já sediados em Nhacra.

2. Último artigos publicados em

Guiné 63/74 - P3749: RTP1, As Duas Faces da Guerra (1): A emoção de rever Guileje e a nossa capela (António Gomes da Cunha, CART 1613, 1967/68)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita ao antigo aquartelamento e tabanca de Guileje, futuro museu de Guiledje > 1 de Março de 2008 > A lápide, o que restava da capela construída pelos Lenços Verdes, em 1967... Já mal se consegue ler a inscrição: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da CART 1613".

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > "Guileje, terra de fé e de coragem" (*)... A capelinha construída no tempo do Zé Neto e do António Gomes da Cunha...

Escreveu o Zé Neto (1929-2007), nas suas memórias (**), o seguinte:


"Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que se reconstruíram e melhoraram abrigos, se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

"Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.


"Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava. Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

"As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo" (...).

Fotos: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do António Gomes da Cunha (***)

Amigo Luís Graça

Fiquei muito emocionado quando ontem à noite, Quinta Feira, assisti à segunda parte do filme [, As Duas Faces da Guerra, ] que passou na RTP1 sobre a Guiné, preenchida com o triângulo Gadamael/Guileje/Corredor da Morte, três locais que marcaram a Companhia 1613, Os Lenços Verdes , que pertencia ao Bart 1896 que se encontrava instalado em Buba, Aldeia Formos, etc….

Aquilo que mais me emocionou foi na parte final quando apresentavam o retrato de Guileje depois de abandonado pela Companhia ali aquartelada, foi o mostrarem os restos da capela que nós construímos. A sua frente encontrava-se totalmente
intacta, e ainda permanecia lá bem visível a placa que lá colocámos no momento da sua conclusão com as seguintes palavras que por certo foram lidas por todos os camaradas que viram o programa:
"A Ti, Deus Único e Senhor,
Te Oferecemos
As Últimas Gotas de Suor,
Que nos Sobraram
da Luta da Tua Palavra Eterna,
Soldados da Cart 1613.”


Senti que, 41 anos depois, ainda ali estava um pedaço da minha vida e da vida dos meus Irmãos da Cart 1613 e do Pelotão Fox, 1165.

Por momentos revivi ontem momentos que me parecia estar a vivê-los localmente nesse momento, imaginas, meu amigo, a dor com o reactivar um trauma de tantos anos.

Com um abraço amigo
António Cunha, O Malhado,
Radiotelegrafista,
Cart 1613 (1966/68)



2. Comentário de L.G.:

António: Foi também para mim uma grande emoção... Já vi o filme 3 vezes: na estreia, em Lisboa (Outubro de 2007); depois em Bissau (com o Nino e demais participantes do Simpósio Internacional de Guileje, em Março de 2008...); e agora na RTP (uma versão ligeiramente diferente)... O filme está disponível no mercado, em DVD. Podes comprá-lo: custa 10 €.

Em relação à tua capelinha (ainda com duas pedras em pé) e à lápide que existia e que tu viste na parede da fachada(num excerto de um filme feito pelos tipos do PAIGC, quando lá entraram, em 25 de Maio de 1973, ou em data posterior, mas antes da destruição das instalações que eles próprios depois efectuaram)... Já agora toma nota da inscrição que consta da lápide e que eu fotografei em 1 de Março de 2008, quando lá estive: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613". É o que resta da tua capelinha, e está guardado como peça de museu... Devo dizer-te que há um grande carinho por parte da população local (que hoje vive em Nejo), por este lugar mítico, que nos marcou a todos, de uma maneira ou de outra... Guileje já era um mito, quando eu desembarquei em Bissau, em finais de Maio de 1969!

Se tiveres histórias (e fotos) de Guileje, escreve-nos! Vai-se fazer um Museu em Guileje. Tens alguma peça, documento ou foto que queiras doar ao Museu, para a gente perpetuar a memória de um lado e de outro ?

Por outro lado, eu gostaria de reeditar as memórias do nosso querido Zé Neto, nesta série (II) do nosso blogue... Com mais fotos e legendas, etc. Queres dar uma ajuda ? Posso-te mandar fotos para te ajudar a relembrar certos pormenores... De momento, tu és o único representante da CART 1613 na nossa Tabanca Grande. É também para nós uma honra.

O Zé Neto deixou-nos um importante acervo fotográfico: a partir dos slides que ele gostava de fazer (e de mostrar à população local), fizemos fotos, algumas de muito boa qualidade...

Vocês, os Lenços Verdes, têm-se encontrado ? O vosso capitão, Corvacho, ainda é vivo ?

O terreno do antigo quartel e tabanca de Guileje já foi entregue à entidade promotora do projecto (Museu, etc.),a AD-Acção para o Desenvolvimento, uma ONG guineense, com sede em Bissau, que nós apoiamos. E que sempre teve o apoio, pioneiro e entusiástico, do Zé Neto, um grande amigo da Guiné e dos guineenses.

Um Alfa Bravo.
Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (LuísGraça)

(**) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

O Cap Art Ref José Neto, infelizmente, deixou-nos em 2007, depois de enfrentar corajosamente (e de perder) a sua última batalha (Zè, prometi reeditar as tuas memórias, na II Série do nosso blogue, estou â espera de um voluntário; mas o que é prometido, é devido! Um abraço eterno, L.G.:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1802: Zé Neto (1929-2007): Morreu um Homem Grande, adeus, amigo, adeus, meu capitão ! (Pepito)

(***) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3644: Tabanca Grande (105): António Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, Os Lenços Verdes

Guiné 63/74 - P3748: As nossas mulheres (6): Recortes de imprensa de uma noiva (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 7 de Janeiro de 2009:

Amigos Editores

Um abraço e renovação de votos, extensíveis a toda a Tertúlia, de um 2009 sem problemas de maior.

Em anexo envio uma estória que justifica a posse de relíquias/curiosidades que a meu ver poderão ter interesse especialmente para os Camaradas que andaram ao tempo pelos localidades inscritas e que poderão de certo modo avaliar comparativamente o que o que se dizia na Metrópole e o que era na realidade. E quem sabe, até dar uma risada!

Um adeus e até ao meu regresso
Luis Faria


Curiosidades - Imprensa

Caros Irmãos de Armas da Guiné, permitam-me este devaneio que não quero fira quaisquer susceptibilidades.

Conforme explicado no capítulo 1.º de “Viagens à volta das minhas memórias” fui mobilizado para a Guiné, considerado ainda hoje (?!) o teatro de guerra mais difícil e perigoso àquela época com a excepção eventual do Vietname. E tanto isto era verdadeiro que havia múltiplas solicitações a camaradas que acabavam a comissão, e contratos chorudos para instrução em países Africanos e não só. Também houve muito boa gente que pura e simplesmente (?!) fugiu, é o termo, uns realmente por ideais políticos, outros nem tanto e ainda outros porque foram influenciados e até aliciados por terceiros. E coloco (?!) porque também essa tomada de decisão não deveria ter sido fácil, àqueles tempos, em que Portugal se estendia do Minho a Timor, uno e indivisível, e a noção de Pátria, com a sua Bandeira e o seu Hino, estava muito arreigada no intimo da maioria dos Portugueses e como tal sentia-se que o dever de cada um seria contribuir para a defesa da Pátria, se necessário à custa do seu sangue e da própria vida, como infelizmente a muitos aconteceu. Era assim que eu sentia e ainda hoje ao ouvir o Hino Nacional fico emocionado e o não ver a nossa Bandeira hasteada, praticamente em nenhum sítio, faz-me pensar!

Também tive pressões aliciantes para não ir para a Guiné e fugir , é verdade!

Ao tempo em que estava a formar Companhia no RI 16 – Évora – ofereci o anel de noivado à minha namorada Aida, que ainda hoje é minha Esposa. O Alf. Quintas insistia para que casasse e a levasse para a Guiné, pois ele iria levar a sua, como levou. Nem pensar! E se calhava de ficar estropiado, dependente de terceiros, o que era uma hipótese bem possível? Achava que não era justo poder vir a condicionar-lhe a vida futura e para além disso também iria condicionar emocionalmente a minha prestação na Guiné.

Por seu lado, o meu futuro sogro, Veterano Italiano da guerra na Abissínia, insistia fortemente para que casasse, mandasse a Guiné às malvas e fosse para o Brasil onde tinha negócios, poderia viver bem e sem problemas. Eu rebatia com os meus argumentos, que não conseguia nem queria fazer isso, que não conseguiria viver em paz comigo mesmo se voltasse a cara à defesa do meu País e lá fui dar a minha contribuição, que felizmente não me tirou nem sangue nem a vida. Perdi juventude, isso sim.

Pela Metrópole ficou a noiva e na distância dos dois mundos separados, foram ficando as saudades, as recordações, as fotografias e as cartas que os ligavam, cartas que por querer, nunca referiram nada da guerra em que andava.

O tempo passou, o regresso concretizou-se, o casamento realizou-se, a vida transformou-se e seguiu os seus rumos. Um dia tomo conhecimento de que afinal a nossa Guerra que nunca quis referir, tinha também sido seguida à maneira metropolitana pela minha Noiva, através de dezenas de comunicados das Forças Armadas, publicados nos jornais da época e que a Aida foi compilando, o que me muito me sensibilizou e que me permite hoje, por estarmos no início de um novo ano e por julgar com interesse, enviar à Tabanca três desses comunicados originais, um dos quais é uma espécie de balanço da guerra durante o ano 1970. Dava a ideia que tudo era um mar de rosas.!!!

Um abraço a toda a Tertúlia na esperança de não ter ferido susceptibilidades.
Luís Faria




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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3676: As Nossas Mulheres (3): Um poema da minha Mãe, Leopoldina Duarte (António Paiva)

Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > 2 de Março de 2008 > Os macacos-fidalgos vinham, de manhã, acordar-nos e dar-nos as boas vindas (*)...

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do José Nunes, com data de 11 do corrente:

Como descrevi no poste sobre a Missão Católica ou missão heróica (**),comi macaco-cão à mesa com os missionários italianos na Missão,não por mero prazer mas por necessidade. O caçador da Missão era um jovem de nome Cabi, os missionários entregavam-lhe uma espingarda de caça e ele saía à caça. Quando regressava tanto podia vir um macaco,como meia dúzia de patos farons,era o que aparecia.

A carne é muito adocicada,como se temperassemos a carne de vaca em vez de sal pormos açucar.
Nas tascas do Pilão e de Bandim era normal ver-se assarem macacos para petiscarem, desde que houvesse água de lisboa sabe!

Sempre me causou muita náusea ver o animal inchar por acção do fogo,muitas vezes era assados tal cpomo eram caçados,e quando espreitei para a panela de bianda que era cozinhada, a primeira coisa que vi foi a cabeça. Fez-me muita náusea,e desde então,nunca mais tive curiosidade de ver.

Para dar comida aos leprosos era necessário recorrer de engenho e tudo era comestível.

Por onde andei vi macacos na ilha de Bissau, ali para os lados de Prabis, na Ponta do Inglés [Xime], e em Bissum-Naga.

Mas parece que eram muito ariscos e não facilmente domesticáveis.

Cordiais Saudaçoes a toda a Tabanca.

José Silvério Nunes
1º Cabo Mec Elect de Centrais
Beng 447
Brá, Bissau, 1968/70

2. Mensagem de Artur Conceição (ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1965/67 ):

Meus caros Luís graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote:

Este será o meu modesto contributo para uma causa tão nobre como é a defesa do nosso “primo” babuíno, em que está empenhada Maria Joana Ferreira da Silva, investigadora portuguesa, a fazer, no Reino Unido, a sua tese de doutoramento sobre o macaco-cão da Guiné,

Quando da minha passagem pela Guiné nos anos de 1965 a 1967, existiam muitos macacos, e de várias espécies.

Insisto: no meu tempo - e com isto quero ressalvar o facto de que a Guerra na Guiné não pode ser tomada como sempre igual, tudo evolui, para não se correr o risco de entrar em contradições inexistentes. A guerra durou 13 anos, e teve várias fases, que eu não me atrevo, por incapacidade, a definir, mas todos sabemos que os militares que passaram pela guerra na Guiné, essa guerra foi muito pior para alguns do que para outros, em função do período em que por lá passaram.

No início da guerra, a fauna era muito mais abundante do que no final da guerra, e não vale a pena inventar as razões, dado que são tão óbvias que todos percebem.
Em relação aos macacos, conheci três espécies diferentes, embora saiba que existem mais para além destas:

(i) O macaquinho sagui, pequenino, engraçado, e que era propriedade de algum militar que os tinha a seu cargo;

(ii) O macaco-cão, o tal babuíno que se procura e que quase todas as unidades militares possuíam como mascote. (Era pertença de todos, embora mais amistosos com alguns, que lhes dedicavam mais atenção);

(iii) E finalmente o macaco-fidalgo, que talvez por ser bastante mais ágil e muito mais barulhento, nunca o vi em cativeiro na Guiné.

Comi macaco em Bissau num restaurante que tinha essa especialidade, e que ficava localizado numa rua em frente aos Correios, para o lado do Forte da Amura, uma ligeira subida do lado esquerdo. O nome cabrito pé da rocha para mim é novidade (***).

Para colocar alguma ordem, eu comi porque me garantiram que era macaco fidalgo, porque. sem tal garantia, o macaco cão penso que não seria capaz de comer, sendo que uma das razões era exactamente o contacto que tinha com eles, o macaco cão.

Para além de macaco fidalgo confeccionado em restaurante, e que já não posso dizer se gostei ou não, comi também gazela, uma ou duas vezes, javali, várias vezes, águia e raposa uma vez. Cobra... embora digam que é um petisco, penso que era mais fácil comer capim.

Utilização de macacos para fins medicinais ou outros nunca me apercebi. Os nativos capturarem macacos para os comer também não me parece, pelo menos na zona dos Fulas onde estive 18 meses.

Macacos cão em grupo também nunca vi, mas macacos fidalgo era frequente aparecerem na estrada que liga Jumbembem a Canjambari, a Oeste de Farim, na região do Oio. Eram grupos constituídos por duas a três dezenas, de pelagem bastante mais escura que o macaco cão, muito ágeis e muito barulhentos, de cauda mais alongada e que pareciam voar de uma árvore para a outra.

A captura do macaco é muito fácil, uma vez que o macaco fecha a mão para apanhar o isco e nunca mais a abre, também há humanos assim…!! Se o orifício for pequeno, a mão não sai e o macaco fica preso.

Uma das grandes virtudes do macaco é ser o grande propagador da semente do cajueiro, uma vez que ele vai roubar as castanhas do cajú e foge, levando-as na boca. Quando tenta trincá-las, a castanha liberta um liquido amargo e ele deita-a fora, dando origem a um novo cajueiro naquele local.

Um abraço do tamanho do Cacheu porque o Cumbijã eu não conheci...

Artur António da Conceição
Damaia - Amadora

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)


10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

(**) Vd. poste de 13 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (22): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)

(***) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)