terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3929: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (I): Antes que me chamem spinolista...

Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 14 de Abril de 1973 > Spínola, de visita ao aquartelamento de Cumbijã > Aqui, de costas, acompanhado pelo Cap Mil Vasco da Gama.

Foto: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem enviada pelo Vasco da Gama:

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO (I)

[Negritos, a cor, do editor L.G.]

Comandante Luís Graça, meu amigo e camarada da Guiné

Li, como o faço diariamente, o nosso blogue, debruçando-me várias vezes sobre o poste 3925 que recorda o lançamento do livro Portugal e o Futuro, da autoria do Gen António de Spínola (*).

Por falar em recordações, quero também lembrar que passa hoje mais um ano sobre o desaparecimento do Zeca Afonso, vulto grande das canções e que eu me habituei a ouvir desde sempre. Ainda estudante no Porto, havia um conjunto de malta a que eu pertencia, fiel às músicas do Zeca e do Adriano. Nas excursões que então fazíamos aqui e acolá, em grupo entoávamos as cantigas cujas letras eram cuidadosamente policopiadas na secção de texto das Associações Académicas. A malta de Lisboa andava muito à frente mas as novidades chegavam ao Norte num abrir e fechar de olhos. Guardo alguns desses textos religiosamente, assim como uma fotografia do Zeca e de um primo meu que o acompanhou na gravação em Londres de um dos álbuns.

Ao abrir a nossa Tabanca, fiquei admirado ao ver uma fotografia minha com o Gen Spínola, que aliás é o único que segue com o olhar o meu gesto, uma vez que já há algum tempo não escrevo nada para o blogue.

Chatices, desilusões, desenganos, problemas de saúde com familiares próximos, eu sei lá, uma sucessão ininterrupta de aborrecimentos, tudo ao mesmo tempo, remeteram-me ao silêncio, que espero venha a ser quebrado em breve com a continuação de Nhacobá (**).

A que propósito o nosso Comandante publica esta fotografia? Imediatamente descobri a razão, razão essa, que me leva a escrever meia dúzia de palavras, com algum receio, tanto mais que não li a Visão, e ao ler nas várias citações que aparecem no artigo, bem como no resumo do jornal, palavras como “cientista político”, ”intelectuais”, “os media”, sociólogo ”disse para os meus botões:
- Está quieto, rapaz! Bate a bola baixo, pois não tens arcaboiço para isto.

Ao ler os comentários ao poste, logo nas palavras do nosso camarada Torcato encontrei a chave para perder o medo: «concorde-se ou não com o conteúdo, o livro foi uma 'janela de esperança', um 'marco', uma 'bandeira', uma 'pedrada no charco', o problema era 'político e não militar' ...". Isto é honestidade intelectual! Posso não concordar, mas tenho de reconhecer que…

Acrescentar mais o quê? Já agora…

Já falei por diversas vezes no General António de Spínola, que visitou várias vezes a minha CCav 8351. Basta ler esses escritos. O Luís Graça refere-se a dois deles no poste. Fá-lo-ei, pelo menos mais uma vez, quando descrever a sua visita a Nhacobá.

Quero apenas dizer, julgo que já o referi, que foi o primeiro e único oficial, do quadro permanente que conversava com a malta que chegava à Guiné sobre “guerra colonial”, “federalismo” e aceitava respostas onde se falava de independência. Onde estavam todos os outros?

Direi mais, onde estavam oficiais que mais tarde vieram a pertencer ao M.F.A., que foram meus instrutores no curso de capitães em Mafra, éramos então graduados em tenente, que apenas e só debitavam de uma forma extensa, monótona e fastidiosa o saber militar? Algum deles ensinou o que quer que fosse sobre as “províncias ultramarinas”? Algum deles permitia argumentação ao que quer que fosse?....Finais de 1971, princípios de 1972, convento de Mafra….

O sr. dr. Medeiros Ferreira afirma que o livro do Spínola dizia coisas banais e até evidentes. Disse ainda que do seu exílio em Genebra havia enviado um texto para o III Congresso da Oposição Democrática, onde afirmava que “ a questão colonial não tinha solução militar e era necessária a independência das colónias”. É preciso grande visão e grande coragem para tal afirmar!

Vou procurar entre os livros do meu pai as Teses da Oposição e recordar o texto do sr dr. Medeiros Ferreira, bem como a porrada que os presentes apanharam em Aveiro após carga policial. Eu também li o livro do Gen Spínola no exílio. Não em Genebra , mas na Guiné, no Cumbijã.

Ri-me com aquela frase onde se dizia que o Gen Spínola tinha “uma corte de admiradores de camuflado que bebiam as suas palavras”. [Visão, nº 833, de 19-25 de Fevereiro de 2009].

Usei camuflado na Guiné, falei algumas vezes com o homem mas nunca bebi as palavras de ninguém! Whisky e cerveja era quanto me apetecesse. Já agora perguntem aos soldados que combateram na Guiné qual a opinião que têm do homem do pingalim e do monóculo. A resposta é capaz de ser bem diferente da dada pelos intelectuais.

Antes que me chamem de Spinolista, pois em Portugal os rótulos interessam mais do que o conteúdo, termino com um abraço respeitoso a todos os meus camaradas da Guiné que sofreram a bem sofrer. Para todos eles um poema da grande Sophia de Mello Breyner Andresen:

«Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo»


Um abraço do Vasco da Gama
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos

(**) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)




Imagens do Livro da 1ª Classe do PAIGC... Exemplar capturado pelo nosso camarada Manuel Maia no Cantanhez, possivelmente em finais de 1972 ou princípios de 1973. Vê-se que esse exemplar tinha uso. A capa teve de ser reforçada com uns improvisados adesivos (aparentemente autocolantes, que acompanhavam embalagens de apoio humanitário, vindas do exterior).

Fotos: ©
Manuel Maia (2009). Direitos reservados

1. Mensagens enviadas por Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74) (*):

Aqui vai uma imagem que carece de comentários, referente à forma de ensino ministrada às crianças das "regiões libertadas"... Trata-se do livro da 1ª classe do PAIGC, feito pelos nossos "amigos" suecos (**). Foram feitos 20.000 exemplares numa primeira edição.

Foi recolhido durante uma operação no Cantanhez (para lá da bolanha...). Neste mesmo dia apanhei ainda duas cartas, uma escrita em árabe e outra em crioulo que reproduzirei noutra altura.

Um abraço.

Manuel Maia

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, o Camões do Cantanhez

(**) Já aqui publicámos textos e imagens de outro livro escolar, do PAIGC, de uma edição de 1966, anterior a esta, referida pelo Manuel Maia, que presumimos seja de 1970, a exemplo do Livro da 2ª classe.

Recorde-se que o livro da 2ª classe foi "elaborado e editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné" (sic). Tem o seguinte copyright: 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares. Foi impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.

Vd. postes de:

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

4 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés

9 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1938: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (4): Catunco

Vd também postes relativos ao livro da 2ª classe, também uma edição sueca, e obedecendo à mesma linha estética do livro da 1ª classe:

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)

31 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2232: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (2): O Morés e os amigos da Europa do Norte (Luís Graça / Paulo Santiago)

16 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3062: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (3): O Dia da Mulher (Luís Graça / Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P3927: As Grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (2): Op: "Grão Mongol", "Firmes e Singulares" e "Sempre Firmes"

1. Mensagem de Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, com data de 10 de Fevereiro de 2009:

Um abraço:
Aqui vai mais um escrito em anexo:
As grandes Operações da Cart 2339.
CMS



CART 2339 – Fá Mandinga e Mansambo – 1968/69

As grandes operações da Companhia ( 1 ) – Op Grão Mongol

As grandes operações da Companhia ( 2 ) – Op Firmes Singulares e Sempre Firmes


12 viaturas. Coluna monstra.

300 auxiliares africanos vão estar na Operação, crianças armadas de Mauser e alguns com G3 e diligramas. Mas que guerra é esta !!!!!!

Cerca de 500 homens em marcha. Sol, calor sede. Barulho tremendo.

É impossível suster esta imensidão de gente.

A 21 de Março de 1968 a CART 2339 com dois meses de Guiné e a sua irmã gémea 2338 iniciaram uma batida no regulado de CHANHA e partir de MANA a sul da estrada Nova LamegoPiche até ao rio Corubal, um rio também cheio de tradições.

Boa zona para actuar e principalmente para quem acabado de chegar ao Teatro de Operações tinha ouvido contar estórias.

Detectar e aniquilar o IN era a missão.

Mas enfim, era a nossa missão e lá fomos. Longe da nossa casa mãe que era a ex-fazenda experimental do Aristides Cabral, com prédios em cal e tijolo e algum sossego, perto da estrada alcatroada para Bafatá e onde de caminho podíamos adquirir cabritos, leitões e vacas para nossa subsistência.

Participaram na Operação:

O CMD do BCAÇ 2835

Agrup Alfa – A CART 2338 a 4 GComb e Grupo verde de Aux. Mandingas

Agrup Beta – A CART 2339 a 4 GComb e Grupo vermelho de Aux. Fulas.

Saímos em 20 de Fevereiro às 08,00h de Fá para Nova Lamego em coluna auto e em 21 fomos transportados para CAMBAJÃ onde aguardámos as forças auxiliares com carregadores e guias.

A batida iniciou-se em 21 às 07,00h seguindo a nossa Companhia na rectaguarda da coluna.

A ligação entre grupos foi mantida, mas difícil.

Eram centenas de militares e acompanhantes. Nunca, nem pensava, assistir a tamanho folclore, sem esquecer que andávamos na zona do Boé.

Batida a zona entre Cumbijã e Sichã Alfa, pernoitámos.

Em 22 de Fevereiro prossegue-se a batida a caminho de Ganguiró. Já se nota uma grande desorganização e falta de autoridade das chefias das forças auxiliares com desobediência aos seus chefes.

É o CAOS.

À tarde a 5Km de Ganguiró, elementos do Grupo vermelho negam-se a prosseguir por falta de alimentos.

Apesar disso e acalmados os ânimos, pois a ração era para 4 dias, continuámos, mas a noite foi desastrosa. Fogueiras e barulho era o que estava a dar.

Afinal aquilo que tínhamos aprendido nas elementares regras da guerrilha estavam fora de contexto.

Assim, a 23 de Fevereiro o CMDT do Ag Alfa comunicou ao PCV o que se passava e este mandou retirar (suspender a Operação)

Atingimos Nova Lamego ao princípio da noite, depois de marcha extenuante devido à distância.

Quase metade das Companhias ficou inoperacional.

Bolhas nos pés, injectadas com mercuro-cromo, era o que estava a dar.

7 evacuados por Héli, mas chegámos todos.
8 Sem contacto.

Mas não terminámos aí.

Agora só tropa. Pelo menos saberíamos todos como agir.

Como bons militares e obedientes ao PLANO de OPERAÇÕES (bem delineado ???) voltámos à estrada em 25 de Fevereiro, na Oeração Sempre Firmes. Saímos de Nova Lamego para Canjadude a oeste do SIAI onde dormimos. (Canjadude é terra de boa memória para alguns de nós).

A CART 2338 a 58% e a CART 2339 a 60% (pessoal recuperado) a 26 de Fevereiro bateu o caminho para Ganguiró que atingiu às 09,30h, deslocou-se para sul e pernoitou na confluência dos rios Chorade e Bouro.

Em 27 de Fevereiro pelas 07,00h atingimos Dongol Siai cerca das 09,00h, regressando a Canjadude, sem contacto, mas com evidente esgotamento das NT.

Soubemos que esteve programada uma emboscada para o nosso regresso, mas felizmente saímos mais cedo em direcção ao destino – Nova Lamego.

Uma semana em beleza.

Em 28 pelas 06,00h saímos para Fá Mandinga.

Aqui nestas duas acções prenunciava-se o fim de MADINA do BOÉ e o desatre do CHECHE.

UM ANO DEPOIS.

CMSantos
__________

Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3862: As Grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (1): Operação "Grão Mongol", a primeira

Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)



Referência à Acção Mabecos, feita pelo Fernando de Sousa Henriques, ex-Alf Mil Op Esp, no seu livro No Ocaso da Guerra do Ultramar, obra em que retrata a história da sua Unidade, a CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74. Esta acção, em que tomou parte o BCAV 2922, em 22 de Fevereiro de 1971, é descrita como tendo sido de escolta e de segurança a forças de artilharia no trajecto Amedalai - Sagoiá - Rio Sagoiá - Rio Camongrou - Piche 4E545 - Rio Nhamprubana - Piche... As NT formavam 4 Agrupamentos, sendo o primeiro comandado pelo Major Mendes Paulo.




O Joaquim Andrade, ex-Fur Mil Trms, num dos convívios do pessoal da CCS / BCAV 2922, em 25 de Abril de 2009
Fotos: Hélder Sousa (2009). Direitos reservados

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Transmissões TSF ( Bissau e Piche, 1970/72):

Caros amigos

O texto que vos envio será um pouco longo, mas verão se tem interesse a sua publicação.
Estive a relê-lo e verifico que a minha preocupação em dar todos os pormenores possíveis faz com que fique extenso e talvez esse não seja o formato que mais resulte em blogues. Será mais apetecível o curto e sintético mas agora já está, e como deu trabalho fazê-lo e principalmente ir rebuscar na memória "apagada" essas imagens, sons e cheiros, não estou com coragem para alterações e depois também se perde a data.

Vou ter mais atenção e nas próximas colaborações serei mais comedido nas palavras.

Um abraço para todos, os amigos, os camaradas, os "camarigos" e até os "bernardos".
Não vai do "tamanho do Cumbijã" porque não o conheci e não sei a que "tamanho" é que o amigo Mário Fitas se refere. Se é ao comprimento, se à largura, se à profundidade. É que me parece que o Corubal é bem mais comprido que o Cumbijã...

Hélder Sousa



2. Efemérides (16) > CARNAVAL OU O MEU CONTACTO COM O PERIGO (*)
por Hélder Sousa

A história que quero partilhar convosco hoje não é propriamente o meu “baptismo de fogo”, pois apesar de não ter sido um “operacional”, como sabem, acontecia a muita boa gente na Guiné ser “contemplada” com a diversidade da oferta que generosamente era distribuída por todo o território (não seria certamente por capricho de alguém que toda a “província” era considerada T.O.).

(i) Chegado a Piche em Dezembro de 1970

Nessa perspectiva, e sem qualquer intuito de me aproximar sequer daquelas situações por que passaram todos os que fizeram patrulhas, emboscadas, assaltos, vigílias, em operações de rotina ou integrados em operações de maior envergadura, da tropa de quadrícula ou de operações especiais, também tive a sensação particular que se tem quando se é alvo de um ataque, quando se ouvem as “saídas” e se espera pelo rebentamento (que se quer longe), quando os segundos parecem minutos, quando a dúvida se instala de modo avassalador (já acabou? ainda não? haverá mais? estes sons agora são dos nossos?, etc.) e isto numa situação de absoluta dependência do valor, da coragem e de eficácia da resposta de outros (os “nossos”) pois, não sendo operacional, não tinha local distribuído a não ser tentar garantir que o rádio funcionaria com uma alternativa qualquer, em caso de “força maior”.

Também me integrei em “colunas” para fazer as estradas do leste (Nova Lamego a Piche, o sentido inverso, por Bafatá, Bambadinca, Xime, novamente ida e volta duas vezes), sempre dependente da sorte e da qualidade dos “operacionais”, pois nem sequer tinha arma distribuída. Essas “viagens”, principalmente entre Nova Lamego e Piche, eram sempre um mundo de apreensões, de dúvidas, de angústia, pelo desejo que acabassem depressa e bem.

Tendo chegado a Piche no início de Dezembro de 1970, salvo erro a 4 ou 5, tive a oportunidade de “saborear” flagelações ainda nesse mês de Dezembro, depois em Janeiro e Fevereiro, ataques com foguetões e morteiros, isto a Piche, em directo, e também ouvir um pouco mais ao longe um ataque a Cambor (em 6 de Janeiro de 71) e a Canquelifá (2 de Fevereiro).

Portanto, já tinha alguma vivência das consequências da vida no “mato”.

(ii) Piche, 22 de Fevereiro de 1971

O que quero então agora referir é uma outra situação, passada exactamente nesta mesma data, 22 de Fevereiro, mas em 1971, portanto há 38 anos e era também época de Carnaval. Nunca falei disto, a não ser com o meu filho mais velho, um dia destes faz pouco tempo.

Nessa ocasião tinham decidido as “altas esferas” desencadear uma forte operação de artilharia, com bombardeamento das zonas das alegadas bases do IN para lá da fronteira. Para isso concentrariam em Piche uma quantidade apreciável de “obus 14”, força essa que depois se deslocaria até sul de Piche, na margem do Corubal e fariam o seu festival de metralha. Seriam escoltados e com segurança pela CCAV 2749, salvo erro (do nosso “tertuliano” Luís Borrega, com quem também estive em Santarém), que era a Companhia pertencente ao BCVA 2922 que estava na sede do referido Batalhão, reforçada pela CART 3332 que nessa ocasião também estava em Piche, não me recordo se só com essa finalidade se por outros motivos operacionais, para além, é claro, do pessoal do PELREC Fox de Bafatá, que tinha um Destacamento em Piche. Tenho também a ideia que estavam por lá, ou passaram, pára-quedistas que teriam por finalidade tentar explorar as esperadas vantagens resultantes da tal operação de artilharia que iria ter lugar.

O principal problema, em minha opinião, é que alguém se deve ter esquecido de fazer uma “fita de tempos” para a preparação da operação, na CAOP ou lá onde fosse. Ou então as coisas correram mal e pronto!

É que os vários “obus 14” não chegaram a Piche, foram chegando..! Para além dos existentes em Piche, vieram peças de artilharia de Canquelifá, de Sare Uale, de Sare Banda, de outros locais e até de Pirada. A questão é que a meio da tarde da véspera da data da operação chegaram uns, ao fim da tarde outros, ao princípio da noite outros e até no dia seguinte, dia da operação, chegaram os de Pirada, se a memória não me atraiçoa, ou seja, não houve uma concertação dos meios para mais facilmente se obter o efeito surpresa.

O movimento de tropas era fora do normal e em número elevado, o tipo de equipamentos era não usual, daí que os elementos informadores do PAIGC tivessem podido suspeitar que algo, e de grande envergadura, estaria para acontecer e, convenhamos, dada a natureza dos equipamentos, não seria de estranhar que concluíssem tratar-se de uma operação de bombardeamento, restando-lhes adivinhar exactamente aonde, embora também não devessem ter muitas dúvidas a esse respeito.

(iii) A Acção Mabecos, sob o comando do Major Mendes Paulo

No livro que eu já referi de Fernando de Sousa Henriques (“No ocaso da guerra do ultramar”), pertencente a uma Companhia do Batalhão que foi render o BCAV 2922, onde o autor faz a história da sua “viagem” pela vida militar e da sua própria Unidade, há lá uma referência ao acontecimento que tenho estado a relatar. Essa referência à Acção “MABECOS” (não é a já várias vezes referida no Blogue “Op , Mabecos bravios”, essa é outra) cuja foto da página envio em anexo, dá conta, de forma resumida e com todo o aspecto de ser coligida do registo oficial das operações, do que se passou “na operação”, ou seja, no acto em si. Não refere os antecedentes nem os subsequentes.

No que podemos ler, sabe-se que as forças das NT foram comandadas pelo Major Mendes Paulo (à data oficial de operações do BCAV 2922, homem muito conceituado no seio da Arma de Cavalaria, da confiança do General Comandante-Chefe, falecido em 6 de Setembro de 2006 e autor dum livro intitulado “Elefante Dundum”), que o IN “composto por brancos e pretos sujeitou as NT a forte emboscada da qual resultou 3 mortos, 1 desaparecido (“apanhado à mão”), 2 feridos graves, 3 feridos ligeiros e a destruição de um Unimog e uma White”, sendo que é indicado terem sido infligidos ao IN 6 mortos e vários feridos.

A questão é que “antes” também ocorreram problemas. Com a situação que descrevi de estarem no mesmo aquartelamento muitos mais militares do que estavam normalmente e, tendo em conta que não houve um ritmo sequencial para as diferentes fases da operação (pela tal situação de “irem chegando” os meios), criaram-se alguns atritos entre as “altas esferas” no local, com uns a alegarem que as condições estavam deterioradas (pela falta do elemento surpresa, que já não o era) e outros a insistirem que a operação deveria avançar logo que estivessem todos os meios previstos.

(iv) Um grave acidente, no aquartelamento, provocando uma série de feridos graves

Esta situação, que para alguns foi presenciada “in loco” e para outros, onde eu me incluo, foi o de “ouvir dizer”, gerou um conjunto de ordens e contra ordens com o pessoal a ser mandado equipar para seguir para a operação, depois a ser mandado desequipar, novamente a equipar, novamente a aguardar, sem desequipar, numa caserna, que seria a da Companhia local e onde estava “a monte” todo o pessoal incluindo agora também a CART 3332.

É quando nessa situação há nova ordem para avançar que, dentro da caserna, alguém deixa cair qualquer coisa que deflagra, com um estrondo enorme, ouvem-se de imediato gritos e mais rebentamentos e mais gritos, coisas que deflagram por “simpatia”, balas que são disparadas, enfim, um inferno.

Imediatamente, alguns elementos que estavam fora da caserna, três ou quatro, entre os quais eu me inclui (tinha acabado de almoçar e estava na conversa no alpendre da messe de oficiais e sargentos, mesmo ao lado da caserna onde ocorreu o acidente), corremos e entrámos no local sinistrado para (sabia lá para quê!) retirar de lá os feridos que não conseguiam sair por si.

Recordo-me que ajudei a segurar pelas pernas um militar que parecia mal, estava a ser segurado pelos braços, salvo erro pelo Cap Pissarra, da CCAV 2749, arrastando-o para o exterior e lembro-me de ouvir silvos à volta da cabeça. Deixando-o o chão, no exterior, voltámos a ajudar outros a sair até que a coisa acalmou. Nessa ocasião, quando a tensão principal afrouxou, o cheiro a pólvora e a sangue, a poeira levantada no ar e com as mãos com um líquido viscoso, quente e avermelhado, deram-me volta ao estômago e acabei por vomitar o almoço na vala ali mesmo ao lado. Nessa altura tive vergonha dessa “fraqueza” mas hoje vivo bem com isso, afinal eu não tinha treino de “operacional”!

O resultado desse grave incidente foram vários feridos, tanto quanto me lembro 4 com gravidade, evacuados por meios aéreos que se pediram e utilizando também uma DO que estava na pista. Houve mais cerca de uma dezena de outros elementos que ficaram com ferimentos ligeiros, salvo erro todos da CART 3332 que, como se pode imaginar, ainda antes da operação já estava com a moral “bastante elevada”.

Foi no seguimento da confusão gerada, com as evacuações dos feridos e o reagrupamento das forças físicas e mentais para se iniciar a operação, que se constou que tinha sido pedido para que a DO destinada ao “Comando aéreo” fizesse um voo de reconhecimento mas, constou também, não posso confirmar, que isso foi negado. E constou ainda que foi sob protesto que o Major Mendes Paulo assentou dar o início à coluna. Já se sabe que a mesma foi fortemente emboscada (está no relato do livro do Fernando de S. Henriques) só que reconhecimentos posteriores confirmaram que não só aquele trilho por onde a coluna seguiu como também os outros dois possíveis estavam emboscados, através de sinais que puderam ser detectados. Quer dizer, se tivesse havido reconhecimento aéreo talvez tivesse sido possível evitar a emboscada.
(v) Um major que arranca os galões e que se tranca no quarto… até o Com-Chefe, dois dias depois, o demover

Da operação propriamente dita já se sabe o que consta dos registos mas se já falei do “antes”, houve também um “depois”.

É que no regresso, o Major Mendes Paulo de forma deliberada, ostensiva e quase até teatral, arrancou os seus galões e deitou-os num caixote que se encontrava à porta do seu quarto, recusando-se a sair de lá e a comer, até que alguém com responsabilidades superiores fosse lá falar com ele.

E não é que 2 dias depois o Comandante-Chefe, Sr. General A. Spínola (himself) apareceu por lá vindo do céu para conversar com o Sr. Major (e não só), acabando por “convencê-lo” a terminar a atitude de rebelião e a retomar as funções? Pois foi isso mesmo!

Entretanto, nesses dias que se seguiram ao regresso da operação, a força anímica da maioria do pessoal estava um tanto abalada, o que parece natural, com tudo o que se tinha passado. Os calmantes esgotaram-se e eu próprio cheguei a ajudar o Fur Enfermeiro Santana a dar “genéricos de ocasião” (ou seja, os “vallium” tinham-se acabado mas sempre havia aqueles comprimidos de sal que se colocavam na água e que para quem não estava no seu perfeito entendimento serviam mesmo de calmante). Foi desse modo que consegui que o meu amigo Fur Centeno (homem do Porto, familiar de um vulto da cultura portuense, e não só, Ivete Centeno, e pertencente aos elementos que operavam a artilharia de Piche) ficasse mais calmo pois, obviamente, o remédio que eu lhe estava a dar só podia ter esse efeito...

Tudo isto aconteceu enquanto em Portugal se brincava ao Carnaval. É claro que a festa em si não teve culpa, e até já nessa altura havia um escrito dum alegre poeta, que tinha estado em Angola, que dizia “… em Portugal, na mesma, isto é, a vida corre!”, a propósito da contradição sentida pela vida que se levava nas zonas de combate e a vivida no que se suporia ser a “retaguarda”.

Mas é claro que, para mim, brincar no Carnaval foi coisa que nunca mais me passou pela cabeça. Nem gosto, vá lá saber-se porquê!

Também não é menos verdade que, hoje em dia, friamente, se pode questionar da sanidade mental de quem se “atira” literalmente para uma zona de “inferno na terra” mas, sinceramente, naquelas ocasiões não se pensa, age-se e reage-se. Podia-se ficar paralisado, tolhido, acobardado, esconder na vala ou mesmo fugir para qualquer lado longe do problema mas não foi isso que fiz, o instinto de solidariedade que cultivava e ainda cultivo (malgré tout) foi mais forte que o instinto de sobrevivência e disso também não me envergonho. Simplesmente tive sorte, ou fui contemplado com a protecção divina.

Não será o mais apropriado para enquadrar na série “o meu baptismo de fogo”, mas pode servir.

Um abraço e bom Carnaval, para vocês!

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF

PS - Em anexo remeto fotos já antes enviadas, mas para facilitar a vossa pesquisa, com a página 201 do livro “No ocaso da guerra do ultramar” de Fernando de Sousa Henriques em que se refere a Acção “Mabecos” bem como uma foto do Fur Mil Joaquim Andrade, das Transmissões da CART 3332 que também estava na parada na altura das deflagrações na caserna e que não chegou a ir na operação.
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Notas de L.G.:

Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos

Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 14 de Abril de 1973 > Spínola, de visita ao aquartelamento de Cumbijã > Aqui ao centro, seguindo com o olhar um ponto no horizonte que lhe é apontado pelo Cap Mil Vasco da Gama. À sua direita, o Comandante do BCAÇ 3852, com sede em Aldeia Formosa.

Foto: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.


1. Há 35 anos, a 22 de Fevereiro de 1974, era publicado pela editora Arcádia, de Lisboa, o livro Portugal e o Futuro, do General António de Spínola. Nele defendia-se a ideia de que a solução para o problema colonial português passava por outras vias que não a solução militar.

Recorde-se que, a 17 de Janeiro de 1974, Spínola fora nomeado vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, por sugestão de Costa Gomes. Menos de 2 meses, a 14 de Março, os dois generais serão afastado do cargo devido à recusa em participar na manifestação de apoio ao Governo e à sua política ultramarina.

O livro, de 248 páginas, tornou-se um best-seller. Mais de 300 mil exemplares foram vendidos, num ápice, dentro e sobretudo fora do circuito normal do mercado livreiro. Mas poucos leitores, na época, terão tido a pachorra de o ler de fio a pavio. Eu fui um deles. A obra era um estopada. Mesmo assim há quem pense que foi um dos livros que abalou uma época e um regime.

Na revista Visão, desta semana (edição nº 833, de 19 a 25 de Fevereiro de 2009), Luís Almeida Martins publica, a propósito desta efeméride, um artigo com o título (irónico), "Portugal e o passado", e que termina com este parágrafo:

" (...) Poucos dias antes de morrer, a 13 e Agosto de 1996, com 86 anos, [Spínola] foi visitado no Hosital da Estrela por Nino Vieira, presidte da Guiné-Bissua e antigo comandante do PAIGC. Ao sair do quarto, Nino trazia uma lágrima no olho. Os guerreiros têm uma concepção própria da vida e da morte. Não sabem é ler o futuro, como o livro de Spínola demonstrou à saciedade"... (Curiosamente, Nino voltou a referir este episódio, na audiência que concedeu, em 6 de Março de 2008, a um grupo de participantes do Simpósio Internacional de Guiledje).

De qualquer modo, o livro abalou Marcelo Caetano e o seu regime, defende o jornalista da Visão. "Pela primeira vez, um oficial general atrevia-se a discordar da doutrina oficial"... E não era um oficial qualquer. O homem do "pingalim e monóculo" ganhara uma "aura castrense talvez só suplantada pelas de Mouzinho de Albuquerque e de outros chefes militares das campanhas coloniais da viragem do século. Dando uma np cravo e outra na ferraedura, combatia a guerrilha, enquanto, de pingalim na mão, organizava congressos dos povos guineenses e delegava poderes nas autoridades tradicionais. O seu monóculo tornou-se lendário. Alcunharam-no de Caco e tinha uma corte de admiradores de camuflado que bebiam as suas palavras" (...).

O alcance efectivo da obra de Spínola e da sua tese do federalismo e do diálogo com os movimentos de libertação, a começar pelo PAIGC (como solução política para uma guerra que não poderia ter solução militar), ainda é hoje objecto de discussão entre especialistas e historiador. De qualquer modo, importa sobretudo sinalizar a efeméride. Ao fim e ao cabo, Spínola foi o comandante de muitos de nós... A sua figura, a sua conduta, o seu pensamento e a sua estratégia não deixaram ninguém indiferente. (LG)


2. Recortes de imprensa Itálico (excertos)

O livro que abalou o regime, por Elmano Madail.

Jornal de Notícias, 22 de Fevereiro de 2009


A manhã despertou estranha há 35 anos. Num país atrasado e prenhe de analfabetos, orçados em 25,9% da população - embora os funcionais ampliassem de sobremaneira a estatística -, havia gente que esperava, à porta das livrarias das principais cidades, pela oportunidade de comprar... um livro!

Um "best-seller" instantâneo que trazia, lá dentro, em páginas densas e cheias de considerações que soariam estranhas a muitos dos ansiosos compradores, o germe do golpe de Estado que fulminou o mais longo regime ditatorial da Europa, chamado de Estado Novo. Na alvura da capa discreta, inscrevia-se a negro "Portugal e o futuro", coroado pelo nome do autor insuspeito: o general de Cavalaria António de Spínola, vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e ex-governador da Guiné Portuguesa. A autoridade que o título hierárquico lhe conferia, a par da fama de guerreiro prestigiado, converteram aquele livro num ícone da Democracia.

Eventualmente mais do que as teses ali defendidas. Volvidos 35 anos, que memória fica desse volume aos que o leram? E que outros livros foram capazes de estimular o público, desassossegar o poder e marcar tempos assim conturbados? E hoje, o livro tem ainda o mesmo poder de mobilização?

Nuno Canavez, dono da Livraria Académica, no Porto, recorda que "a primeira edição esgotou num abrir e fechar de olhos. Foi uma corrida ao livro". Inusitada, não obstante ser habitual, na época, a urgência de comprar obras adversas à doutrina oficial: "Sempre que saía qualquer coisa contra o regime, tinha muita venda e rápida, porque vinha a censura e limpava tudo", garante o livreiro com 60 anos de profissão. E a limpeza podia ser radical.

(..) "Sucede, porém, que "o livro do Spínola não chegou a ser retirado", afirma Canavez. Para ele, "dava a impressão que havia até, por parte de alguns do Governo, uma vontade de mudança". A que viria não estava prevista no livro de Spínola, muito menos radical do que o futuro forjado em Abril. Face a uma guerra colonial, longa de 13 anos e sem termo à vista, que empurrava a juventude para o desperdício de quatro anos em armas, quando não o da própria vida, Spínola advogava a autodeterminação das colónias - mas não a independência -, e a federação dos territórios ultramarinos com a metrópole. Curta ambição.

"O livro do Spínola dizia coisas banais, e até evidentes", considera José Medeiros Ferreira, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros no I Governo Constitucional. E, sem retirar méritos à obra, sublinha que, um ano antes, havia enviado do exílio em Genebra, ao III Congresso da Oposição Democrática, "uma comunicação lembrando que a questão colonial não tinha solução militar e que era necessária a independência das colónias. E apontava o possível papel das Forças Armadas no derrube da ditadura e no processo de democratização de Portugal", diz o docente da Universidade Nova de Lisboa.

Alguns intelectuais duvidam mesmo da autoria exclusiva de Spínola, sugerindo que "os autores foram o sobrinho de Mário Soares, José Manuel Barroso, que prestou serviço militar na Guiné sob o comando de Spínola, e o embaixador Nunes Barata. Esses terão participado na discussão e organização do livro, senão até na redacção", cogita o sociólogo e cientista político Manuel Villaverde Cabral. E realça que grande parte do impacto, designadamente enquanto catalisador do Movimento das Forças Armadas, "deveu-se ao eco dado por Soares, que o citou em dois artigos no 'Le Monde'". Após o 25 de Abril de 1974, o livro "perdeu completamente a relevância", circunscrita à qualidade de mobilizador dos capitães golpistas, segundo Villaverde Cabral.

Já Nélson de Matos, editor de longa data, considera que "Portugal e o futuro", a par de "Portugal amordaçado", de Mário Soares - saído em França, em 1972, e em Portugal após a Revolução dos Cravos -, "são as obras fundadores da nossa Democracia". Publicadas na Arcádia, onde trabalhava Nélson de Matos.

(...) E agora? 35 anos após "Portugal e o futuro" ter esgotado edições e inflamado paixões, há ainda espaço para livros doutrinários, filosóficos ou programáticos que sejam mobilizadores? "Se fosse muito claro nas propostas, e correspondesse a uma saída para um problema social grave, claro", admite Medeiros Ferreira. Tal como Veiga, aliás: "Há condições para livros com igual importância e densidade", garante. E Nélson de Matos, que publicou obras "de vários políticos e tendências diversas ao longo da carreira", advoga até o potencial de vendas interessante.

Veiga alerta, porém, para "a perda de influência dessas obras". Por um lado, "porque os media não estão interessados, visto não serem convertíveis em manchetes". Depois, porque "há novos media, como os blogues, que vieram ocupar muito do espaço desses livros", sublinha Medeiros Ferreira.

E, por fim, porque os tempos mudaram. Muito. "Desapareceu o 'maître à penser', pensadores que indicavam caminhos, escreviam obras que fortaleciam convicções e se tornavam referências", diz Miguel Veiga. "Hoje, impera o 'pensamento mole', as sociedades são cinzentas e, com as novas tecnologias, sabe-se cada vez mais e pensa-se cada vez menos". Agora, as revoluções fazem-se no ciberespaço...

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Nota de L.G.:

(*) Vd poste de 20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3765: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (7): A visita do General Spínola

(...)
No dia 14 de Abril, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.

Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Shengor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de Portugal e o Futuro (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974 - este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:
- É do quadro ou miliciano?
Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:
- Neste buraco?… Sou miliciano.
Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:
- Falta-lhe alguma coisa?
- Tudo!
- Tudo o quê? (...)

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3924: Expedição Humanitária 2009 (5): Ei-los que partem, do Largo da Portagem, Coimbra... a caminho de Bissau (José Moreira)




Duas imagens do Diário As Beiras, de 21 de Fevereiro de 2009, que nos foram enviadas pelo nosso camarada coimbrão Carlos Marques dos Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69), e que acompanha a reportagem sobre a partida da Expedição Humanitária, organizada pela Associação Humanitária Memórias e Gente e sob a liderança do José Moreira. Partiram 6ª feira, dia 20, a caminho de Bissau os nossos 22 (20 homens e 2 mulheres) amigos e camaradas da Guiné. Uma viagem de sete dias, de 5 mil quilómetros, 1 contentor de 25 toneladas (que já seguira antes de barco) e sobretudo muitos abraços portugueses, quentes, solidários, grandes, do tamanho dos nossos Rios (em especial do Douro e do Mondego)...

1. Resposta, com data de 18 do corrente, do José Moreira, presidente da Associação Humanitária Memórias e Gentes, com sede em Taveiro - Coimbra, ao meu pedido formulado no poste P3906 (*) [José: Gostaria, no fim, de ler e publicar as tuas notas, as tuas emoções, as alegrias de quem leva um pouco de consolo e de conforto aos guineenses, homens, mulheres e crianças, pais, educadores, professores... Sei que não vais ter rempo para te coçares, mas podes pedir a alguém que leve um caderninho de viajante e vá tomando umas notas (horas, lugares, pessoas, actividades...), além da máquina fotográfica. Tiramos muitas fotografias...mas depois não pomos (ou não sabemos pôr) as legendas... Em suma, um pequeno diário da tua expedição... ].

Meu caro Luis Graça,

A própria Associação, na sua denominação, tem a designação “memórias e gentes”. Realmente nas expedições anteriores, só nos temos preocupado com os kms., tempos e condução alternada. Por outro lado não se tem conseguido um expedicionário com propensão para o efeito. Se calhar este ano, talvez consigamos, assim ele queira! Calmo é ele, organizado e observador também… (...) Vamos ver se ele adere a esta iniciativa, pois o teu e-mail foi-lhe reencaminhado e, assim, devo tê-lo deixado a pensar.

Já troquei e-mails com o Pepito (o nosso encontro vai ser em Bissau). Despeço-me até 20 e tal de Março.

Recebe um abraço,
José Moreira

2. Notícias da Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné:

Do bloguue da nossos camaradas de Matosinhos pode ler-se:

Os nossos camaradas da Tabanca de Matosinhos, Xico Allen, Delfim Santos, António Carvalho, António Pimentel, João Rocha, José Eduardo Alves (Leça) e esposa (Maria da Conceição Alves), José Manuel Lopes (Josema), José Pires, Nina e Silvério Lobo partiram na passada sexta feira para a Guiné em mais uma viagem de saudade e solidariedade integrando a caravana da Associação Humanitária Memórias e Gentes de Coimbra.

Segundo informações do José Manuel Lopes, que esteve comigo na passada 2ª feira, aqui em Lisboa, o Nina, que tem um stand automóvel na Covilhã, leva um jipe que pode ficar em Bissau (se houver comprador...). Nesse caso, a malta que vai com ele, regressaria de avião, daqui a mês. Quanto ao Leça (e esposa), parece que foram em viatura própria. O Silvério Lobo por sua vez irá dar a assistência técnica que for necessária às viaturas... Eu não fosse ele um grande mecânico de automóveis (conheci-o no ano passado, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, 1-7 de Março de 2008; é um excelente conversador).

Desta vez, mandamos um especial abraço ao pessoal da Tabanca de Matosinhos. Que Deus, Alá e todos os bons irãs os protejam, a eles e os demais participantes da expedição. Permitam-me que mande um chicoração para os meus amigos Xico Allen, Pimentel, João Rocha, Zé Manel, Delfim e Silvério que conheço de outras andanças ou da Tabanca de Matosinhos. Os novos camaradas, Carvalho, Nina, Zé Pires, Leça (e esposa), ... espero conhecê-los pessoalmente, em breve. Luís Graça.

Vd. postes de

20 de Fevereiro de 2009 >P100-As novas caras da nossa Tabanca

22 de Fevereiro de 2009 >P101-Guiné, aí vamos nós

22 de Fevereiro de 2009 > P102-Expedição humanitária parte de Portugal para Guiné-Bissau

E a propósito deste grande acontecimento (para todos nós, amigos e camaradas da Guiné), o Zé Teixeira - esse grande Esquilo Sorridente - mandou esta bonita mensagem solidária para os participantes nortenhos da Expedição Humanitária 2009:

Camaradas que ides partir de novo para a Guiné. Agora, voluntariamente, sem lágrimas e com outro tipo de emoções e expectativas. Boa viagem.

Ainda recordo com emoção e prazer a minha segunda partida à procura de amigos e amigas que lá deixei. Lugares que me ficaram no coração, pelos momentos vividos, que pude recordar. A dor de alma por saber que ia encontrar outros lugares que foram para mim de grande sofrimento e até morte.

Precisava de passar de novo por tudo isso para me encontrar comigo próprio. Fazer desaparecer de dentro de mim os fantasmas. Quis experimentar segunda vez e há-de vir a terceira e mais, se Deus me der vida e saúde. Não posso ir convosco fisicamente, mas vou em espírito.

Aos que vão para o Sul da Guiné, sobretudo para Mampatá Foreá, Quebo, Colibuía, Buba etc. levai um abraço fraterno do Fermero Tisserá.

Tende boa viagem e venham as fotos para sonhar de novo.

Um forte abraço do
Zé Teixeira


Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > P097-Ora di bai, rumo à Guiné
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3906: Expedição Humanitária 2009 (4): 25 toneladas de ajuda, 897 caixotes, 22 expedicionários... E obrigado, povo meu (José Moreira)

Vd. também postes anteriores desta série:

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3902: Expedição Humanitária 2009 (3): Mensagem do Pepito para o Paulo Santiago, o Zé Moreira, o Xico Allen e o Julião Sousa

16 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3901: Expedição Humanitária 2009 (2): Mensagem do José Moreira, de Coimbra, para o Pepito (AD - Bissau), em Lisboa (Paulo Santiago)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3900: Expedição Humanitária 2009 (1): Já se fez à estrada a expedição da Humanitarius, com o J. Almeida, o A. Camilo e outros

Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

1. Mensagem de João Carlos Sousa Silva (1), Cabo Especialista da FAP (1979/82), com data de 19 de Fevereiro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,

Após algumas hesitações, aproveito a oportunidade dada por vários Posts para responder ao vosso convite/desafio para integrar a Tabanca Grande. Assim, envio uma fotografia do tempo militar enquanto Cabo Especialista e outras duas actuais. A militar foi tirada num FIAT G-91 T-3 (versão de treino com dois lugares) na BA6 Montijo por volta de 1981, das actuais uma foi tirada na BA2 Ota, 29 anos depois no mesmo local da foto do meu pelotão na recruta, mas infelizmente sem os restantes companheiros (através do blog Especialistas da BA12 percebi que era da praxe tirar essas fotografias em todas as recrutas).

Fui voluntário para a FAP com 17 anos em Junho de 1979 (2.ª/79), tendo tirado a Especialidade de Mecânico de Material Aéreo (MMA), Recruta e Curso na BA2 Ota.

Posteriormente fui colocado na BA6 Montijo na Esquadra 301 Jaguares como Mecânico de FIAT G-91, onde estive até sair da FAP, 3 anos depois. Tive uma passagem de 3 meses pela BA4 Lajes em 1980 com os FIAT.

Feitas as apresentações, agora os tais Posts que acima referi. Destaco o P3885 (2) e o P3887 (3). O primeiro pela enorme satisfação em ver reconhecida a valorosa acção dos elementos da FAP na Guiné, por essa nobre instituição ADFA e pela carga simbólica que a mesma implica. Louvo também as diversas mensagens relativas às Enfas. Pára-Quedistas quanto à necessidade da sua inclusão nessa homenagem. O segundo pela mensagem franca, pura, bonita, emocionante dirigida pelo ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho ao Cor Pilav Miguel Pessoa.

Adicionalmente, lendo atentamente os Posts mais recentes do Ten Gen António Matos, do Cor Art Nuno Rubim e do Cor Art Coutinho e Lima sobre o dossiê Guiledje, vários pensamentos me ocorrem. O primeiro é o de que sem dúvida foi uma situação de guerra muito complicada em que os intervenientes passaram momentos muito difíceis e nem sempre com o apoio necessário. Depois, fico pasmado como é possível existirem versões tão diferentes dos mesmos acontecimentos. Pessoalmente não considero que a versão aérea ou a vivência do ar versus a versão terrestre ou a vivência terrestre seja menos correcta ou verdadeira, e vice-versa, considero que ambas terão vantagens e desvantagens, por isso até deveriam ser complementares. Não consideram uma mais valia importante a informação obtida por esses dois prismas? Não seria a informação mais completa e correcta? Não poderia permitir uma melhor actuação e eficácia?

Leio e releio e, seguramente que os intervenientes são pessoas de bem, por isso mesmo é–me difícil entender tanta discrepância. Consigo identificar algumas respostas pouco claras que não invalidam afirmações feitas e consigo encontrar contradições que poderiam dar azo a novas questões, originando um sem fim de mensagens e por ventura uma difícil conclusão.

Estando de fora (por não ter vivido esses acontecimentos), mas não pouco interessado em relação ao que esses acontecimentos representaram na História do meu País e na vida dos nossos ex-Combatentes, tenho pena que não se consiga ter uma visão comum sobre os mesmos factos, mas, como dizia o José Dinis num comentário ao meu anterior P3844 (1), "...isso continuará a ser o resultado dos diferentes olhares, das diferentes maneiras como os vimos, como os entendemos, ou como ouvimos falar deles.". Eu acrescentaria e o resultado de diferentes conhecimentos dos dados que originaram que determinada acção tivesse sido conduzida de uma determinada forma (o que a tornará por vezes ininteligível para outros envolvidos).

Parece-me claro que, também como vamos aprendendo na vida, ninguém é dono da verdade absoluta. Também me parece claro e parafraseando o Cor Pilav Miguel Pessoa no seu P3816 (4) "… que isto de combater, cada um fá-lo da maneira que pode e sabe, e nas funções para que está mais habilitado.". Eu pessoalmente acredito que todos fizeram o melhor que estava ao seu alcance em cada momento em que foram chamados a intervir.

Considero muito importante que se possa saber destes diferentes pontos de vista, pois para além de ser revelador de sã liberdade de expressão, permite a quem está realmente interessado, um conhecimento mais abrangente, completo e porque não mais verdadeiro desses acontecimentos.

Ao preparar esta mensagem, li hoje o P3911 (5) do Cor Pilav Miguel Pessoa confirmando, para mais, as suas 400 missões mesmo com 4 meses de interregno. Também referindo que as do Ten Gen Pilav António Matos terão sido mais. É obra e como creio que não tenham sido só eles, realmente não foi deixar de voar após Strela. Seguramente passaram a fazê-lo de forma diferente, originando uma percepção também diferente para quem necessitava do apoio que vinha do Ar. Especialmente na fase mais complicada do conflito para todos os envolvidos.

Desculpem-me o atrevimento de opinar, se calhar de forma tão superficial, sobre tão delicado tema, mas, creiam que o faço por genuíno interesse em informar-me sobre tantos esforços e perigos passados por esta geração de ex-Combatentes ao serviço de Portugal.

"De Nada a Forte Gente se Temia" – Lema da Esquadra 301 Jaguares

Saudações Especiais
João Carlos Silva
MMA,
Jaguares (FIAT G-91)
2ª/79

João Carlos Silva na Base Aérea do Montijo, quando Especialista da FAP

João Carlos Silva, na actualidade, na Base Aérea da OTA



2. Comentário de CV

Caro João, obrigado por teres aceite o nosso convite. É um prazer enorme ter entre a macacada, tropa de elite como a FA e a Marinha.

Peço-te que não te coíbas de fazer qualquer comentário que aches oportuno, porque como se infere das tuas palavras, mesmo entre os intervenientes há pontos de vista diferentes, logo quem não viveu os acontecimentos poderá ter uma visão mais clara e desapaixonada.

Claro que reparaste que nos estamos a tratar já por tu, o que é normal entre camaradas. Idades, antigos postos e condição social, não são para aqui chamados.

Deixo-te o abraço fraterno em nome da tertúlia e votos de que estejas entre nós o mais tempo possível. Somos um pouco mais velhos (menos novos), mas isso não impede uma sã convivência.

CV
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Notas de CV:

Vd. os seguintes postes:

(1) de 5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)

(2) de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3885: FAP (10): Obrigado, Tenente Piloto Aviador Pessoa (J. Casimiro Carvalho, CCAV 88350, Piratas de Guileje)

(3) de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3887: Iniciativas da ADFA em Lisboa (Luís Nabais)

(4) de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

(5) de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3916: Tabanca Grande (121): Giselda Antunes Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista (Agosto de 1970 / Maio de 1974)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3922: Blogoterapia (92): A guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate (Luís Borrega)

1. Mensagem de Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 17 de Fevereiro de 2009:

Boa tarde

Parto mantenha com todos vós LG, VB e CV.

Ontem fui a Lisboa tratar de assuntos pessoais e como é costume fui com o meu camarada Ex-Fur Mil MA da CCav 2748/BCav 2922 (Companhia de Canquelifá), Luís Filipe da Encarnação, que me acompanhou sempre no Serviço Militar: Recruta e Especialidade, ambas em Santarém (e com Salgueiro Maia com a patente de Tenente e Comandante do meu Esquadrão), Curso de Minas e Armadilhas em Tancos, formação do BCav 2922 em Estremoz, depois em Companhias diferentes ele para Canquelifá e eu para Piche. Depos em 1972 indigitados para irmos para CIM de Bolama dar Minas e Armadilhas. Hoje reformados da mesma Instituição Bancária, aproveitamos para irmos almoçar com bastante frequência e todos os dias falamos ao telefone a comentar o que é publicado na Tabanca Grande.

Isto vem a propósito de toda as vezes que nos encontramos irmos ao Largo de S. Domingos falar com os guineenses. Eu aproveito e vou desenferrujar o meu fula, pergunto pelo pessoal de Cambor e de Piche. Ainda não tive a sorte de localizar nenhum. Já me disseram que ao fim de semana há muitos, destas tabancas, na Estação da CP na Damaia. Hei-de lá ir.

Tenho constatado que há muitos ex-Comandos Africanos, Milícias e todos eles guardam religiosamente os antigos papeis militares portugueses.

Alguns tem-me confidenciado que teria sido melhor Portugal ter continuado na Guiné. Tenho sido sempre bem recebido. Ontem tive um encontro gratificante com o irmão do meu amigo de Canquelifá (na altura furriel) Alferes Comando Aliu Sada Candé, condecorado com Cruz de Guerra, fuzilado após a independência em Bambadinca

Muitos conhecem as minhas referências de Cambor (Cherno Al Hadj Mamagari Djaló) e de Piche (Duarte Embaló, Comandante do Pel Mil e o meu guia predilecto Amejara).

Desculpem estes devaneios, mas nenhum dos combatentes, que teve a sorte de regressar do Ultramar, jamais foi e será o mesmo.

A Guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate !!!


Alfa Bravo para vós.
Luis Borrega

OBS:-Negritos da responsabilidade do editor
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3880: Blogoterapia (91): Eu, Ranger, me confesso: todos iguais, todos diferentes (Paulo Salgado / Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P3921: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (8): Um poema chinês do Séc. VIII com dedicatória à malta de Matosinhos (A. Graça de Abreu)

O nosso camarada António Graça de Abreu, "disfarçado de mandarim", no Palácio Imperial, em Pequim. Ele viveu e trabalhou na China entre 1977 e 1983. É um notável poeta e tradutor de poesia, nomeadamente chinesa clássica. Neste preciso momento, ele está em Pisa, Itália, num encontro internacional de poesia, de onde nos manda um abraço para toda a Tabanca Grande.

O A. Graça de Abreu, "em traje comunista", em Shanghai.

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados

Os Seres, Saberes e Lazeres (8) > Du Fu (712-770), um poeta chinês, e a nossa Guiné (*)

por António Graça de Abreu (**)


Há umas três semanas atrás, quando da apresentação do site da Guerra Colonial, da Associação 25 de Abril, na Academia Militar, disse ao nosso comandante e tertuliano-mor Luís Graça que me diluo pelos dias atarefado, assoberbado com as esplendorosas dificuldades de traduzir mais um dos maiores poetas da China, de nome Du Fu (leia-se Tu Fu).

Esta é a minha quinta tradução, depois dos Poemas de Li Bai (701-762), Poemas de Bai Juyi (774-846), Poemas de Wang Wei (701-761) e Poemas de Han Shan (sec. VIII), todos editados em Macau, excepto o último que aguarda publicação.

Mas o que é que isto ver com a nossa Guiné?

Du Fu, o poeta que agora traduzo, nasceu em 712. A primeira parte da sua vida estendeu-se por uma existência de simples e depurados prazeres, anos requintamente vulgares. Depois, a partir de 750 e até 765 - Portugal então não existia, andávamos às voltas com os visigodos nos espaços que hoje são Aveiro, Santarém, Beja, etc. - o império chinês viveu uma das mais cruentas guerras da sua História. Du Fu testemunhou tudo isso.

A China contava com 56 milhões de almas, e nesse período, as rebeliões, os grandes combates, (chegavam a morrer cem mil homens numa só batalha!), mais a fome e a miséria do povo provocaram 12 milhões de mortos.

Qualquer semelhança com a nossa guerra da Guiné é estulta e insensata, quer dizer, está demasiado longe das realidades que vivemos em África.

Mas, com muitos séculos de permeio, homens made in China ou made in Portugal, todos somos gentes do mundo.

Traduzi o mês passado mais um poema de Du Fu, falecido em 770, e lembrei-me dos nossos camaradas da Guiné, e do álcool que então bebíamos às pázadas, era o nosso modo bem português de, fodidos, refodidos, “dar de beber à dor”.

Fernando Pessoa (1883-1935) dizia: “Boa é a vida, mas melhor é o vinho.” Como a nossa vida não era boa, o álcool era excelente.

Leiam o poema de Du Fu escrito em 754, e digam-me se estas palavras já com treze séculos têm ou não a ver connosco, camaradas da Guiné. E, mais importante do que todas as guerras, têm ou não a ver com a amizade que nos une.

Este (meu) poema de Du Fu (712-770), vai com dedicatória para os camaradas da Tabanca de Matosinhos.

Um forte abraço, meus amigos!
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Bêbado, uma canção

Muitos ascenderam ao topo da hierarquia,
tu, meu amigo, continuas a padecer ao frio.
Nas grandes mansões, empanturrados com iguarias,
tu, meu amigo, mal consegues uma malga de arroz.
A tua filosofia, um coração cristalino, pouca ambição,
o teu talento, superior ao dos letrados do passado.
Respeitado pela tua virtude, condenado, sem glória,
a deixar o teu nome para além dos séculos.
És um rústico que não é desta terra,
de cabelos finos, motivo de mofa e zombaria.
Queres arroz, vais ao celeiro imperial,
obténs ainda cinco colheres por dia,
mas se queres abrir o coração,
vem ter comigo, meu amigo.

Quando ganho umas tantas moedas,
cuido de ti, vamos gastá-las em vinho.
Que nos interessa a pompa, o luxo, as cortesias,
somos gente simples, descuidada e livre!...
Meu mestre, enchemos, bebemos as taças até ao fim,
em silêncio na noite da Primavera.
Lá fora, a chuva fina como flores
caindo dos telhados, apagando as lanternas.
Entoamos cânticos, animados, iluminados
por espíritos a montante, a jusante do rio.
Para quê pensar tanto no destino?
Sim, a fome, e por túmulo, uma vala qualquer.
Outrora, um grande poeta lavava canecas de vinho,
um ilustre letrado lançou-se de uma torre.
Quem somos nós, no fim de tudo?
Melhor retirarmo-nos cedo, voltar a lavrar a terra,
cuidar dos telhados de colmo, dos caminhos, do musgo.
Os ensinamentos de Confúcio, afinal para que servem?
Sábio, salteador de estradas, todos regressam ao pó.
Para quê tanta tristeza, tanto queixume?
Estamos vivos, vamos beber umas taças de vinho.



Du Fu (712-770)

(tradução: António Graça de Abreu)

__________


Notas de L.G.:

(*) Vd. últimpo poste da série > 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3579: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (7): A Toque de Caixa, com o Abílio Machado, ex-baladeiro de Bambadinca (Luís Graça)

(**) O António Graça de Abreu nasceu no Porto, em 1947, tendo-se licenciado em Filologia Germânica. É também Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Investigador da presença portuguesa na China, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente.

Tem uma dúzia de livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses. Vive no Estoril. É actualmente professor, na Escola de Ensino Secundário José Saramago, em Mafra. Disse-me recentemente que ia (ou estava a) tratar da reforma.

Traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990) - Prémio Nacional de Tradução do Pen Club Português e da Associação Pirtuguesa de Tradutores, 1991 - , além dos Poemas de Bai Juyi (1991) e Poemas de Wang Wei (1993). É autor de China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005) e China de Lótus (2006).

Na área da história, é co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003). Escreveu também a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, (1751-1808), Lisboa, Universidade Católica, 2004.

Pertenceu, entre 1996 e 2002, à direcção da European Association of Chinese Studies (Heidelberg e Oxford). Também eccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).

Como alferes miliciano, teve uma visão privilegiada da escalada da guerra da Guiné, entre 1972 a 1974, a partir do CAOP 1 a que pertenceu (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar). Dessa sua experiência, do seu diário e dos mais de 300 aerogramas que escreveu, resultou o seu 12º livro, Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, lançado em 2007. (Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. ISBN: 9789898014344. Preço: € 22.

Na resposta a um pergunta sobre os seus heróis, do famoso questionário de Proust, conduzido pelo PEN Clube Português de que é sócio, o António respondeu:
- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.
(***).

Li Bai, poeta chinês do Séc. VIII (701-762), é um dos seus poetas preferidos, a par de Camões e de Wang Wei.

É casado com uma médica chinesa, de quem tem um filho, hoje estudante universitário. A mulher da sua vida não é, pois, a mesma a quem escreveu centenas de aerogramas quando estava na Guiné.

Tive o grato prazer de conhecer pessoalmente em 28 de Abril de 2007, em Pombal, no 2º encontro da nossa tertúlia. Depois disso, temos já nos encontrámos várias vezes. O António autografou-me e ofereceu-me boa parte dos seus livros, distinção que me honra, como camarada e amigo. Disse-me, na altura em que o conheci, que não desejava voltar à escrita sobre a guerra da Guiné, o que não é inteiramente verdade, já que o António tem sido um atento leitor do nosso blogue e um activo colaborador.

(***) Vd. Pen Clube Português > 30 PERGUNTAS A PARTIR DO QUESTIONÁRIO DE PROUST:


1. O que é para si a felicidade absoluta?
R- Paz, serenidade, amor


2. Qual considera ser o seu maior feito?
R- A minha tradução dos Poemas de Li Bai (701-762), Prémio Nacional de Tradução1990.


3. Qual a sua maior extravagância?
R- Amar.


4. Que palavra ou frase mais utiliza?
R- Não sei.

5. Qual o traço principal do seu carácter?
R- Generosidade, ingenuidade.


6. O seu pior defeito?
R- Teimosia.


7. Qual a sua maior mágoa?
R- Amores desavindos


8. Qual o seu maior sonho?
R- Amores não desavindos.


9. Qual o dia mais feliz da sua vida?
R- Aldeia Branca, início de Junho de 1985.


10. Qual a sua máxima preferida?
R- Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. (Confúcio disse!)


11. Onde (e como) gostaria de viver?
R- Canedo, Vila da Feira, numa casa sobranceira a um regato, na floresta com a mulher da minha vida.


12. Qual a sua cor preferida?
R- Verde.


13. Qual a sua flor preferida?
R- Lírios, rosas.


14. O animal que mais simpatia lhe merece?
R- O panda.


15. Que compositores prefere?
R- Beethoven, Mozart, Débussy.


16. Pintores de eleição?
R- Greco, Leonardo, Miguel Ângelo, Goya, Ingres.


17. Quais são os seus escritores favoritos?
R- Eça, Camilo, Cao Xueqin,


18. Quais os poetas da sua eleição?
R- Camões, Li Bai, Du Fu, Wang Wei.


19. O que mais aprecia nos seus amigos?
Honestidade, alegria de viver.


20.Quais são os seus heróis?
R- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.



21. Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
R- Becky, de Tom Sawyer, (Mark Twain), Bao Yu do Sonho do Pavilhão Vermelho de Cao Xueqin (sec. XVIII).


22. Qual a sua personagem histórica favorita?
R- D.João II.


23. E qual é a sua personagem favorita na vida real?
R- Wang Hai Yuan.


24. Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
R- A honestidade, a coragem, a lealdade.


25. Que qualidades mais aprecia numa mulher?
R- As mesmas, mais a beleza.


26.Que dom da natureza gostaria de possuir?
R- Uma enorme aptidão para ler e falar bem chinês.


27. Qual é para si a maior virtude?
R- A honestidade.


28. Como gostaria de morrer?
R- Em paz, de repente, concluídos todos os grandes trabalhos.


29. Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
R- Um grande mandarim chinês do século XVIII.


30. Qual é o seu lema de vida?
R- Amar, trabalhar, descansar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)

1. Mensagem do jornalista guineense Nelson Herbert (n. 1962, Bissau), da secção portuguesa da Voz da América, e membro da nossa Tabanca Grande desde Março de 2008 (*)

Assunto - Madina do Boé (**)

Caro Luís e Virgínio

Não creio na minha óptica ser muito difícil precisar as coordenadas do local, onde a 24 de Setembro de 1973 se proclamou a independência da Guiné Bissau, em Madina de Boé. Digo isto pelo simples facto do local ter sido - num dos últimos dois anos, se não me falha a memória - palco central das comemorações de mais um aniversário da data e de alguns dos protagonistas do acto fazerem ainda parte do mundo dos vivos.

Recordo entretanto que, numa das conversas mantidas com um dos comandantes guineenses da guerrilha do PAIGC, por sinal na altura exilado em Cabo Verde, na sequência do Golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 (***), foi-me dito que inicialmente Madina de Boé esteve longe dos planos do PAIGC, como local adequado para a proclamação da independência do território. E mais que a primeira opção teria sido inclusive uma tabanca ou área na altura controlada pela guerrilha, no sul do territorio.

E recentemente em conversa com o antigo presidente guineense, Luís Cabral, foi-me de facto onfirmada essa versão. Só que, traído pela memória, Luís Cabral não me soube precisar com exactidão, a referência da tabanca em questão.

No que tange a Madina de Boé, insiste na ideia de que, como opção acabou por ter o seu efeito-surpresa, por não ter sido a escolha inicial.

Terá sido ? Será essa uma das plausíveis justificações para que o local não tivesse sido alvo de bombardeamentos da aviação portuguesa ?

Mais uma acha na fogueira!

Mantenhas

Nelson Herbert
Journalist-Editor / Editor e Jornalista
Voice of America / Voz da América
Washington, DC, USA

________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)

(**) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)

(***) Organizado por João Bernardo Vieira, Nino, contra o Presidente Luís Cabral (n. 1931), que foi derrubado, e seguiu para o exílio em Portugal.

Guiné 63/74 - P3919: Dicas para o viajante e o turista (8): Uma ida às terras de Mampatá (António Carvalho e Manuel Reis)

1. Comentário, com data de 9 de Fevereiro de 2009, de António Carvalho (*) no poste P3853 (**):

Caro Manuel Reis
Estive em Mampatá, Cart 6250, entre 1972 e 1974.
Inaugurámos Colibuia por volta de Maio de 1973 e lembro-me de estar lá e ouvir os ataques a Guilege. Colibuia Cumbidjã e Nhacobá são topónimos da Guiné que nunca esquecerei. Espero rever esses e outros lugares daquela região do Tombali, muito brevemente pois partirei para lá no dia 20 de Fevereiro.

Muito gostaria que viesses almoçar com rapaziada da Guiné (ex-combatentes) no próximo dia 11 ou 18 ao restaurante Milho Rei a Matosinhos.
António Carvalho


2. Mensagem de Manuel Augusto Reis com data de 9 de Fevereiro, dirigida a Luís Graça:

Olha Luís já precisava de uma mensagem destas depois de tanta pancada! Agora vou falar com o Carvalho.

Amigo Carvalho:
Gostava de compartilhar convosco um dos vossos almoços. Mas de momento não me é possível, há compromissos asumidos que terei de respeitar.

Gostava de ir convosco no dia 20 até às tuas terras de Mampatá. Parávamos lá sempre que íamos à água a Aldeia Formosa (outros tempos).

Gostava também de saber como organizam as vossas idas à Guiné. Já lá estive, mas não vi o que desejava ver. Tive pena de não poder ir a Colibuia e a Cumbijã, mas serviço é serviço.

Vais encontrar gente boa, que te vão receber bem. Eles, os africanos, nutrem por nós portugueses um carinho muito especial. É nisto que sinto orgulho em ser português, que nos distingue dos outros povos colonizadores. Não é pela guerra, ou pela nossa valentia, é pela nossa postura. Como soubemos estar e como, ainda hoje, estamos.

Deves ter um programa bem delineado. Uma sugestão apenas: Se puderes fazer a picada de Mampatá até Cacine, leva uma máquina de filmar e/ou de fotografar. Tens imagens fabulosas, principalmente na zona Porto Banana. A picada há 5 anos era boa.

Uma boa estadia. Depois diz alguma coisa.

Um abraço
Manuel Reis
Ex-Alf Mil
CCAV 8350
Guileje
__________

Notas de CV:

(*) António Carvalho ex-Fur Mil Enf da CART 6250, Mampatá, 1972/74, membro da Tabanca de Matosinhos que todas as quartas-feiras se reune no Restaurante Milho Rei, em Matosinhos.

(**) Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974

Vd. último poste da série de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3812: Dicas para o viajante e o turista (7): Viagens pelo sul da Guiné-Bissau (Patrício Ribeiro)

Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 16 de Fevereiro de 2009:

Amigo Vinhal

Segue mais uma estória de “Viagem à volta das minhas memórias” que relembra situações de um mês atribulado.

Um abraço extensivo ao Luís e ao Virgínio e a toda a Tertúlia
Luís Faria


Bula – Janeiro de 1971

O Natal de 1970 passei-o ao relento com o meu 2.º GComb, saboreando a ração de combate, sob um manto de estrelas vigilantes como nós, numa emboscada preventiva a um inimigo que nesse noite e dia não compareceu.

O Dezembro findou e sem que tenha qualquer lembrança da Passagem do Ano, entrei no Janeiro de 1971 com mudanças na Força, tendo o 4.º GComb sido deslocado para Teixeira Pinto logo nos primeiros dias, com missão de protecção (creio) à construção da estrada Teixeira Pinto - Cacheu. E com ele lá foram o Fontinha, o Chaves e outros amigos e companheiros.

Por Bula fiquei com a restante 2791, na rotina das emboscadas de segurança e patrulhamentos de intercepção, nas laterais da estrada Bula - S. Vicente e outras.

Tudo corria normalmente até que no dia 19 de Janeiro a coluna auto que transportava o GComb da CCaç 2790 (GComb do Alf António Matos) é emboscado, creio que ao K12 da estrada de S. Vicente, causando a morte a um Furriel e dois Soldados da Companhia açoriana e o segundo morto extemporâneo e sem nexo da 2791, o Soldado Condutor Auto que conduzia a viatura, António Ferreira. Era a segunda morte, estúpida, da Companhia no curto espaço de um mês!

Não sei se por causa deste acontecimento, o meu 2.º GComb é enviado na noite seguinte para Ponta Matar com objectivo de interceptar o grupo In que não teria passado para Choquemone.

O pessoal sai, outra vez os olheiros e a bicha de pirilau percorre a distância durante a noite sem luar até ao K10 (julgo) onde inflectimos para oeste, em direcção a Ponta Matar.

Não tínhamos ainda chegado à orla da mata e começa o embrulho. Na altura ia a meio do Grupo o que não era normal e o espassamento do pessoal era curto por causa da visibilidade na noite. Ouvia as chicotadas e alguns clarões dos disparos. Os tiros eram baixos, estávamos em campo praticamente aberto e eles estavam na orla da mata. O pessoal ripostou como pode, orientando-se pelos clarões dos disparos.

Acabado o confronto e com um ferido ligeiro que não obrigou a evacuação, há que reunir e pedir ao Comando ordem para abortar a operação, pois considerávamos que a continuar íamos de certeza ter problemas prolongados e muito graves. Por fim o Comando aceitou, abortou-se a operação e regressámos ao quartel.

Nessa tarde e como de tantas outras vezes, fui dar uma volta pela Vila e beber umas cervejas no Silva onde às tantas, no meio de uma conversata um civil referindo-se à nossa operação diz mais ou menos isto:

- Então logo Furié vai p’ra lá outra vez?! - Não liguei, estava em conversa da treta.

Regressado ao quartel, sigo os rituais normais, umas leituras, uns toques de viola, umas conversas com os amigalhaços, até que chega a hora do briefing onde me é e ao Castro comunicada a ordem de preparar o Grupo para à noite arrancarmos de novo para a zona de Ponta Matar! Do subconsciente passou ao consciente a boca da tarde: - Logo vai p ’ra lá outra vez! Fiquei estupefacto e encara… como era possível?! E contei o que se tinha passado. Reclamei, protestei, argumentei… mas sem resultados. Eram ordens do Comando… e passada uma dúzia de horas de termos regressado, lá sai de novo o 2.º Grupo em direcção a Braque, Belibar e Ponta Matar (por inclusão considerava-as matas de Ponta Matar) com o objectivo de patrulhamento, detecção de acampamentos, intercepção do IN que andava na zona, com intuito eventual de passagem para Sul ou preparação de ataque a Bula.

Era uma operação arriscada, pois concerteza iriam estar à nossa espera. Os cuidados foram redobrados e os soldados nada sabiam da conversa, pois não era preciso mais aviso do que o que acontecera umas horas antes. A entrada na mata fez-se por sitio diferente e a corta-mato

Estas matas eram, ao que lembro, muito mais densas do que as do Choquemone, com zonas arbustivas em que os ramos se entrelaçavam de tal maneira que era praticamente impossível penetrar, entremeadas por embondeiros de grande porte e árvores normais para além do capim que muitas vezes era mais alto do que nós. Nelas estive em zonas onde o sol quase não entrava, e a lembrança do cheiro a que eu chamava cheiro a formigas mortas, ainda hoje me estimula a pituitária.

Entrados na mata, o corta-mato cauteloso continua sempre que possível e quando o amanhecer chega, já estamos bem embrenhados na vegetação sem haver sinal de termos sido detectados nem de presença IN.

A evaporação da humidade do solo é bem visível, formando uma espécie de neblina. Os sentidos estão alerta e atentos ao ambiente envolvente. Sempre que se pressente algo, pára-se, observa-se, escuta-se, por vezes aproveita-se para comer algo da ração, já que nas operações não fazíamos estacionamento. O Choquemone tinha-nos ensinado!

Numa dessas paragens, a manhã já ia alta, grande parte do patrulhamento está feito e estou sentado entre as raízes(?) de um embondeiro (cabaceira). Ouço um tiro próximo à minha esquerda, logo de seguida um outro. O pessoal ficou em silencio absoluto. Chamo o Augusto (o meu sobrinho por ser mais baixo, olhos azuis, cabelo loiro e bigode estilo o meu) e digo-lhe:

- Consegue trepar a essa árvore? - Tendo assentido, disse-lhe para o fazer, ver o que se passava e caso começassem os tiros para descer de imediato. Ouço outro tiro, desta vez mais longe e pela minha frente, no sentido da nossa progressão. O Augusto não vê ninguém e desce. Estou convencido que detectaram tardiamente o trilho da nossa entrada e patrulham. Instantes depois arrancámos seguindo na direcção do último tiro e nada encontrámos, nada aconteceu.

Inflectimos em direcção à estrada para regresso e começa o fogachal de que a única coisa que recordo é de ter sido com grande intensidade e pela primeira vez ter distinguido as morteiradas a caírem próximas.

Não tivemos feridos e do IN não vi vestígios. Mais tarde, talvez por informações, soube que tinham sofrido nas duas operações mortos e bastantes feridos?!

Regressado ao quartel, reentro na rotina e assim ando até 28 de Janeiro, dia em que o Urbano me concede a tal balda por doença (!?!) que me permite um dia de descanso.

Nesse mesmo dia o quartel é flagelado com 6 foguetes 122 que não atingem o objectivo e caem na zona da pista, por detrás do quartel. Às peripécias deste dia farei referência mais tarde.

Um abraço a todos
Luís Faria

Bula - Luís Faria em Ponta Matar

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado