segunda-feira, 6 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

A encantadora Maria da Glória Revez Allen Beja Santos despediu-se desta vida, na passada 4ª feira, 2 de Julho de 2009. Deixa a todos, os seus pais, mana, familiares e amigos, uma imensa saudade. Foto gentilmente cedida por Vasco da Gama e editada por nós. Foi a enterrar no sábado, dia 5. Tinha 32 anos (LG).


1. Estive fora de Lisboa, desde 6ª feira. Sem internet. Domingo à noite, abri a minha caixa de correio profissional, e dou de caras com a brutal notícia da morte da Glória, dada em primeira mão pelo seu pai, o nosso camarada Mário Beja Santos.

É um extraordinário texto o que ele mandou, só para algum amigos, incluindo a minha pessoa, e que eu tenho o dever de partilhar, publicamente, com os seus/nossos camaradas da Guiné, que se reconhecem neste blogue, e que são seus amigos, uns, ou simples leitores, outros. É uma verdadeira oração fúnebre, um extraordinário documento humano e sobretudo um grande acto de amor paternal e uma belíssima homenagem póstuma à sua adorada Locas...

A Maria da Glória Revez Allen Beja Santos era a filha mais nova do Mário Beja Santos e da Cristina Revez Allen. Nascera em 1976, trinta anos e dois... A outra filha do casal é a Joana. A família, e sobretudo o Mário, nunca escondeu o problema de saúde que infernalizava a vida da Maria da Glória. Estiveram os quatro inclusive, num programa de televisão, da SIC, em Março passado - se não me engano - a falar da doença bipolar e a dar o seu testemunho, enquanto família. Por tudo isso, e pela sua enorme coragem e fé, o Mário é credor da nossa admiração, extensiva naturalmente à Cristina e à Joana (LG).


Ontem de manhã [, 2 de Julho de 2009], a minha Adorada Glória morreu. O que sempre pedi a Deus que não acontecesse (perder uma filha), aconteceu. A Glória sofria muito com a sua perturbação bipolar, diagnosticada em 2003 (seguramente com manifestações há muito mais tempo, que nós sabíamos interpretar), tomava medicamentos potentes, por vezes misturava-os com álcool, outras vezes abandonava a medicação, com consequências lamentáveis.

Voltara aos estudos, encontrara um namorado com quem estava feliz, estava com projectos (ia agora frequentar um curso livre na Universidade Nova). Quando estava estabilizada, enchia a nossa vida com alegria, manifestava orgulho nos pais e irmã, vivia intensamente a pensar no futuro, com pensamentos construtivos. Maravilhava-se com as coisas mais simples, íamos hoje ao teatro, domingo à ópera.

Num dos últimos telefonemas prometeu não se exceder no uso dos medicamentos nem misturar a medicação obrigatória com substâncias adversas. Foi uma criança dócil, meiga, discreta. Tornou-se uma mulher bela, qualquer roupa realçava a sua beleza.

A doença mudou alguns aspectos da sua personalidade, mas a nossa Locas impunha-se no nosso coração, vivíamos sempre preocupados com a sua autonomia possível e o seu bem-estar, quando nós, os pais, partíssemos deste mundo.

Passei os últimos anos à espera de um milagre, só pedia a Deus que lhe desse a possibilidade de viver aquela vida com permanente alegria, sem delírios, acompanhada de gente que estimasse as suas admiráveis qualidades.

"Morte, onde está a tua vitória?»

Agradeço as vossas orações, o amor e a ternura que por ela nutriram. A Locas irá esta tarde para a Igreja do Campo Grande.

Mário


2. Comentário de L.G.:

Já telefonei, em vão, à Cristina. Deixei-lhe, no atendedor automático, uma mensagem de solidariedade na dor e no luto. Ao Mário, vou arranjar corajem para lhe escrever, publicamente, estas palavras.

É devastador para qualquer mãe e qualquer pai a morte de um filho ou filha. É um dos acontecimentos de vida, mais brutais, que nos podem destroçar pura e simplesmemnte, ou deixar um rasto de amargura até ao fim dos nossos dias. Nada será como dantes, depois da perda de um filho ou filha... A lei natural da vida é que sejam eles, os nossos filhos, a enterrar-nos. Não o contrário.

A Glória não teve tempo de viver em pleno a vida a que tinha direito e que ela tanto amava, apesar do sofrimento, por vezes atroz, que a doença lhe causava. Há pouco mais de três meses tive o privilégio de a conhecer pessoalmente. Era uma mulher deslumbrante, que se fazia notar pela vivavidade do seu olhar, pela sua inteligência e pela beleza do seu porte.

Tinha já tido conhecimento da sua doença, através do Mário, que me falou dela, com a natural preocupação e solicitude de um bom pai. Ainda tive o privilégio de a conhecer numa das suas fases solares. Era também alvo de especial atenção e compaixão da sua mãe, Cristina, que tinha muito orgulho nela. Em conversa ao telefone, sugeriu-me inclusive que a convidasse para um próximo encontro do nosso blogue, para podermos ter a felicidade de ouvir a sua voz, excepcionalmente dotada para cantar o fado.

Há três ou quatro meses atrás, a Glória veio entrevistar-me sobre a história do nosso blogue, a sua génese e o seu desenvolvimento. Essa entrevista foi gravada. Esforcei-me por responder, detalha e demoradamente, às suas interessantes questões, que constavam de um guião de entrevista que ela seguiu com grande competência e segurança...

Essa entrevista serviu de base a um trabalho escolar, “A Guerra da Guiné vista pelos Ex-Combatentes Portugueses”, que eu prometi, ao pai, publicar no nosso blogue, desde que não houvesse qualquer inconveniente, tanto por parte da autora como da instituição, a Universidade Católica.

Achei a Glória feliz e em boa forma. Vinha acompanhada de um amigo. Em Maio o Mário deu-me feedback, que o trabalho tinha merecido uma boa nota (16 valores). Mandou-me inclusive uma cópia do original (**). Mais recentemente, talvez em princípios de Junho, encontrei o Mário, no Chiado, mais a sua Joana, que é psicóloga numa instituição militar, e que estava acompanhada do seu marido. Tinham acabado de casar, há pouco tempo. O Mário, embora cansado e sempre sobrecarregado de trabalho, era um pai feliz. Nada parecia prever esta tragédia de início de verão (***).

Para o nosso camarada Mário Beja Santos e para a nossa amiga Cristina Revez Allen, ambos membros da nossa Tabanca Grande, aqui vão os nossos sentimentos mais profundos de solidariedade na dor e no luto. Mário e Cristina, a morte só nos ganha se não formos capazes de honrar a memória dos entes queridos que ela, precoce e traiçoeiramente, nos leva.

Mário, a ti que te conheço um pouco melhor, que estivemos juntos nalgumas batalhas da guerra da Guiné, e que és um homem crente, a tua fé, hoje como ontem, vai dar-te um ajuda, vai dar-te mais força para conseguires lidar com esta situação-limite. Nenhum de nós está à partida preparado para a morte que irrompe, assim, tão brutal, sem pré-aviso, no nosso círculo íntimo, na nossa família... É uma perda irreparável, mas talvez a Glória quisesse também dizer-nos, muito simplesmente, que há limites, humanos, para o sofrimento, que às vezes na terra há muito mais inferno do que céu...

Vejo, em todo o caso, na célebre interpelação do Apóstolo São Paulo, no discurso aos Coríntios, que tu citas ("Oh, morte!, onde está a tua vitória" ?), a reafirmação e a assumpção da tua firmeza de carácter, e da coragem (física e moral) de que sempre deste provas, na paz e na guerra, a par da tua fé inabalável que sempre deste público testemunho, aqui e noutros lugares.

Não tendo ido ao funeral da tua/nossa querida Locas, gostaria, ao menos, de ir à sua missa do sétimo dia, eu e a Alice, e levar-te pessoalmente, a ti, à Cristina e à Joana, as manifestaçõs do nosso apreço, carinho, amizade e camaradagem, em meu nome, em nome da minha famíla, em nome dos teus antigos camaradas de Bambadinca (1968/70), em nome de toda a nossa Tabanca Grande, em nome dos leitores e admiradores que tens no nosso blogue. Luís Graça

___________

Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série: 1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4449: In Memoriam (23): Luís Cabral ou o respeito por um homem que lutou por um ideal (Virgínio Briote)

(**) A Glória era aluna da Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Curso de Comunicação Social e Cultural, 3º Ano, Turma 2. Fez um trabalho para a disciplina de História Contemporânea, intitulado “A Guerra da Guiné vista pelos Ex-Combatentes Portugueses”, e que irá ser oportunamente publicado no nosso blogue.

(***) Reprodução do meu mail, de 1 de Maio de 2009:

Mário: Recebi o trabalho da tua filha, que apreciei e vou publicar, se não houver 'conflito' com a Católica... (Não sei se já foi entregue, discutido, avaliado)... Dá-lhe os parabéns (e ao pai que lhe deu umas dicas, de resto fazemos tudo pelos nossos filhos...). Em relação à transcrição da entrevista, reconheço que não é fácil, há pequenas correcções a fazer. Não a queres trazer ao nosso encontro de 20 de Junho ? A mãe disse-me que ela tem uma excelente voz para o fado (...)... Do Porto com um abraço. Luís

Mail do Mário, de 16 de Maio de 2009:

Luís, Acabo de vir de férias. A Joana comunicou-me que ia casar depois de eu já ter pedido a vários amigos hospedagem em Paris, Namur e Bruxelas. Venho deliciado, e o casamento da Joana também foi muito bonito.

Falei há minutos com a Glória, teve 16, parece que houve lá hoje [ na Universidade Católica,] um colóquio com vários escritores, todos falaram no blogue (*). Sem querer perder o viço das férias, vou mergulhar no trabalho, tanto no profissional como na 'Mulher Grande' que quero concluir até Setembro.

Não tenho lido nada no blogue e fiquei surpreendido com esta data de 20 de Junho. Vou ver o que posso fazer. (...).

Desculpa ser breve, a ver se nos encontramos, Mário.

domingo, 5 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

1. Mensagem de Vítor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 4 de Julho de 2009:

Carlos, olha o que deu uma noite de insónia!

Agora vou dormir.
Até logo.
VJ


Estimado Carlos Vinhal,
Para ti, aquele abraço que não pude dar-te em Monte Real.

Vai fazendo tempo que me mantenho sossegadito no meu cantinho. Têm aparecido tantos camaradas, com tanto para contar, que as minhas cantigas para além de não adormecerem ninguém, ficam a milhas da profundidade e até da beleza de algumas reflexões expendidas ultimamente no Blog, que continuo a seguir com toda a atenção.

Além disso, o Luís Graça ao nomear-me “Senador”, criou-me uma tremenda responsabilidade. Por um lado, retirou-me a prerrogativa de dizer calinadas, para o que sinto uma natural propensão. Mas por outro, se quis apontar-me como modelo de pessoa assisada, então mostrou que não é assim tão bom psicólogo! Porém, meu caro Vinhal, contigo sinto-me a jogar em casa.

As nossas Companhias eram irmãs. Respirámos o mesmo ar, calcorreamos os mesmos trilhos, descansámos à mesma sombra. Porventura até bebemos água da mesma bolanha. Falar-te dos meus estados de alma, nem necessita de cogitação prévia, porque eu sei que tu sabes aquilo que eu sei.

Hoje, porém, sinto-me um homem novo, liberto. Depois de, já lá vão uns tempos, ter visto na televisão um deputado a mandar outro pr’ó caralho em plena AR, ao mesmo tempo que prometia ir-lhe aos cornos “lá fora”, ontem, numa espécie de remake de baixo custo, vi um ministro a fazer uns cornitos mefistofélicos a um senhor deputado. Isto depois de uma conversa em que se ilustraram as baixezas de uns e de outros, sendo também consensual entre os tribunos que pelo menos alguns eram mentirosos.

Assim sendo, como sou humano e tenho emoções, dos usos e os costumes deste Blog alegremente abusarei e, desde já, requeiro o direito de me arrepender como fez o tal ministro.

Por falar em Blog, o nosso está um must. Pelo número de visitas e de páginas consultadas, podemos aferir da sua popularidade. Aqui bebem mestrandos, Doutorandos, autodidactas, jornalistas e simples internautas. Ainda que o core se centre na guerra da Guiné, a vastidão dos temas vai do segredo do tempero do cabrito que serviu de repasto no convívio dos camaradas da CCaç tal (e preço, porque o carcanhol está curto!) até às elucubrações de cariz sociológico acerca do posicionamento das populações nativas sob o domínio colonial e sua adesão às teses da libertação.

Navegando, ficamos a conhecer tão bem a táctica, a estratégia e os meios do IN, como se nas reuniões do seu Estado-Maior tivéssemos participado. Sim, porque o IN parece que tinha uma táctica, uma estratégia e uma determinação que, segundo alguns, mingavam nas hostes portuguesas. E com esses requisitos obteve brilhantes vitórias sobre as forças de ocupação, exaustivamente explanadas em dezenas e dezenas de páginas deste Blog que, muito justamente glorificam a superior inteligência e bravura dos soldados do IN e seus chefes. Propaganda, dirão alguns.

Mas o Blog também fala de nós. Apresenta por exemplo listas imensas (e inúteis) com nome, número mecanográfico e posto de paletes maralhal que passou pelo CTI da Guiné, fala dos feridos, dos mortos e dos burakos (?) onde vivos viveram enterrados, da alimentação para porcos, dos levantamentos de rancho, da falta de lençóis, da incompetência dos comandantes, de actos de insubordinação dos comandados, da revolta, da angústia e do medo dos soldados portugueses, mobilizados para uma guerra injusta e que não compreendiam, do desespero das famílias e do arrojo daqueles que, em vésperas de embarque, davam ao slaide.

Ficamos a conhecer camaradas que juraram a si próprios nunca disparar um tiro e, galhardamente, se aventuravam pelo mato adentro deixando a canhota pendurada no ferro do beliche, enquanto outros mataram porque sim. Mais recentemente, (post 4634) ouvimos falar do estoicismo do pessoal escalado para operações que nunca passaram do papel, de pessoal desmotivado e psicologicamente destroçado (não confundir com bandos!) que nunca ou raramente saiu dos abrigos, de SITREP’s falsos em que se reportavam acções de patrulhamento e combate que nunca existiram, da suprema humilhação infligida por um reles inimigo que tem o desplante de vir cagar junto ao nosso arame farpado, da mortificação do ego quando palavras como retirar, recuar, abandonar, entram na rotina.

Mas só agora, porque alguém neste Blog ousou abrir-nos os olhos e os ouvidos é que ficámos a saber que situações destas existiram, porque enquanto lá estivemos nunca tal ouvíramos dizer, não é verdade!?

Também tivemos oportunidade de conhecer uma extensa, desapaixonada e ideologicamente isenta filmografia que veio esclarecer aquilo que para os não iniciados parece um quebra cabeças, ou seja, como conseguiu o IN, que pelos melhores números nunca terá ultrapassado os três mil operacionais, pôr em cheque – para não dizer que derrotou militarmente –, uma força armada com o triplo dos seus efectivos, implantada no terreno, com uma capacidade logística incomparavelmente superior já que dominava as principais vias de comunicação incluindo as fluviais, dispondo ainda de meios pesados como artilharia, auto-metralhadoras, aviação e força naval.

Tenho ainda que fazer uma breve referência a alguma bibliografia reproduzida ou publicitada no Blog: Vasta, profunda e sem quaisquer objectivos comerciais, evidentemente. Acho que já só falto eu a dar ao manifesto a minha produção literária. Não tenho palheta para tanto e como tenho dúvidas sobre a firmeza do meu carácter, correria o risco de me transformar a mim próprio em mais um herói ou relatar factos de acordo com alguma inconfessa conveniência. Nessa não caio eu! Porque se a História é sempre escrita pelos vencedores, também é certo que a verdade é como o azeite, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir ao cimo.

Ah, quantas saudades do Blog dos primeiros tempos! Tudo se contava na primeira pessoa. Era tão simples, directo e autêntico.

Camaradas, desculpem lá qualquer coisinha.

Para toda a tertúlia, caso o bitate mereça publicação, segue um forte abraço deste que já não tem muito para dar.

Vitor Junqueira

Fotografia do aquartelamento do K3. Por aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira durante boa parte da sua comissão.

Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.


Mansabá, local e quartel onde a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira substituiu a CART 2732 do Fur Mil Carlos Vinhal.

Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.



2. Comentário de CV:

Caro Vítor, que bom ouvir-te de novo.
Tínha-me passado ao lado, desculpa a ignorância, a tua promoção a Senador. Se o Luís assim o entendeu, e sabemos como ele sabe avaliar as pessoas, estou inteiramente de acordo.

Dizes que a tua prosa, cantigas como chamas, não adormece ninguém. Pois não, como se pode ficar indiferente à qualidade da tua escrita? Pena que de vez em quando entres em hibernação e deixes de aparecer. Sabes que tens os teus fãs, entre os quais me incluo eu.

Voltando ao título de Senador, não há dúvida que exerces o cargo com alta competência, ou não vinhas junto de nós expôr as tuas oportunas críticas, daquelas que gostamos de ler, porque não ofendem, sendo antes o pensar de alguém com honestidade intelectual, como reconhecemos em ti.

Na verdade calcorreámos as mesmas picadas, refugiámo-nos atrás das mesmas árvores, emboscámos nos mesmos locais e sofremos igualmente pelas desventuras de cada uma das nossas Companhias e dos nossos camaradas. O que de mau acontecia numa Companhia era motivo de preocupação para a outra. Não eram ambas compostas, na sua maioria, por valentes ilhéus? Fomos vizinhos, primeiro, e locatários do mesmo aquartelamento, no fim. Não nos conhecemos então, mas temos a certeza de que faríamos, um pelo outro, na hora, o impossível.

Não comento os teus comentários, mas deixo-os aqui à consideração de quem nos lê.

Esperando que não nos voltes a privar de ti, tanto tempo como fizeste desta vez, deixo-te um abraço em nome dos editores em particular e da tertúlia, em geral.

O teu camarada e amigo desde as terras do Óio
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) vd. postes de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753

11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro


17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > (*) Novos talentos musicais: o ribatejano Manuel Traquina, interpretando o Fado do Sobreiro, um fado tradicional, recriado pelo fadista João Brasa, de Évora (vd. álbum de 2006, Vida Fadista), com acompanhamento à viola por Álvaro Basto (à esqureda) e David Guimarães (à direita)...

Eu sei que faltaram outros camaradas nossos, instrumentistas do fado, talentosos e versáteis, como o J. L. Vacas de Carvalho e o Jorge Félix... Mas a nossa Tabanca Grande tem sido uma caixinha de surpresas: este ano, no nosso encontro, houve, para além do Joaquim Mexias Alves e do Manuel Traquina, outros espontâneos que se ofereceram para cantar...

Infelizmente não tenho registo de todos, mas sei que, depois do Traquina, ainda acturam o José Martins, o José Pedro Neves e o Victor Barata (o nosso Zé Especial)... (Actuações que perdi por ter ido ao carro buscar pilhas para a máquina fotográfica e ter ficado depois a dar as despeddas ao Fernando Calado e ao Augusto Ismael, meus velhos companheiros de Bambadinca)...

Para o ano proponho, aos organizadores, que se promova um concurso de (novos e velhos) talentos musicais.

O Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, é também o autor de Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné. (**) . É autor, no nosso blogue, da série Venturas e Desventuras do Zé Olho Vivo (***)... Viveu em Angola, depois de ter cumprido o serviço militar
na Guiné. É natural do concelho de Abrantes, onde vive. Foi técnico de emprego, está hoje reformado.


Vídeo (2' 04''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados


2. IV Encontro Nacional do Nosso Blogue

Fado do Sobreiro


Mesmo ao cimo do montado,
No ponto mais elevado,
Havia um enorme sobreiro
Que a dar bolota e cortiça,
De todos era a cobiça,
No montado era o primeiro.

Certa noite a tempestade,
Fez-se ouvir lá na herdade
O rebumbar de um trovão.
E no céu uma faixa risca,
Quando uma enorme faísca
Fez o sobreiro em carvão.

Passaram-se anos e agora
No mesmo sítio lá mora
Um chaparro altaneiro,
Mas em noites de luar
Houve-se o montado a chorar
Com saudades do sobreiro.

É assim a nossa vida,
Constantemente vivida,
Sempre e sempre a trabalhar.
Mas quando a morte vem,
Nós deixamos sempre alguém
Com saudades a chorar.

Letra tradicional

Do álbum Vida Fadista (2006), de João Brasa

Música: Fado marcha Alfredo Marceneiro
_____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4609: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (17): Comentários para rescaldo (Carlos Vinhal)

22 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4559: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (5): Esse nobre sentimento..., na voz do fadista J. Mexia Alves... (Luís Graça)

(**) 30 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4441: Bibliografia de uma guerra (48) "Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné", de autoria de Manuel Batista Traquina

(...) "É um relato da minha vida militar, em especial a comissão na Guiné, acontecimentos dentro e fora dos aquartelamentos que de um modo geral são comuns a todos quantos passaram pela Guiné. Penso que muitos dos acontecimentos dizem muito aos milhares de militares que passaram pela região de Buba e Aldeia Formosa.

"Além de mais pretendi com este livro deixar um testemunho da realidade que foi a Guerra Colonial e homenagear todos quantos por lá passaram, em especial aqueles que lá perderam a vida.

"O livro está a ser vendido ao preço de 15,00 € mais portes, e poderei enviá-lo a quem o solicitar. Poderei também enviá-lo à cobrança ou a quem fizer a tranferncia bancária neste caso 16,00 €". (...)

Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. (?): Palha. 2009 (?). 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt]


(***)Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa

12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

Guiné 63/74 - P4641: Memória dos lugares (32): A ponte de S.Vicente ou Euro-Africana – Designação oficial (José Marques Ferreira)


1. Mensagem de José Marques Ferreira, ex-Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Guiné 1963/65, com data de 4 de Julho último:

GUINÉ – A PONTE DE S. VICENTE
(Ponte Euro-Africana, designação oficial)

Penso que qualquer cidadão europeu devia viver em África, pelo menos 6 meses, para poder dar valor ao que tem disponível no seu país, coisas que para qualquer europeu são banais, tais como, o direito à saúde, educação, o poder dispor de electricidade, água potável, etc., etc. Aqui nada existe, a não ser a tentativa de sobrevivência do dia-a-dia.

Dói a ausência de futuro nos olhos das crianças, dói o nulo investimento na formação, na educação, dói o tipo de vida resignada, dói que a única solução seja emigrar, ainda que precariamente. Dói que o eldorado esteja sempre do lado de lá. Dói pensar nas desilusões de quem passa para o lado de lá e encontra o que não esperava.

Dói a ausência de futuro e de estratégias de desenvolvimento. Dói que se morra de “coisas da Guiné”, espécie de doença generalista que agrupa tudo o que mata e se desconhece.

(Eng. Pedro Moço, empresa Soares da Costa, técnico da área de geologia que dirigiu a construção, na Guiné, da ponte de S. Vicente, no blogue psvicente.blospot.com)

Este post abre com as palavras de Pedro Moço, um técnico que pertence, na área acima indicada, ao grupo Soares da Costa.

Com ele tive o privilégio de trocar uns e-mails, nos quais ele me ajudou a identificar uma fotografia da Guiné, que tenho em meu poder e que me parecia uma ponte do Rio Mansoa, perto desta localidade.

Ponte de Mansoa - Rio Corubal (que não é a mesma coisa)

A minha companhia (CCaç 462) esteve nesta localidade, escassos meses, ou semanas, antes do seu regresso.

Por força das funções que tinha por apêndice e que já aqui esclareci, não fui para Mansoa, ficando a trabalhar em Bissau.

Mas alguém me fez chegar aquela fotografia. E sempre me ficou a ideia de ser uma ponte sobre o Rio Mansoa. Mas não…

Acabamos por concluir que esta ponte ou outra muito parecida (o que seria um tanto inacreditável) está no Rio Corubal (de que tenho por aqui, agora, algumas) e a sua concepção foi da autoria do Engº Edgar Cardoso, que também assinou, entre outras, a construção da ponte da Arrábida, no Rio Douro - ali próximo da terra do nosso camarada Vinhal.

Esclarecida esta situação, a história agora é outra…

Uma foto de ponte de S. Vicente - Janeiro 2009

Trata-se da ponte sobre o Rio Cacheu, ali mesmo em São Vicente!

O Engenheiro Geólogo Pedro Moço (não gosta que o tratem assim, mas estamos a falar em contextos profissionais!), esteve durante dezoito meses na Guiné, em anos recentíssimos, e deixou-nos o seu testemunho, que pode ser apreciado em http://psvicente.blogspot.com./ (blogue que criou exclusivamente, para historiar a evolução da construção da dita ponte).

A foto da ponte de S. Vicente (Soares da Costa)

Não faço comentários, porque as suas palavras, sentidas e honestas, deixam antever tudo o que lhe foi na alma nesse tempo e lhe vai actualmente, relativamente à situação caótica que se vive naquele território, às necessidades daquelas gentes e às suas tão tristes e pobres vidas.

E dizia-se, naquele tempo, que na Guiné era impossível a construção de pontes, por causa do tipo de terreno. Pois é, se calhar ainda não havia tecnologia de ponta como hoje, que permite colocar as estacas onde assentam os pilares de suporte, a muitas dezenas de metros de profundidade, mais ou menos a 35 metros (não confirmei), mas também não é isso o mais importante para esta narração…

Falo nisto a propósito, porque uma grande parte de nós esteve no meio do rio Cacheu, fez guarda à jangada que permitia a sua travessia, de margem para margem, noite e dia, portanto 24 horas/dia.

Atravessamos aquele local dezenas de vezes e, durante o tempo de guarda e vigia, também passamos muito bons momentos, quando nos deliciávamos com os petiscos, que íamos cozinhando ao fim da tarde, nomeadamente, os belíssimos, saborosos e enormes caranguejos, que ali apanhávamos da maneira mais simples; um arco de pipo, um bocado de rede e umas taliscas de bacalhau presas à rede, que tínhamos de “subtrair” no depósito de géneros.

O Vagomestre - Fur Mil Ernesto Milton Patrício -, que era natural de uma vila de Trás-os-Montes (um dia destes lembrarei o nome), consentia pacificamente nestes nossos “desvios”.

A ponte tem 730 metros de comprimento, foi concluída em 3 de Abril do corrente ano e inaugurada em 19 de Junho.

Quanta falta nos fez esta e outras pontes nos tempos em que por lá permanecemos? Sei que isto é um bocado de poesia, mas…

As fotos que acompanham esta história são recentes, como é evidente, e retratam a ponte já pronta (a utilização da foto foi autorizada pelo Engº Pedro Moço).

Há uma terceira que terá sido obtida por um missionário italiano, que está no blogue http://didinho.org/uma_viagem_especial.htm, onde consta a descrição de uma viagem que este homem fez do Senegal para a Guiné.

Curiosamente, a citada viagem teve o seguinte percurso; estando em Zinguinchor, o italiano rodou para nascente ao longo da fronteira e entrou na Guiné a norte de Bigene (segundo um mapa desenhado pelo próprio).

A foto do missionário italiano (muito idêntica à do Engº Pedro Moço – Soares da Costa)

Passado todo este tempo eu diria, divagando, que estando em Zinguinchor (uma cidade a norte de S. Domingos, onde já se ia em 1963, 1964, etc., no blogue há relatos de deslocações dessas), aquele homem podia vir a esta localidade fronteiriça da Guiné (mais directo) e depois por ali abaixo, ou por ali acima (porque na Guiné é difícil dizer o sentido correcto), vinha a Sedengal e a Ingoré.

Isto porque a descrição da sua aventura é datada de Maio de 2009, e nela está mencionada a fotografia da ponte que agora é objecto deste poste.

Fotos: © Autores mencionados (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
José Marques Ferreira
____________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

sábado, 4 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4640: Tabanca Grande (158): José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Bula e Tite, 1969/71)

1. Mensagem de José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117, Bula e Tite, 1969/71, nosso novo camarada, com data de 30 de Junho de 2009:

Caro Carlos Vinhal:

A vontade de entrar na Tabanca, já vem de algum tempo atrás, mas agora, e por insistência do António Maria, resolvi avançar.

Entretanto, já elaborei o texto que me parece relatar a minha história na Guiné.

Entretanto te direi que estive em Bula com o Pelotão de Morteiros 2117, Maio, Junho e Julho de 1969, tendo depois sido chamado a Bissau para tirar um curso de obuses, avançando depois para Tite com um Pelotão de guineenses onde passei o resto da comissão.
Ao fim de um ano fui baptisado com os famosos foguetões a que se seguiram mais três ataques.

Abraço do Zé Albino


APRESENTAÇÃO

Nome: José Albino Pereira de Sousa
Nascido em 23.1.1946
Natural do Porto (fui nascer à Maternidade) mas considero-me de Matosinhos.
Casado
Dois filhos e dois netos

Morada: Senhora da Hora
Curso Industrial de Montador Electricista (Matosinhos)
Ex-técnico da Portugal Telecom na Pré-reforma

Ex-Furriel Miliciano de Infantaria


A MINHA HISTÓRIA MILITAR

Assentei praça no RI5 (Caldas da Rainha) a 15 de Janeiro de 1968, onde fiz a recruta, tendo efectuado o juramento de bandeira a 5.4.1968.

Foi-me atribuida a especialidade de Armas Pesadas, (teria eu força para pegar nelas?) e segui para o CISMI (Tavira), onde conclui o curso de Sargentos.

Segui para o RI8 (Braga), onde colaborei em duas formações de recrutas.

Na véspera de Natal de 1968, sou particularmente informado que estou mobilizado para a Guiné.

No início de 1969 sou integrado no Pelotão de Morteiros 2117, que faz o IAO em Chaves, e em finais de Maio, lá vou eu no Niassa, rumo a África em defesa da Pátria (assim nos tinham convencido).

O Pelotão de Morteiros é enviado para Bula, e aí passo os meses de Junho e Julho de 1969, sem qualquer episódio de ataque ao aquartelamento.

Entretanto, sou informado que teria de ir a Bissau tirar um curso no BAC.(Sabia lá eu o que era aquilo).

Chegado ao tal BAC (Bataria de Artilharia de Campanha) é que percebi que éramos três dezenas de graduados (alferes, sargentos e furrieis, oriundos de Pelotões de Morteiros e de Canhões sem Recuo), e estávamos ali para receber formação de Obuses, como que emprestados à Arma de Artilharia, constituir Pelotões de Obuses 10,5; 11,4 e 14, com militares guineenses.

Confesso que com os morteiros em Bula, teria de adaptar os quase esquecidos conhecimentos adquiridos, ao terreno, mas com Obuses, as granadas iam mais longe, pelo que a responsabilidade aumentava, e daí o meu esforço em adquirir o máximo de conhecimentos para tentar safar a pele.

Quero dizer com isto que me esforçei para ter uma boa classificação, o que me permitiu escolher o Quartel de destino.

Lembro-me de o Comandante da BAC ler a lista de quartéis a serem reforçados com Obuses, e no fim eu lhe dizer que só conhecia Bula e mal.

Então eu vou ler de novo - disse ele.

...
TITE??!!!!!
...

Bem, talvez Tite disse eu, pensando, seja o que Deus quiser.

OK! Vai ver que não é tão mau como se diz. Como está do outro lado do rio, aqui em Bissau ouvem-se as saídas e rebentamentos, mas normalmente é a bater a zona.

E lá fui eu numa LDG, com dois Obuses 10.5, cunhetes de granadas, e talvez duas dezenas de guineenses de várias etnias, acompanhados das respectivas famílias.

Chegados ao destacamento do Enxudé, lá estavam os matadores para rebocarem os dois Obuses para o quartel de Tite.

Lá chegado, apresentei-me aos superiores e ao meu colega artilheiro, Fur Mil Figueiredo de Coimbra, responsável pelo 8.8 existente.

Por sorte não sofri alguns dos ataques por não estar presente no quartel.

Bula e Tite foram atacadas, mas eu estava no curso na BAC, outra vez tinha ido a Bissau levantar os vencimentos do pessoal, etc.

Até que chegou a minha vez a 19.5.70, ao fim de um ano de espectativa, e logo com os tais foguetões.

Lembro-me de os dois obuses terem disparado cerca de 140 tiros nessa noite. Foi medonho.

Entretanto o Fur Mil Figueiredo regressou à metrópole e algum tempo depois chegou o Alferes Rocha do Porto, que comigo apanhou um violento ataque a 3.8.70, com morteiros e canhões sem recuo, estava eu a chegar de férias e o Salazar a morrer.

Contrariando as ordens do Major Martins Ferreira (BCAV 2867), (fogo só á ordem), reagimos ao ataque do PAIGC e os valentes artilheiros responderam com cerca de duas dezenas de granadas. Assim acabámos com o ataque.

Porque a iniciativa de reacção ao ataque foi da minha responsabilidade, (o Alferes Rocha também mandou umas ameixas, mas o Major não se apercebeu), fui ameaçado de ser despromovido, ser enviado para Pirada e pagar as cerca de duas dezenas de granadas. Calei-me e não deu em nada.

Depois disto, o Alferes foi não sei para onde e eu fiquei a comandar o pelotão até ao final da comissão, tendo vindo mais um Obus 10,5 com um novo camarada de Artilharia, Fur Mil Costa, dos Arcos de Valdevez, com a função de evitar que a partir de Bissássema, o PAIGC alcançasse Bissau, o que tentaram fazer no meu tempo, e mais tarde, penso que com êxito.

Lembrei-me agora que uma vez mandaram-me fazer cálculos de tiro para o mar (?) e apontar as peças quando recebesse as ordens. Era a operação Mar Verde.... em Conakri.

Refiro ainda outro ataque a Tite, já no final da comissão, com as granadas a cair fora do arame farpado.

Foram cerca de 17 meses em Tite, colaborando com o BCAV 2867 e BART 2924, até que recebi ordem para regressar a Bissau e juntar-me ao Pelotão de Morteiros 2117, de onde era originário, regressando à Metrópole no Angra do Heroismo, nos princípios de Fevereiro de 1971.

Obs:- Nunca disparei um Obus, apenas conferia os elementros de pontaria no limbo e no tambor que transmitia ao apontador, quando era para bater a zona, e por vezes ainda dava mais duas maniveladas.

Quero ainda deixar aqui o meu grande respeito aos guineenses, vítimas de políticas desumanas e políticos dementes, que lutaram heróicamente em nome de Portugal.

Zé Albino

Bula > Junho de 1969. Com dois meses de Guiné, claro que não era o pai.

Bula > Morteiro 81 > Pel Mort 2117

Tite > Pelotão de obuses 10,5 (190/71)


2. Comentário de CV:

Tenho o prazer de apresentar à Tertúlia mais um amigo, daqueles que, embora não se vendo com frequência, não se esquecem. Nos últimos três anos temo-nos encontrado no almoço dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos. O nosso novo camarada José Albino, Zé Albino para os amigos, é um companheiro dos velhos tempos da Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, frequentou o mesmo curso de Formação de Montador Electricista ao mesmo tempo que eu e o António Maria, camarada recentemente entrado para a Tabanca. Temos na Tertúlia ainda mais um ex-aluno da mesma Escola, o António Tavares e um professor, o ex-Cap Mil Ferreira Neto.
Se começasse a enumerar os tertulianos do nosso Blogue residentes no concelho de Matosinhos, arranjava uma longa lista.

Caro Zé Albino, estás apresentado à Tertúlia. A partir de agora tens a responsabilidade de contribuir para o espólio do nosso Blogue. Há sempre algo para contar, resquícios de uma vivência contidos nos confis da memória, que podem e devem ser patilhados por todos.

Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome de toda a tertúlia. A partir de hoje tens mais três centenas e meia de amigos que não conheces ainda, mas que tiveram a mesma experiência que tu, viveram e lutaram contra o clima, falta de condições, fome, estado de guerra e outras privações, naquela terra que ainda hoje temos no nosso coração, a Guiné-Bissau.

Para ti, um especial abraço do teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4625: Tabanca Grande (157): Constantino Costa (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/74)

Guiné 63/74 - P4639: Histórias de José Marques Ferreira (1): A minha relíquia da Guiné é um lindo punhal



1. Mensagem de José Marques Ferreira, ex-Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Guiné 1963/65, com data de 1 de Julho passado:


Camaradas,

Esta é a minha primeira participação neste blogue. Já enviei, em tempos, os meus elementos identificativos que, entretanto, me haviam sido solicitados.

Pelo muito que tenho lido por aqui, neste nosso blogue, há factos vividos por camaradas nossos, que nos deixam um tanto ou quanto fora de órbita. Porque, como se hão-de aperceber, felizmente para mim durante dezasseis meses, apenas fiz turismo na Guiné!


Para desanuviar os vossos tão aterradores relatos, esta minha primeira participação tem a finalidade de tentar fazer, com que o “ambiente” se torne menos pesado.

Espero que alguns de vós tenham a pachorra de ler esta minha história e lhes dê, pelo menos, alguma vontade de sorrir. Para mim já era bom...

Seguem em anexo algumas fotografias, uma delas de um punhal que tenho aqui em casa e ao qual se refere esta narrativa e, as outras, são da localidade de Ingoré - anos de 1963 - 1964.

Numa das fotos, vê-se uma reunião de autóctones, em atitude de "ronco" e, ao fundo, parte das então instalações primitivas da Companhia de Caçadores 462, que se situavam do lado da estrada que ia para Barro, lado nascente.

Outra foto, onde se vêm as instalações mais perceptíveis, mas não se vê o refeitório, camaratas, etc.

Na última foto, havia mais "ronco", já não sei de quê . Nela se nota a casa, que foi alugada pelos militares, para as instalações de cripto, comunicações, secretaria e até dormitório dos oficiais.


Lembro-me que o dono desta casa, que anteriormente a utilizava para a tradicional actividade comercial e que ficou com a outra casa, logo ao lado, desenvolvendo a mesma actividade.

Era do concelho de Oliveira de Azeméis e chamava-se Artur (só me lembro do primeiro nome).

Esta história está também no meu blogue: "terrasdomarnel.blogspot.com", assim como outras, para quem quiser fazer o favor de consultar.

Aqui vai a história:

Carabana Xerife era uma tabanca (aldeamento), paredes meias com a fronteira do Senegal, próximo de Ingoré, tendo ainda a meio caminho a tabanca de Ingorézinho.

Haviam informações de que o inimigo (IN) tencionava atacar Ingorézinho. Foram tomadas algumas precauções e, entre elas, uma secção foi destacada para dormir lá, tendo em atenção as suas dimensões e a sua situação estratégica, acrescidas pelo facto que constituía a "qualidade" dos seus habitantes.

Não sei a data exacta deste acontecimento (talvez meados de 1964), porque havia muita chuva, como é costume na Guiné, na chamada época “das chuvas” (que aconteciam habitualmente a partir dos meses de Maio).

A páginas tantas fomos acordados e foi-nos pedida uma "dúzia" de “voluntários”, que pretendessem ir a Ingorézinho, pois as comunicações (via rádio), davam conta da presença de alguma "malta IN", que estava a “chatear”.

Pensei eu então : “E logo ao fim de mais de um ano, em que se havia poupado alguma verba ao Orçamento de Estado Português, pois toda a gente se limitava a ter em boas condições de funcionamento as suas armas individuais e as respectivas munições (que ainda eram as mesmas do início da comissão)”.

Ou seja, tínhamos passado quase despercebidos o tempo todo... ninguém se lembrava de nós... era só turismo... e agora?

Entre o grupo voluntário que foi ao encontro da secção fiz-me incluir e lá fomos a correr, ao longo da bolanha, em direcção a Ingorézinho. Ainda não havia os acessos que agora existem.

Tínhamos de ir a pé... embora talvez existisse um acesso àquela tabanca pela estrada que ia para Barro, mas bastante longe, já não me lembro bem.

Ali chegados, juntamente com o comandante de Companhia, fomos mais à frente até Carabana Xerife, a tabanca fora atacada e destruída e, na presença do furriel que comandava a secção, o capitão perguntou:

- Chegaram a vê-los? Não foram atrás deles?

O furriel respondeu que sim, mas que deram com a fronteira e, este, entendeu que não devia ir mais além.

Como não tinha ainda decorrido muito tempo, o capitão desata a correr, passa o marco da fronteira, por sinal um marco de dimensões razoáveis, de pedra e cal, que não deixava margem para dúvidas sobre a delimitação dos terrenos (qual marco que delimita as nossas propriedades), e todos nós toca a correr atrás dele, entrando uma distância ainda razoável em terreno de outro “dono”.

Foi tudo infrutífero, porque o grupelho (não seria ainda um grupo organizado para a guerrilha, sem meios que não fossem algumas facas, catanas e caixas de fósforos) tinha desaparecido.

O resultado deste alvoroço todo (porque não foi outra coisa comparado com aquilo que, na mesma região e local, passaram camaradas nossos, cujas histórias estão contadas em blogues e outros locais internautas), apenas resultou na destruição da tabanca pelo fogo ateado pelo IN.

Só vos digo que nunca vi tantas galinhas, cabritos e porcos estorricados, entre as palhotas todas destruídas.
Eu não tenho fotos do local, sei que existem algumas, mas não posso precisar quem as tem...

A população foi recolhida para próximo do aquartelamento, junto a Ingorézinho.

Quando eu regressava da inglória perseguição ao IN, já o sol raiava. Ao passar junto a uma enorme árvore, reparei que junto dela estavam folhas frescas todas amachucadas, com sinais que o grupo atacante ali teria estacionado e aguardado o melhor momento para o golpe.

Senti então uma necessidade fisiológica, ainda dentro do terreno do Senegal, e tive que me aliviar, o que fiz junto da citada árvore...

Como estava inquieto, olhava sempre em várias direcções, até que vislumbrei no solo um punhal bastante "jeitoso", que logo apanhei e coloquei no cinto das cartucheiras.

Quando cheguei junto do capitão, como era minha obrigação dei-lhe conta do achado daquela prova "incriminadora", entregando-lha.

Chegados ao aquartelamento, como nessa altura eu era o "administrador" da companhia (não havia primeiro-sargento e como eu, na vida civil, era empregado de escritório, com conhecimentos de contabilidade dos antigos cursos das Escolas Comerciais e Industriais, tinha sido convidado para tarefas administrativas), lá tive de dactilografar o relatório da “operação”, que entretanto o capitão havia manuscrito.

Terminado o relatório, fomos dar um "passeio" até Bula (comando operacional do Batalhão de Caçadores 507 (Ten Cor Hélio Felgas), que depois foi substituído pelo Batalhão de Cavalaria 790 (Ten Cor Henrique Calado), entregar o mesmo e o punhal.

No meio destas Unidades Militares, convém esclarecer que eu pertencia à Companhia de Caçadores 462, procedente de Chaves.

A história do punhal não ficou por aqui, pois nunca deixei de "chatear" o Capitão Milicinao Jorge Saraiva Parracho, para que o punhal - que nada dizia e ajudava à solução de qualquer problema (a não ser uma hipotética ligação ao grupo assaltante) -, me viesse a ser devolvido, já que constituía, para mim, uma "relíquia" da Guiné.

Este meu comportamento acabou por dar resultado, pois um dia, numa deslocação Bula (de que eu fazia parte), apareceu-me o capitão com um envelope na mão, que me entregou. Dentro dele, estava o punhal que eu tinha encontrado em terreno do Senegal (graças ao tal alívio fisiológico que me fez parar).

Naquele período de tempo, era uma guerra que até dava para isto...

Eis o punhal na foto acima, que tem uma bainha feita em cabedal por um artesão de Ingoré.

Penso que posso terminar a dizer, com a liberdade que hoje temos, que:

Nas "Conversas em Família" do Prof. Marcelo Caetano, dizia ele que o Senegal protestava, constantemente, pelo facto de se invadir o seu território, por parte das nossas tropas. E justificava-se que, em guerra e tão próximos da fronteira, como resultado da refrega, era natural que alguns projécteis saídos dos canos das armas ligeiras (ainda não havia em Ingoré canhões sem recuo, na altura em que lá estive), fossem cair "acidentalmente" no Senegal. Mas... invasões? Nunca!...

Ria-me (em casa) porque sabia o que se passava. Mas tinha, para mim, uma outra interpretação, é que os marcos da fronteira estavam separados e só eram descortináveis, de longe a longe, a pequenas distâncias. Quer dizer que, na floresta, numa perseguição, não se dava conta da fronteira, porque não tinha qualquer vedação mesmo que fosse de arame, além dos referidos marcos, nalguns casos indetectáveis e, ainda por cima, camuflados pela vegetação.

Que se invadia o território, invadia-se… mas posso afirmar que, a maioria das vezes, era feito sem qualquer intrenção!

Nota final - A tabanca destruída, foi posteriormente reconstruída por uma das últimas Unidades sedeadas em Ingoré, de que fazia parte o Manuel Silva Ferreira Martins (mecânico) e o Armando Santos (maqueiro), que ficou ainda algum tempo por lá, na tabanca, dando a colaboração da sua especialidade à população.



Fotos: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
José Marques Ferreira
__________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4638: Um comando africano na Guerra da Guiné. Amadu Bailo Djaló. (V. Briote)

Um comando africano na Guerra da Guiné

Amadu Bailo Djaló


Caros Camaradas

Está na fase final o trabalho a que me propus. Passar para português legível todas as páginas que o Amadu foi escrevendo ao longo dos anos que durou a Guerra.

Não podemos estar à espera de uma obra-prima, nem de um trabalho exaustivo sobre os nossos anos na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não há ficção, não se trata de um romance.

A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado. Amadu escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos e apeamentos, de progressões na mata, de encontros com os nossos INs de então, de trocas de tiros, morteiros, roquetes, de feridos e mortos, de evacuações e abandonos.

E de nomes de localidades, de Bafatá, Bissau, Bolama, Bambadinca, Fá Mandinga, Farim, Cuntima, Guidage, Guileje, Gandembel, Gadamael, Conakry, Gabu, Piche, Mansabá, Canquelifá e de tantas outras. Dos rios Corubal, do Cacheu, do Geba e de outros, de afluentes, margens, tarrafos, poilões, bissilões, mangueiros e cajueiros.

1. Infelizmente o Amadu Djaló trouxe poucas fotos, meia dúzia no máximo.

E é aqui que faço um pedido a todos os Camaradas que têm escrito e enviado imagens desses anos da Guiné para o nosso blogue, de Luís Graça e Camaradas da Guiné. Que disponibilizem fotos com a qualidade possível para, eventualmente, serem inseridas no livro.

Muitos livros que se têm publicado sobre a Guerra que travámos na Guiné trazem fotos, a maioria de fraca qualidade. Não me parece ser boa ideia inserir uma foto de dimensões reduzidas, de fraca resolução. Estou consciente que é um pedido difícil.


Lanço aqui lançado o pedido aos Camaradas que têm fotos, em condições indispensáveis para serem tratadas, para as disponibilizarem com a indicação do local, ano provável e do autor.

2. Para esclarecer dúvidas sobre factos relatados pelo Amadu Djaló continuo a recorrer a testemunhos de camaradas que assistiram ou participaram em alguns desses acontecimentos.
Nos últimos tempos contactei:

o Coronel Raul Folques que, como capitão participou em algumas das operações relatadas pelo Amadu, nomeadamente na "Ametista Real", a Kumbamory, agrupamento de que Amadu fez parte.

Nessa operação, já na retirada, o então Capitão Folques foi atingido por uma bala que lhe atravessou uma perna.

Disse-me que a retirada para Guidage foi penosa, embora com grande ajuda dos seus comandos africanos. Que via forças do PAIGC e de páras senegaleses com apreciável poder de fogo, a aproximarem-se do último grupo em retirada, grupo de que ele e o Amadu faziam parte.

Que pediu apoio aéreo e que, devido à proximidade das forças em combate, mandou lançar granadas de fumo para melhor referenciação.

Que no contacto rádio com o comandante da patrulha, insistiu que o apoio dos Fiats era indispensável para a retirada, e que, face à superioridade numérica e de fogo das forças INs, se o apoio aéreo não se concretizasse acabavam por ficar todos no local.


Relata que Amadu Djaló nunca o abandonou, que se manteve sempre ao seu lado até o ver estendido numa sala a abarrotar de feridos no aquartelamento de Guidage. Lembra-se do cheiro da sala e da assistência prestada por um médico (Trindade? Espírito Santo? Do nome não se lembra ao certo, ficou foi com a ideia que o nome do médico lhe soou a santidade).

Que, acabado de o socorrer, o médico lhe perguntou se queria alguma coisa. Um copo de uísque, respondeu. Era a última coisa que lhe podia dar, foi a resposta que ouviu.
Minutos mais tarde viu entrar na sala o Coronel Correia de Campos, Comandante do COP, com um copo de uísque na mão. E que o uísque não se sentiu bem, preferiu sair logo.


Mais tarde o então Capitão Folques foi promovido a major e nomeado Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné, em substituição do Major Almeida Bruno.
Voltou a encontrar-se, ainda em 1973, na zona de Canquelifá com os seus antigos comandos então destacados na CCaç 21, quando fez uma sortida a uma povoação fronteiriça, tentando aliviar a pressão a que as povoações da área estavam sujeitas.


E destaca o papel da referida Companhia, comandada pelo capitão Abdulai Queta Jamanca e da qual o então alferes Amadu Djaló, hoje cabo, fazia parte.

Depois foi a vez de procurar chegar à fala com o General Almeida Bruno, que ainda como capitão foi um dos criadores dos comandos africanos e, como major, o 1º Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné.
Interessado em dar todos os esclarecimentos necessários que possam contribuir para elaboração das memórias do Amadu, o General convidou-nos para um encontro.

Estive presente com o Coronel Raul Folques e o Amadu Djaló. Foram horas de uma tarde a ouvir os três antigos comandos, sobre a formação dos comandos africanos, Kumbamory, de episódios que um ou outro já tinham esquecido e que agora, ao recordarem, ainda acrescentam um ou outro pormenor.


- Ah, eras tu que vinhas ao meu lado no regresso a Binta? Eras tu, Amadu? Perguntava o General.
- E a minha conversa com o major pára senegalês! Ele puxou de um cigarro de uma marca que eu apreciava, os Gauloises. Ofereceu-me um, sentámo-nos a fumar e a conversar. Era um tipo simpático. Uma chatice o que lhe aconteceu a seguir. E Morés, Amadu, Morés que tanto sarilho nos deu!




Coronel Raul Folques, General Almeida Bruno e Amadu Bailo Djaló, em 28/06/09. Foto de V. Briote.

Em 2 de Julho o General Almeida Bruno telefonou-me. Tinha precisado apenas de meia dúzia de dias para ler o rascunho das Memórias do Amadu Djaló.
Que o achava um documento único e importante por ter sido escrito por um antigo Camarada Africano.
Nas passagens em que o seu nome aparece mencionado, que se lembrava de algumas, de outras não. E que era importante proceder a uma nota de rodapé: a designação oficial, correspondente à ideia com que foi formado, era Batalhão de Comandos da Guiné e que a designação de Batalhão de Comandos Africanos se popularizou depois e foi com esta última que passou a ser conhecido.

E fotos são precisas, acrescentou. Que não tinha nenhuma, que as que trouxe da Guiné arderam num incêndio que vitimou a sua mãe.

O Comandante Alpoim Calvão é várias vezes citado pelo Amadu e o objectivo do meu contacto pessoal era solicitar-lhe alguns esclarecimentos nomeadamente sobre incursões da 1ª CCmds Africanos a aldeias senegalesas na zona de Pirada e sobre a operação a Conackry.

Em 29 de Junho de 2009, levei o Amadu ao encontro com o Comandante.
Conheci o então 2º Tenente Calvão na Guiné, ainda no início da minha comissão, talvez entre Abril e Junho de 1965. Recordo-me de o ver a conversar com um camarada, penso que era o tenente Saraiva, que estava connosco na esplanada do Hotel Portugal.
Nessa altura, eu fazia parte de uma tetúlia que incluía gente que tinha participado com os fuzileiros do então 2º Tenente em várias operações, particularmente na “Tridente”, em que o DFZ se tinha particularmente feito notar.

Depois das apresentações, o Comandante sentou-se connosco numa grande mesa oval.
- Já sei, Amadu, que tens várias coisas escritas sobre aqueles tempos. Fazes bem, relatar os acontecimentos pelos teus olhos, independentemente dos relatórios oficiais.

Mostrei-lhe duas ou três fotos de 1965, inéditas para ele. Olha o general Schulz, o Maurício Saraiva, ia dizendo enquanto folheava o rascunho das partes em que o seu nome aparece.
O Amadu relembrou-lhe as incursões na zona de Pirada, de que o Comandante mostrou ter ainda bem presente e que ainda acrescentou um ou outro pormenor.

Depois falou-se de Conackry e do muito que já se escreveu sobre o assunto.
Diz ter conhecimento que John McCain publicou em inglês, ainda não traduzida para a nossa língua, uma obra sobre a nossa Marinha na Guerra da Guiné. E que teve recentemente conhecimento de que a op. “Mar Verde” é tratado como um “case-study” numa escola naval norte-americana.
E mais, que, muito recentemente, foi publicada uma brochura sobre as operações navais da nossa Marinha de Guerra, em que a “Mar Verde” é descrita com algum pormenor. E finalmente que, de todas as obras publicadas até à data, a do Luís Marinho lhe parece aproximar-se mais do que pensa ter sido a ida a Conackry.

Relatou factos sobre a retirada, sobre a incrível história do Nanque, que andou de país em país até aparecer em Lisboa. Na altura, Alpoim Calvão era, se ouvi bem, o Comandante da Defesa Marítima quando foi alertado que um tal Nanque, que afirmava ter participado na ida a Conackry, se encontrava em Lisboa.

Não tenho palavras para descrever a colaboração que o Coronel Matos Gomes tem dado. A formação dos cmds em Mansabá (julgo que no tempo do então Capitão Pereira da Costa), nomes de operações, datas, pormenores, e sobretudo, o enquadramento das acções, quais os motivos porque certas ops foram executadas em determinadas áreas, aspectos que faltam nos escritos do Amadu Djaló.

Falou da mata da Coboiana, do local do Irã que encontrou, das acções de fogo em que a 1ª CCmds se envolveu, do momento em que a zona em que um heli se aprestava para uma evacuação foi varrida pelo fogo IN atingindo todos os oficiais da 1ª CCmds.
Nem o heli escapou mas, aos abanões lá conseguiu levantar com os feridos rumo ao HM 241.
Dali para a frente a acção prosseguiu com o sargento mais antigo a comandar e com o então Capitão Matos Gomes, o menos ferido, a supervisionar.

Fico por aqui, não me alargo mais se não acabo de contar o livro todo.

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Notas de vb:

artigo relacionado em 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)