quarta-feira, 29 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4756: Historiografia da presença portuguesa em África (19): 1.º Cruzeiro de férias às colónias de C. Verde, Guiné, S. Tomé... (Beja Santos)


1. Do nosso Camarada Mário Beja Santos, ex-alferes miliciano que comandou o Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca - 1968/70, recebemos a seguinte mensagem. Em 29 de Julho de 2009:




1º Cruzeiro de férias às colónias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola




Recordo-me perfeitamente como se fosse hoje: em meados de Maio de 1968, logo que fui informado que estava mobilizado para a Guiné, procurei o meu querido amigo Ruy Cinatti, aprazamos um fim de tarde, vim directamente do Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora, quando estava incorporado no BCAÇ 2851, apresentei-me na sua casa na Travessa da Palmeira nº 12, 3º direito, perto do Largo do Príncipe Real.

Logo que lhe falei da Guiné, para minha surpresa, o Cinatti falou-me saudoso de Bissau e de Bolama, e o tema do nosso jantar foi essa viagem ao longo de Agosto e Setembro de 1935 a bordo do navio Moçambique, veio à baila a presença de Marcelo Caetano e o apoio da revista O Mundo Português, então a mais influente publicação da Agência Geral das Colónias e do Secretariado da Propaganda Nacional.


Mas, no fundo, o que mais impressionara Cinatti fora Cabo Verde e sobretudo S. Tomé.

Em dada altura, na sua exposição acalorada, os seus olhos brilhantes ainda mais intensos pela pinga, observou-me: “Com as belezas de Cabo Verde e com as gentes que encontrei nas ruas, sabia que precisava de viver numa ilha. Foi Timor o meu feitiço.


Mas o paraíso encontrei-o em S. Tomé, foi lá que escrevi alguns dos poemas que não reneguei, ali me inspirei para o meu conto Ossobó, que hoje lhe entrego.

Estivemos pouco tempo na Guiné, guardo no corpo aquela humidade quando o navio passou a ponte de Caió. V. vai dar-se muito bem com aquelas gentes”.

E assim morreu a minha informação sobre aquela mocidade académica que percorrera durante cerca de dois meses uma parte do Império Colonial.


Encontrei agora O Mundo Português que anuncia o evento, o número de Setembro – Outubro de 1935.

Alguém descreve a entrada em Bissau, os batuques a receberem os jovens no cais do Pidjiquiti, as aves de cores variadas, os jagudis alimentando-se de dejectos (havia então uma multa de 500 escudos para quem matasse estas aves) referindo-se que a vegetação era de um verde quase escuro, os mamífero de pequeno porte, e que alguns dos autóctones ainda se aproximavam a medo dos brancos.

O relato refere o baile oferecido pelo governador, um espectáculo com lutas e o autor escreve: “em que apreciei a agilidade, resistência e lealdade, qualidades que poucas vezes se vêem nos brancos. Os pretos são extraordinariamente bem constituídos”.

O governador da Guiné era o major Luiz António de Carvalho Viegas, que discursa assim na recepção aos jovens a quem se pretende dar uma lição de nacionalismo colonial, e deplorando a rapidez da visita que não permite mostrar pormenorizadamente aos jovens aspectos como: “A ordem, o sossego e a tranquilidade que há entre as 17 raças e sub-raças, de civilizações, hábitos e costumes completamente diferentes; como a colónia é cortada em todos os sentidos por estradas sobre algumas das quais os vossos automóveis podiam rolar a uma velocidade média de 90 km/hora; veriam as suas matas onde se encontra a onça, a pantera, a hiena, o leão e o elefante, as suas lagoas povoados de cavalos-marinhos e crocodilos, as suas opulentas palmeiras cujos frutos nos oferecem o coconote e o óleo de palma...”.

Importa esclarecer que não houve segundo cruzeiro às colónias, vá lá saber-se porquê...

Extraí algumas imagens que me pareceram bastante impressivas: junto ao túmulo de Honório Pereira Barreto em Bissau e duas imagens de Bolama, então capital da colónia.

Esta revista ficará a pertencer ao espólio do nosso blogue.


Uma guineense “modernista”

Beja Santos
Alf Mil do Pel Caç Nat 52

Imagens: Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4755: Blogpoesia (55): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (IX Parte): Do início da República à Grande Guerra (1910/17)

Guiné > Região do Oio > Fatim > 2ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74) > 1974 > "Este vosso escriba com as divisas de bico p'ra baixo apostas (só mesmo para a fotografia)... O 'artista' empoleirado numa árvore junto à bolanha onde pescávamos. Foto tirada a 13 de Março de 1974, em Fatim, perto de Nhacra, já no bem bom"... (MM)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Cafine > Maio de 1973 > "Junto a uma das mesas da nossa 'messe', em Cafine, creio que em Maio de 1973... Na foto, vê-se o Capitão Terrível (1º à esquerda), o Alf Dias e o Fur Martins (falecido); do lado direito, Fur Afonso (falecido), Fur Vitor Codeiro (membro do blogue), Fur Moura; e eu, ao fundo" (MM)...

Guiné > Guiné > Região do Oio > Nhacra > Fatim > Novembro de 1973 > Destacamento da 2ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74) > O Manuel Maia mais o Agulha, faxina de Fatim, "já no bem bom de Fatim, em Novembro de 1973" (MM)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Cafine > Agosto de 1973 > Destacamento da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74) > Os depósitos (!) de água do destacamento... Na foto, o autor, desfardado...


Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > Janeiro ou Fevereiro de 1973 > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74) , Os Terríveis > O Manuel Maia fotografado... em território inimigo, no mítico Cantanhês (leia-se, fora do arame farpado

"Esta fotografia é a 'prova provada' que contraria a versão de AB [Almeida Bruno], já que o indivíduo de tronco nu, que às vezes andava fardado de militar do Exército Português com umas 'divisas amarelas de bico pa'ra baixo' , modestas mas dignamente ganhas, acusado juntamente com mais uns milhares de militares, está sentado sim, mas... do lado de fora do arame farpado!!!

"O 'militar desfardado' não teve medo de se deixar fotografar froa o arame farpadi só para que se
soubesse que ali bem perto, a escassos meros, não se recebiam medalhas, mas ferro quente.

"Ainda bem que tenhio este documento comprovativo de que às vezes estávamos fora do arame farpado" (MM)...

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados.



Lisboa > 1917 > A partida para a guerra (excerto): uma das mais emblemáticas fotos do Joshua Benoliel (1873-1932), o maior fotojornalista português das duas primeiras décadas do Séc. XX. (*) Arquivo fotográfico do Arquivo Municipal de Lisboa.

Fonte: Foto de Luís Graça (2005), obtida na Exposição Joshua Benoliel (1873-1932), Repórter Fotográfico que decorreu em Lisboa, Cordoaria Nacional, de 18 de Maio a 21 de Agosto de 2005.

IX parte da História de Portugal em Sextilhas, escritas pelo Manuel Maia, licenciado em História (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74). Texto enviado em 15 de Julho último (*).


História de Portugal em Sextilhas,
por Manuel Maia (*)


Da proclamação da República em 1910 até à participação de Portugal na I Guerra Mundial, em 1917


247-No cinco de Outubro perecia
a velha portuguesa monarquia
que o rei primeio dera de presente.
É Relvas quem proclama em Lisboa
o fim da já vetusta lusa c´roa,
por troca co´a República emergente.


248-Nascido nos Açores, Ponta Delgada,
de aristocrata gente, bem criada,
bem cedo conheceu a orfandade.
Da Escola Coimbrã foi fundador
ao lado dum Antero, interventor,
Teófilo mostrou capacidade.



249-Doutoramento alcança com Direito
e cátedra de Letras toma a peito,
de Augusto Conte foi estudioso.
Republicano, assume a presidência,
este homem que era poço de ciência,
no galarim da história bem famoso.

Teófil Braga (1843-1924)
Fonte: Wikipédia


250-Teófilo que é Braga tem chefia,
do elenco provisório que fazia,
da Igreja inimigo figadal,
ao promulgar a lei/separação,
e promover a subordinação,
da mitra ao poder forte, estatal...


251-Na luta contra a Igreja, em guerra aberta,
as várias Ordens vão ter morte certa,
imposta do país sua expulsão.
Governo ao publicar a lei da imprensa,
divórcio, greve, impõe feliz sentença
que fez regozijar toda a Nação...


252-Aceite pela nova Constituinte,
regime dá depois passo seguinte
e faz de A Portuguesa o nosso hino.
Para ocupar cadeira que está vaga,
um outro açoreano, Arriaga,
o mais alto lugar tem por destino.


A Bandeira Nacional
adoptada pela República,
por Decreto nº 150, de
30 de JUnho de 1911

Fonte:
Wikipédia


253-Desejo de invasão então motiva
monárquicos, que fazem tentativa
de entrada pelo Norte, lá em Vinhais.
Couceiro e Sousa Dias, derrotados,
p´la força retrocedem, humilhados,
voltando bem mais tarde a dar sinais...


Afonso Costa (1871-1937)

Fonte: Wikipédia


254-Cobiça de Alemães e Ingleses
visando territórios portugueses
Os Dembos, em Angola, instigará.
Afonso Costa chega ao poder
e usando a força p´ras greves conter,
mil ódios e revoltas gerará...


255-Reais adeptos com sindicalistas,
apoiam Lima Dias e grevistas
querendo derrubar governo eleito.
Perdendo, enchem celas das prisões,
Afonso Costa vence as eleições,
reforça então poder, seu por direito...


256-Mau grado um orçamento milagroso
gerando um superavit estrondoso,
Afonso Costa vai largar assento.
Unionistas tiram-lhe o tapete,
impondo a Arriaga (que remete...)
o apelo a Bernardino, sempre atento...


257-Machado (Bernardino), um professor,
da liberdade enorme defensor,
maçon grão-mestre e lente coimbrão.
Desiludido com a monarquia,
com armas e bagagens mudaria,
republicanas hostes fôra opção...


258-Constatação surgida facilmente
mostrou um Arriaga presidente
a dar a mais governos sua posse...
Depois de Bernardino vem Coutinho,
Pimenta Castro está já a caminho,
a ditadura tem tempo precoce...


259-Pimenta Castro é duro general
de quem esperam seja mesmo o tal,
capaz das resistências amansar...
Sentindo ser credora da razão,
unida fez-se forte a oposição
e o faz perder, à força, o seu lugar...


260-Em carta a Afonso Costa, Chagas diz,
que o "mal se corta sempre p´la raíz",
exige a ordem, actos decididos.
Na urgência de acabar com a anarquia,
panfleto Última Crise evidencia,
horror quanto ao povinho e os partidos...


261-Catorze, mês de Maio, quinze o ano,
maçónica a revolta, grande o dano,
destruição campeia na cidade.
Lisboa ouviu troar os cruzadores,
sentiu pairar no ar gritos e dores,
razão de fundo o nome, liberdade...


262-Mas sendo o ideólogo da acção,
irá formar governo de união,
mau grado ausência, grave, das chefias...
e Freitas, senador, gera atentado,
cegando Chagas vai morrer linchado,
saída de Arriaga está por dias...


263-Se Chagas está dois meses no poder,
Augusto Vasconcelos vai merecer
ter sete meses p´ro cargo ocupar.
Duarte Leite tem um tempo igual
Afonso Costa, bivencendo, é o tal
com mais de um ano p´ra ocupar lugar...


264-Teófilo vai ser o candidato
a dar por findo o resto do mandato,
da mais alta figura, Arriaga...
Novo acto eleitoral efectuado,
indicará Bernardino Machado
como ocupante p´ra cadeira vaga...

265-Cumprido o seu papel republicano,
o homem superior, afável, lhano,
largou, de vez, política maldita.
Depois da deserção do conterrâneo,
de quem foi sete meses sucedâneo,
Teófilo mergulha, enfim, na escrita...



Angola > Luanda > Antigo Largo Maria da Fonte, hoje Largo do Kinaxixe > 1967 > Monumento aos Mortos da Grande Guerra (e, do lado esquerdo o mercado de Kinaxixe). Foi posteriormente dinamitado e substituído por um tanque soviético... Hoje está lá a estátua da Rainha Nzinga Mbandi.

Fonte: Blogue
Nonas > Poste de 3 de Julho de 2008 > As estátuas de Luanda e o General (Com a devida cortesia...)

Foto (editada): Sítio
Galeria SanzalAngola > Álbum Luanda de Outros Tempois, Preto e Branco (Com a devida vénia...)



266-Governo novo com Afonso Costa
fará da paz de Angola forte aposta,
visando ira alemã suster de vez.
Gravosa p´ro país foi inflação,
imposta p´la africana expedição
que a honra lusa e brio satisfez...


267-Germânicos ataques infligidos,
p´los lusos povos d´África sofridos,
são acicate à honra do país.
Apresam-se teutónicos navios
fazendo deles barcos luzidios
de empresa nova feita de raiz...


268-Marítimo Transporte de Estado
p´ro anglo-luso interesse então criado,
os boches vai levar à irritação...
Declaração de guerra surge após,
forçando ao juntar forças, entre nós,
Sagrada União fez a Nação...

269- Quionga, em Moçambiquem é retomada,
da força invasora resgatada,
por cá, de novo tudo está a aquecer...
Machado Santos volta p´ras alhadas
perdido o Movimento das Espadas
de novo, sublevado, vai perder...


270-Catorze trouxe a outorga p´lo Congresso,
para a intervenção lusa no processo
da grande e horrenda Guerra entre as Nações.
Apoio à Inglaterra, aliada
contra a Alemanha, em França (ocupada...)
faz lusos se baterem, quais leões...

Manuel Maia

[ Revisão / fixação de texto / imagens: L.G.]
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:


2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4274: Blogpoesia (43): A história de Portugal em sextilhas (Manuel Maia)

3 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4278: Blogpoesia (44): A história de Portugal em sextilhas (II Parte) (Manuel Maia)

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4290: Blogpoesia (45): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (III Parte): II Dinastia, até ao reinado de D. João II

15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4351: Blogpoesia (47): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (IV Parte): II Dinastia (De D.Manuel, O Venturoso, até ao fim)

3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4456: Blogpoesia (48): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (V Parte): III Dinastia (Filipina)

22 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4561: Blogpoesia (49): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VI Parte): IV Dinastia (Brigantina) (até 1755)

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4610: Blogpoesia (51): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VII Parte): De Pombal (1755) até ao regente D. Miguel (1828)

10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4663: Blogpoesia (53): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VIII Parte): Da Monarquia Constitucional à República

Guiné 63/74 - P4754: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (2): João Turé, um menino da tabanca e quartel de Binta (Parte 2)


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira, foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), é jornalista profissional conhecido no seu meio por “JERO” e enviou-nos uma mensagem , com data de 24JUL2009, e o título: Tempo Africano, cuja 1ª parte foi publicada no poste P4751:



II PARTE


2 - «Começo pelo nosso Alferes Tavares, cujo verdadeiro nome para nós, crianças da minha geração, era os olhos de gato, “o Feiticeiro”.


E sabem porquê? Porque as minas que montava nas mais variadas armadilhas resultavam sempre. Nunca falhavam. Eram sempre accionadas pelo inimigo.


Era uma verdadeira feitiçaria para todos nós, meninos a aprender ser homens. É uma figura que ficará para sempre na memória de todos nós.


3 - Também o nosso Alferes António Duarte Santos, era o mais admirado por todos os milícias de Binta, pelo modo como sabia conduzir os seus homens, quer nas mais variadas situações no teatro operacional, quer nos tempos de lazer que conseguiam ter. Será sempre recordado passem os anos que passarem.


3 - TEMPO AFRICANO


Damos seguimento às estórias do guineense João Turé num dia em que se encerra mais um triste capítulo da história recente da Guiné.

Morreu em Lisboa Luís Cabral, exilado desde há cerca de 30 anos em Portugal.

Luís Cabral tinha sido feito Presidente da Guiné em 1973, o mesmo ano em que o seu irmão Amílcar Cabral tinha sido assassinado em Conacri, em circunstâncias que ainda hoje não estão bem esclarecidas.Luís Cabral fora deposto em 1980 por Nino Vieira que há bem poucos meses foi executado em Bissau.No Editoral do “Diário de Notícias”, de 1 de Junho, refere o jornalista que a Guiné-Bissau não é hoje nada do que Amílcar Cabral sonhou(a não ser independente). Antes deste final dramático o articulista refere, a meio dos seus considerandos, que os múltiplos episódios de golpes, guerras e assassínios dos últimos anos fazem da Guiné-Bissau um “Estado falhado” !Perante o dramatismo destes factos as recordações de João Turé serão um bálsamo longínquo da vivência de meninos que, nos seus primeiros tempos de vida ,cruzaram com militares de uma Companhia de Caçadores.

As estórias que temos vindo a relatar aconteceram na região onde nasceu no norte da Guiné - mais propriamente em Binta, a 20 kms. da fronteira com o Senegal - no período compreendido entre Junho de 1964 e Abril de 1966.

A estória nº. 3 deste “TEMPO AFRICANO” foca de novo as reminiscências de alguns militares que nessa altura mais impressionaram os meninos da aldeia de Binta.

JERO


Ao volante do jipe o Alf. Médico Dr. Martins Barata.
O Fur. Enfermeiro Oliveira encara a objectiva.

3 - Não posso esquecer, também, o nosso Alferes Médico, Dr. Alfredo Martins Barata, para quem quero, em meu nome e, tenho a certeza, em nome de toda a população de Binta, apresentar os mais penhorados agradecimentos, por tudo o que fez por nós, quer de dia quer de noite, quer fizesse chuva ou fizesse sol, sabíamos que e sua ajuda chegava sempre na hora certa. Uma pessoa impar que continuará sempre connosco.

Também recordar o nosso Furriel Enfermeiro José Eduardo Reis de Oliveira, de todos conhecido como o “Furriel Pica”, pelo seu inesquecível apoio a toda a população de Binta, nas mais difíceis ou simples situações, onde eu me incluo, pois, dei-lhe muito trabalho com um profundo corte num pé, suturado com muitos pontos.

Por tudo isto, ainda hoje é recordado com muito carinho pelas gentes de Binta. Todos recordaremos sempre o muito que fez por nós.


4 - TEMPO AFRICANO


Acrescentamos mais um capítulo às estórias do guineense João Turé, numa fase da história recente da Guiné-Bissau marcada por múltiplos episódios de golpes, guerras e assassínios .

Nos primeiros dias do passado mês de Junho tomámos conhecimento pelos serviços noticiosos de mais mortes eventualmente ligadas a mais uma tentativa de golpe de Estado.Entre outras notícias de jornais nacionais salientamos a divulgação de um comunicado atribuído ao Governo da Guiné, que referia:"O Conselho de Ministros tomou conhecimento, através das chefias militares e responsáveis da Segurança de Estado, que estava em curso no país uma tentativa de golpe de Estado e que as mortes de Baciro Dabó, deputado da nação e ministro da Administração Territorial, Hélder Proença, entre outras, ficaram a dever-se ao facto de, presumivelmente, terem tentado resistir à ordem de prisão, enquanto outros mentores se terão entregues sem qualquer resistência", refere o governo em comunicado.

"(...) O Conselho de Ministros teve a oportunidade de escutar gravações, envolvendo os principais protagonistas, através das quais se poderá inferir os seus propósitos, tendo com efeito condenado qualquer acto tendente a alterar a ordem constitucional, por vias não legais", refere o comunicado o governo guineense.No documento, o governo lamenta o "trágico acontecimento, que vitimou duas personalidades políticas e de quem ainda se esperava uma contribuição valiosa para o processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau".

Perante o dramatismo destes factos as recordações de João Turé, que temos vindo a publicar, são notoriamente ingénuas e respeitantes a um longínquo tempo conturbado.

Vivia-se em guerra ,mas os meninos da infância de João Turé estavam longe de supor que o seu País, décadas mais tarde, viria a viver quase dia sim, dia sim acontecimentos trágicos que impedem o desenvolvimento normal da Guiné-Bissau.As estórias que temos vindo a relatar aconteceram na região onde nasceu no norte da Guiné - mais propriamente em Binta, a 20 kms. da fronteira com o Senegal - no período compreendido entre Junho de 1964 e Abril de 1966.


5 - A estória nº. 5 deste “TEMPO AFRICANO” foca de novo as reminiscências de alguns militares que nessa altura mais impressionaram os meninos da aldeia de Binta.

Recorda João Turé:o nosso Furriel Luís Moreira foi um militar importante na estrutura de apoio aos mais necessitados.

Dele aparecia sempre, como arte de ilusionismo, um pouco de comida para uns, outro pouco para outros, remediando todos aqueles que necessitavam.

Eu, menino e moço, chamava-lhe “padrinho”. Estará sempre na nossa memória o muito que nos ajudou.

E agora o nosso Furriel Miguel mais conhecido pelo “Furriel tocador”, das figuras mais conhecidas e importantes, pois era o tocador que, com o seu acordeão, abrilhantava todas as festas e bailaricos, com especial relevo as festas de S. João.

Era uma pessoa imprescindível e reconhecida por todos.

Também não será esquecido por todos nós.

Por fim, e seguindo o velho ditado que diz:« que os últimos são sempre os primeiros»… o nosso General Tomé Pinto.

Não é fácil falar dum militar como o Senhor General.

Que poderei dizer, eu, o menino João Turé a quem o senhor General tratava como um filho.

Talvez duas coisas muito simples. A primeira, que só um militar do gabarito do Senhor General, seria capaz de formar uma companhia com a qualidade e categoria da Companhia de Caçadores 675.

A segunda, com a amizade o carinho que me dedica, tendo sempre uma palavra de apoio e ajuda quando preciso, os muitos ensinamentos que me deu, sabe que o considero, do fundo do coração, o meu segundo pai.

Senhor General, meus amigos e amigas, bem hajam pelo muito que fizeram por mim e pelo meu povo.


Bem hajam.
João Turé

Legenda:

(1)- Pequena povoação ,aldeia .
(2) - Sucesso, motivo de festa, de espanto.


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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terça-feira, 28 de julho de 2009

Guiné 64/74 - P4753: Documentos (9): ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica” - Páginas 5 a 9 (Magalhães Ribeiro)

1. Do arquivo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil
Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Mansoa 1974.
Camaradas,
Dando continuidade à publicação iniciada no poste - P4721, seguem-se as páginas 5, 6, 7, 8 e 9, dum total de 28 páginas, do caderno: ” PAIGC - ANÁLISE DOS TIPOS DE RESISTÊNCIA, 2 - Resistência económica, Aos camaradas participantes no seminário de quadros, realizado de 19 a 24 de Novembro de 1969, (Este texto é escrito a partir de uma gravação das palavras do secretário geral)”.
Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Documentos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P4752: Estórias do Mário Pinto (3): A “Feira Popular” em Mampatá


1. Mais uma divertida estória, enviada pelo nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71:

Camaradas,

Cá vai mais uma história pitoresca da CART 2519, passada na Tabanca de Mampatá:



A Feira Popular em Mampatá

O nosso aquartelamento de Mampatá não tinha refeitório para praças, nem messe para oficiais e sargentos. Tinha somente uma cozinha de campanha, com um Vaguemestre e um 1º Cabo Cozinheiro, que faziam milagrosas refeições apesar de bastante contestados por todo, mas com os géneros que tinham à sua disposição, garanto-vos que era impossível fazer melhor. Assim, como é óbvio, o rancho era igual para todos sem distinção.

Claro que, com este panorama alimentar, cada um desenrascava-se como podia.

Sempre que íamos para o mato, era-nos distribuída a famosa ração de combate que, para aqueles que tiveram a felicidade de nunca ter tido uma à sua frente digo: era imprópria para ser consumida a frio, nos habituais “piqueniques” em missões longe do quartel. A sua composição era à base de alimentos cozinhados e conservados, em produtos gelatinosos gordos, devidamente enlatados e salgados, complementada por um ou outro doce.

Ora como não podíamos andar pelo meio do mato fazer fogueiras (que pelos fumos debitados era um grande sinalizador à distância da presença humana) para aquecermos as latitas, na generalidade, cada um de nós retia-as no seu “armazém” pessoal, à espera de uma melhor ocasião para as consumirmos, ou lhe darmos qualquer outro destino.

Certo dia um grupo de furriéis resolveu, junto ao Posto de Comando que também servia de "messe" de Oficiais e Sargentos, abrir um conjunto dessas latas que continham sardinhas em banho de óleo, enxugá-las da gordura e pô-las à assar sobre uma chapa.

Logo que o aroma típico que emanava de tal “pitéu” se espalhou por toda a Tabanca, o pessoal desatou a acorrer ao local, com cara de poucos amigos, julgando que já estava a ser descriminado, secreta e degustativamente, em relação aos seus superiores.

Quando se aperceberam da que na realidade se passava, a Tabanca passou imediatamente a ganhar outra alegria e disposição, tomando o aspecto de “Feira Popular”, só faltando os carrosséis e os carrinhos de choque.

Creio bem que nesse dia, até o IN que nos detectava a quilómetros apenas pelo nosso odor do suor, com aquele cheirinho da sardinhada esteve para vir petiscar connosco.

Um abraço,
Mário Pinto
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4751: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (1): João Turé, um menino da tabanca e quartel de Binta (Parte 1)


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira, foi Fur Mil Enf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), é jornalista
profissional conhecido no seu meio por “JERO” e enviou-
nos uma mensagem , com data de 24JUL2009, e o título: Tempo Africano:


Boa noite Luís,

Porque hoje é sábado... lembrei-me de fazer serão e de te mandar mais um "escrito".

João Turé é um "retrato" do meu livro Golpes de Mão's - págs. 341 a 346.

O João Turé fez um discurso no lançamento do meu livro no antigo R.I. 16, em Évora, em 10 de Maio último.

No final pedi-lhe o "papel" e fiz um tratamento jornalístico do seu "testemunho"que publiquei em diversos capítulos, no meu jornal.

Se vires que tem algum interesse para o nosso blogue aqui vai ele.

Se achares que está extenso estás à vontade para cortar os meus comentários.

A partir de agora está nas tuas mãos. Bem entregue portanto.

Um abraço.
JERO

NOTA: Dada a extensão do documento, a publicação será efectuada em 2 partes (2 postes):
I PARTE: O discurso que o João Turé fez no lançamento do livro.
II PARTE: Os comentários do Jero.

I PARTE

Introdução

Diversos órgãos de comunicação local referiram-se ao lançamento do “GOLPES DE MÃO’s”, de José Eduardo Reis de Oliveira, como «…um belo livro sobre as suas vivências na guerra colonial, na Guiné (no humanismo nas cenas de guerra, nas sementes da paz junto das populações e no convívio com as crianças da “Tabanca Nova”) (1).

Uma delas o João Turé, de 8 anos, veio homem ao lançamento do livro em 2 de Maio de 2009.

Porque passaram 40 e alguns anos o João, que se define como “o preto mais branco da Companhia”, tem hoje 53 anos.

Tivemos acesso a um dos seus escritos que leu – emotivamente – numa cerimónia evocativa do regresso da C.Caç. 675 a Évora, no antigo Regimento de Infantaria nº. 16, que teve lugar em 10 Maio último.

Vamos ilustrar este “TEMPO AFRICANO” repartindo em “retalhos” o seu testemunho.

JERO

Foto do João Turé na Actualidade

1 - TEMPO AFRICANO

A chegada da Companhia de Caçadores 675 a Binta, já lá vão 45 anos, foi uma aragem nova, saudável, que trouxe para aquela zona, o ensino, a saúde, o desenvolvimento, a camaradagem e a brincadeira, que todos nós meninos de 6,7 e 8 anos desconhecíamos existir no mundo.

E quando falo de meninos estou-me a rever nos meus 8 anos, junto com muitos mais, traquinas, irreverentes, mas de olhos e ouvidos bem abertos, aprendendo aquilo que ninguém nos tinha ensinado até então.

Porque nem todas as minhas recordações de infância são boas.

Pois, nunca poderei esquecer o que se passou com o meu tio Malan Sissé, mais conhecido por Malan Grifon Sissé, anos mais tarde guia da Companhia, porque foi a primeira pessoa a ter uma bicicleta, das afamada marca “Griffon”, que era uma “ronco” (2) em todo o concelho de Farim.


Era uma personalidade conhecida e respeitada pelas suas qualidades humanas, homem sério e sensato, que defendia a nossa bandeira, não concordando com a ideologia política do PAIGC e por isso, recusando sempre a adesão ao partido, nas muitas vezes em que foi sondado e influenciando muitos a seguirem as suas pisadas.

Quando em 1964 apareceu a guerrilha no Norte da Guiné, mais concretamente no concelho de Farim, foi de imediato procurado para ser aniquilado, tendo sido destruída a sua aldeia “Genicon Mandinga”, os seus haveres e morta a sua querida mãe.

Era este o nacionalismo e a ideologia do PAIGC.

2 - TEMPO AFRICANO

Continuamos com as estórias de um guineense de nome João Turé, que nos seus primeiros tempos de vida cruzou com militares de uma Companhia de Caçadores que estiveram na região onde nasceu no norte da Guiné - mais propriamente em Binta, a 20 kms. da fronteira com o Senegal - no período compreendido entre Junho de 1964 e Abril de 1966.


No número anterior João Turé recordou que a chegada da C.Caç.675 a Binta, já lá vão 45 anos, foi uma aragem nova, saudável que, em tempo de guerra, trouxe para aquela zona o ensino, a saúde, o desenvolvimento, a camaradagem e a brincadeira, que os meninos de 6,7 e 8 anos desconheciam existir no mundo.

Com olhos e ouvidos bem abertos, aprenderam aquilo que ninguém os tinha ensinado até então.

Escreve, em jeito de “memórias”, quando já dobrou o meio século de existência, que guarda da infância boas e más recordações.

A que publicámos anteriormente, respeitante ao seu tio Malan Sissé, mais conhecido por Malan Griffon Sissé, por ter sido a primeira pessoa a ter uma bicicleta “Griffon”muitos quilómetros em redor da sua aldeia, foi o exemplo de uma má recordação, que terminou em tragédia na aldeia de “Genicon Mandinga”.

A estória nº. 2 deste “TEMPO AFRICANO” é diferente pois foca recordações de militares que nessa altura mais impressionaram os meninos da aldeia de Binta.

JERO
Fur Mil Enf
Legenda:
(1)- Pequena povoação ,aldeia .
(2) - Sucesso, motivo de festa, de espanto.

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Este é o primeiro poste desta série.


Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

1. Mais uma estória do nosso alfero, Jorge Cabral, que não precisa de apresentações (Cabral só há um... o de Missirá e mais nenhum, dizia-se no seu tempo):

Amigos!
Aí vai uma estória deste 'Chico-Cafre' (Tunes dixit)

Abraços Grandes
Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas (53) > A Doença do Soldado Duá
por Jorge Cabral


Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.
- Mas que se passa? – indagou…
- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!
- Doença do Victor?...

Tornou-se necessário ao Alfero recuar no tempo e a Fá, para perceber. Sim, aí existira um Soldado Victor que, parecendo inconsciente, deambulava a altas horas por todo Quartel. O próprio Alfero o vira e logo diagnosticara: sonambulismo...

Depois, reunira o Pelotão, alertara o Pessoal e, crente na sabedoria popular, avisara:
- Atenção! Que ninguém o tente acordar! É perigoso. Até pode morrer. Trata-se de uma doença e grave.

O Duá, Soldado Fula e dos poucos solteiros do Pelotão, deve ter ficado impressionado. Tanto, que voluntariamente um ano depois, contraíra em benefício próprio a tal doença. E assim, todas as noites, em pose sonâmbula, entrava nas moranças dos Soldados que estavam de Sentinela e procurava as Mulheres…

Claro que não ousavam acordá-lo… pois se lembravam bem das palavras do Alfero.

Levá-las a fazer Sentinela foi a única solução...

Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)