terça-feira, 22 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 21 de Setembro de 2009:

Saúde e prosperidade para todos.
Levei as memórias do sargento Talhadas para férias e não estou nada arrependido. Afinal, ainda há muito a esperar da memória da geração combatente.

Dividi os elementos desta recensão em vários textos, para evitar ser mais enfadonho do que é usual.

Um abraço do
Mário


Um guerreiro colonial na primeira pessoa do singular
Beja Santos

Chama-se José da Conceição Gomes Talhadas, é Sargento-mor Fuzileiro Especial, tem uma folha de serviços invejável, desde condecorações a louvores.

Em Abril de 1964, com apenas 17 anos, pediu para ser incorporado na Marinha. Pediu uma especialidade, deram-lhe outra, a de fuzileiro. Foi primeiro para a Angola, fez duas comissões na Guiné-Bissau e com o 25 de Abril foi novamente destacado para a Angola onde viu os prelúdios da Guerra Civil. Resolveu passar todas as suas recordações a escrito, e o mínimo que se pode dizer do seu registo é que se trata de um relato de referência obrigatória para o conhecimento do papel dos fuzileiros em Angola e na Guiné-Bissau. Acresce que nas duas comissões que prestou na Guiné-Bissau profere considerações altamente polémicas que certamente merecerão aos estudiosos um exame muito atento para o conhecimento do moral das forças do Exército (Memórias de um guerreiro colonial, José Talhadas, Âncora Editora, 2009).

Uma questão prévia é posta pelo editor com todo o destaque. A colecção ora encetada com as memórias do sargento Talhadas têm o objectivo de dar voz aos que, tendo algo para contar, se refugiaram sempre na dificuldade de expor, de escrever, ou de serem pessoas “sem importância” em tudo o que se passou. Esta nova colecção acolherá todos aqueles que queiram dar a sua versão, a sua visão, e que tantas vezes não houve a coragem de as pôr por escrito. É este o desafio que eventualmente a Âncora Editora lança a todos nós.

O sargento Talhadas participou de uma forma activa na Guerra Colonial durante cerca de dez anos. O seu depoimento é de um homem que não quer esconder nos ideais que acreditou, assumindo-os com convicção. Toda a sua prosa espelha o sentido da disciplina e uma elevada consideração pela hierarquia militar. Começou por ser conhecido pelo Baixa da Banheira ou o 22, o que se prende com as suas origens humildes de que ele tanto se orgulha. Nascido em Moura, em 1947, veio com os pais para a Baixa da Banheira, era na cintura industrial de Lisboa que os pais buscaram melhores condições de vida. Depois da quarta classe, tinha o mundo do trabalho à sua espera: aprendiz de balcão numa loja de venda de tecidos, depois ajudante electricista, mais tarde operário corticeiro, por fim empregado de escritório em Alfama. Depois sonhou ir para a Marinha tirar um curso de electricista ou radarista. Mas o médico na inspecção foi bem claro: “Esse dá um bom fuzileiro”. Seguiu para a Escola de Fuzileiros de Vale do Zebro, feita a recruta tirou o curso geral de fuzileiro e depois foi convidado para o curso de fuzileiro especial. Aos 17 anos foi mobilizado para a Angola, onde esteve de 1965 a 1967, mobilizado para um destacamento de fuzileiros especiais. Regressa a Portugal e dois meses depois junta-se a outro destacamento de fuzileiros especiais embarcando para a Guiné onde esteve desde finais de 1967 a Outubro de 1969. Nos finais de 1969 volta à Guiné de onde regressou em Dezembro de 1971. Com quase 24 anos é um combatente veterano. Depois do 25 de Abril regressa à Angola com uma missão especial: fazer a entrega aos guerrilheiros dos postos ao longo do rio Zaire.

O sargento Talhadas manifesta (e escreve repetidamente) que na sua ideia de nação, Portugal ia do Minho a Timor. Quando chega a Luanda, em 1965, como simples grumete, deslumbra-se, descobre o camarão e a lagosta, os bordéis, a ânsia de viver o mundo. Mas descobre também a camaradagem e o fascínio da mata, na região dos Dembos. O seu relato é tocante pela simplicidade, o verdor e a brutalidade das experiências da morte, a dor dos feridos e dos mortos. Sentiu sensações dúbias no Zaire, entre o deslumbramento e a decepção.

O registo das memórias torna-se mais intenso, viril e doloroso na primeira comissão da Guiné onde, diz ele, se tornou um guerreiro colonial. Foi na Guiné que adquiriu a capacidade de respeitar os guerrilheiros que lutavam sem desfalecimentos e enfrentando o inimigo sem virar a cara. A adaptação não foi fácil, nada se comparava a Luanda, em Bissau ouviam-se perfeitamente as armas do PAIGC. A primeira operação foi na região de Tombali. Não a esqueceu, tal a impressão que lhe deixou, um inferno de metralha e tiros, gritos lancinantes, ordens que não conseguia perceber, a fúria de um envolvimento, e o primeiro morto, o Escritas, o grumete que tinha a especialidade de escriturário e que foi atingido com um tiro na testa. Abandonado o local, avançou-se em ciclo, um truque para despistar o inimigo. Seguiram depois para o rio Cacheu, para a base de Ganturé. Nunca se esqueceu de quartéis constituídos por improvisadas habitações e a real falta de controlo da fronteira por parte das tropas portuguesas. A missão dos fuzileiros era fazer patrulhamentos de bote diários no rio Cacheu. Era a partir daqui que se faziam operações em locais tão ásperos como Sambuiá, Cumbamory ou Morés. As operações em Canjaja Mandinga revelaram-se um êxito: é apanhado um comandante, o PAIGC sofre mortos, os fuzileiros foram obrigados a retirar, seguiu-se a desforra, que foi brutal.

Em certos momentos, o sargento Talhadas deplora a falta de qualidade do comando, mas depois contém-se, era um militar altamente disciplinado, aprovou e promoveu as virtudes da estrutura hierarquizada. Em Bissau, no desfastio do guerreiro, os fuzileiros envolvem-se à porrada com civis, logo a seguir vem a guerra, novas patrulhas no rio Sambuiá, de vez em quando as minas matavam ou feriam gravemente os fuzileiros. “Ganturé era um campo de arame farpado, encostado ao rio Cacheu. Do outro lado do rio, a 100 metros, mais metros, menos metro, estendia-se uma extensa zona que ficava em permanência à mercê da guerrilha. Quando se saía desse quartel pela via fluvial, a primeira preocupação era estar atento ao que podia surgir da margem sul. E dela surgiu fogachal muitas vezes”. A vida em Ganturé era feita de muita tensão, dali se partia para o interior das matas, à procura dos santuários do PAIGC. É nestas operações que o sargento Talhadas é considerado um herói. Naquela guerra, diz ele, o que contava eram os guerrilheiros mortos e as armas capturadas. Chega o Natal, ele aí revive a camaradagem e recorda todos aqueles que viveram essa época em quartéis e acampamentos. São sempre os seus camaradas que ele recorda com carinho e saudade em todas as passagens do Natal.

Em finais de 1967, surge a ameaça de infiltração de guerrilha nos arredores de Bissau, os fuzileiros recebem a missão de patrulhar o rio Mansoa. Surgem novas refregas, o sargento Talhadas descobre a população que dramaticamente tem que conviver com a presença do inimigo e com a vigilância das tropas portuguesas. E deixa uma nota emotiva de um desses desenlaces dramáticos:

“De todos os episódios que me ficaram desse combate, houve um momento marcante que ainda hoje me persegue como tragédia de guerra: o choro convulsivo de um miúdo dos seus 4 anos, completamente assarapantado no meio de rebentamentos, tiros e gritos.

Já tinha atravessado o curso de água, os tiros a convergirem para a posição onde nos encontrávamos, quando me apercebi da criança, acanhada, desorientada, apanicada, gritando junto à água. Mexeu-me com os nervos e, não estive com meias medidas, corri e consegui retirá-lo da linha de fogo e meti-o detrás de um tronco, que também me abrigou.

Chorou, chorou, mesmo depois do tiroteio terminado. Procurei acalmá-lo, fiz-lhe festas, falei-lhe suavemente. Nada teve efeito. Lembrei-me então de lhe dar de beber da água do meu cantil. Sofregamente, empanturrou-se de água e, remédio santo, apaziguou-se.
Desliguei-me dele... nunca mais vi o miúdo, mas a sua recordação perdurou todos estes anos”

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4913: Notas de leitura (22): Gilberto Freyre na Guiné, em 1951 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P4993: Memória dos lugares (44): Cuntima, na fronteira com o Senegal (Ex-1º Cabo Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Na fronteira com o Senegal, a nordeste de Farim, longe de Lisboa e ainda mais do Porto (e do RAP2)... Junto à árvore, o 1º Cabo Vitor Silva.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Todas as manhãs bem cedo Cuntima tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia à distância conveniente, da máquina e dos militares".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Posto avançado nº 9. Estive lá de serviço no dia 31 de maio de 1971, no que foi considerado o maior flagelamento IN a Cuntima. As tropas do IN vieram mesmo ao arame farpado".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Um dos três obuses que existiam em Cuntima".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses e os gilas)".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Cuntima: Reservatórios de água, as duas professoras ao fundo e a casa do agente da PIDE/DGS"

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Instalações civis ocupadas pela tropa.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > À hora do rancho...

Fotos e legendas: © Vitor Silva (2008). Direitos reservados.

Breve historial da CART 3331 (Os Tigres de Cuntima, Cuntima, 1970/72):

(i) Mobilizada pelo RAP 2 (Vila Nova de Gaia), chega à Guiné a 19 de Dezembro de 1970;

(ii) No dia 21 de Dezembro embarcou na LDG Alfange com destino ao Centro de Instrução Militar de Bolama, para treino de adaptação ao mato e 2ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO);

(iii) A 25 de Janeiro de 1971, de novo na Alfange, ruma para Farim onde chegou no dia 28 de Janeiro;

(iv) Em Farim participa em algumas acções no mato e na estrada Farim-Jumbembem.

(v) A 20 de Fevereiro, desloca-se em coluna-auto, rumo a Cuntima, dependente do BCAÇ 2879, onde vai render a CCAÇ 14;

(vi) A ZA do subsector de Cuntima era extenso: delimitada a Norte, numa extensão de aproximadamente 30 km, pela República do Senegal, a Este pelo rio Corlá (Sare Dambé Badoral, Sitató, Sinchã Fogã e Sare Tombom), pela bolanha de Sinchã Massa e a Sul pela bolanha de Sinchã Massa e bolanha do rio Norobanta e pelo marco 107

(vii) Na sua maioria a população era de etnia Fula, de religião muçulmana; havia uma pequena minoria Mandinga;

(viii) As acções do IN não irradiavam sempre do Senegal, pelo tradicional corredor de Sitató;

(ix) As acções contra as NT manifestavam-se especialmente por ataques ou flagelações ao aquartelamento, implantação de minas na estrada Farim-Cuntima e, esporadicamente às colunas de reabastecimentos;

(x)Havia duas unidades de quadrícula no Sector, a CART 3331 e a CCAÇ 2547, ambas instaladas em Cuntima. Para além da ocupação e defesa do Sector, a sua missão princiapl era evitar a infiltração do IN para dentro do TO da Guiné;

(xi) A CART 3331 regressou, num avião dos TAM à Metrópole no dia 25 de Novembro de 1972, com orgulho do dever cumprido;

(xii) Teve três comandantes: Cap Mil Art Manuel Sena Boleo, Cap Inf Máriop José Fernandes Jorge Rodrigues, e Cap Mil Art Armando Pimenta Cristóvão.


Letra da canção Soldado:

Partiu num qualquer navio,
Numa leva de soldados,
Ia calado e sombrio
Entre prantos desolados.

Sabia o itinerário
E o rumo antecipado,
Mas ignorava o fadário
Que lhe estava reservado.

Desembarcou na Guiné,
Em manhã enevoada,
E sentiu, ao pôr do pé
Naquela terra molhada,

Que o destino o lançava
Rumo ao desconhecido,
Sem uma ideia formada,
Numa guerra sem sentido.

Fio destacado p’ró mato,
Lá p’ra terra de Cuntima,
Tinha a fronteira a um passo
E os guerrilheiros em cima.

Sofreu ataques cerrados,
Abafou medo em trincheira,
Sentiu os dias contados,
Viu a hora derradeira.

Fez desumanas picadas,
Padeceu de sede e fome,
Viu cair em emboscadas
Camaradas de uniforme.

Chupou água na bolanha,
Rebolou-se em pó ardente,
Deixou sangue em terra estranha,
Veio-se embora doente!

E depois de tal fadário
Deram-lhe o golpe final:
- Chamaram-lhe Mercenário,
Soldado colonial.


Versos enviados pelo Vitor Silva
Revisão de texto: L.G.

Autor desconhecido,
presumivelmente um militar da CART 3331 (Cuntima, 1970/72).


[Fotos seleccionadas e reeditadas por L.G.; enviadas em Maio de 2007, num lote de 27] (*)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)

6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

Guiné 63/74 - P4992: Ser solidário (37): Carta Aberta em prol dos ex-combatentes sem abrigo do Concelho de Odivelas (José Martins)

1. O nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, enviou-nos uma mensagem contendo esta Carta Aberta, mais uma iniciativa de solidariedade para com o menos afortunados, particularmente para com os ex-combatentes da Guerra Colonial, que por aqui e por ali vão vegetando perante a indiferença da maioria das pessoas que nem dão por eles.





Carta Aberta

Exm.º Sr. Presidente da Liga dos Combatentes

Exm.ª Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Odivelas

Meu General e Exm.ª Sr.ª Presidente

Permito-me remeter, a V. Exªs. a presente Carta Aberta, no sentido de, pela sua divulgação, congregar à volta da ideia que proponho, o maior conhecimento assim como o envolvimento do maior número de cidadãos e, logicamente, de antigos combatentes.

Com o passar do tempo, a cidade de Odivelas tem vindo a albergar, cada vez mais, um crescente número de habitantes que, naturalmente, incluiu naturais do município ou outros cidadãos que, como o meu caso pessoal, escolheram fixar residência no concelho.
Obviamente que me dirijo, concretamente:
No caso da Liga, ao meu General, na sua qualidade de Presidente do Centro de Estudos, dos Centros de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS) e do Centro de Apoio à Inclusão Social (CAIS).
No caso da Câmara, por o caso em presença existir dentro do concelho de Odivelas.

Tivemos conhecimento dos sem-abrigo, cujo caso pretendemos abordar, através de uma peça jornalística do Jornal de Odivelas, já há algum tempo, situação que apenas evoluiu com a mudança de local do acampamento, mas manteve, na prática, a mesma localização: o cruzamento da Avenida D. Dinis com a Rua Dr. Manuel Gomes Coelho, em Odivelas [assinalado no mapa junto como local sem abrigo], junto do Centro Comercial Oceano.

Vista parcial de Odivelas – Foto Google

© Foto do Autor (12/9/09)

No texto do jornal citado, informavam que os mesmos não falavam, não desenvolvendo se por deficiência (auditiva e/ou oral), se por vontade própria, se desinteresse pela vida, se por outras causas. Mesmo sabendo dessa hipótese, arriscamos e aproximando-nos de um que se encontrava sentado na encherga, saudamo-lo e questionamos:

P - Posso fazer-lhe uma pergunta?
R – Se quiser…
P – Foi combatente do Ultramar?
R – Na Guiné.
P – Qual era a sua Companhia?
R – Cavalaria 7.
P – Onde esteve?
R – Bissau… Bafatá…
P – Não se lembra da sua unidade?
R – Nunca devia ter ido para lá!

Pelo teor da conversa acima reproduzida, verificamos que as respostas eram rápidas e, após esta frase, a única obtida nesta breve conversa, voltou ao seu mutismo, baixando a cabeça e curvando o corpo sobre si mesmo, voltando à posição em que estava quando o interpelamos.

Temos aqui um ex-combatente da Guiné, que vegeta na companhia do seu irmão gémeo, vive na rua, num amontoado de peças velhas a servir de residência, abrigado pelas varandas dos prédios, encostados à montra de uma casa comercial que ostenta, como mote na publicidade, 24 horas a servir com conforto.

© Foto do Autor (12/9/09)

É um camarada de armas, que com alguns de nós, unidos num único esforço colectivo, secando as lágrimas e contendo gritos de raiva, servimos a Pátria num local que nos era desconhecido e que nos era adverso, e do qual, muitos de nós, só sabiam o que tínhamos aprendido na escola primária, e para muitos, a única escola que tinham conhecido.

Com os breves dados recolhidos, não pudemos obter, quer por via directa quer por pesquisa documental, qualquer informação do seu passado militar.

Mas, observando o mapa já referido (quase no canto superior esquerdo), está indicado uma casa que tem a indicação palacete.

O referido palacete fica à distância de cerca de 250 metros do local onde se encontram os ex-combatentes/sem abrigo. Pesquisando na página da Internet da Câmara Municipal Odivelas, encontramos uma breve descrição desse palacete que nos permitimos reproduzir, ainda que a informação peque por desactualizada:

Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas

http://www.blogger.com/www.cm.odivelas.pt/Concelho/Locaisinteresse/PalaceteSecXIII

Localizado em Odivelas, este palacete urbano foi construído no século XVIII. De arquitectura barroca e neoclássica, constitui-se como um espaço de lazer e de ligação à natureza, com um logradouro e fontes tipicamente de estilo barroco.
No interior, encontram-se pinturas neoclássicas, onde predominam motivos pompeianos, característicos do séc. XIX, altura em que o palacete vê remodelado o seu interior. Encontramos igualmente, uma certa elegância dos frisos de folhas e flores, laçarias e medalhões.
É imóvel de Valor Concelhio, pelo Dec. n.º 2/96.
Actualmente é um lar para idosas, pertencente à Associação das antigas alunas de Odivelas.
Localização: Rua Dr. Alexandre Braga, n.ºs 6 e 6 A, Odivelas


Consultamos, também, a obra da Dr.ª Maria Máxima Vaz “O CONCELHO DE ODIVELAS – Memória de um Povo” (Edição do Município de Odivelas), no capítulo Quintas de Odivelas ficando a saber que a casa a que nos referimos fica situada na antiga Quinta do Espírito Santo. Porém, numa outra obra e referida pela Dr.ª Máxima Vaz, da autoria do Dr. João Maria Bravo, aquele casarão é indicado como o local onde fixou residência o seu trisavô Manuel Maria Bravo, em 1852, quando este se retirou dos negócios. A propriedade deste edifício em 1959, já liberto da quinta em que estava incluída pela construção imobiliária, mas mantendo os jardins, pertencia a um particular, Sr. Manuel Henriques, que pretendia vendê-la.

Foto do Site da Câmara Municipal de Odivelas (Jardim nas traseiras do palacete)

Qual a relação entre os sem abrigo e o palacete? Muito simples!

Ao ler o texto do site da Câmara de Odivelas, constatamos que é um imóvel de interesse concelhio, desde o início de 1996 (Decreto n.º 2/96). Ou seja: há que manter o edifício em bom estado de conservação e com utilidade para o concelho, para a cidade e para os cidadãos.,

© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.

Não conhecemos o imóvel no seu interior, mas pela visita ao site acima referido, é uma casa senhorial, como era hábito à data sua construção.

Assim, e tendo em conta a utilização que lhe foi dada num passado recente, consideramos que seria de criar um grupo de trabalho, incluindo representantes da Câmara Municipal de Odivelas e da Liga dos Combatentes, com o objectivo da assinatura de uma parceria, no sentido de iniciar a afectação do edifício, cada vez mais degradado pela sua paralisação e desocupação, a um uso comunitário, começando por recuperar o piso térreo e os jardins, criando um centro para reunião e apoio social a antigos combatentes que, naturalmente como noutras localidades, são bastantes e com idade cada vez mais avançada, dando-lhes um local onde, inclusivamente, poderiam desfrutar dum serviço de refeições económicas, em consonância com os seus rendimentos, e, desta forma, alterar hábitos sedentários que, com a chegada da reforma, foram confrontados.

© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
© Foto do Autor (12/9/2009) – Edifício em degradação.
Numa segunda fase, recuperar-se-iam os pisos superiores, com vista a criar condições para a instalação de alojamento, temporário e/ou permanente, para os que chegam à Idade de Ouro, incorporando esta ideia na Liga Solidária.

Neste objectivo poderão/deverão ser incorporados pessoas singulares e colectivas, bastando que, para o efeito, a obra fosse considerada abrangida pela Lei do Mecenato e/ou Benefícios Fiscais, não só no que concerne a doações monetárias, em materiais ou em mão de obra, necessárias à realização da ideia.

E porque não instalar, simultaneamente, uma delegação do Núcleo de Lisboa da Liga dos Combatentes? Seria, também, uma homenagem a João Ramires, companheiro de armas de D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa em 1147, que incluiu os termos (territórios limítrofes) de Lisboa, onde se situava e situa Odivelas, pelo que deve ser considerado, com toda a justiça, o Primeiro Combatente de Odivelas. Foi, também, o Prelado da Paróquia de Odivelas, tendo falecido em 13 de Fevereiro de 1183.

Também seria uma homenagem a todos os combatentes, que ao longo da nossa história, ou daqui partiram para o combate, ou nesta terra se albergaram após terem cumprido a sua missão patriótica.

Também poderia ser pensada, e executada, a colocação de um monumento em homenagem a todos os Odivelenses que, ao longo da história deste país, trocando as suas alfaias de trabalho por uma arma, acorreram ao chamamento da Pátria, ignorando todas as canseiras, penas e sacrifícios, que tal facto lhes acarretaria.

© Foto do Autor (17/10/2008) – Loures – Pormenor do monumento aos Mortos da Grande Guerra.
E, porque sempre existiu um elo de ligação com a cidade de Loures, onde se encontra um dos mais belos monumentos ao sacrifícios dos nossos avós – combatentes e mortos da I Grande Guerra – porque não unir esforços com esse município, tornando ainda mais viável a obra que aqui, humildemente, sugiro.

E não poderia terminar esta já longa carta, sem lançar um repto a todos os camaradas combatentes que trabalham e residem nesta zona (Odivelas/Loures), para que unamos esforços no sentido de, para no caso desta ideia ser acolhida pelas entidades a quem prioritariamente se destina a carta aberta, proporcionarmos a quem precisa um local onde, calmamente, possa desfrutar de tranquilidade de espírito e a companhia de camaradas e amigos.

De V. Exªs.
Atenciosamente

José Marcelino Martins
Ex-combatente da Guiné
josesmmartins@sapo.pt
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)

Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2009 < Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)

Guiné 63/74 - P4991: FAP (34): A heli-evacuação do malogrado Cap Cav Luís Rei Vilar em 18/2/1970 (Jorge Félix)


Reprodução da caderneta de voo do ex-Alf Mil Pil Heli Al III, Jorge Félix, do mês de Fevereiro de 1970: no dia 18, fez um transporte de evacução (TEVS) da zona operacional (ZOPS) de Susana, para Bissau (BS) ... TEVS -BS - ZOPS - SUSANA - BS, com 4 aterragens...


1. Mensagem de Jorge Félix, com data de 17 de Setembro:


Caro Luís, como vai a nossa malta ?

Tenho andado um pouco afastado, assuntos relacionados com o meu Pai, Senhor com 90 anos...

Passei os olhos por o nosso Blog e li o P4962 (*). Não estou com jeito para narrativas.

Junto uma foto da minha caderneta de voo do dia 18 de Fevereiro de 1970 onde consta uma evacuação á Zops de Susana. Foi há 39 anos ....

Se achares conveniente envia ao Miguel Vilar a imagem que te enviei. Estou sem jeito para contar seja o que for.

Um abraço Jorge Félix

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4962: In Memoriam (31): Cap Cav Luís Rei Vilar, meu irmão e meu herói (Miguel Vilar)

Guiné 63/74 - P4990: Agenda Cultural (28): 20 de Outubro de 2009 - Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça (José Eduardo Oliveira)



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos o programa e um convite para o Dia do Veterano de Guerra em Aljubarrota/Alcobaça, que vai decorrer em Aljubarrota e Alcobaça em 20 de Outubro de 2009:






CONVITE

A.P.V.G. - Uma pouca de história da Delegação de Alcobaça

A APPVG está representada na região de Alcobaça desde 23 de Novembro de 2007.

Nestes dois anos tem feito um trabalho paciente e regular no sentido de se dar a conhecer aos ex-combatentes deste populoso concelho, com 18 freguesias.

Estima-se em cerca de 700 os ex-combatentes da região, a quem temos tentado chegar com a ajuda da maior parte dos Presidentes das Juntas de Freguesia.

Em Alcobaça, sede do concelho, já fizemos diversas acções de sensibilização, nomeadamente no que diz respeito à informação sobre cancro na próstata e diabetes,
conseguindo trazer à cidade especialistas médicos reputados, que fizeram as suas comunicações no Auditório Adâes Bermudes.

Fizemos o acompanhamento de ex-combatentes a Consultas de Psiquiatria e Psicologia no Hospital de Coimbra.

Temos também ajudado diversos ex-combatentes com problemas de stress pós traumático junto de diversos Centros de Saúde da região no preenchimento do “Modelo 1” que, embora existindo às centenas nas estantes dessas instituições, eram praticamente desconhecidos.

Desde há dois anos a esta parte que temos tido um stand de informação durante a Feira de S.Bernardo, que decorre durante uma semana em Agosto (de 20 a 27), e que é visitada por milhares de pessoas."

Já visitámos escolas onde fizemos comunicações sobre a Guerra do Ultramar.

Temos tido o apoio da C.M. de Alcobaça e contamos dentro em breve ter uma sede para a Delegação de Alcobaça.

Actualmente estamos presentes uma vez por semana para atendimento de ex-combatentes na Sede da Junta de Freguesia de Alcobaça.

Embora tentando estar presentes no maior número de convívios pretendemos como principal prioridade ajudar no terreno os que têm problemas e precisam de ajuda enquanto estão vivos.

Valorizamos as lápides de homenagem àqueles que já morreram mas privilegiamos a ajuda enquanto em vida.

Alguns elementos da actual Direcção-
Ø PRESIDENTE: José António Lopes Fialho, associado n.º 10015
Ø VICE-PRESIDENTE: Jorge Conceição Feliciano, associado n.º 44846
Ø SECRETÁRIO: António Damásio de Campos, associado n.º 44847
Ø TESOUREIRO: José Luís dos Santos, associado n.º 44849
Ø VOGAL: José Coelho Marques Maria, associado n.º 44848
Ø SUPLENTE: José Eduardo Reis de Oliveira, associado n.º 44845
Ø SUPLENTE: João Gomes Cordeiro Marques, associado n.º 45207.

Aljubarrota

Vila antiquíssima, o seu nome está ligado à célebre Batalha que deu a vitória ao rei D. João I, em 14 de Agosto de 1385, contra o invasor castelhano. Tornou-se um dos mais fortes símbolos de independência, coesão e orgulho nacional.

A povoação conserva a traça antiga de natureza histórico-medieval, com prédios caracterizados pelo uso de cantarias, colunas, janelas de geometria vária, cor branca nas paredes e volumetria que não ultrapassa o primeiro andar.

A vila é rica em motivos arquitectónicos, memórias históricas e pedras ancestrais, que constituem um museu vivo da História portuguesa.

Ex-libris de Aljubarrota, o Largo do Pelourinho, verdadeira sala de visitas da Vila, conjuga a harmonia da sua dimensão e equilíbrio com a notoriedade dos monumentos que a preenchem.

O conjunto constituído pelo pelourinho, torre sineira isolada e casas das Juntas, é um dos mais belos exemplares arquitectónicos, no seu género, existentes no País.

A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres constitui o mais antigo monumento de Aljubarrota e o de maior relevo histórico. A Casa dos Capitães, situada junto ao Largo de Nossa Senhora dos Prazeres, é um belo edifício do século XVIII com belíssimas janelas aventaladas, cuja reconstrução, constante de uma lápide é de 1779.

Situada na Rua Direita fica a Casa dos Carvalhos, edifício do século XVIII, de acordo com a data de 1778 que encima uma das portas.

Na praça Brites de Almeida, enquadrada pelo conjunto constituído pela Casa do Celeiro e ruínas da Casa da Padeira, fica a estátua de Brites de Almeida ("a estátua da Padeira").

Sobre a parede do Celeiro, motivos de azulejaria lembram os oragos e vários motivos de Aljubarrota.

O povo de Aljubarrota guarda religiosamente a sua pá em ferro martelado coevo. Pode ser vista na casa solarenga da família Carreira, descendente dos Capitães de Aljubarrota, na Rua Direita.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4989: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71)(3): De Bissau a Bambadinca, a cova do lagarto

1. Texto enviado pelo Arsénio Puim, em 13 de Julho último (Foto à esquerda, o autor de O Povo de Santa Maria – Seu Falar e Suas Vivências, apresentando o seu livro no Salão Nobre da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, em 12 de Dezembro de 2008):

Luis Graça:

Mando mais um 'Recordando', antes de ir passar alguns dias para Santa Maria, a minha santa terra.

Quero-te dizer que talvez não seja necessário remeteres-me por mail os meus trabalhos publicados, uma vez que já consigo aceder ao blogue. Assim, evitas este trabalho a mais, pois imagino que o tempo de que dispões nunca é muito, já que o blogue me parece ser um trabalho que deve aborver bastante tempo.

Os meus rapazes, o Pedro ainda está em Lisboa a fazer exame de cadeiras atrasadas e também adiantando a dissertação do mestrado integrado. O Miguel, que acabou Economia na Nova, está agora cá até Setembro, altura em que começará a trabalhar na Price Waterhouse Coopers, em Lisboa.

As minhas saudações à Alice.
Um abraço amigo
Arsénio Puim


2. RECORDANDO ... III - DE BISSAU A BAMBADINCA
por Arsénio Puim


Às duas horas da manhã do dia 31 de Maio de 1970 deixámos Bissau, numa LDG, e continuámos a subir o Rio Geba, em geral bastante largo e de margens baixas e arborizadas, pela calada da noite, estranhamente muito fria. Cinco horas de viagem, sem qualquer incidente, até ao Xime, onde ficou já a Companhia 2715.

No dia anterior tinha-se realizado a entrega das armas aos membros do Batalhão. Todos em fila, um por um. Quando chegou a minha vez, recusei receber a G3. Uma questão, simplesmente, de missão específica do capelão e de consentaneidade com as suas funções, enquanto sacerdote ao serviço da Igreja - expliquei.
- Você é testemunha de Jeová? – atalhou um oficial superior que superentendia ao acto.
- Não, sou padre católico – retorqui.

Acrescentei ainda que assumia a responsabilidade de não ter arma.

E sobre o assunto não houve mais questão alguma. De resto, tive sempre a impressão que os companheiros do Batalhão souberam interpretar a minha atitude pessoal como normal e condizente com a condição do sacerdote capelão.

Um dia, já em Julho [de 1970], numa ocasião em que eu seguia numa coluna de Bambadinca para o Xitole, num camião civil velho, sem portas nem vidros, o condutor, que era africano e me olhava com curiosidade de vez em quando, numa altura disse-me muito delicadamente:
- O sr. alfero não traz arma?!

O facto era estranho para ele. E para mim era difícil explicar-lho. Mas achei graça à observação.

A partir do Xime, e em face do estreitamento do rio que se processa para montante, a nossa viagem prosseguiu por terra, através duma estrada má e bem escoltada pelas forças nativas, até Bambadinca, palavra indígena que significa «cova do lagarto», segundo a informação que me foi prestada.

O aquartelamento de Bambadinca, que, para mim, me pareceu dotado de boas condições e com uma dimensão apreciável, fica situado, juntamente com a Administração, a escola e a igreja da Missão Católica, num pequeno planalto, rodeado duma tabanca, e com vista para um grande arrosal, dividido pelo rio.

A trinta quilómetros para leste fica Bafatá e, para o sul, havia comunicação, por uma picada, com Mansambo e Xitole, onde ficaram instaladas as Companhias 2714 e 2716.

É neste teatro, sinalizado pelas quatro localidades referidas e ainda ponteado por vários Destacamentos, que se vai desenrolar a comissão de serviço do Batalhão 2917 na Guiné e a minha própria vivência como alferes capelão – uma função que não considero fácil nem isenta de contradições numa situação de guerra.

Arsénio Puim
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais10 de Julho de 2009 >

Guiné 63/74 - P4666: Memorias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (2): De Viana do Castelo a Bissau

Guiné 63/74 - P4989: FAP (33): Correio ao Domicílio (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Giselda e Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 18 de Setembro de 2009:

Carlos, Luís:
Para compensar o nosso afastamento do blogue por um período de férias dilatado (na verdade ainda continuam...) envio-vos duas pequenas histórias - uma minha ("Correio ao domicílio"), outra da Giselda ("Fartote de legumes").

Como é habitual são ligeirinhas, mas talvez não faça mal, para compensar a caloraça que este Verão trouxe ao blogue...

Um abraço
Giselda e Miguel Pessoa



CORREIO AO DOMICÍLIO

Nas missões que efectuavam por todo o território da Guiné os pilotos sabiam da importância que a chegada do correio tinha para o pessoal exilado nos locais mais recônditos, por ser o principal (às vezes o único) elo que tinham com a civilização.

Sucedeu comigo por várias vezes quando voava no DO-27 que, sobrevoando o território no percurso para o aeródromo de destino, ao passar sobre um aquartelamento, era interpelado por um operador de rádio mais ansioso, de que geralmente resultava uma conversa encriptada, mais ou menos nestes termos:

- Águia, Águia (ó aviador), aqui XX (código do quartel), informe se tem Sierra (serviço) para este?

- XX, Águia, negativo

- OK. Confirme que não tem Charlie (correio) para este?

- XX, Águia, negativo

- OK, Águia, Óscar Bravo (obrigado), o Charlie (comandante) manda um Alfa Bravo (abraço) e uma Bravo Victor (boa viagem)

- XX, Águia, um Alfa Bravo para vocês. Terminado. (**)

E lá continuava eu para o meu destino deixando para trás um interlocutor desiludido.

Deve-se reconhecer que os SPM (Serviços Postais Militares) tinham em consideração, sempre que possível, a necessidade que o pessoal tinha de receber notícias fresquinhas - das famílias, das namoradas, dos amigos. Por isso, estava bem organizada a distribuição dos sacos do correio, de modo a embarcarem no primeiro avião disponível para o local.

Para além de embarcarem o correio de acordo com as missões planeadas, sempre que surgiam missões inopinadas (como as evacuações ou um transporte inesperado), as Operações do GO1201 alertavam os SPM e estes, na medida do possível, levavam à placa onde se encontrava o AL-III ou o DO-27 o correio para o aquartelamento em causa, por vezes também para outros aquartelamentos próximos, a quem o correio seria enviado por terra, a partir do primeiro.

Também por vezes os pilotos tinham a iniciativa de mandar embarcar os sacos de correio dirigidos a outros locais em que não iríamos aterrar, mas que sobrevoaríamos; claro que não se adequava levar encomendas frágeis, que se pudessem partir, pois a ideia era desembarcarmos o saco pela porta lateral quando passássemos a baixa altitude por cima da área do aquartelamento. Mas para o simples correio era uma boa solução de recurso, principalmente em locais isolados sem pista.

Claro que por vezes as coisas podiam não correr tão bem como gostaríamos - o correio podia cair mais longe do que pretendíamos (e o pessoal do quartel também...) e alguns incidentes também ocorreram: por exemplo, um dos sacos que o meu ajudante de carga atirou levou consigo uma antena lateral do DO, outro piloto levou aguerridamente a antena de rádio do quartel. Enfim, foi tudo por uma boa causa, que era afinal a de mitigar as saudades dos nossos camaradas em terra por tudo aquilo que tinham deixado lá longe.


Um Dornier, DO 27, na pista, de terra batida, do aquartelamento.
Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006)


Uma vez, um aviador de Fiat G-91, depois de executar uma missão no sul do território onde largou o ferro que levava, quando regressava a Bissalanca detectou uma anomalia suficientemente grave para o fazer dirigir-se de imediato para o sítio mais próximo que fosse apropriado para pôr o estojo no chão. Lá fez uma aproximação cuidadosa à pista, conseguindo parar o avião dentro do espaço disponível, sem mais problemas para além do susto inicial.

Ainda a recuperar do stress, enquanto saía do avião, vê que a capacidade de apoio do aquartelamento era superior à que esperaria, pois de imediato se aproximam rapidamente do local vários militares. Só então se apercebe das suas intenções quando um deles lhe dispara a pergunta sacramental:

- Traz correio?!

Miguel Pessoa

Fiat G-91 da FAP
Foto de Soares da Silva, com a devida vénia

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4676: FAP (32): Defendendo a minha dama (Miguel Pessoa)

(**) Código Fonético Internacional

A - Alfa
B - Bravo
C - Charlie (lê-se tchar-li)
D - Delta
E - Eco (lê-se: é-cô)
F - Foxtrot (lê-se: focs-trote)
G - Golf
H - Hotel
I - Índia
J - Juliet (lê-se: dju-liete
K - Kilo (lê-se: qui-lô)
L - Lima
M - Myke (lê-se: mai-que)
N - November
O - Oscar
P - Papa
Q - Quebec (lê-se: qué-beque)
R - Romeo (lê-se: ró - mi - ou)
S - Sierra
T - Tango
U - Uniform
V - Victor
W - Whisky (lê-se: uís-qui)
X - Ex-Ray (lê-se: ecs-rei)
Y - Yankee (lê-se: ian-que)
Z - Zulu

Guiné 63/74 - P4988: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (7): A Mina

1. Mais um episódio de Gavetas da Memória de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.


A Mina

Era meia-noite em Pirada, pequeno povoado situado na fronteira norte, algures na Guiné Portuguesa.

A lua ainda tardava e um céu de veludo negro salpicado de jóias brilhantes pesava sobre as habitações, os homens, os animais e as coisas.
Há muito que reinava o mais profundo silêncio. A tabanca dormia tranquila. O nativo regula sempre todas as suas tarefas pelo nascer e pelo pôr-do-sol. Não precisa de outros horários.

Apenas, no quartel, se notavam alguns indícios de actividade. Rendiam-se as sentinelas, aqui e acolá, nos postos respectivos. Pela única rua da aldeia, regressava ainda o último grupo de retardatários. Dois oficiais, dois jovens alferes, confraternizavam com alguns sargentos, jovens também, companheiros desde os centros de instrução na Metrópole. Fumavam-se os últimos cigarros na perspectiva de uma noite sem história.

Foi nessa noite, uma noite vulgar, igual a tantas outras que a primeira surpresa viria a surgir.
No início, mais parecia ser o eco surdo de alguma trovoada seca, bem longe, para leste, ou nordeste, lá para as bandas de Bajocunda ou do Senegal, mas depressa chegaram à conclusão que os sons que o telégrafo do vento lhes trazia, eram na realidade detonações, tiros de armas de guerra. Tiros que estavam a ser disparados a poucos quilómetros dali.

E de facto ouviu-se, agora perfeitamente, o som inconfundível do matraquear de uma metralhadora ligeira, a arma preferida pelo inimigo. Desfeitas as dúvidas, todos se quedaram imóveis à escuta, perplexos, procurando uma explicação.

Alguém correra já a chamar o capitão que rapidamente também se veio juntar ao pequeno grupo que continuava a tentar perscrutar os sons que, a ligeira brisa da noite, conseguia fazer-lhes chegar. Entretanto, mais soldados, alertados pela movimentação inédita, foram-se juntando no meio da praceta da entrada do quartel, alguns, já com a arma segura numa das mãos, enquanto com a outra apertavam o cinto das calças, outros, espreguiçando-se lentamente, tentando perceber o que é que se estava a passar, perguntavam sem cessar:

- O que foi? O que foi? Aquilo são tiros mesmo?

Tão repentinamente como começaram, as detonações deixaram de se ouvir. Quando já se começavam a aventurar algumas hipóteses de explicação para tão insólito caso, uma sentinela, chamou baixinho:

- Meu Alferes! Meu Alferes! Pareceu-me ouvir um ruído qualquer, ali para os lados da estrada que vem de Bajocunda. Oiça! Oiça! Já se ouve melhor! Não está a ouvir?

De facto, um ligeiro rumor começava a deixar-se aperceber, entre a sinfonia monótona de todos os insectos nocturnos.
Um ligeiro roçagar que se ia tornando cada vez mais audível.

- É alguém que vem aí de bicicleta, meu Alferes! - Afirmava convicto a sentinela.

Distinguiu-se então, perfeitamente, um vulto branco a deslocar-se velozmente pelo caminho que vinha desembocar no largo, onde todos estavam. Seguiam-no um grupo de homens negros que resolutamente se dirigiam para o quartel. Entre eles distinguia-se a figura alta e esguia do régulo Solo Só. Chegando junto do capitão, rapidamente contou o que tinha chegado ao seu conhecimento. O jovem da bicicleta era um morador da tabanca de Sinchã Samba, aquela que ficava ali mais perto, cerca de uma hora de caminho pela estrada que levava a Bajocunda.

Segundo ele, quando regressava a casa, depois de uma noite de caça infrutífera, reparara nuns vultos estranhos que, no meio da estrada que passa mesmo junto à sua aldeia, pareciam estar a escavar o chão. Julgando que seria alguns dos seus vizinhos, chamou. Mas quando lhe responderam, notou logo se tratava de gente estranha e que algo de muito suspeito se estaria a passar. Rapaz avisado, como era, não hesitou, meteu a arma à cara, a fiel longa e fez um aparatoso disparo.

Como por encanto o grupo eclipsou-se, mas deixando como aviso uma rajada de pistola-metralhadora. Os habitantes da aldeia, por sua vez, já despertados pelo primeiro disparo, acorreram também com as suas longas e um pouco às cegas, na densa escuridão da noite, responderam aos tiros de armas automáticas que vinham do outro lado da estrada.

Quando tudo serenou e se deixaram de ouvir mais tiros, montou na bicicleta e viera para Pirada buscar auxílio e contar tudo à tropa. Não conseguia dizer ao certo quantos elementos teria aquele grupo terrorista, pareceu-lhe que seriam poucos, mas que de certeza estavam a fazer um buraco no meio da estrada.

Perante tais declarações e perante o olhar inquieto dos nativos que escutavam, ofegantes, tudo o que o bravo Braima (assim se chamava o rapaz da bicicleta) então dizia, o comandante do destacamento tomou rapidamente duas decisões:

- Primeiro, enviar um Grupo de Combate o mais urgentemente possível, fazer um reconhecimento, sem alarido, à zona afectada e atacar, se possível, o grupo inimigo que se infiltrara.

- Segundo, manter o destacamento em estado de alerta durante toda a noite, enviando para os caminhos da mata, que davam acesso à fronteira, alguns elementos da auto-defesa nativa, jovens decididos que, por sua própria decisão, tinha armado.

Tinha tido conhecimento, já há alguns dias, que um grupo inimigo se localizara do outro lado da fronteira. Era de prever qualquer tentativa de infiltração e talvez aquele pequeno grupo surpreendido pelo Abdulai Braima pretendesse de facto instalar uma mina que isolasse o aquartelamento, do lado nascente, para, no caso de resolverem atacar, ficarem com um caminho de fuga protegido.

Sem hesitações, os homens do 1.º GCOMB prepararam-se para partir. Ninguém falava ou gracejava e todos se mostravam interessados apenas no armamento a levar, que se queria leve, mas poderoso. Fixaram-se as últimas instruções, estudaram-se pela última vez, os mapas. O Sargento de Transmissões afinou os rádios, fixou as frequências indispensáveis. Todos os minutos eram preciosos. Não se poderia desperdiçar o efeito surpresa.

A um sinal do alferes, o grupo de combate embrenhou-se silenciosamente na escuridão do caminho, precedido por dois guias nativos que, ligeiros, ardiam de impaciência. Um a um deslizaram, como felinos, guiando-se pela estreita faixa clara da estrada, até que se deixaram de ver. O silêncio quase que não fora perturbado. O ar frio da noite que, de repente, começara a correr numa aragem fina, parecia querer impelir aqueles homens, sempre para a frente, de encontro ao negrume da mata.

Após os primeiros momentos de habituação, cada homem procurava não perder de vista o que lhe ia na frente, perscrutando ao mesmo tempo as sombras da noite em todas as direcções. Respiravam a curtos espaços, com os músculos tensos, prontos a qualquer reacção necessária. Em frente sempre aquela estrada branca, que mais parecia um estranho fantasma pairando diante deles.

Quando já estavam longe do aquartelamento, como medida de precaução, fizeram então o primeiro alto e todos se agacharam na berma do caminho, no lado mais escuro. O jovem alferes consultou os guias, confirmou, mentalmente, as distâncias e, depois de passar palavra, deu início a uma manobra de envolvimento, evitando o contacto directo com o desconhecido, e qualquer possível emboscada. Todos os cuidados não seriam demais.

Desta vez, o grupo embrenhou-se, depois de seguramente localizada pelos guias, por uma antiga picada que seguia paralela à estrada e que os levaria directamente à tabanca ameaçada. Esta, que se localizava um pouco a Sul da estrada, poderia ser assim atingida sem se ser visto da estrada. Era uma zona de mata densa, pela proximidade de um curso de água, propícia ao aparecimento de bolanhas, zonas alagadiças, locais de preferência para quem se quisesse ocultar.

Daí a pouco começavam a distinguir-se as copas arredondadas dos mangueiros, árvores de fruto, quase sempre identificadoras da proximidade de algum povoado.

A coluna redobrou de atenções e cuidados. Contra a impetuosidade dos guias, o oficial contrapunha calma e precaução. A aproximação deveria ser feita com o máximo de eficácia, pois o imprevisto poderia ser fatal.

Finalmente, a tabanca surgia no meio de uma imensa clareira. A Lua começava a despontar e iluminava já o cume das cubatas o que tornava, daí em diante, de certo modo arriscada a progressão daquele grupo de homens. Felizmente o vento vinha de frente e os cães não dariam pela aproximação deles.
O oficial fez um curto sinal com o braço e todos estacaram, ouvindo o vento, fixando os pontos característicos do terreno. Um silêncio de beatitude parecia querer desmentir todo aquele aparato de guerra.

Após uma ligeira troca de impressões, um dos guias partiu lesto na direcção da tabanca, confundindo-se com as sombras.

Os homens dividiram-se e uma secção embrenhou-se de novo na mata, com o outro guia, rodeando a tabanca pelo lado Sul, numa tentativa de conhecer melhor o terreno. O resto do grupo aguardou notícias do primeiro guia. Este não se fez esperar muito e, daí a pouco, estava já de volta, acompanhado por outro indígena que cumprimentava o alferes dando mostras de já o conhecer, de anteriores visitas, à tabanca.

Comunicou que os bandidos tinham feito muito fogo sobre eles, mas que se foram embora ao verem que da tabanca lhes respondiam também com tiros de espingarda. Todo o pessoal da aldeia estava de vigia e ninguém tinha fugido, acrescentou com um certo ar de vaidade. Só tinham pena que as munições tivessem acabado, senão tinham ido atrás deles. A tropa devia dar-lhes mais espingardas e mais balas, pois assim ficavam com medo que os bandidos voltassem para se vingarem.

Tranquilizado com estas informações, o alferes deu então ordem de avançar até à tabanca, deixando, no entanto, uma secção a proteger a retaguarda.
A tabanca parecia deserta, só aqui e ali se via uma cabeça a emergir de dentro de uma cubata. No largo central da aldeia, dois velhos e algumas mulheres. Um deles era o jarga, o chefe da tabanca. Acolheu a tropa com evidentes sinais de alegria e as mulheres, ao princípio atemorizadas, em breve começaram a tagarelar e a rir.
Surgiram depois os soldados da secção que fizera o envolvimento pelo sul, assustando algumas crianças desprevenidas, que correram a refugiar-se debaixo das saias das mães.

Nada de anormal do lado Sul. Restava portanto fazer o reconhecimento da estrada junto da tabanca, no local onde tinha sido avistado o grupo inimigo. Depois de uma breve comunicação rádio com o comando, o grupo espalhou-se, procurando então acercar-se da estrada. O silêncio continuava, interrompido apenas por um ligeiro rumor do vento nas copas frondosas dos grandes mangueirais. Os soldados esperavam, de armas prontas para uma qualquer reacção de um inimigo que poderia ainda estar presente por ali, emboscado.

Lentamente, atingiram a berma da estrada sem que nada acontecesse. A noite continuava a esconder os seus mistérios.

Um dos nativos indicou o local exacto onde tinham avistado os vultos suspeitos, uma cova escura, mesmo ali onde ficava a fonte da aldeia, segundo também informava.
A título preventivo e depois de prevenir o aquartelamento pelo rádio, dispararam-se algumas rajadas nas direcções mais prováveis, mas não houve qualquer resposta. Não havia dúvida, o campo estava livre.

Alguns soldados atravessaram a estrada e colocaram-se na outra berma. Outros, seguindo um dos nativos, embrenharam-se cautelosamente na mata que rodeava a fonte. Um deles, tropeçou num objecto duro e logo verificou tratar-se de uma caixa de ferro. Por precaução, tacteou a toda a volta com cuidado, certificando-se que não estaria armadilhado. Era um simples cunhete de munições abandonado talvez na precipitação da fuga

O guia regressava também com qualquer coisa na mão. Uma sandália de plástico e um boné de caqui.
Ali estavam, portanto, as provas definitivas de que, de facto, um grupo inimigo estivera naquele local e que teria retirado precipitadamente, abandonando, inclusive, uma pesada caixa de munições.

O alferes, entretanto, tinha localizado o sítio da estrada, onde o Braima tinha visto os suspeitos a cavar um buraco. Realmente, na parte onde a estrada descia para a bolanha, à luz fraca da lanterna eléctrica, conseguia notar-se uma ligeira depressão formando um quadrado, onde a terra parecia mais fofa e remexida. Como o local era muito escuro, não se fizeram todavia mais averiguações.

O inimigo, àquela hora estaria certamente do outro lado da fronteira e, não serviria de nada persegui-lo. Contactando novamente o Comando, ficou decidido então que metade do grupo permaneceria no local, guardando a estrada e impedindo a circulação de quaisquer veículos.
O resto regressaria ao quartel, trazendo tudo aquilo que tivesse sido encontrado, abandonado pelo inimigo.
Quando o pequeno grupo de soldados reentrou no quartel, todos ainda se mantinham na mesma expectativa aquando da saída deles.
A caixa metálica continha vários carregadores de espingarda metralhadora de origem soviética, ainda por utilizar e em perfeito estado de conservação.

Naquela noite, ainda, a sentinela deixada junto à estrada, perto do local onde se supunha estar a mina, deteve o condutor de uma pesada camioneta carregada de mancarra, vinda dos lados de Canquelifá, na ponta leste e que nada sabia do que tinha acontecido.
O motorista e algum pessoal que o acompanhava, encavalitado em cima das sacas do amendoim, tiveram mesmo de pernoitar ali na tabanca de Sinchã Samba, esperando que a tropa, mal amanhecesse, limpasse a estrada, assegurando-lhes uma passagem segura.

Logo que o dia clareou, uma força composta, então, por outro Grupo de Combate dirigiu-se ao sítio onde estaria a suposta mina. Cuidadosamente, foram picando o solo e mesmo no local onde o alferes estivera na noite anterior, detectou-se uma depressão coberta por terra fofa. Afastada a areia, destaparam uma caixa quadrangular de madeira. Era de facto uma mina anti-carro. Os turras, afinal, sempre tinham tido tempo para terminar o trabalho.

Com uma pequena carga de trotil, o Sargento Especialista rebentou o engenho, que fez um estrondo tremendo, perfeitamente ouvido a vários quilómetros de distância.

O motorista do camião de mancarra limpou o suor da testa e soltou um profundo suspiro de alívio. Profissional experiente, de muitas campanhas, nunca tinha sentido tão perto a perspectiva de poder vir a saltar com o rebentamento de uma mina. E daquela, escapara quase por milagre.

Pirada, 15 e 16 de Janeiro de 1965
(Publicado no “A Aurora do Lima” em 14.01.2009)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4898: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (6): Os amores do Soldado Valença

Guiné 63/74 - P4987: Em busca de... (91): Informações de Camaradas do 3º turno de 1967 de Op.Esp./RANGERS que estiveram na Guiné, 1968 a 1970


1. O nosso Camarada António Brandão, foi Alf Mil Op.Esp./RANGER da CCAÇ 2336 (Angola 1968/70), enviou-nos o seguinte apelo de busca de camaradas do seu curso, que foram mobilizados para a Guiné nos anos de 1968/70, com data de 18 de Setembro de 2009.

Camaradas e Amigos,

Dirijo-me ao blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, que muito me diz, porque trata de uma guerra que também é minha, embora numa frente um pouco mais ao lado.

Uma guerra que ceifou o meu 1º amigo nos idos anos de 1964 (era eu uma criança de 20 anos e alguns meses), um jovem Furriel Miliciano com mais dois ou três que eu, refiro-me ao Varinho (Álvaro Manuel Vilhena de Mesquita), que era atirador da CCAÇ 675.

Infelizmente não foi o último, outros lhe seguiram na Guiné, Angola e Moçambique.

Há alguns anos iniciei uma “cruzada” que tenho esperanças de concluir. Resolvi descobrir e saber do paradeiro dos 70 Aspirantes, que em Junho de 1967, comigo frequentaram o 3º curso de Op. Esp./RANGERS, em Lamego.

Na altura soube logo de dois mortos em combate, ambos em Moçambique, e sete vivos.

No início de 2008, ao ler um poste do Idálio Reis, publicado neste blogue, mandei-lhe um e-mail em que, entre outras coisas lhe dizia que tive um camarada em Lamego que se chamava Reis, de Cantanhede, e perguntava-lhe se ele tinha algo a ver com esse Reis.

Na resposta, escreveu-me a confirmar ser quem eu supunha. Estava assim encontrado o 8º camarada vivo, do curso. O Reis conhece o paradeiro de mais três, um destes, tem os nomes completos de 25 outros, alguns destes já localizados.

Enfim, um ano e alguns meses depois, com algumas centenas de euros derretidos em chamadas telefónicas, tenho na lista três mortos em combate, oito mortos depois do regresso, 49 vivos e muitas emoções contidas, ou não.

Falta-me localizar 10 homens, ou talvez apenas oito, pois presumo que dois, de quem não tenho fotografias, possam não ter chegado a frequentar o curso por qualquer motivo.

Dados que disponho:

O Nuno é aquele que menos “pistas” oferece. Terá feito a recruta em Janeiro de 1967 e, quando saiu como Aspirante Miliciano, em Junho do mesmo ano, foi colocado no C.I.O.E. com mais cinco outros novos aspirantes, que foram já localizados. Todos incorporaram o 3º curso de OEs/RANGERS que se iniciou nesse mesmo mês. O seu nome de “guerra” era Nuno. Indicia que o seu apelido poderia ser bastante comum e, por isso, podia já ter sido adoptado por outro camarada.

O Antunes poderá chamar-se Manuel Silva Antunes e ser, possivelmente, de Lisboa. Tal como todos os outros que se seguem, foi da recruta que se iniciou em 13 de Setembro de 1966.

O Barbosa presume-se que se chame Jorge A. B. S. Barbosa, deve ter sido colocado no C.I.S.M.I. em Tavira, de Março a Junho de 1967.

O Carneiro supostamente será Júlio F. J. Carneiro e, de Março a Junho de 1967, terá sido colocado na E.P.I. em Mafra. Os seus pais poderão ter sido proprietários da Sapataria Carneiro em Cascais.

O Ferreira, talvez Manuel C. Ferreira (?) saiu como Aspirante em Março, terá sido colocado no R.I.2.

O Guerreiro, supostamente, Manuel M. N. Guerreiro. Poderá ter seguido para o R.I.6. Era "Parelha" do Barbosa.

O Sequeira, terá o nome de José L. N. Sequeira (?) poderá ter ido para o R.I.2 (?).

O Vigano, de origem caboverdiana, poderá chamar-se José R. V. A. C. Pinto, terá passado pelo R.I.15.

O Cortesão e o Sobral, de quem não tenho fotografias, foram "Parelhas" um do outro. Do Cortesão, nada mais tenho, resta o facto de não ter havido muitos com esse nome.

O Sobral poderá chamar-se Victor Joaquim N. Ferreira Sobral, sem qualquer garantia, tal como todos os outros. Não é firme que tenham chegado a frequentar o curso.

Precisava assim de um grande favor, especialmente daqueles que entre 1968 e 1970 serviram o nosso Exército, que me possam ajudar, prestando-me alguma informação útil, pelos telefones: 22 7 824 725 ou 966 855 757, ou para o e-mail: ala.br@hotmail.com

Desde já os meus agradecimentos,

Um grande abraço a todos com um muito obrigado,

António Brandão
Alf. Mil. Op. Esp./RANGER da CCAÇ 2336 (Angola 1968/70)

Fotos: António Brandão (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: