domingo, 15 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)


1. A nossa Amiga Regina Gouveia, esposa do nosso Camarada Fernando Gouveia (Alf Mil Pel Rec Inf - Comando de Agrupamento 2957 -, Bafatá, 1968/70), enviou-nos em 13 de Novembro o programa da Semana Cultural da Guiné-Bissau, que vai decorer entre 16 e 20 de Novembro de 2009, no Clube Literário do Porto.

SEMANA CULTURAL DA GUINÉ-BISSAU
16 a 20 Novembro de 2009

Uma iniciativa conjunta do Clube Literário do Porto com a Associação de Estudantes da Guiné-Bissau:

Dia 16 | Segunda-feira
Auditório
21h00
Conferência / Debate "A Cultura dos guineenses", pelo Dr. Abdul Baldé, Sociólogo

Dia 17 | Terç a-feira
Piano-bar
21h00
Encontro para falar sobre os "Contos tradicionais da Guiné-Bissau
Orador: Adão Quadé acompanhado por instrumento musical
Ibrahima Galissa, som de cora

Dia 18 | Quarta-feira
Auditório
21h00
Projecção de um documentário, "As duas faces da guerra Colonial na Guiné-Bissau"
Diana Andringa
Flora Gomes

Dia 19 | Quinta-feira
Piano-Bar
21h30
Poesia de Choque
António Pedro Ribeiro e Luís Carvalho
Convidado Especial, Dr. Julião Sousa, no âmbito da Semana Cultural da Guiné-Bissau

Dia 20 | Sexta-feira
Auditório
21h30
Apresentação do filme "Nha Fala", do realizador cineasta Flora Gomes

Clube Literário do Porto
Rua Nova da Alfândega, n.º 22
4050-430 Porto
T. 222 089 228
Fax. 222 089 230
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

1. Texto do António Graça de Abreu (na foto, à esquerda, na apresentação, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Memórias Literárias da Guerra Colonial, 2 de Outubro de 2008, do seu Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, Guerra e Paz Editores, 2007) (*)

O coronel Vasco Lourenço em caso polémico, quer reacção do Exército
por António Graça de Abreu


“Com as descolonizações, os povos criaram uma memória nacional por oposição aos colonizadores. Criou-se a ideia de que a expansão fora algo infamante, exigindo-se mesmo assunções de culpa. Ora, em meu entender, isso é tão disparatado como a glorificação desses colonizadores.”

Vitorino Magalhães Godinho, em Jornal de Letras nº 984, de 18 de Junho de 2008, pag. 13

A notícia vem no Diário de Notícias, há já mais de um ano, a 21 de Junho de 2008, pág. 16, da autoria do jornalista Manuel Carlos Freire. Agora, Novembro de 2009, quando o nosso Manuel Godinho Rebocho edita a sua tese em livro (**), talvez valha a pena recordá-la.

O coronel Vasco Lourenço (***), por quem não tenho especial simpatia, critica a ofensa feita aos oficiais do quadro permanente de “fugir à guerra colonial (1961-1974)”, sobretudo nas terras da Guiné, que surge aparentemente fundamentada na tese de doutoramento, “aprovada com distinção”, defendida pelo sargento-mor pára-quedista Manuel Godinho Rebocho, na Universidade de Évora e agora, Novembro de 2009, publicada em livro.

O Manuel Rebocho é um dos nossos, ainda há uns bons tempos atrás o tivemos no blogue a explicar que os restos mortais, as ossadas dos três pára-quedistas mortos e enterrados em Guidage, provavelmente ficariam na Guiné e jamais regressariam a Portugal, à Pátria, boa ou má, onde nasceram. Felizmente tal não veio a acontecer. O Manuel Rebocho também explicou, creio que muito bem, que o tenente-coronel pára-quedista Araújo e Sá era “um grande comandante” de homens, um militar que honrou as tropas pára-quedistas.

No nosso blogue, temos tido alguns defensores da tese da derrota militar na Guiné, da incapacidade das nossas tropas, não só os oficiais do QP, mas também os oficiais milicianos, sargentos e soldados, “sem meios”, vítimas do “colapso militar”,
“irremediavelmente batidos”, incapazes de responder à “supremacia militar” dos guerrilheiros do PAIGC.

Ora, segundo a tese de Manuel Rebocho, se os oficiais do exército do QP “fugiam à guerra colonial (1961-1974)”, imagine-se o que sucedeu na Guiné nos anos 1973/74, com os oficiais do QP a “fugir” e “os oficiais milicianos e os sargentos do QP a aguentar”. Em tão estranha situação, que não conheci, era inevitável a derrota militar.

Ou será que, como diz o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e antigo combatente na Guiné, o sargento Manuel Rebocho “deturpa (de forma malévola) o que então se passou na Guiné”? São palavras do Vasco Lourenço.

Vamos ao texto publicado a 21 de Junho de 2008 no Diário de Notícias.

“A tese de doutoramento aprovada com distinção (2005) na Universidade de Évora, acusando a generalidade dos oficias do quadro permanente (QP) do Exército de fugir à guerra colonial (1961-1974), está a gerar uma onda de indignação em diversos círculos castrenses. Dois factos ocorridos este mês tiraram a tese da penumbra: no passado dia 4, o tribunal de Évora absolveu o presidente da Associação 25 de Abril (Vasco Lourenço) num processo movido pelo autor da tese Manuel Godinho Rebocho (sargento-mor pára-quedista na reforma) por causa de críticas feitas pelo coronel Vasco Lourenço. A 10 de Junho, o coronel Morais da Silva terminou a análise da tese, concluindo que, pelos “erros e conclusões sem fundamento bastante, não dignifica a Universidade de Évora.”

Na origem da polémica está a tese de doutoramento sobre a “A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975”. O autor sustenta que os oficiais do quadro permanente fugiram da guerra, a qual se aguentou devido aos oficiais milicianos e aos sargentos do quadro permanente.[1]

Entre outras afirmações polémicas, diz: “Porque os oficiais dos anos 60 fugiram da guerra, não reuniram as características das elites. (…) Em função disso, o Exército desmoronou-se; a cadeia de comando partiu-se; o Exército venceu-se a si próprio, a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares, as quais não desempenharam as suas funções aos valores próprios e exigíveis a um Exército.” (pág 488).

Vasco Lourenço, referido directamente na tese, insurgiu-se quando Manuel Rebocho o convida para a defesa da tese (19 de Setembro de 2005):

“Não me ouviu, deturpa o que então se passou na Guiné, e convida-me?”, contou ontem ao Diário de Notícias o presidente da Associação 25 de Abril. Além de escrever ao autor, Vasco Lourenço transmitiu também o seu protesto à Universidade de Évora e ao júri[2], observando que “talvez não tivesse sido ouvido previamente por o doutorando (Manuel Godinho Rebocho) ter noção da malévola deturpação do que se passou na Guiné.”

Manuel Rebocho que o DN não conseguiu contactar, considerou-se ofendido e apresentou queixa em tribunal contra Vasco Lourenço, que foi absolvido, O presidente da Associação 25 de Abril vai agora pedir ao Exército e à Academia Militar que condena “por uma tese destas, sem suporte científico, seja aprovada.”

Este ponto surge como pilar central da crítica do coronel Morais da Silva cujo passado militar o fez sentir-se “enlameado” com a tese, que leu para “desmontar” os argumentos do autor. “Caracterizar um universo de centenas de capitães do QP (…) a partir do desempenho de dois elementos desse universo, mostra que o autor nada conhece da teoria da amostragem e, portanto, as conclusões a que chegou não têm a menor validade científica”, escreveu aquele oficial.


Este o artigo do Diário Notícias. O jornalista conclui lembrando que “Vasco Lourenço foi o comandante das forças que anularam a sublevação do 25 de Novembro, iniciada pelas tropas pára-quedistas e em que Manuel Rebocho participou”.

Repito, o que é que isto tem hoje a ver connosco, estarei a misturar alhos com bugalhos?

Vamos apenas para recordar que Vitorino Magalhães Godinho que cito no início deste texto, o coronel Vasco Lourenço, e já agora eu próprio, não são gente da direita nostálgica de qualquer passado colonialista.

No que a mim diz respeito, - e porque de direitista a esquerdista, já me colaram éne rótulos -, está tudo no meu Diário da Guiné, 1972/74, inclusive a referência ao meu processo na PIDE/DGS, com a cota dos documentos sobre mim elaborados pela PIDE, a partir de 1967. Quem quiser pode ir à Torre do Tombo consultá-los.

O que é que me tem levado a alinhar tantas páginas, às vezes um tanto magoadas, no blogue?

(i) O gosto pela verdade histórica;

(ii) O respeito imenso pelos meus camaradas de armas, meus irmãos na Guiné, agora também pelos oficiais do quadro permanente que conheci em Teixeira Pinto, em Mansoa, em Cufar, não propriamente no ar condicionado de Bissau, com quem convivi muito de perto durante 22 meses;

(iii) O respeito também pelo “inimigo”, os guerrilheiros do PAIGC.


Aprendi a respeitar o rigor da informação e a seriedade na análise histórica. Cometo naturalmente alguns erros, já escrevi, e não estou a ser original ao afirmar que cada homem é um mundo. Mas procuro olhar e entender a História (e estamos a falar da História Contemporânea de Portugal e da História da Guiné–Bissau), a nossa História, a partir de “uma investigação séria e rigorosa, como uma construção científica capaz de nos ajudar a compreender quem fomos e quem somos”. Estou outra vez a citar Vitorino Magalhães Godinho

Um abraço a todos os tertulianos, a todos os camaradas e amigos.

António Graça de Abreu

11 de Novembro de 2009

Ano do Búfalo

António


2. Comentário de L.G.:

"Sério, sereno, justo mas não justiceiro, tomando partido pela busca da verdade e do rigor historiográfico, sem deixar de ser caloroso e fraterno" - é um elogio que eu gostaria de poder fazer a todos os que escrevem no nosso blogue. Eu sei que há divergências de leitura, análise e interpretação, entre nós, no que diz respeito à guerra colonial e ao seu contexto histórico - nos planos estratégico, político, militar, social, económico e cultural... Não quero nem posso escamotear essas diferenças... Nem sempre é fácil sermos "calorosos e fraternos" quando não concordamos... Mas podemos ser "sérios, serenos e justos" na crítica...

Este contributo do António (que, tal como eu, ainda não leu o livro) é também um convite para olharmos, de vez, para o nosso passado, sem falsos saudosismos nem miserabilismos, mas também com frontalidade, verdade, orgulho... E sobretudo continuarmos a 'fazer pontes' com os outros povos (às vezes, parece que continuamos a 'fazer a guerra'... Ora o PAIGC foi, objectivamente, o 'nosso IN', no passado; mas war is over, a guerra acabou)...

No própximo dia 17, na ADFA, em Lisboa, o nosso camarada Manuel Rebocho vai apresentar o seu livro e nós vamos lá estar para o ouvir, a ele e aos seus convidados, com a mesma abertura de espírito com que estamos, estivemos e estaremos em eventos semelhantes (por exemplo, na apresentação do livro do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje em 22 de Maio de 1973). São dois camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande, que divergem na apreciação de muitas coisas, directa ou indirectamente relacionadas com a guerra colonial da Guiné.

O Manuel Rebocho é hoje doutorado em sociologia dos conflitos, por uma universidade pública portuguesa, a Universidade de Évora, e a sua tese, agora em livro, deve ser conhecida e lida, antes de alguém vir para a praça pública utilizá-la como se fora uma G3.

Não ignoro que o tema (as elites militares e a guerra colonial) é, em si, polémico, como o são, aliás, todos os temas de história contemporânea: não temos ainda a distância efectiva e afectiva para julgar o "nosso tempo"...

Eu ainda não conheço a tese (não está acessível, 'on line') nem ainda comprei nem li o livro. Não tenho por hábito e formação usar a G3 para impôr os meus pontos de vista. Na nossa Tabanca Grande a G3 é hoje, de resto, uma peça de museu. Quem a trouxer, se há quem ainda ande com ela, deve deixá-la lá fora. (Obviamente, isto é uma metáfora).

Todos os pontos de vista, devidamente fundamentados, sobre o livro do Manuel Rebocho - incluindo os aspectos mais académicos, teórico-metodológicos, de investigação científica - serão bem vindos e terão lugar no nosso espaço, que é livre, plural e aberto. Mas, desde já devo dizê-lo, não aceito que se diabolize ninguém. Controvérsias, sim, duscussão livre, franca e aberta, sim. Se possível, serena, calorosa e até fraterna, melhor ainda. Mas transformar o nosso blogue numa tribuna panfletária, não. Decididamente não.

[Revisão / fixação do texto / bold a cores / título: L.G:]

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Notas do A.G.A.:

[1] Será que Manuel Godinho Rebocho se esqueceu dos furriéis milicianos e dos nossos cabos e soldados?

[2] O júri era constituído pelo prof. Adriano Moreira, Joaquim Serrão (será o prof. Joaquim Veríssimo Serrão, antigo presidente da Academia Portuguesa da História. Se é, não posso acreditar!), Maria José Stock, antiga presidente do Instituto Camões, e que vai apresentar agora o livro do Manuel Rebocho, Maria Colaço Baltazar e o professor da Academia Militar coronel Nuno Mira Vaz, autor de um interessante livro Guiné 1968 a 1973, soldados uma vez, soldados sempre, Lisboa, Tribuna da História, 2003.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5243: Controvérsias (52): Elites militares, estratégia e... tropas especiais (L. Graça / A. Mendes / M. Rebocho / S. Nogueira)

29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5180: Agenda Cultural (39): “Elites Militares e a Guerra de África”, de Manuel Rebocho: 17 de Novembro, às 18h00, sede da ADFA - Lisboa


Sobre o Manuel Rebocho, vd. postes dele ou sobre ele:

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)


(***) Sobre Vasco Lourenço:

Vasco Lourenço (à esquerda, em foto da capa do livro Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009):

" Nasceu em Castelo Branco em 1942. Ingressou na Academia Militar em 1960. Pertenceu à Arma de Infantaria. Combateu na Guerra Colonial, tendo cumprido uma comissão militar na Guiné de 1969 a 71. No dia 25 de Abril de 1974 era capitão nos Açores. Membro activo do Movimento dos Capitães, pertenceu à Comissão política do MFA. Nesta condição foi nomeado para o Conselho de Estado (24 de Julho de 74), passando mais tarde a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 tornou-se membro do Conselho da Revolução, funções que manteve até à extinção (1982). Passou à Reserva no posto de tenente-coronel a 20 de Abril de 88. Pertence desde a sua fundação aos corpos gerentes da Associação 25 de Abril" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra).

Guiné 63/74 - P5274: FAP (36): Ventos e cata-ventos (Miguel Pessoa)

1. Texto do Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (e membro efectivo, activo, produtivo e proactivo do nosso blogue):

VENTOS E CATA-VENTOS

O pára-quedas de cauda do Fiat G-91 era um componente importante na utilização do avião em pistas mais curtas ou naquelas em que, devido às altas temperaturas existentes, a corrida de aterragem (*) era agravada.

Lembro-me, depois de uma aterragem em Nova Lamego (em que naturalmente tive que usar o pára-quedas de cauda), não havendo ali material de substituição, tive que prosseguir para Bissalanca sem poder recorrer a ele. E, dadas as altas temperaturas verificadas àquela hora na pista da BA12, recordo-me bem que, sem o pára-quedas, o avião "comeu" praticamente a pista toda até se imobilizar. E os travões ficaram bem quentes nessa ocasião...

Naturalmente, havia algumas restrições ao uso do pára-quedas do avião, nomeadamente no que diz respeito às condições e velocidades máximas de utilização. Assim, ele deveria ser extraído apenas depois de o avião tocar no solo e com uma velocidade inferior a 150 nós (**).

Compreendem-se essas restrições pois o pára-quedas, aberto, comportava-se como um verdadeiro cata-vento e, se nos lembrarmos que na outra ponta estava o avião, imagine-se a rotação a que este podia estar sujeito no caso de ventos fortes laterais. E esses efeitos sentiam-se ainda mais no ar. Por outro lado, havia um limite físico à abertura do pára-quedas - o cabo que ligava o pára-quedas ao avião tinha uma rotura prevista aos 3000 kg de força, o que acontecia quando a abertura era efectuada acima dos tais 150 nós (***). Corria-se nesse caso o risco de a calote se desprender, deixando o pára-quedas de ter qualquer utilidade.

Existia no entanto uma gama de velocidades (pequena) entre a velocidade de tocar no chão e a velocidade máxima de abertura do pára-quedas que permitia abrir o pára-quedas ainda no ar, sem ultrapassar essa velocidade limite. Tinha que se ter um cuidado extra, pois ao abrir o pára-quedas o nariz do avião tinha tendência para baixar. Na verdade não se ganhava nada com isso mas era um exibicionismo que um piloto mais atrevidote gostava de experimentar. Bem, foi precisamente o meu caso...

Dei-me bem com o método (que, na verdade, usei apenas esporadicamente), até ao dia em que fiz uma aproximação a Bissalanca e resolvi abrir o pára-quedas de cauda imediatamente antes de tocar, sem ter tido em muita consideração os ventos que a Torre de Controlo me reportava.

O facto é que rapidamente me arrependi do feito, pois o avião iniciou um par de rotações para um lado e outro do eixo da pista (20º ou mais para cada lado). Tendo finalmente conseguido dominar o animal (os animais, se incluirmos o que ia a pilotar...) lá consegui pôr o estojo no chão e fazer uma corrida de aterragem mais ou menos normal. E o facto é que nunca mais, desde então, deixei de cumprir rigorosamente o que estava estabelecido no referente às condições e velocidades de utilização do pára-quedas de cauda do Fiat G-91...

Miguel Pessoa

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Notas do autor:

(*) Em termos simples, a distância percorrida desde o "tocar no chão" até à paragem completa do avião

(**) 150 nós (ou 150 milhas náuticas por hora) correspondem a quase 280 km/hora (150 x 1,853= 277,9 km/h)

(***) Um agradecimento ao Cristiano Valdemar, ex-mecânico de Fiat G-91 na BA12, que me relembrou estes dois valores, já desaparecidos do meu "disco rígido"...

Guiné 63/74 - P5273: Parabéns a você (42): Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reab Mat Auto da CART 1614/BART 1896 (Editores)

1. Salvé dia 15 de Novembro de 2009.

Neste dia o nosso camarada Orlando Pinela*, ex-1.º Cabo Reab Mat Auto da CART 1614/BART 1896,
Cabedú, 1966/68, festeja o seu 64.º aniversário, e nós, tertulianos desta Tabanca Grande aqui estamos a desejar-lhe um feliz dia, com muita saúde e alegria, junto de quem lhe é mais querido. Mais um pequeno esforço e aqui estará, neste mesmo lugar, a mesma malta a comemmorar o seu centenário. Sim, porque nós não fazemos por menos.

O nosso camarada Pinela apresentou-se assim à Tabanca em Março passado:

Boa tarde e saudações cordiais do camarada Pinela.
Aí vai o meu pobre historial militar.

Fiz a recruta na Serra da Carregueira no 1.º turno de 1966, tendo tido uma recepção excepcional como faxina à cozinha. Nunca tinha visto tanta loiça, era um autentico Hotel de *****, os quartos eram todos duplos e tinham uma média de 160 camas.
Esses dois meses, além da chuva e do frio, tudo passou sem grandes sobressaltos além de alguns roubos de equipamento.

Como já estávamos naquele Resort há muito tempo, todos fomos à vida indo eu parar ao Entroncamento, terra muito conhecida pelos combóios, talvez fossem mais os militares que a população. Aí sim, tive uma rececpão estupenda de boas instalações, no quarto de vez em quando, como o mesmo não era muito grande, era necessário desviar as camas para passar o combóio e também não eramos muitos, mais ou menos uns 300.

Assim chegou o mês de Agosto, fim da especialidade e nova mudança sempre a fugir para o Norte.
Agora sim fui para uma cidade estupenda, a capital de Trás-os-Montes, Vila Real, condições acolhedoras e condignas e uma excelente camaradagem, ficando a fazer serviço no material de Guerra, tendo quase todos os dias a visita do senhor Comandante da Unidade (RI13), um homem com dignidade e de bom coração.
Como também sou Trasmontano da região de Bragança, muitos fins de semana lá ía a casa para encher as peles.

Assim pelo fim de Setembro acabou a estadia nesta unidade e rumando para uma cidade a Sul do Rio Douro, Vila Nova de Gaia, já com o bilhete na bagagem para novos rumos. Estive três dias na Serra do Pilar até me reagrupar à Companhia. Mais uma vez fui conhecer novas caras, pois nem uma alma conhecida. O Bart 1896 integrava as Cart 1612, 1613 e 1614, tendo passado por uma Bateria em Leixões até ao treino operacional em Viana do Castelo com o embarque a 12 de Novembro de 1966.

Esta descrição é em traços largos a minha passagem pelo Serviço Militar no Continente, talvez não seja muito importante para os camaradas do blog, mas é o começo da minha apresentação.
Dentro de dias vou começar a escrever a minha singela passagem por terras da Guiné.

Despeço-me com um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e em especial ao camarada Carlos Vinhal em ter pachorra para me aturar.
Um abraço
Orlando Pinela


Orlando Pinela a banhos (de sol) no Resort de Cabedú
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4096: Tabanca Grande (128): Orlando Pinela, militar da CART 1614 (Guiné, 1966/68)

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5266: Parabéns a você (41): César Vieira Dias, ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71 (Editores)

sábado, 14 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5272: Efemérides (37): Regressaram os restos mortais de mais três heróis de Guidaje, Maio de 1973 (José Martins)

Lisboa > Belém > Monumentos aos Mortos do Ultramar > 91.º Aniversário do Armistício, 86.º Aniversário da Liga dos Combatentes e do 35.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar > 14 de Novembro de 2009 > O regresso dos restos mortais de mais três camaradas, mortos na defesa de Guidaje, Região do Cacheu, Guiné, em Maio de 1973.

Foto: © José Martins (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem do José Martins, nosso regular colaborador, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Zona Leste, Região e Gabu, Canjadude, 1968/70:


A propósito das cerimónias de hoje, junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar, acabamos de receber, às 18h44, o seguinte mail do nosso camarada José Martins:


Boa tarde,

Estou a chegar a casa depois de ter estado presente nas cerimónias marcadas para hoje!

Primeiros comentários:

Afinal chegaram três urnas! Ainda bem, mas não podemos baixar os braços.

Foi colocada a lápide com os comandos [africanos] mortos após a independência.

Os discursos foram politicamento correctos, mas demasiadamente longos.

Falta passar das palavras aos actos.

Foram tiradas fotos, alem de mim estavam o Virgínio Briote (*) e o José Colaço, que irão chegar ao blogue.

Um abraço

José Martins


2. Mensagem posterior do Zé Martins, enviada em 19h46:


Afinal regressaram todos!

Já estão a caminho de casa, depois de uma ausência prolongada.


(i) Soldado MANUEL MARIA RODRIGUES GERALDES, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 15, em Tomar, integrando a 2ª Companhia do Batalhão de Caçadores nº 4512/72, solteiro, filho de António Emílio Geraldes e Ascenção dos Santos Rodrigues, natural da freguesia de Vale de Algoso, concelho de Vimioso:

Morreu em Guidage em 10 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate rebentamento de uma mina anti pessoal. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(ii) 1º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira:

Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(iii) Furriel miliciano JOSÉ CARLOS MOREIRA MACHADO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de Manuel achado e Delta de Jesus Moreira, natural de freguesia de Ervões, concelho de Valpaços:

Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

Agora é necessário alterar o local de repouso “destes guerreiros” no volume 8º da RHMCA

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5271: Efemérides (30): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (V. Briote)

Guiné 63/74 - P5271: Efemérides (36): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (V. Briote)

Algumas imagens da cerimónia




Momentos antes do início das cerimónias oficiais.



Antigos Combatentes e familiares.



Três pelotões, um de cada ramo das Forças Armadas.



A Banda da Força Aérea tocou os Hinos Nacional e o da Maria da Fonte.





Pouco mais de quatro centenas de Veteranos estiveram presentes.

O José Martins no meio da assistência. Do nosso blogue esteve presente também o Colaço do Cachil.







Guiões de várias Unidades Militares alinharam-se junto ao Monumento.









Saída do Forte do Bom Sucesso das três urnas contendo os restos dos restos do Soldado Manuel Maria Rodrigues Geraldes, do 1º Cabo Gabriel Ferreira Telo e do Furriel Miliciano José Carlos Moreira Machado, mortos em Maio de 1973 em Guidaje.




O José Martins fotografa a saída dos pequenos caixões.



A caminho dos últimos destinos.









Coroas de flores, algumas oferecidas por adidos militares estrangeiros.


Desfile militar.


No monumento com a chama eterna ficaram inscritos mais nomes de Camaradas mortos depois da Independência da Guiné-Bissau.

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Nota de vb: artigos relacionados em

12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro) e

9 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5240: Efemérides (28): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (José Martins)

Guiné 63/74 - P5270: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (18): O Jorge Narciso e o Humberto Reis reencontram-se, 40 anos depois...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil At Inf Op Esp Humberto Reis, à civil, no aquartelamento de Bambadinca

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil At Inf Op Esp Humberto Reis, em cima do mais famoso bagabaga de Bambadinca.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento do Rio Undunduma, na estrada Bambadinca-Xime > O Humberto Reis pescando à linha, enquanto os soldados fulas, do 2º GR Comb, se refrescam...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento do Rio Undundama > O Humberto Reis na ponte do Rio Undunduma.

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

1. Comentário do Jorge Narciso, Ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12 , 1968/69, ao poste P5255 (*):

Caro Luís

Agradeço as palavras que me dirigiste nos comentários ao P 5255, onde aliás acabei de postar um novo comentário. Como podes verificar, ali procuro responder, até onde a memória o permite, às diversas questões colocadas.

Em relação ao [Jorge] Félix vou-lhe proximamente enviar um mail.

Também lá deixei o meu endereço electrónico, nomedamente para que fique disponível para o Humberto Reis (a quem te peço chames a atenção para o facto), com o qual, e fruto duma enormíssima coincidência, parece estar a acontecer um reencontro, de cuja génese não tenho pistas.

Já agora e que falamos de coincidências, por circunstíncias várias, apesar da minha raíz ser mais à volta de Lisboa (Sintra, em mais de 2/3 da minha vida), estou neste momento a viver mais de 50% do meu tempo no Cadaval, onde trabalhei e tenho uma casa há 12 anos, a minha mulher passa lá já praticamente todo o tempo porque já se aposentou.

Para mais proximidade geográfica com as tuas origens: a namorada/companheira do meu filho é da Lourinhã (o irmão é o comandante dos Bombeiros) e estive praticamente com comissão coincidente com o [Manuel do] Rosário (Electricista dos Helis), com que jamais me encontrei e que já constactei, conheces bem.

A Guiné era pequena, mas cá o burgo, como bem sabemos também o é, nalguns aspectos aliás e infelizmente até infimo.

Recebe um abraço

Jorge Narciso


2. Resposta de L.G.:

Meu caro Jorge:

Não eram precisas tantas coincidências, bastava-me o teres feito a Guiné, a guerra da Guiné (de resto num período que coincidiu com a minha comissão de serviço, minha e do Humberto - éramos furriéis, operacionais, de uma companhia de nharros, a CCAÇ 12, e companheiros de quarto - para te convidar a integrar a nossa Tabanca Grande...

As nossas regras do jogo (ou de convívio...) constam da coluna do lado esquerdo do blogue; e a jóia de ingresso são apenas duas fotos (uma antiga e outra actual) + 1 história... A história já está contada e publicada. Manda as fotos (e mais histórias...). Será uma honra acolher mais um camarada da FAP que bateu a zona leste...O Humberto vai ficar radiante... (Foi ele que nos forneceu todos os mapas da Guiné)...

Espero um dia destes encontrar-te na Lourinhã... Tenho uma sobrinha, Cristina, professora, casada em Vilar, Cadaval, com o Rui, trintões e muitos. Um Alfa Bravo. Luís

3. Mensagem do Humberto Reis, ex-Fur Mil At Inf Op ESpeciais, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971):

Meus AMIGOS: Nem sei por onde começar:

(i) O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69, conforme já contei aqui. Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili (**) com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.

Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock.

(ii) Quanto à história do Narciso, ele atravessa-se na minha vida da Guiné quando eu voei várias vezes com o ex-Fur Mil Pil Rui Branco (que rica seita com o Félix, o Manuel Santana aqui de Sete Rios, o cap Morais da Silva, que substituiu o Canibalão cap Cubas, o grande amigo Ramos com quem troquei o boné azul, o Pinho, etc.).

Aliás, nas poucas vezes fui a Bissau, fiquei normalmente hospedado nos quartos dos pilotos na BA12. O Rui Branco era irmão - penso que ainda é, se forem vivos, pois já lhes perdi o rasto - do Armando Branco, meu colega na empresa Luiz Bandeira, Lda., empresa de ar condicionado, onde comecei a trabalhar como trabalhador-estudante no gabinete de Estudos e Projectos, antes de ir para a tropa.

Estava ainda a fazer o curso no antigo Instituto Industrial de Lisboa, agora denominado Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (anos sessenta). Por sinal, coincidência das coincidências, trabalhava lá o ex-Fur Mil Fausto Brito dos Santos, que tinha feito o serviço militar em Angola e que é tio do Jorge Narciso.

Já não sei precisar, passaram-se 40 anos, se foi quando vim cá de férias e visitei a empresa, ou depois de ter regressado definitivamente do serviço militar, que em conversa com o Fausto, falando de helicópteros, ele me referiu que tinha um sobrinho, de nome Narciso, mecânico de Al III. Até estranhei porque o tio pouco mais velho era que o sobrinho. O Fausto deve ter +/- 66 anos e o Jorge Narciso +/-61. Naquela altura a minha memória era melhor que a de um elefante, ao passo que agora é parecida com a de um cágado.

Ainda acrescento mais um episódio. Eu só conheci o relacionamento familiar do Rui Branco (e já tinha voado com ele e julgo que com o Narciso) em Dezembro de 1969 quando fui ao Hospital Militar em Bissau e encontrei uma noite o Armando Branco em Bissau velho, na companhia do pai e do Rui. Qual não foi o meu espanto encontrar tão longe de Lisboa o Armando, e aí ele explicou-me que o Rui era seu irmão, e que ele e o pai tinham resolvido ir a Bissau passar o Natal com o Rui.

Vejam as voltas que, desculpem a expressão, a PUTA DA VIDA DÁ. Como eu sei do Jorge Narciso e o relacionamento com o Rui Branco.

De facto a história é feita de estórias. Lembro-me de uma lenga-lenga antiga dos meus tempos de estudante em que se dizia que “ a história é uma sucessão sucessiva de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar”. É tal e qual como “a minha vizinha que tinha tinha e dava tudo quanto tinha para tirar a tinha que na cabeça tinha.

Narciso, quando vieres aqui, à província, diz qualquer coisa para se tentar um encontro (Lisboa, Alfragide, aeroporto), mesmo que já não nos reconheçamos, havemos de levar, como a história do outro, A Flama, ou o Século Ilustrado, debaixo do braço como identificador. Podes divulgar ao teu tio o meu contacto de mail e o nº do móvel 918 776 460.

Por hoje é tudo

Aquele ABRAÇO

Humberto Reis

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)

(...) Comentário de Jorge Nraciso:

Caros Luís, Félix e Humberto

Aqui vão, da forma mais sintética possível, as respostas às várias questões colocadas e uma nota prévia.

Nota - Como a FAP fez o favor de perder (?) a minha caderneta de voo, os factos e datas relativos à minha estadia na Guiné, são os registados na minha memória e dalguns companheiros da época com quem me vou encontrando e falando destas coisas (já lá vão 40 anos).

Mesmo assim - mesmo assim !!!... Consigo por exemplo, recordar-me, sem grandes falhas, de praticamente todo o pessoal com quem convivi na linha da frente dos All III(e foram muitos, pois as rendições na FAP - excepto a dos páras - eram todas individuais) , nomeadamente: Mecânicos, Pilotos e Enfermeiras.

Dalguns voos (nomeadamente os mais "apertados")lembro-me com quem os realizei, da grande maioria dificilmente. Terei voado seguramente com perto, senão mais, de 20 pilotos diferentes.

Mas vamos aos facto:

- Questões do Luis:

Sinceramente (e pelos motivos que atrás refiro) não me recordo quem foi o Piloto da evacuação do Parente, apenas uma vaguíssima ideia, que poderá ter sido o Ramos (Fur).

Relativamente ao meu endereço e para que conste, aqui vai:
narcisoj@mail.telepac.pt .


Do Félix (a quem envio desde já um abraço e posteriormente um mail, recordando nomeadamente uma viagem com a 'famosa Cilinha') (Foto, à esquerda, do Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, Bissalanca, BA 12, 1968/70) (***):

- digo que faço anos a 26 de Maio (não a 12 de Agosto) e cumpri esse aniversário (20º) exactamente um mês depois da chegada à Guiné (26 Abril de 1969).

Também aí não consigo precisar quem foi o piloto - mas podes perfeitamente ter sido tu. Até breve.

Finalmente a questão do Humberto:

- Como, independentemente da sua existência, não acredito em bruxas, e porque sou efectivamente sobrinho do Fausto que vive em Moscavide (e que esteve em Angola) e porque naturalmente voei mui~tíssimas vezes com o Branco, algum dado me está a escapar em relação ao nosso mútuo conhecimento (talvez por o neurónio onde ele estava registado se ter entretanto reformado - estou a naturalmente a brincar); agradeço-te alguma pista mais precisa que me ajude a recordar-te.

E como este já vai longo
Um abraço comum

Jorge Narciso


(**) Vd. Blogue, I Série, poste de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


Sobre Madina Xaquili, vd. ainda postes de:

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

(***) Vd. alguns dos postes de (ou sobre) o Jorge Félix, do ano em curso:

28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5176: FAP (35): O trágico acidente aéreo de 25 de Julho de 1970, no Rio Mansoa (Carlos Coelho / Jorge Félix / Jorge Narciso)

22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4991: FAP (34): A heli-evacuação do malogrado Cap Cav Luís Rei Vilar em 18/2/1970 (Jorge Félix)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4635: FAP (31): Uma viagem de heli a Bafatá, em 1969, com o cmdt Diogo Neto e o casal Ivette e Pierre Fargeas (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

Postes anteriores a 2009:

27 de Fevereiro de 2008> Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P5269: Historiografia da presença portuguesa em África (30): O primeiro fotógrafo de guerra português andou no Cuor, Guiné, em 1908! (Beja Santos)



1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52,Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2009:

Camaradas,

O primeiro fotógrafo de guerra português andou no Cuor, Guiné, em 1908!

Eu nem queria acreditar. Pela primeira vez, via a fotografia de Infali Soncó, a campanha do Cuor, com povoações que percorri todos os dias. Acabo de telefonar ao bisneto, Abudurrame Serifo Soncó, quando lhe falei no seu ancestral, deu um berro do outro lado. Quem combateu no Cuor, quem junta fotografias da Guiné, não ficará indiferente a estes álbuns fotográficos, reunidos na mesma edição. É uma pedra preciosa, este livro. Acabo de o adquirir e não resisti a dar a notícia, incluindo as páginas inéditas que já escrevi na Mulher Grande (é o pior jogo de cintura de toda a minha vida, a minha heroína dá cabo de mim, a dormir e acordado).

Proponho que comprem um tesouro!



Não acreditei no que estava a folhear. Os conteúdos conhecia-os bem, abaixo se transcrevem algumas páginas do livro que tenho em preparação e em que falo na campanha do Cuor, em 1908, contra a rebelião de Infali Soncó. O que eu inteiramente desconhecia eram as preciosidades do fotógrafo José Henriques de Melo, álbuns que ele preparou em 1907 e 1908, imagens de paz e imagens das campanhas de “pacificação” no Cuor e na península de Bissau.

É um volume espantoso da autoria de Mário Matos e Lemos (conheci-o na Guiné, em 1991, era adido cultural) e Alexandre Ramirez. Temos uma excelente introdução sobre o fotógrafo, a Guiné do governador Muzanty, a descrição das campanhas, a Guiné depois das campanhas, os relatos da imprensa da época, etc. Adquiri este livro hoje, na Livraria Ferin (213424422 / 213469033 ou livraria.farin@ferin.pt).

É um livro espantoso, uma guloseima para bibliófilos. Malta como o Jorge Cabral, o Henrique Matos Francisco ou Joaquim Mexia Alves vão ficar assombrados quando virem o nosso Cuor a ferro e fogo. Até parece Mato de Cão e a canhoneira Cacheu e o Capitania. Custa 25 euros e a edição de 500 exemplares. Não esperem pelo dia de amanhã. Vou ler com cuidado e depois conto. Agora, junto o texto que preparei para o livro Mulher Grande.

Primeiro, a partir da página 110:

“As prendas da Benedita são anunciadas ao telefone, como disse, vou afogueado até ao Mucifal, chegou a invernia, ela anda debaixo das arcadas do jardim com o jardineiro, há arranjos urgentes nas plantas trepadeiras, nas hortênsias, estão os dois lá fora a falar em enxertos nas rosas, vejo a glicínia e buganvília descarnadas, a floração só virá com os dias primaveris. A Benedita deixou-me entregue à sua prenda, um livro hoje muito raro, intitulado “A campanha da Guiné (1908) ”, por Luiz Nunes da Ponte, tenente de artilharia, a edição é da Typographia a Vapor, da Empreza Guedes, Porto.

Que leitura aliciante! Em Dezembro de 1907, o Ministério da Marinha requisitou ao Ministério da Guerra forças para uma expedição à Guiné, composta por duas companhias de Infantaria, um pelotão de Cavalaria, um pelotão de Engenharia, um tenente e 30 praças de Artilharia. Antes da campanha, foram estudar o terreno o major do Estado-maior Castro Nazareth e o tenente D. José de Serpa.

Estamos na agonia da monarquia, não há meios nem capacidade de actuação para agir nas colónias revoltosas, a Guiné está sublevada do Leste aos Bijagós. O que se propôs em Dezembro não coincide com a nomeação que o governo vai fazer em Março (uma força de artilharia composta de 29 praças, uma companhia do Regimento de Infantaria 13, com 250 praças, um destacamento de engenharia, mas também forças auxiliares, um médico, um veterinário, um oficial de administração militar, ao todo 358 homens.

Nunes da Ponte vai ver e assombra-se: as praças, na sua maioria, são recrutas! Felizmente que o Governo fala em mandar mais 200 landins em ajuda desta força. Depois fala nos defeitos de organização: o material em estado deplorável, o pessoal a adoecer, mal chegados a Bissau descobre-se que não há mudanças de farda, cada um só trouxe a que está vestida.

A tropa embarca para o Xime na canhoneira Salvador Correia. Nunes da Ponte, tão bom observador, não refere coisíssima nenhuma sobre a natureza, sobre a viagem Geba acima. Ficamos a saber que num outro vapor vão albardões, cangalhos, varais, sacos de rações, baldes, muares, carros e peças de artilharia. Terá sido porventura a primeira vez que tantos brancos viajaram pelo Geba ao mesmo tempo, vão ali um pelotão de Infantaria 13, sob o comando do alferes Duque, e 30 grumetes dirigidos pelo segundo-tenente Proença Fortes.

Agora temos uma discrição: “O Xime é uma povoação insignificante. Fica a 100 metros do rio aproximadamente. Tem duas ou três casas comerciais e o posto militar; o resto são só palhotas. Ali, o comércio é mantido em grande parte com os Balantas, negros que ocupam a margem oposta e que, atravessando o rio nos seus dongos (embarcações muito compridas) vêm trocar por arroz o artigos de que carecem”. Partem do Xime para Bambadinca na canhoneira Cacheu. Começam aqui os ataques dos Biafadas, que colocaram dois grossos cabos de arame farpado, e que foram atravessados no Geba, para impedir a progressão.

A Benedita está a despedir-se do jardineiro, oiço a sua voz tonitruante na cozinha, conversa com Svetlana acerca de um prato de lulas recheadas, parece ser este o pitéu que me está destinado para o almoço. É a contragosto que paro esta leitura, exactamente quando se vai dar o primeiro combate, em 7 de Maio de 1908, à entrada do Cuor.”.

O segundo, a partir da página 115:

“Estou finalmente rendido à desordem que a Benedita instalou nas suas memórias: já não percebo se o Toninho morreu ou não, quando ocorreu esta nova fase violenta da leucemia do Rui; o magnífico historiador está combalido mas, pelos vistos, viajam a toda a hora, está exausto mas parece que o seu rendimento intelectual não foi afectado. É nisto que medito enquanto me refugio do frio e da chuva na paragem do autocarro, que me vai levar até à Portela de Sintra.

O leitor não leve a mal, a Benedita, qualquer dia, vai fazer 90 anos, o que lhe temos que gabar é a memória e condescender com estes ziguezagues, se eu próprio estou contagiado pelo desnorte, o leitor não pode fazer mais nada.A ferver de curiosidade, esquecido destes incidentes, volto à guerra da Guiné em 1908, ao relato de Luiz Nunes da Ponte, tenente de artilharia.

As tropas saem de Bambadinca, atravessam a bolanha, internam-se no Cuor. Leio tudo com a emoção contida, foi ali que eu vivi entre Agosto de 1968 e Novembro de 1969, o que me apetecia agora, exactamente agora, era marchar pelos mesmos itinerários deste confronto entre as forças portuguesas e as de Infali Soncó, o avô do meu querido amigo Malâ Soncó. Primeiro, a coluna inicia a sua marcha ao sinal dado pelo corneteiro. Estamos a 7 de Maio de 1908, a ordem é de avançar sobre Ganturé, a quatro quilómetros do bivaque.

A disposição da marcha dentro do território inimigo era a seguinte: cem metros na frente seguem trinta grumetes, sob o comando do capitão Teixeira de Barros e o segundo tenente Fortes; vem depois uma guarda avançada da companhia de marinha, seguida do quartel-general e bateria de artilharia; nos flancos, dois pelotões de Infantaria 13 e a companhia mista; à retaguarda, o comboio de víveres, munições, todos os aprestos necessários. O relato é minucioso: “Cada praça transportava consigo, para além do cantil, sacos rectangulares de lona com um gargalo de garrafa a um dos cantos, comportando cinco litros de água, cada um”.

Amanhece, o calor está verdadeiramente asfixiante, muitos soldados fazem esforços sobre-humanos para não caírem extenuados. Ao longe, ouvem-se tiros de longa (armas muitos compridas que os naturais enchiam de zagalotes apertados com pólvora) e espingardas Snider.

A tabanca de Ganturé foi tomada,não houve resistência, a gente fiel a Infali recuou, mas virá a dar sinal de resistência com um grande tiroteio junto da fonte. À cautela, e verificado que as tropas estão exaustas, acampou-se em Ganturé. Pelas quatro da manhã de oito, a coluna avançou sobre Sambel-Nhantá (no meu tempo era conhecida por Sansão, é assim que consta nos mapas, fui lá muitas vezes) a tabanca principal de Infali Soncó. As aves de rapina acompanham nos céus o avanço das tropas.

Também aqui não houve resistência e as tropas incendiaram a tabanca. Muito perto, novo tiroteio do inimigo, que depois se põe em fuga. A coluna progride para a povoação de Gã-Sapateiro (que no meu tempo se chamava Caraquecunda), e aqui se estabeleceu bivaque. O relator tomou mesmo nota de tudo, como passo a citar: “Nessa tarde, chegou um régulo amigo de nome Dembacuta, rapaz novo ainda, com o peito coberto de guardas (pequenos estojos de coiro, contendo papéis com regras que, segundo a sua religião, os livram das balas inimigas), montava a cavalo”.

Este Dembacuta informou que vinha de Mansoná, tabanca que acabara de destruir, e informou que Infali andava fugido. A nove, partiu-se para o último reduto do Cuor, a tabanca fortificada de Madina, que foi tomada nesse dia, depois de uma resistência de meia hora de fogo.

O comboio em que viajo vai chegar em breve a Roma – Areeiro, por mim não me importava que seguisse até ao Porto para ler tudo até ao fim e tomar as devidas notas. Nunes da Ponte escreveu sobre delírios, insânias, gente com a saúde abalada, um soldado louco que teve de ser abatido. A dezoito desse mês, a força bivacada em Gã-Sapateiro abandonou o Cuor (a junta médica considerara doentes mais de 40 soldados).

No Cuor, ficaram 50 homens comandados por um tenente e um alferes. O governador da Guiné nomeou Abdul Indjai, um destemido guerreiro que combatera ao lado de Teixeira Pinto, como régulo do Cuor. Não cabe aqui explicar, vai ser uma nomeação que acabará muito mal.Em casa, depois de jantado, passo tudo a limpo, registo que a tropa que fizera a campanha do Cuor voltou a Bissau, é daqui que ela vai partir para nova campanha, desta vez contra o régulo de Intim e Antula.

Em Maio de 1908, dera-se a ocupação efectiva da ilha de Bissau. Nas conclusões do seu relato, Luiz Nunes da Ponte tira as suas conclusões: em toda a Guiné há dois territórios apenas aonde as operações são arriscadas e difíceis, necessitando para a sua imediata ocupação de forças importantes e bem organizadas: Bissau e o Oio. Duvido que assim fosse, mas para o caso as minhas dúvidas não têm importância.

Comoveu-me muito ter regressado ao Cuor como ali voltei hoje, graças a esta oferta imprevista da Benedita. Gosto muito dos pormenores deste tenente de artilharia, sobretudo quando ele descreveu um tornado como um imponente espectáculo:“Antes o sol escalda, parece que andamos metidos numa verdadeira fornalha; entretanto, nota-se ao longe uma grande barra escura e um relampejar constante; sente-se depois um vento, ao princípio muito brando, mas que vai aumentando gradualmente, ao mesmo tempo que os relâmpagos vêm já acompanhados do ruído do trovão que começa a distinguir-se.

Depressa o vento sopra com fúria, o ribombar do trovão acentua-se fortíssimo, as nuvens surgem constantemente cortadas por muitas fitas luminosas em caprichosos ziguezagues, e logo a chuva cai em torrentes, parecendo que se despenha sobre nós o firmamento transformado em água. Então, pude ver a pequena ou nenhuma importância que os negros dão ao fenómeno; apanhavam as mangas que tombavam das árvores, debaixo daquela chuva torrencial, abandonando somente esse entretenimento quando o vento os arremessava ao chão.

A seguir, produz-se uma evaporação forte, refrescando imenso o ar e tornando a temperatura muito agradável. Dura pouco, porém, esse refrigério; decorridas algumas horas, seca tudo novamente”. Nunes da Ponte não se esquece de anotar que estes tornados tinham péssimas consequências na vida dos soldados: tendas encharcadas ou desfeitas, mais doenças, mais febres.Procurei novamente num blogue referências à guerrilha na Guiné, em 1961. Pela primeira vez, encontro uma versão que me parece consistente.

Em Maio desse ano, François Mendy conseguiu fundir dois movimentos de libertação, o que deu lugar à Frente da Libertação da Guiné, e no final desse mês distribuíram-se em Bissau folhetos de propaganda. Em 17 e 18 de Julho, um pequeno grupo de elementos do denominado «Movimento de Libertação para a Guiné» (seria o mesmo que a Frente?) cortou a linha telefónica de S. Domingos e tentou incendiar a ponte de Campada. Na noite de 20 para 21 de Julho, um grupo mais numeroso (falou-se em cerca de 600 indivíduos) atacou S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas, garrafas de gasolina e “cavadores” (paus com a ponta afiada).

Na maioria, envergavam camisolas e calções pretos. Em 25 de Julho, um outro grupo provocou danos materiais na zona de turismo de Varela e em Suzana, fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos. Segundo o autor do blogue, estes movimentos nunca se entenderam com o PAIGC. É estranho, insisto, que as pessoas a quem eu telefonei a rogo da Benedita e que viveram estes acontecimentos na Guiné ignorassem estes dados. A ver se de uma vez por todas esclareço tudo quanto a Benedita viveu na Guiné, onde cheguei alguns anos depois.

Sim, oxalá a Benedita não me traga mais regressos à Guiné, com o que temos pela frente, nos anos de 1980: a vida efémera, mas intensa, que levou ao lado do Rui; a partida do Toninho, entretanto (se não partiu já...); as peripécias da doação de uma parte importante do património de um dos nossos maiores historiadores de todas as épocas; os últimos anos de trabalho na Embaixada; a evolução da doença, mas também a sua evolução espiritual, cada vez mais a cuidar dos outros, até chegar aos sem-abrigo; a sua participação numa universidade da terceira idade; e as muitas surpresas que ainda nos vão reservar ao longo de décadas de vida palpitante, onde floresce o seu heroísmo anónimo, a discrição espontânea, medular, inerentes ao seu pensamento e acção, agora que ela caminha para os 90 anos.”




Um abraço,
Mário Beja Santos
Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 52
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: