segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5512: O meu Natal no mato (25): Apanhados em flagrante, a pôr duas minas no 'sapatinho', na estrada Xime-Bambadinca (Libério Lopes, CCAÇ 526, 1963/65)



Guiné > Zona Leste > Xime > CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65) > No Xime, esteve destacado um grupo de combate.

Foto: © Libério Lopes (2008).  Direitos reservados



1. Mensagem do Libério Lopes(*), ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65, 


Caro Luís,


Junto envio um pequeno texto relacionado com a actual época festiva.

Dá-lhe o destino que entenderes.

Um abraço,
Libério.

2. Uma noite de consoada no Xime

por Libério Lopes

Passaram 45 anos mas o episódio mantém-se como se tivesse acontecido ontem.

Pensávamos nós, militares do Pelotão destacado no Xime, que iríamos passar uma noite de consoada tranquila, comendo as tradicionais batatas com bacalhau, sem couves, pois era coisa que nunca vimos nos dois anos de Guiné, tudo acompanhado com umas cervejinhas fresquinhas. De seguida viriam umas horitas de lerpa, mais duas horas de ronda e por fim um sono por vezes demasiado sobressaltado pelas picadelas dos mosquitos.

Porém, as coisas nem sempre correm como o previsto. O homem do rádio traz-nos uma mensagem para decifrar e que, depois de lida, nos tira de imediato a vontade de comer e o sono.

O Comandante de companhia ordenava que se efectuasse uma emboscada entre o Xime e a tabanca de Amedalai. E como na tropa uns mandam e os outros obedecem, nada mais havia do que cumprir essa missão.

Como havia apenas 3 secções, ao anoitecer foi deixada uma delas perto de um trilho que ligava com a tabanca de Samba Silate. Ali tomou posição, pensando o Furriel Miliciano que a comandava, que iriam ser umas horas de seca (como muitas outras vezes acontecera), já que entre o Xime e Bambadinca nunca tinha havido quaisquer sinais de IN a não ser a fuga da população da tabanca de Samba Silate (raça balanta) para o mato.(**)

Pensava ainda o comandante da secção no jantar que o esperava no Xime, quando começa a ouvir vozes a cerca de 200 m e um ruído que o leva a pensar ser a abertura de um buraco na estrada. Aguentou firme e em silêncio. Esperou alguns minutos que lhe pareceram horas. Eis, senão quando um grupo de homens se aproxima e mesmo em frente da secção emboscada, resolve abrir um buraco na estrada para ali ser colocada um mina anti-carro. Antes já tinham colocado outra.

Algumas rajadas de G3 quebraram o silêncio e acabaram de vez com a “brincadeira”. Do aquartelamento saiu de imediato outra secção em seu auxílio mas não muito preocupados pois não se tinham ouvido tiros de pistola-metralhadora, arma utilizada pelo IN. Em conjunto tem-se então noção de toda a realidade.

Ainda hoje pergunto: Que sinal teve o Comandante para mandar fazer uma emboscada nesta noite e naquela zona? Como foi possível esta coincidência da colocação da mina mesmo m frente dos nossos homens ali emboscados?

Se tudo isto não tivesse acontecido, o dia a seguir, dia de Natal, estaria na nossa memória por outros motivos. Duas minas esperavam-nos as consequências, todos nós sabemos quais seriam.

É claro que a consoada no Xime festejou-se depois da meia-noite, e de que maneira! Valeu a pena o sacrifício.

Recordo, também,  que as viagens entre o Xime e Bambadinca nunca mais foram como dantes.

Termino, desejando a todos os tertulianos, Boas Festas de Natal e um Bom Ano 2010.


Libério Candeias Lopes (**)
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3869: CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65), História da Unidade (Libério Lopes)

10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3863: Tabanca Grande (114): Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)

(i) Mobilizada pelo Regimento de Infantaria n.º 7;

(ii) Comandada pelo Cap Inf Agostinho da Costa Alcobia, substotuído, ainda na metrópole, pelo Cap Inf  Luís Francisco Soares de Albergaria  Carreiro da Câmara;

(iii)  Foi para a Guiné no paquete Índia, em Maio de 1963, juntamente com os BCAÇ 506, 507, 599, e 600;

(iv) Até 30 de Junho esteve aquartelada em Brá, Bissau, com um pelotão destacado em Catió;

(v) Em 1 de Junho de 1963, é colocada na zona leste, ficando a depender do Batalhão de Bafatá;

(vi) É lhe atribuído um sub-sector com a área aproximada de 1.500 km2, constituída pelos Regulados de Badora, Xime, Cossé, Cabomba e Corubal (parte Norte).

(vii) O Comando da Companhia ficou instalado em Bambadinca, tendo sido destacado um pelotão para Xime, nesse mesmo dia 1 de Julho.No sector à sua responsabilidade, o IN que já actuara a Oeste e Sul de XIME até ao Rio CORUBAL, levando para os matos uma parte da população e fazendo fugir a restante, tentou expandir a sua acção para LESTE para o que atacou tabancas e quartéis, roubou culturas, emboscou as NT e procurou tornar intransitáveis as estradas;

(viii) A 15 de Julho, outro pelotão da Companhia seguiu para o Xitole em reforço das tropas ali aquarteladas. Regresso A 5 de Agosto de 1963;

(ix) Em 26 de Agosto de 1963m conhece um terceiro comandante, o Cap Inf Hleder José François Sarmento;

(x) Participou em diversas ioerações, no seu sector e fora do seu sector ("No sector à sua responsabilidade, o IN que já actuara a Oeste e Sul de XIME até ao Rio CORUBAL, levando para os matos uma parte da população e fazendo fugir a restante, tentou expandir a sua acção para LESTE para o que atacou tabancas e quartéis, roubou culturas, emboscou as NT e procurou tornar intransitáveis as estradas");

(xi) Durante os 21 meses de permanência no sub-sector, a Companhia teve 108 acções de fogo em contactos com o IN; em resultado dessas acções, o IN sofreu 48 baixas confirmadas pelas NT, havendo contudo um número muitíssimo superior de mortos e feridos referido por prisioneiros; foram apreendidas 5 espingardas, 5 pistolas-metralhadoras, 1 pistola, grande número de granadas de mão de diversos modelos e vários milhares de cartuchos;

(xii) Na tentativa de cortar os itinerários, o IN utilizou 15 engenhos A/C e 3 minas A/P; um fornilho A/C destruiu um jipe e os restantes 14 engenhos A/C foram detectados e levantados; as 3 minas A/P funcionaram, causando dois feridos: um às NT e outro à população.

A Companhia só teve duas baixas por acidente e nove feridos em combate, um dos quais evacuado para a Metrópole.

(**) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63)


(***) Vd. último poste da série:   8 de Dezembro de 2009 >  Guiné 63/74 - P5428: O meu Natal no mato (24): Boas Festas e Prósporo Ano Novo... (José Nunes, BENG 447, 1968/70)




domingo, 20 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5511: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (15): Duas mensagens da tertúlia - III (Editores)





1. Recebemos mais duas mensagens de Natal, uma enviada pelo nosso Camarada Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873, com um cartão de Boas Festas personalizado, com data de 20 de Dezembro de 2009:



2. A segunda mensagem sem qualquer identificação, cujo envio atribuo ao “soldado desconhecido”, da autoria de João Coelho dos Santos , só é publicada dada a sua rara e única beleza filosófica:

Natal de quem?....

Envio o que considero ser o meu mais belo Poema de Natal, para circular pelo mundo lusófono, tal como no ano passado.

Agora é mais conhecido com o título: "ENTÃO E EU, TODO O MUNDO ME ESQUECEU?"

Que seja lido e interpretado em todos os lares cristãos. E que se não esqueçam de referir o autor!
Soldado desconhecido

NATAL DE QUEM?

Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do peru, das rabanadas
-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
- Está bem, eu sei!
- E as garrafas de vinho?
- Já vão a caminho!
- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
- Não sei, não sei...
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!
Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus?!!!

(João Coelho dos Santos in Lágrima do Mar - 1996)
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5510: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (10): Almoço de despedida do João Graça... e celebração dos 37 anos de casados do casal Silva (Pepito e Isabel)


Guiné-Bissau >  Bissau > O João Graça e, em primeiro plano, a neta do Pepito


Guiné-Bissau > Bissau >Bairro do Quelelé > 20 de Dezembro de 2009 >  Da direita para a esquerda: a Cristina (Pepa), Isabel, Pepito, João e a filha da Cristina... Presumo que a foto tenha sido tirada pelo marido da Cristina ou pela irmã, Catarina.

Fotos:  © Pepito (2009). Direitos reservados

1. Mensagem do Pepito que acaba de chegar à minha caixa de correio:


Luís: Hoje foi o almoço de despedida do teu filho (*). Coincidiu com os 37 anos de casamento do casal Silva.

O teu filho é espectacular. A facilidade de integração, de fazer companheiros e de se adaptar a ambientes que não conhecia antes, é fora do vulgar (quem sai aos seus...).

Tem feito sucesso na noite de Bissau. Ele e os amigos músicos locais, violino de um lado e viola papel ou corá mandinga do outro. É ver os restaurantes de Bissau Velho a aplaudir e a pedir que o avião da TAP de hoje, não venha.

Um Feliz Natal e um Bom 2010

pepito e isabel
ad bissau (**)

___________

Notas de L.G.:

(*) O João Graça, médico, interno de psiquiatria,  foi passar 15 dias  de férias à Guiné-Bissau, em viagem que pagou do seu bolso. Foi convidado da AD - Acção para o Desenvolvimento, para permanecer alguns dias em Iembérem, sede do Parque Nacional do Cantanhez, onde trabalhou, como médico, alguns dias, no respectivo centro de saúde materno-infantil. Fez também um fim de semana em Bubaque. Visitou um hospital de leprosos, na região de Bissau. Dedicou também um dia para fazer exames de vigilância médica dos trabalhadores da AD, no bairro do Quelelé. Queria também visitar o Hospital Nacional Simão Mendes e contactar o único especialista  em psiquiatria que lá trabalhava. Visitou igualmente a região leste (Bambadinca, Bafatá, Contuboel e Gabu). Foi ainda à região do Cacheu, a S. Domingos, onde estava a decorrer um festival cultural. Em Bissau fez novos amigos (sei que inclusive esteve com o Patrício Ribeiro) e tocou com alguns músicos locais.

Aproveito para felicitar, pela passagem de mais um aniversário de casamento, os nossos queridos amigos Pepito e Isabel, e desejar-lhes igualmente os melhores votos de Bom Natal e Feliz Ano Novo, em em meu nome e dos demais camaradas e amigos da Guiné, reunidos na Tabanca Grande.

 Eles são um casal extraodinária, de gente corajosa e solidária, que está habituada às duras provações da vida na Guiné-Bissau. Ambos agrónomos, casaram em Lisboa em 1972 e estão em Bissau a viver e a trabalhar desde 1975. Em Bissau, nasceram os dois filhos mais novos, Ivan e Catarina.  Em Bissau, vivem e trabalham a Cristina e a Catarina, ambas com a nacionalidade portuguesa. O Ivan vive em Portugal (tem uma filha).  Igualmente em Portugal, vive a mãe do Pepito (a Dra. Clara Schwarz que, com 94 anos, fala com regularidade com o filho através da Internet e é visita regular do nosso blogue...), além da mãe da Isabel, a senhora Levy Ribeiro.

Ao Pepito e à Isabel estou grato pelo carinho,  hospitalidade e amizade com que receberam o meu filho que, de resto, já é um amigo da família Schwarz da Silva e Levy Ribeiro, aqui em Portugal... O João deve chegar amanhã às 7h00 no avião da TAP.


(**) Vd. poste anterior desta série:   18 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5494: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (9): Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, em 20 de Janeiro de 2010.

Guiné 63/74 - P5509: Álbum fotográfico de Rogério Cardoso (1): A Paulucha e material apreendido ao IN (Rogério Cardoso / Carlos Brito)

1. Mensagem de Carlos Brito (ex-Fur Mil da CCS/BART 645, Mansoa, 1964/66), com data de 14 de Dezembro de 2009:

Amigo Carlos Vinhal,
As fotos que junto, foram-me enviadas pelo meu amigo e ex-camarada Rogério Cardoso da CArt 643/BArt 645 e ambos concordamos que elas são dignas de figurarem na Tabanca Grande.

O Rogério só agora está a iniciar-se nestas coisas da Net. Deu-me carta branca para as difundir e eu pensei que a melhor maneira seria enviá-las para o blog só que... bem, depois se verá. Eu, pessoalmente ainda nao aderi ao blog por razões técnicas (não tenho scanner) e, confesso, também não saberia como as postar no caso de já ter aderido.

Mas aqui vai:

O Rogério Cardoso era Fur Mil Manutenção da CArt 643.

Foi condecorado por ao ter-se oferecido para substuir um camarada doente, ter sido ferido em combate. Ele foi atingido por uma granada de RPG, que não explodiu, mas que lhe fracturou uma perna. Mesmo ferido, teve o bom(?) senso de pegar na granada e atirá-la para longe.

Também ele foi o autor e mentor da AM , feita num Unimog, que aparece nestas fotos e que baptizou de Paulucha, em honra da sua filha Paula.

Na minha modesta opiniao a CArt 643 teve um desempenho, brilhante, talvez os melhores Aguias Negras . Mas, como já disse anteriormente todos foram bons...para nada.

O Rogério é também um dos fundadores da Associação Amizade do BArt 645.

Amigo Carlos Vinhal, por favor põe estas fotos no blog.
Há aínda alguns Aguias sobreviventes, que vão gostar muito de as ver.
Os meus agradecimentos.

Carlos Brito
Ex-Fur Mil
CCS/BArt 645


Fotos 1 e 2 > Rogério e a autometralhadora Paulucha



Foto 3 > A "equipa" que estava a construir a AM Paulucha

Foto 4 > Fur Mils Rogério, Fernando e 2.° Sarg Mil Hipólito e Fur Mil Graça.

Fotos 5; 6 e 7 > Armas capturadas ao IN numa Operação com a CCaç 564





Fotos 8; 9 e 10 > Mais armas, onde se vê a granada de Pancerovka que partiu a perna ao Rogério





Foto 11 > As mesmas armas e a granada citada

Foto 12 > Unimog destruido por uma mina, a 3 Km da pista de aviação de Bissorã. A viatura incendiou do que resultaram 2 feridos, o condutor (natural de Barcelos), que tinha a alcunha de Substikem, (grave), e o Fur Mil Vaguemestre Massano, (ligeiro). Este último já faleceu.

Fotos 13 e 14 > Estrada de Mansoa/Bissorã onde se pode ver uma Daimler e o que julgo ser o pessoal a plantar mancarra.


__________

Notas de CV:

Sobre o BART 645 vd. postes de:

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2636: Convívios (42): Encontro do BART 645 em Fátima, no dia 29 de Março de 2008 (Jorge Santos)

28 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2894: O Nosso Livro de Visitas (14): Carlos Brito, ex-Fur Mil Inf, BART 645 (Oio, 1964/66)
e
27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4594: Fichas de Unidades (3): História do BART 645 (José Martins)

Guiné 63/74 - P5508: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (11): Esta água tem pouco vinho

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 19 de Dezembro de 2009:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história palaciana.

Mais um Natal se aproxima. Para todos os camaradas aqui ficam os meus votos de um muito Boas Festas, muita saúde, e muita alegria na companhia de todos aqueles que vos são muito queridos.
Mas bom mesmo seria que todos nós pudessemos fazer Natal todos os dias do ano.

Um abraço do tamanho do Atlântico que nos une,
José Câmara




Esta água tem pouco vinho

Os camaradas que passaram pelo AGRBIS no início do ano de 1971, devem lembrar-se que o vinho servido nos refeitórios era bastante aguado e, quase sempre, mais quente que o desejável.

Uma manhã, regressado do serviço ao Palácio, o José Francisco Serpa, um florense da Ponte da Fajã Grande, soldado da CCaç 3327 e da minha Secção contava, alegremente, ao Comandante da Companhia que, como faxina de serviço, tinha levado as amostras do rancho ao Capitão, Ajudante de Campo do General Spínola. Para o seu estado hilariante tinha contribuído o facto do referido Capitão ter reconhecido que a água tinha pouco vinho.

Mal sabia eu que a história se repetiria, com consequências bem diferentes.

Dias depois, estando eu de serviço no Palácio, fiz as amostras das iguarias do dia e, com um Soldado da Guarda, dirigi-me ao gabinete do Capitão, mas este não se encontrava lá. Por indicação de um Alferes dos Serviços de Apoio, soube que o Capitão estava na Sala de Reuniões. Bati à porta que, ao abrir-se, deu para perceber que ali estava a ter lugar uma reunião de Altos Comandos Militares da Guiné, sendo o Capitão o graduado mais novo na sala.

Pedida a devida licença para entrar, o Capitão sugeriu que os graduados mais antigos provassem as iguarias do dia. Um oficial da Marinha, Contra-Almirante, se bem me recordo, limitou-se a dizer que provaria o vinho enquanto um Coronel da Força Aérea disse que provaria o peixe.

Assim começou a odisseia do dia.

O oficial da Força Aérea ao tentar espetar o garfo no peixe, teve o azar da posta dar um pequeno salto no prato e quase cair ao chão. De imediato interpelou-me se eram só cabeças de peixe que iriam ser servidas aos Guardas do Palácio. Retorqui que não tinha a certeza, mas que aquela não sendo a maior era a mais bonita que tinha vindo. Com a minha resposta arranquei uma gargalhada de boa disposição daqueles homens.

O melhor estava para vir. O oficial da Marinha provou o vinho e perguntou aos presentes se também o queriam fazer. Todos disseram que não. Então aquele oficial perguntou-me se eu costumava beber daquele vinho e se eu gostava dele. Respondi-lhe que bebia, mas que não gostava de vinho com água.

- É isso mesmo! Esta água tem pouco vinho - disse o Contra-Almirante.

Para minha surpresa, perguntou-me se eu sabia porque é que o vinho era tão aguado. Nessa altura reparei que o meu soldado chocalhava como uma debulhadora na faina do trigo lá na terra. Do Capitão apercebi-me de um pequeno sinal de cabeça a incentivar-me à resposta que saíu, essencialmente assim:

- Muito possivelmente acrescentam água ao vinho para cortarem a força do álcool. Também sei que acrescentam algum gelo que, como pode reparar, já se derreteu. O essencial seria ter jarros para vinho, jarros para água e uma terrina com gelo. Assim, cada um beberia o vinho como mais gostasse.

O oficial da Marinha de imediato deu ordem ao Capitão para informar o Coronel Santos Costa, mais conhecido pelo apelido Onze para, a partir daquele dia, passar a servir vinho, água e gelo em recipientes separados.

E assim se cumpriu. No AGRBIS passamos a beber vinho como nos aprouvesse.

No palácio, pelas experiências que eu vivi, aprendi grandes lições para os dias que se avizinhavam nas minhas deambulações pela província da Guiné, quiçá para a minha vida. Entre elas, foram marcantes a humildade e a compreensão que vi, sempre, estampadas naqueles homens que tinham a capacidade de decidir. Porque o respeito dos outros se conquista pela força do carácter, da honestidade e do exemplo, eu apreendi a respeitar aqueles homens.

Dias depois seguiria para a Mata dos Madeiros.

José Câmara
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5469: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (10): As palmas das vitórias de uma Guerra que não era nossa

Guiné 63/74 - P5507: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Ano 2010 (15): Hino aos Sem Abrigo (José Teixeira)

FELIZ NATAL




Como eu gostava que todos os homens e mulheres tivessem um BOM NATAL!
Muito em especial os meus amigos.
Mas há tanta gente que não tem um ombro para reclinar a cabeça e receber um afecto, um carinho.
Não estou só a pensar nos ditos sem abrigo. Esses, muitos deles, já perderam a noção do sentido de Natal.
Para muitos deles, é NATAL, quando recebem um sorriso, um aperto de mão, ou uma tigela de sopa quente.

Refiro-me também a outros tipos de sem abrigo. Aqueles, e, são tantos, meu Deus!
Os que vivem na solidão de um quarto, de uma pensão, quantos deles pagos pela Segurança Social e não só. Sem uma janela para a natureza. Sem uma pessoa de família que se lembre deles, ou se se lembra é para se afastar o mais possível, porque têm peçonha. A peçonha do vício da droga ou do álcool. A peçonha de uma doença contagiante, que assusta e nada mais desde que haja o cuidado e a higiene necessários. Estes, também não tem abrigo, porque ninguém lhe dispensa um pequenino espaço do seu coração para reclinarem a cabeça.

Lembremo-nos do Menino, o Jesus de Belém, que apenas teve uma manjedoura para nascer, mas teve o carinho dos pais, o calor do bafo do burrinho e da vaquinha. E os pastores quando souberam vieram a correr transmitir-lhe o calor humano.

Aos queridos camaradas, que calcorrearam as picadas tórridas da Guiné e se unem num projecto comum de viverem a amizade, eu quero desejar um SANTO E FELIZ NATAL.
Ouso recordar-lhes que há tanta gente sem NATAL


Hino aos SEM ABRIGO

Não estou só. Vivo sozinho.
Como companheiro,
O cão do meu vizinho.
Descobriu em mim um novo amigo,
Que o afaga e lhe dá carinho.
Descarrego nele, toda a solidão,
Que me vai no coração.
Vivo aqui, além…
Tendo como companheiros
Ninguém …
Não.
Tenho o cão. Fiel companheiro
Que nunca me pede dinheiro.
O dia corre.
Tem luz, cor, alento, prazer.
Vem a noite.
Que dor.
O escuro frio. O desejo de morrer.
Só.
Tal como vivo.
Sem sentido.
A brisa fresca, que os ossos enregela
Leva-me para a soleira de uma porta.
A mim e ao cão.
Que não precisa de trela.
Cobrimo-nos.
O cão e eu.
Com a coberta azul do céu,
Que Deus teceu
Talvez de um só fio.
Mas,
De tão esburacada que está,
Deixa passar tanto frio!
Aqui ficamos nós.
Sós.
E de estômago vazio.
À espera de um novo dia.
Esperança.
Que o sol anima na sua dança.
Acorda-nos a música da vida, a renascer.
Um abrir de persianas.
Um aqui, outro acolá, mais além.
O andar apressado. Alguém.
Que passa.
Eu continuo deitado.
Não espero ninguém.
Da vida perdi o tino
Não me lembro do passado
Que futuro?
Sem destino.

Zé Teixeira
__________

Notas de CV:

José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 que esteve em Buba, Quebo, Mampatá e Empada nos anos de 1968 a 1970.

Vd último poste de José Teixeira de 4 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5506: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (14): A herança do soldado Alcobia (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P5506: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (14): A herança do soldado Alcobia (Jorge Cabral)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Cabral, com data de 18 do corrente:

Amigos!

Hoje não vai “estória cabraliana”. Nem estória. Ao percorrer os trilhos deste mato lisboeta, não consigo virar a cabeça para o lado ou desviar o olhar…

Que tenham Natal! Abraços Grandes , Jorge Cabral


Assunto - A Herança do Soldado Alcobia

Há mais de trinta anos que conheci o senhor Alcobia. Carregador numa Empresa de Mudanças, sita no Largo do Mitelo, ao lado da Escola onde eu ensinava, quase todas as manhãs me ajudava a arrumar o carro. Entretanto deixei aquela Escola, mas vim a reencontrar o Senhor Alcobia, aqui aos Anjos, pernoitando na rua, agora um sem-abrigo. De vez em quando conversava com ele, até que há uns meses, lhe descobri no braço a tatuagem “Amor de Mãe, Guiné, 1970-1972”. O Senhor Alcobia, o Soldado Alcobia, um de nós... afinal.

Ontem procurei-o. Ele morreu, informou-me um Moldavo, já bêbado às nove da manhã, entregando-me um saco, a herança do Senhor Alcobia. No saco, pouca roupa, três garrafas, duas latas de conserva e embrulhados em plástico, cinco aerogramas ilegíveis…

À noite, dei aula. O Art.º 1.º da Constituição. “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana... e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Ah! É verdade! Para a semana é Natal!

Jorge Cabral

Guiné 63/74 - P5505: Parabéns a você (57): José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 (Editores)

»»»»»»» F*E*L*I*Z .... A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O «««««««


1. Completa hoje mais um aniversário o nosso Camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 (1972/74) e dos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11) - Gadamael, Guileje, Nhacra, Paúnca:


A primeira vez que se falou no Casimiro, aqui no blogue, foi em 2 Dezembro 2005, no poste CCCXXVIII, mas a sua apresentação “oficial”, só foi feita pelo Luís Graça em 25 de Março de 2007, no poste P1625, de que relembro a introdução e os parágrafos finais:


“Dos Piratas de Guileje (CCAV 8350, 1972/73) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11, 1974)

Fiz a recruta como soldado do contingente geral em Leiria, no RI 7 – Regimento de Infantaria 7. Fui depois escolhido para frequentar o CSM – Curso de Sargentos Milicianos em Caldas da Rainha (RI-5).


Destacado para Tavira, acabei por ser escolhido, in extremis, para frequentar o curso de Operações Especiais, em Lamego, o qual terminei com 15,28 valores.

Segui para Estremoz onde, já como Cabo Miliciano, ministrei instrução num pelotão da CCAV 8351 (mais tarde chamada, na Guiné, Os Tigres de Cumbijã). Nomeado para servir no CTIG, fui transferido para a CCAC 8350 (que ficará conhecida como Os Piratas de Guileje).

Embarcámos em Outubro de 1972 e já em Bissau seguimos numa LDG para Gadamael e daí para Guileje, em coluna auto, com uma segurança reforçada (na óptica de um maçarico, hé-hé-hé).

(…)

Deixei a G3 em Guileje...
Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…

- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.

A seguir vim de avião para a Peluda. Nesta pequena resenha há imprecisões próprias da distância temporal, do stress pós-traumático de guerra, há erros de cronologia e… não há sequência, mas serve para o que serve, afastar fantasmas e partilhar com a tertúlia do Graça e para isso… basta, tá?”

2. Como hoje é dia de aniversário do Casimiro Carvalho, um nativo do signo astrológico Sagitário (22 de Novembro e 21 de Dezembro), fomos consultar um o popular KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm), a saber o seu eventual perfil:


“Os Sagitários possuem uma personalidade entusiasta, optimista e sempre de olhos postos no futuro. Têm fé e não há nada que os faça perder a exuberância pela vida. Mesmo que as coisas não correm bem, são capazes de encontrar sempre um lado positivo e identificar um significado e a razão pela qual as coisas aconteceram daquela forma.
"Um Sagitário tem muitas filosofias, e porque entende que as nossas motivações e formas de pensar estão relacionadas com a altura e local onde estamos, as suas ideias e argumentos podem soar quase proféticos. Nalgumas ocasiões, podem estar tanto com a cabeça no ar que não vêem algo correcto que esteja à sua frente.

Os Sagitários têm tendência para tirar conclusões precipitadas e de se estenderem em compromissos, tempo e objectivos. Honestos e frontais podem por vezes magoar ou ofender alguém com um dos seus comentários espontâneos, ficando de certa forma melindrados, quando se apercebem dos efeitos das suas palavras. Haverá infelizmente, alturas em que eles não se aperceberão do mal que causaram.”
3. Já toda a Tertúlia deve saber, que eu (Magalhães Ribeiro) e o Casimiro Carvalho além de termos em comum o curso de Op Esp/RANGER, convivemos amiudemente e somos imensamente Amigos, diria mais… somos como irmãos.

Assim, vou-vos contar, aqui, só para nós que ninguém nos “ouve”, que o Casimiro está casado com uma bela senhora de seu nome Ana, tem duas filhotas (Kikas e Sofia), que são as meninas dos seus olhinhos, e, como se não lhe bastasse, muito recentemente, a sua vida ganhou uma nova perolazinha, com o “aparecimento” da sua primeira filha da Kikas, a Beatriz (BB para os Amigos).
Escusado seria dizer que o Casimiro e a Ana são AVÓS… BABADOS!

Mais escusado seria dizer… qual são os avós que o não são?!

4. Independentemente dos comentários que os nossos Camaradas colocarão no local reservado aos mesmos, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, cantar-te a seguinte cantiguinha:


PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO CASIMIRO...
UMA SALVA DE PALMAS!


E mais acrescentamos que:


O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas, às que hoje lerás no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os nossos sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas.

Com um grande abraço fraterno.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste sobre o Casimiro Carvalho em:

2 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)
Vd. o poste de apresentação do Casimiro Carvalho em:
Vd. último poste desta série em:

sábado, 19 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5504: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (13): Várias mensagens da tertúlia - II (Editores)

Reproduzimos mais 10 mensagens de Natal de camaradas que se nos dirigiram através de correio electrónico.

Os editores retribuem e agradecem.



1. Mensagem de António Paiva com data de 13 de Dezembro de 2009:

Camaradas,
A todos desejo um FELIZ E SANTO NATAL, na companhia de Vossas famílias.
Ficamos esperando que 2010, nos traga mais alegrias que tristezas.
Aí vos mando uma ternura de NATAL.

Um abraço
António Paiva



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2. Mensagem de Joaquim Mexia Alves com data de 14 de Dezembro de 2009:

Caro Carlos, meu camarigo
Com os desejos de um Santo Natal e um Ano Novo cheio das bençãos de Deus, para ti e todos os teus, convido-te a acederes ao meu blogue para leres um conto de Natal, um hábito que tenho desde há uns anos a esta parte.

http://www.queeaverdade.blogspot.com

Isto do meu blogue não é segredo nenhum, só não falo mais dele na Tabanca porque não é tema da Tabanca, mas tenho muito gosto em que o visitem e conheçam melhor a minha vida.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

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3. Mensagem de Albino Silva com data de 17 de Dezembro de 2009:

Caro Carlos Vinhal e todos os Tertulianos.
Quero aqui deixar Votos de Um Santo Natal e um Ano Novo com muitas coisas na nossa Tabanca.
Brevemente enviarei coisas novas também.
BOAS FESTAS ...
Albino Silva

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4. Mensagem de Idálio Reis com data de 18 de Dezembro de 2009:

Aos velhos companheiros, que num outro tempo, partilharam comigo o serviço militar por terras ardentes da Guiné, ao manifestar-lhes uma d(o)uradoira amizade, faço votos que no seio dos seus entes mais queridos, usufruam de um feliz Natal.

Um grande abraço do
Idálio Reis



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5. Mensagem de Jorge Félix com data de 18 de Dezembro de 2009:

Caríssimos,
Aproveito os endereços para agradecer e encaminhar Votos de um Ano de 2010, (quem pensava chegar cá?), recheado de alegrias e saúde.

Com amizade vos abraço
Jorge Félix

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6. Mensagem de Vasco da Gama com data de 18 de Dezembro de 2009:

Camaradas e Amigos de terra, ar e mar,
Não conheço pessoalmente alguns dos elementos contidos no pacote, proveniente do Idálio, mas isso que importa? Aqui vai um grande abraço natalício para todos e votos de um grande ano de 2010 com muita saúde, pois o resto vem por arrastamento.

Abraços fraternos do,
Vasco da Gama

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7. Mensagem de Artur Soares com data de 19 de Dezembro de 2009:

Olá, Luís Graça e co-editores!
Nesta época Natalícia, desejo a todos os tertúlianos, um Feliz Natal, cheio de saúde, paz, amor e alegria e que o Novo Ano de 2010, traga as maiores felicidades, extensivos aos seus famíliares.

Um abraço para todos
Artur Soares



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8. Mensagem de Jorge Santos com data de 19 de Dezembro de 2009:

Para todos os Tertulianos, seus familiares e amigos:
Votos sinceros de um Natal em paz, com bastante saúde e muita alegria.
Que o ano de 2010 seja de felicidade e de esperança no futuro.
Festas felizes

Jorge Santos

"Um Natal de solidariedade, mas no coração de toda a humanidade"

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9. Mensagem de Torcato Mendonça, via telefone:

O nosso camarada Torcato Mendonça
, em conversa telefónica com o editor Carlos Vinhal, pediu para transmitir a toda a Tertúlia os seus votos de um Bom Natal, de acordo com as convicções religiosas de cada um, e um Novo Ano com saúde que é o que mais queremos na nossa idade. Para os tertulianos mais novos, muitos êxitos nas carreiras profissionais e que nunca falte a oportunidade de serem úteis ao progresso deste país.

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10. Mensagem de José da Câmara com data de 19 de Dezembro:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Mais um Natal se aproxima.
Para todos os camaradas aqui ficam os meus votos de um muito Boas Festas, muita saúde, e muita alegria na companhia de todos aqueles que vos são muito queridos. Mas bom mesmo seria que todos nós pudessemos fazer Natal todos os dias do ano.

Um abraço do tamanho do Atlântico que nos une,
José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5501: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (12): Vamos ajudar camaradas em dificuldades (Manuel Marinho)

Guiné 63/74 - P5503: Notas de leitura (44): Memória dos Dias Sem Fim, romance de Luís Rosa - I (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2009: 

 Malta, Temos finalmente escritores com obra firmada centrados na nossa guerra. Luís Rosa tem vastos créditos, acaba de prestar uma grande homenagem revisitando com boa prosa os tempos que todos nós ali vivemos. Envio o resto da recensão no princípio da semana. 

 Um abraço, Mário 


  Em Sangonhá, entre Gadamael e Cacine 

por  Beja Santos


  "MEMÓRIA DOS DIAS SEM FIM" é o romance mais recente de Luís Rosa (autor de "O Claustro do Silêncio", "O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo", "O Amor Infinito de Pedro e Inês", "Bocage – A Vida Apaixonada de Um Genial Libertino" e "O Dia de Aljubarrota"), são as suas recordações da Guiné, onde terá combatido entre 1964 e 1966. 

Terá combatido, na justa medida em que a estrutura da obra não leva o autor a apresentar-se autobiograficamente, há distâncias que são propositadamente confundidas entre o relator e o experimentador das memórias. É um livro com uma enorme carga poética e em que se procura responder ao acervo de inquietações de quem combateu e aprendeu a crescer, guardando saudades e regressa ao teatro dos acontecimentos sem rancores nem pedidos de explicação. 

São sucessivos episódios, balizados pela cronologia de quem parte para a sua viagem no cais do Pidjiquiti e regressa à Guiné reencontrando-se em Lisboa com um comandante de uma unidade de guerrilha do Sul da Guiné. É desse cais do Pidjiquiti que ele partirá para Sangonhá, o seu destino era a fronteira sul, além-Cacine, que ele assim define: “Um corredor estreito de cerca de três quilómetros, esganado entre o rio Cacine e a linha imaginária da fronteira. Terra de imprevistos, onde a guerrilha se movia à vontade, e se construía uma linha de quartéis, tentando conter a infiltração”. 

Durante a viagem, dá-se uma versão da revolta que ocorreu em 3 de Agosto de 1959, o que historicamente está provado que não foi assim, já havia movimentos independentistas em gestação, o massacre de 3 de Agosto foi mais um detonador de consciências de que o fermento da luta armada. 

O narrador fascina-se com o relato do comandante Nalu sobre os acontecimentos do Pidjiquiti e rende-se às belezas das florestas, ao rendilhado das águas, ao imputo do tornado e, enfim, a sua embarcação chega a Cacine. 

Sabemos agora que o narrador é alferes, coube-lhe a missão de construir um quartel em Sangonhá, entre Gadamael e Cacine. A partir de agora, os acontecimentos precipitam-se. Entra em cena o Costa, o mais importante comerciante de Cacine, dono do “Paraíso”, o bordel local. 

Mais tarde, por detrás das defesas sólidas do quartel de Sangonhá, onde se misturavam “soldados, população, galinhas, cabras, crianças correndo inconscientes, armas montadas, camiões e tudo mais da ordenada desordem da guerra”, o alferes vai ver um clarão enorme sobre a floresta para os lados de Cacine, ficará a saber que o “Paraíso” estava a arder, bidões de petróleo e aguarrás, panos e óleos ajudaram ao extermínio rápido. 

Luís Rosa vai desfiando tudo aquilo que nós vivemos: os casamentos entre nativos, a exploração colonial; o corpo jazente de um guerrilheiro com a massa encefálica ao lado; as populações obrigadas ao jogo duplo; as morteiradas vindas da República da Guiné; os abastecimentos e a coexistência entre os barcos de guerra e as embarcações de pesca. Mas também a chegada de grandes contingentes, a apresentação dos outros participantes daquele mesmo palco, os de Ganturé, Buba, os fulas de Gabu, veteranos de cavalaria de Aldeia Formosa, uma vasta força que se movia para criar uma linha de quartéis até Cacine. 

O nosso alferes fica em Sangonhá onde, num frenesim se construíram as defesas, espessas paredes de chapas abertas de bidão, profundas fossas circulares, abrigos. São dias e noites em que os blindados Fox andarão de um lado para o outro, seguir-se-ão flagelações, emboscadas, haverá mortos. Um ferido agonizante será despachado com um tiro de misericórdia. 

O alferes de Sangonhá vai ganhando familiaridade com a morte. Ele vai descobrindo que a guerra é loucura, que entre esta e a normalidade há uma fronteira imprecisa, que há prisioneiros indomáveis e outros resignados, há gente que parte para o mato com a resolução de enveredar pela guerrilha, há gente que regressa e tem que jogar o jogo do bom. O alferes assiste aos impulsos sexuais de quem o cerca, descobre que a intolerância não resolve nada, vê Muçulmanos a beber álcool às escondidas, aprende os temores do Irã, força todo-poderosa venerada pelos animistas. 

O alferes assiste ou tem notícia da brutalidade que vai escorrendo por aqueles que descobrem que são carrascos, verdugos a quem nunca se pedirá contas, como o caso daquele alferes que vai punir um denunciante que levou informações para a guerrilha e que depois confessou tudo: o homem depois vai cavando a pequena vala que haverá depois de ser a sua sepultura, o carrasco manda deitar o condenado na cova, soa depois um tiro, o carrasco corta uma orelha à vítima. 

Por vezes, o alferes sai de Sangonhá, descreve as belezas envolventes, mas também as vicissitudes e os trabalhos quotidianos: 

Gadamael servia de ancoradouro e descarga das lanchas de desembarque e batelões vindos de Bissau com o abastecimento. Uma vez por mês surgiam no horizonte do rio. Os homens das lanchas tinham pavor do mato e ficavam sempre temerosos de que uma emboscada surgisse no imprevisto da floresta... Para além do som arrastado do rádio, apenas o avião de ligação, à quarta-feira, sobrevoava o quartel. Olhávamo-lo como ave que vinha da terra de gente onde não havia tiros. Desenhava um círculo e atirava o saco de correio cheio de aerogramas. Depois fazia um abanar de asas e afastava-se, como ave-do-paraíso regressando ao seu mundo sonhado”. 

 No isolamento, contam-se os dias, rasga-se uma pista de aviação a pensar em melhorar o abastecimento e para evacuar os feridos. O alferes interroga-se sobre a ideia de Deus, sobre a presença do padre, o papel das crenças e as manifestações da religiosidade. Por vezes, o alferes é açoitado pelo destino e marcado pelas perdas irreversíveis. É o caso da morte do Braga, homem de sete ofícios. O Braga fez ao alferes uma bela cadeira em pau-rosa, modelo único: 

Sem um prego ou parafuso, apenas o conjunto suportado por espigas, harmoniosamente concebidas, num equilíbrio e estabilidade perfeitos, desencaixando-se num ápice e ficando reduzida a um molho de pequenas travessas, enroladas num pano, que um alfaiate nativo tinha feito, para servir de assento e embrulho”. 

Depois o Braga parte para uma retaliação com uma força comandada pelo capitão Garcia Leandro. 

Antes, recorda o alferes, houvera um pungente episódio de um morticínio de um bando de macacos-cães, atingido em cheio por uma granada de morteiro:

 “Os corpos aos bocados, às dezenas, espalharam-se em volta. Os outros, os que escaparam e os semivivos, lançavam gritos lancinantes, enchendo o espaço, ecoando na floresta, como se fossem gente”. 

Pois bem, os homens de Sangonhá vão até Marela, um santuário do PAIGC, em manobra punitiva. Os guerrilheiros são apanhados de surpresa, Marela torna-se, na confusão e protecção de um dia que amanhece, um campo juncado de cadáveres. A força comandada por Garcia Leandro retira com o Braga, morto em dia aziago. Ao alferes fica a cadeira do Braga: “A obra está sempre completa no ponto em que a deixamos”. 

 Há ainda muito mais coisas a dizer do alferes e o livro é merecedor da nossa atenção (“Memória dos dias sem fim”, por Luís Rosa, Editorial Presença, 2009). É pena os excessos de quem apresenta o livro dizendo que “Rasga novos horizontes, simultaneamente mais vastos e profundos, reveladores da própria dimensão humana. É a realidade da guerra em toda a sua desconformidade e falta de sentido, capaz de denunciar as muitas faces ocultas do homem, desnudando-o e mostrando-o como realmente é – sofredor, idealista, solidário, cruel”. 

Quem isto escreve nunca deve ter folheado o que já se escreveu sobre a guerra colonial, lança-se impunemente num dislate quem nem serve para vender mais livros. Seja como for, Luís Rosa é um muito digno camarada da Guiné, mesmo que, por hipótese, esteja a escrever pelo seu punho o relato de outro.

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 Nota de CV: