terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5596: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (20): Antonio Reis, ex-1º Cabo Enf, Bissau, HM 241, 1966-1968, e escritor (Rui Alexandrino Ferreira / Luís Graça)

1. Um mensagem. perdida na nossa caixa de correio, enviadaa 6 de Março de 2009, pelo nosso amigo e camarada Rui Alexandrino Ferreira (ex-Alf Mil  e ex-Cap Mil Inf, hoje, Cor na reforma, com duas comissões na Guiné: CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67, e  CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72).

Assunto - Vamos falar do António Reis

Meus caros Luis, Carlos e Briote

Mais uma vez tenho de vos felicitar pela resposta que merecia o Sr jornalista da Visão cujo nome nem sei nem quero saber. É de facto lamentavel que se fale do que se não sabe.
Em compensação acabei mesmo agora, só passou o tempo necessário para abrir o computador, de falar telefonicamente com o António Reis que prepara a 3ª edição do seu livro A minha jornada em África a que acrescentou um texto que, começando por afirmar que a guerra nunca acabou para quem nela combateu ou a viveu de verdade, termina com a constatação que quão desgraçados nós fomos.

Texto que,  não só pela actualidade do tema mas também porque me parece oportuno e vrdadeiramente espectacular,  o incentivei a mandar para o nosso blogue, onde certamente terá o seu lugar como todos nós.
Resta-me desejar para nós todos quantos se revêem na nossa tertúlia,  muita saúde e as maiores felicidades, profissionais, pessoais e familiares.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira

PS - O livro  [do António Reis] é uma forma de contar  a história da guerra da Guiné por quem, no Hospital Militar 241,  recebia todos os dias os combatentes feridos.


2. Comentário de L.G.:

Acabei de falar com o António Reis, ontem à noite, ao telefone. Mora e trabalha em Mafamude. Tem uma oficina de pintura cerâmica, depois de se ter reformado dos telefones de Lisboa e Porto... Com 66 anos, tem uma vida de trabalho e meio século de descontos!

Confirmou-me os dados transmitidos pelo Luís Borrega. Reconheceu-me logo, como "sulista", pelo sotaque. Estivemos mais de meia hora a falar ao telefone. É um homem loquaz e frontal. Disse-me que vai fazer uma 3ª (e última) edição da sua "Jornada de África", antes de "arrumar as botas" (sic)... Disse-lhe que ainda é cedo, que devIa continuar a escrever, que tem jeito e talento para contar histórias... E aproveitei para lhe falar do nosso blogue, que ele já conhecia de nome... (Confessa que não  é homem de blogues, nem usa Internet, não tem e-mail, mas nem por isso é...menos feliz).

Na segunda edição do seu livro, incluiu mais algumas histórias do HM 241. O livro saiu na Editora Ausência, que era (ou ainda é) do filho, Manuel Reis. Essa editora deu lugar à 7 dias 6 noites, também com sede em Vila Nova de Gaia... É a editora do nosso Manuel Bastos, Cacimbados, de que o António Reis é admirador e amigo ("Gostava de ter a garra dele para a escrita", confidencia-me..).  Também é amigo do Rui Alexandrino Ferreira. (Aliás, ele foi ele que me chamou a atenção para o mail que o Rui nos mandara em Março do ano passado, e que reproduzo acima).

O António Reis ficou muito sensibilizado com o  prefácio escrito pelo Cor Cav Mendes Paulo (já falecido) para a 2ª edição (**).  Julgo que é a este texto que se refere o Rui Ferreira, no mail acima.

Confirmou que o Dr. Fernando Garcia é de Lisboa e estava vivo, pelo menos no penúltimo Natal... Nessa ocasião falaram ao telefone. O médico vive em Lisboa, é pessoa para 70 e tal anos. O Reis lembra-se de todos os médicos, e dos seus nomes, que prestaram serviço no HM 24, no seu tempo (1966/68). Ele estava no pior sítio, que era o SO... Falou-me de outras histórias: o alferes que apanhou sete tiros e que se safou; as camisas que se "trocavam" com os mortos...(em troca, estes eram amortalhados com as camisas velhas, gastas e regastas, do pessoal do hospital)... De radiologia, lembra-se do Setúbal...

Sendo de rendição individual, não costuma ir aos convívios do pessoal do HM 241... Ninguém se conhece, são de épocas diferentes... Foi uma vez, não gostou lá muito... Em contrapartida, gosta de ir aos convívios da primeira companhia onde esteve o Alf Mil Rui Ferreira, a CCAÇ 1420 (se bem percebi, é daí que o Rui o conhece).

Enfim, vejo que temos homem! Ficou de me mandar um texto que escreveu para o jovem pároco da terra, a mostrar as diferenças entre os militares, patriotas, do seu tempo, e estes jovens que vão hoje em missões da NATO ou da ONU (Bósnia, Timor, Jugoslávia...).
- As condições são outras, completamente diferentes! Não dá para comparar, arremata ele.

Gostei muito falar com ele e prometi visitá-lo em Mafamude...

Gostei das duas últimas linhas do seu livro de histórias do HM 241: "Exteriorizei  aquilo que me ia na alma. Se alguém me quiser julgar que o faça, mas que esse juiz tenha vivido no mínimo aquilo que eu vivi" (Reis, A.- A minha Joranda em África, 1ª ed. Vila Nova de Gaia: Ed. Ausência. 1999. p. 67).

Convidei-o a juntar-se a nós, aos seus amigos e camaradas da Guiné... Entretanto, acabo de receber um telefonema do filho, Manuel Reis, a perguntar-me pela morada, pelo mail e pelo endereço do blogue. Tem um texto do pai para publicação no nosso blogue, como prometido.

Não conhece o nosso blogue mas, como editor (tem 4 editoras, Ausência, 7 Noites 6 Dias, Babel, e uma outra que não retive), tem um interesse de longa data pela literatura da guerra colonial. Afinal, cresceu a ouvir contar as histórias do pai... Falou-e de dois livros, editados por ele, o do Manuel Bastos (Cacimbados) e do Lobato Lobato (Liberdade ou Evasão, há muito esgotado e agora reeditado). Prometeu enviar-lhe outros livros das suas editores, para recensão crítica e divulgação, gentileza que desde já lhe agradeço.

Fico, pois. a aguardar o texto do António Reis e eventualmente um exemplar da 2ª edição do seu livro (que está praticamente esgotado). E espero tê-lo, ao nosso camarada, junto de nós, como membro de pleno direito da Tabanca Grande.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5581: Os nossos médicos (13): Deus no céu e o Dr. Fernando Garcia... no HM 241 (António Reis / Luis Graça)

(**)  Escreve o Luís Borrega, em comentário ao poste anterior: "Conheci-o [, a ele, António Reis,] através do Major Cav João Mendes Paulo (autor do livro Elefante Dumdum), infelizmente já falecido, que era oficial de Operações do meu Batalhão (BCav 2922)".

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5426: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (19): Que emoção ouvir alguém que não se vê há 40 anos (Jorge Teixeira/Portojo)

Guiné 63/74 – P5595: Fichas de Unidade (6): COP 4 - Comando Operacional nº 4 (José Martins)


1. Quando necessitamos de apresentar o historial de alguma “Ficha de uma Unidade”, recorremos aos bons préstimos do nosso Camarada José Martins, ex-Fur Mil de Transmissões da CCaç 5 - Os Gatos Pretos -, Canjadude, 1968 a 1970, que se tem prontificado como eficaz e prestável “municiador” deste tipo de dados.

Agradecendo, desde já, a sua amigável e prestável colaboração, apresentamos a seguir os resultados da sua melhor pesquisa, devidamente adaptada e condensada do COP 4, elaborado em 04 de Janeiro de 2010:

Comando Operacional nº 4

O COP 4 foi constituído em 12 de Dezembro de 1972, formado por elementos requisitados a outras unidades, para criar as condições necessárias à execução dos trabalhos de reordenamentos a estabelecer nas zonas de Caboxanque, Cadique e Cafine assim como desenvolver actividade na região do Cantanhez, em área operacional do Batalhão de Caçadores nº 4510/72 e do Comando Chefe.

Teve como comandantes os Tenente-coronel Paraquedistas Jorge Rendeiro de Araújo e Sá e posteriormente o Major de Infantaria Carlos Graciano de Oliveira Gordalina.

À data da sua constituição, com a sede estabelecida em Cufar, integrou na sua área de acção o subsector de Bedanda e a área do destacamento de Cabedu, que foram transferidas do BCAÇ 4510/72. Foram atribuídas ao COP três companhias do exército, duas de Paraquedistas e dois destacamentos de fuzileiros especiais.

Com a instalação na área destas unidades, foram criados os subsectores de Cadique e Caboxanque em 12 de Dezembro de 1972; reforço de Cafal com dois grupos de combate da 2ª Companhia do BCaç 4610/72 em 23 de Janeiro de 1973; em Chugué e Cabumba em 7 de Abril de 1973; e Jubemrem criado em 20 de Abril de 1973.

Desenvolveu actividade operacional com patrulhamentos, emboscadas, batidas e acções sobre grupos inimigos, alem da protecção aos trabalhos de reordenamento, autodefesa e promoção socioeconómica das populações.

Na sua actividade destacam-se as operações “Gato Espantado”, “Dragão Bravo” e “Cavalo Alado”. Na acção “Tamurú” realizada em 1 de Janeiro de 1973, Na Região de Timbó, foi capturada uma rampa de lançamento de foguetões 122.

Em 2 de Julho de 1973, foi desactivado o Comando Operacional nº 4, passando a assumir a coordenação da área o Batalhão de Caçadores nº 4510/72.

Não tem história da Unidade no Arquivo Histórico Militar.

© José Marcelino Martins

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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5594: Convívios (180): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

1. Caros camaradas e amigos tertulianos

Pertencer ao nosso Blogue é um privilégio ao alcance de todos os ex-combatentes da Guiné e de alguns amigos que se juntaram à nossa causa de criar um espólio histórico sobre a guerra naquele território, alimentado com as experiências vividas pelos intervenientes naquele conflito.

Criado aquele espírito de camaradagem, surgem laços de amizade tão profundos que quase nos sentimos como uma família. Assim, não é de estranhar que surjam espontaneamente grupos de camaradas que ao fim de algum tempo acabam por se organizar em associações. É um exemplo, exemplar, (esta foi de propósito) o que se passa na Tabanca de Matosinhos (que teima em chamar-se pequena, quando já não o é), que é agora um Grupo de Amigos da Guiné-Bissau.

Isto a propósito de quê? Já vamos saber.
CV


1.º ENCONTRO DA TERTÚLIA DO CENTRO

Mensagem de Joaquim Mexia Alves* (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), com data de 4 de Janeiro de 2010:

AVISO IMPORTANTE

Caros camarigos editores

Na viagem que fiz com os camarigos Juvenal Amado, Vasco da Gama e Manuel Reis, lancei esta ideia de uma pequena Tertúlia do Centro, à imitação da Tabanca Pequena de Matosinhos, feita à volta de um famoso “Cozido à Portuguesa”, que é colocado à mesa todas as quartas-feiras nesta localidade de Monte Real.

Entusiasticamente, (estou a exagerar um pouco), todos aplaudiram a ideia, e mais alguns camarigos aqui desta Região Centro, que se estende do Minho ao Algarve, afirmaram a sua vontade em participar na coisa.

Ora como o que nos une em termos informativos é a Tabanca Grande, julguei, (pelo menos para dar inicio à completação da ideia), que este seria o melhor espaço para divulgar o evento e assim abrir as portas aos camarigos que se queiram juntar à volta do Cozido à Portuguesa, sejam eles, da Região Centro ou de qualquer outra Região do nosso Portugal.

Como isto de tentar encontrar datas consensuais é coisa muito complicada, e visto que tem de ser forçosamente à Quarta-Feira, eu decidi marcar, democraticamente, depois de me consultar, o dia 27 de Janeiro para a realização do feliz evento, que, se for do agrado e concordância de outros, se repetirá alegremente uma vez por mês, sempre à Quarta-Feira.

O repasto será servido na Pensão Montanha, sita na Rua Principal de Monte Real, também conhecida por Rua de Leiria, e terá lugar às 13 horas e 30 minutos, salvo se algum dos camarigos tiver argumentos para me convencer de outro horário e até, vá lá, data.

Muito importante é eu saber com antecedência, ou seja até dia 25 de Janeiro, impreterivelmente, o número de camarigos que se vão banquetear, porque a sala está normalmente cheia e preciso de fazer a marcação.

O valor do almoço é um pouco alto, (mas com um esforço tudo é possível), pois ascende ao elevado montante de 8,50 euros, é verdade, 8,50 euros!

Ora então para reservas temos o meu mail, que é: joquim.alves@gmail.com, (atenção que não é Joaquim, mas joquim), porque há um Joaquim Alves que está farto de ouvir falar da Guiné e não está mais para isso!!!

E julgo que é tudo, mas claro que fico disponível para esclarecimentos.

Peço assim aos camarigos editores o favor de publicarem este importante aviso, para conhecimento dos interessados.

Abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
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(*) Vd. poste de 17 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5484: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (6): Guerra à guerra... (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste de 27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5550: Convívios (175): Convívio espontâneo da CCav 2749/BCav 2922 (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P5593: Notas de leitura (47): Casablanca: O Início do Orgulhosamente Sós, de José Duarte de Jesus (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Para quem quer estudar os primórdios da resposta diplomática aos movimentos de libertação tem neste livro um interessante ensaio ao que aconteceu em 1961 num país de África que fazia agradavelmente o jogo do pau de dois bicos.

Um abraço do
Mário


CASABLANCA: O INÍCIO DO “ORGULHOSAMENTE SÓS”
Beja Santos

Em 1961, um jovem terceiro secretário de Embaixada, José Duarte de Jesus, passa a ser funcionário diplomático de Portugal em Marrocos. Vai viver um período febril, a eclosão do anticolonianismo, do terceiromundismo, das tensões entre Marrocos e a Argélia, dos movimentos de libertação portugueses e africanos. Convém não esquecer que é em Rabat que o PAIGC teve o seu primeiro escritório, é partir de Marrocos que vai chegar tudo o armamento e equipamento fornecido pela URSS, China e países da Europa de Leste. É esse o relato que nos traz “Casablanca, o início do isolamento português, memórias diplomáticas”, por José Duarte de Jesus, Gradiva 2006.

Um diplomata é um negociador dos interesses do seu país junto de potências onde está acreditado. Observa, aproveita as reuniões sociais e os actos de convívio para sondar e depois contar ao seu ministro. Recebe também incumbências, prepara viagens de estadistas, pede audiências a membros de governo para defender pontos de vista, para insinuar esses mesmos pontos de vista que lhe chegam do chefe da diplomacia. A diplomacia portuguesa nos anos 60 já não está marcada pela presença pessoal de Salazar nas Necessidades. Os EUA estão na Europa, são eles quem lideram a Guerra Fria. Portugal foi aceite nas Nações Unidas e será fundador da NATO, por conveniência de serviço; o comunismo chinês começa por ser um grande aliado de Moscovo até à incompatibilização; a Conferência de Bandung e depois os Não Alinhados vão fazer germinar a luta pela independência dos povos africanos. O quadro diplomático português do tempo podia ter qualidades mas não estava preparado para a guerra sem tréguas que marcará toda a década de 60.

O jovem diplomata José Duarte de Jesus aterra em Marrocos, jovem nação a viver uma grande instabilidade interna (os movimentos revolucionários empurram a Monarquia Alauita para uma linha repressiva e conservadora). O jovem Rei Hassan II apercebe-se que tem perigos nas fronteiras e que precisa de uma estratégia de cooperação com os aliados europeus do Mediterrâneo. A nossa missão diplomática em Marrocos era constituída por um embaixador e por um nº2, verdadeiramente um faz tudo: substituto legal do embaixador, conselheiro político, comercial, de imprensa e gerente de uma secção consular. O jovem diplomata, mal chegado, é confrontado com a Conferência de Casablanca, com algum significado para a política portuguesa. Aqui se debatem as questões da Argélia e do Congo, mas também a segregação racial e unidade africana. Por esse tempo ocorre a “Operação Dulcineia”, com o assalto ao paquete “Santa Maria”. Inicia-se entretanto a guerra em Angola, instala-se em Rabat o governo provisório da Argélia, nesta região do Magrebe procura-se fazer a ponte entre o Ocidente e o Terceiro Mundo.

Em Abril, representantes dos movimentos de libertação portuguesa comparecem numa reunião em Casablanca: lá estarão goeses, mas também Mário Andrade e Viriato Cruz, da MPLA, Miguel Trovoada de S. Tomé e Príncipe, Marcelino dos Santos da futura FRELIMO, Amílcar Cabral, do PAIGC. Os conteúdos desta conferência, dado o seu valor histórico, são amplamente reproduzidos. A embaixada portuguesa vive histórias dignas de James Bond, com personagens bizarros a disfarçarem-se de espiões sem nacionalidade, arrivistas, gente que promete dar informações e que afinal nada tem para dar. A saga Henrique Galvão-Humberto Delgado dominará os acontecimentos até ao final desse ano de 1961. Delgado e Galvão cortam relações, os assaltantes do avião desviado da TAP que lançam panfletos nos céus de Portugal regressam a Casablanca e nada lhes acontece, para fúria das autoridades portuguesas. Esse ano horrível conhece ainda o golpe de Botelho Moniz, os acontecimentos de Beja, às esperanças na Primavera de Adriano Moreira, depois a queda de Goa.

José Duarte de Jesus, metodicamente, elabora relatórios, sonda ministros, procura esclarecer as posições portuguesas. Hassan II é obrigado a um jogo duplo: reitera confiança na amizade luso-marroquina enquanto se felicita em público com o que se passou na Índia portuguesa e com as lutas de libertação que estão a dar os seus primeiros passos. Fala-se de Ben Bella e Ben Barka, da presença russa em Tânger e dos diferendos franco-marroquinos.

Em 1962, muda-se de embaixador numa altura em que Rabat está a viver uma intensa actividade diplomática, sendo mesmo palco de um esboço de potências que cobiçam um aliado para a Guerra Fria. Em Abril Holden Roberto tenta criar um governo provisório de Angola. Surge uma personalidade que virá mostrar ter uma grande influência no curso dos acontecimentos: Aquino de Bragança. Hassan II recebe às claras os representantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas; a questão do armamento soviético tem o seu auge e fica-se a perceber que o rei manipula os elementos para chamar a atenção aos americanos. Há questões do Magrebe que se vão agonizar: será o caso do Sara espanhol mas também a presença espanhola em Ceuta e Melila. Esta é a história de uma comissão de um jovem diplomata. Pode ser entendida como um acto de um diplomata reformado que quer deixar memórias a pretexto de um momento excepcional em que pode ver a formação e o desenvolvimento do anticolonianismo português. Mas também pode ser olhado como um depósito histórico de um período e sobretudo o ano de 1961, que mudou a história de Portugal e de África. É este último olhar o que recomendo para perceber o princípio do isolamento português, que tornaria irreversível o fim da ditadura portuguesa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5587: Notas de leitura (46): Os Anos da Guerra, de João de Melo (1): Alguns olhares sobre a literatura da guerra da Guiné(Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5592: Memória dos lugares (64): Civis e militares em Canjadude (José Corceiro)



1. O nosso Camarada José Corceiro*, que foi 1º Cabo Transmissões, entre MAI1969 e JUL1971, na CCaç 5 - Gatos Pretos -, em Canjadude, enviou-nos em 30 de Dezembro p.p., uma mensagem com as suas memórias sobre a sua ZO:

MEMÓRIA SUPERFICIAL SOBRE CANJADUDE


Camaradas,

Agradeço ter sido aceite como tertuliano, no grande Blogue, que é a Tabanca Grande. Quero agradecer também as palavras de incentivo e estímulo de boas vindas dos tertulianos. A todos, muito Obrigado.

Relativamente ao comentário, que o Luís Graça fez “em tom brincalhão”, mas legítimo e oportuno, à primeira foto do poste Nº 5536, devido à tonalidade de pele da criança, gostava de dizer que conhecia perfeitamente os pais da criança e interroguei-me, também eu, naturalmente! Eu sabia, em Canjadude, onde era a habitação de cada militar e cada civil, e gostava muito da tabanca.

Questionava-me sobre os hábitos da sua população e queria aprender algo mais. Para onde ia e sempre que podia, considerava que era a continuação do aquartelamento da CCaç 5.

Canjadude e o quartel estavam confinados pelo mesmo arame farpado e serpenteados de valas. A tabanca só no perímetro, tinha abrigos onde estavam instaladas armas pesadas, embora houvesse uma barreira física de arame entre o aquartelamento e a tabanca.

A convicção que tinha na altura, é que a criança era querida e amada pela família, dentro das posses do contexto familiar e temporal (bem expresso no sorriso e nos roncos amuletos da criança). Havia menos melanina na pele da criança, é um facto, mas para nosso sossego, é melhor não inferir em nada.

Vamos imaginar que se deu uma mutação genética, para nos tranquilizarmos e esquecermos a mestiçagem, se é que a houve, neste caso. A miscigenação humana até é salutar, potencia o emparelhamentos de cromossomas, cujos genes têm outras características, alargando e fortalecendo a diversidade do genoma humano.

A carência aguçava o engenho e refinava a arte. Necessidades biológicas em acção.

Na época, ainda os cientistas da genética moderna andavam às voltas com as cadeias dos ácidos “DNA” e “RNA”. Os testes de paternidade afirmativos eram impossíveis. Podia testar-se que não se era o progenitor, mas ainda não haviam conhecimentos científicos para confirmar que se era pai a 100%.Infelizmente, muita criança ficou por lá sem ter o carinho e afecto de quem devia dar protecção, educação, ajuda e acompanhamento continuado.

Nesta vertente, também a guerra foi nefasta, embora a teoria de Darwin defenda que contribui, neste particular, para a robustez da espécie.

Para acalmar as consciências agitadas e afastar responsabilidades, convençamo-nos que pais são aqueles que amam e criam. “É fácil”…!

Em Canjadude, creio não errar, se afirmar que quase todas as etnias da Guiné estavam representadas.Os militares nativos eram muitos (a CCaç 5, Gatos Pretos, era de nativos), recrutados em diversas zonas e viviam todos com as famílias, fora do aquartelamento, alguns com duas e três mulheres e mais, misturados com os civis.

Não se registavam grandes desacatos entre eles, apenas coisas pontuais. Lá se respeitavam à maneira deles e digeriam os conflitos normalmente, acatando as decisões dos homens grandes. Dentro do aquartelamento só dormiam dois ou três, além dos metropolitanos. A falta de meios na população era evidente, em todas as vertentes, pois as contingências eram gerais. Eu interrogava-me como conseguiam aquelas pessoas viver naquela letargia, sendo porém certo que haviam pouquíssimas condições de evolução e progresso.

A agricultura era praticamente nula.

Existia um espaço, no meio da tabanca “avenida principal”, chamada escola, onde o Sargento Cipriano (enfermeiro, homem nativo e dedicado, que infelizmente, após tanta dedicação, foi vitima da guerra), leccionava aulas para as crianças e não só, segundo a sua disponibilidade e saber, sem os meios necessários. Não era pois, um ensino continuado. O analfabetismo era assim geral e eram pouquíssimos os militares nativos, que sabiam ler e escrever.

O comércio reduzia-se a uma palhotazinha onde se podia comprar um carrinho de linhas, umas agulhas e botões e, concretamente, nada mais.Perante condicionalismos tão adversos, respeitando as suas tradições (havia algumas que me repugnavam), achava eu que a célula familiar até funcionava, segundo as suas exigências, amando e educando os filhos como eles sabiam.

Via-se afecto, dedicação e amor, à maneira da sua cultura, e ensinavam o que tinham aprendido em função da educação que tiveram. A dinâmica cultural em sociedades cujas tradições estavam tão enraizadas, reflectia-se nas etnias, cada qual com seus costumes muito diversificados, demorando várias gerações, até aos dias de hoje, até que se façam sentir melhorias acentuadas, naquilo que se estipulou designar como: civilização.

A pobreza de meios ao dispor das populações também é deveras e lamentavelmente abundantíssima. Para o menino de pele mais clarinha, por ter menos pigmentação (melanina) na pele, do que outros autóctones, sujeita ao mesmo meio ambiente, esta sua característica ser-lhe-á com certeza incómoda.

Desejo que hoje seja um homem com saúde e íntegro. Um grande abraço e que o Novo Ano lhe traga as maiores venturas, saúde e felicidades.

Para todos os tertulianos, Novo Ano com saúde, amor e felicidade, junto daqueles que amam.

Bons Postes.

Legendas das fotos:

Foto 1 - Militar com filho ao colo na tabanca


Foto 2 - Outro militar com filho ao colo na tabanca




Foto 3 – O 1º Cabo Enfermeiro (em 1º plano) e o 1º Cabo Dias, aprendendo a pilar arroz ensinados pelas bajudinhas




Foto 4 – O 1º Cabo Enfermeiro com um bebé ao colo



Foto 5 - Quatro militares amigos (um deles com a esposa)


Foto 6 - Militar com a esposa




Foto 7 - Militares (um deles com a esposa), junto ao “padrão” do Aeroporto da Portela de Canjadude, a pista situava-se à frente deles



Foto 8 - Mulheres de um militar com a filha


Foto 9 - Dois militares COMANDOS. João Seide (do lado esquerdo) era “guarda-costas” do Cap. Pacífico dos Reis. Dois Combatentes sempre da frente nas operações e nos combates



Foto 10 - Um militar com as duas esposas e o rádio (que não podia faltar)


Foto 11 – Eu com a minha lavadeira





Foto 12 – Eu com os “homens grandes” e homens pequenos da tabanca

Um Abraço,
José Corceiro
1º Cabo Trms da CCaç 5


Fotos: © José Corceiro (2009). Direitos reservados

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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P5591: Memória dos lugares (63): O Xime, o Alferes Capelão Puim, os mandingas e o meu tio Mancaman (J. C. Mussá Biai)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 15 de Dezembro de 2009 > O médico e músico João Graça entre os mandingas... Tabatô, a mítica meca da música mandinga, terra natal do grande músico guineense Kimi Djabaté, guitarrista, percussionista e tocador de balafón, que vive hoje em Lisboa (tal como outro grande músico, também mandinga, natural do Bagu, o nosso já conhecido Braima Galisssá).

Tenho dúvidas sobre a actual localização de Tabatô: o João diz-me que fica a 13 km, depois de Bafatá, na estrada para o Gabu. Eu localizeu, na carta 1/50.000 de Bafatá,  uma tabanca, com esse nome, no regulado de Cossé, a sudoeste de Bafatá, portanto em sentido oposto ao Gabu... Será a mesma tabanca, transferida, com a guerra colonial, por razões de segurança ?... Se alguém puder que nos esclareça...

Hoje, Tabatô é um local de visita obrigatória para os amantes da música e da cultura mandingas... O João passou lá uma noite inesquecível com a grande família, de músicos, do Kimi Djabaté... Teve o privilégio de ouvir 20 músicos (kora, balafon....) só para ele e de tocar com eles, o seu violino (o João integra a banda de música klezmer Melech Mechaya) ... Espero que ele em breve nos mande o seu "diário de bordo" para publicação, total ou parcial, no nosso blogue (LG)...

Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados

1. Do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime", do meu tempo (tinha seis anos, quando lá aportei pela primeira vez, no dia 2 de Junho de 1969) (*)...


Assunto - Memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim

Caro Luís

Viva!

Acabo de ler as memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim (**), que me emocionaram bastantante. Estou em crer que já me cruzei com ele a pesar de nenhum de nós recordar, pois eu era um miúdo. Mas lembro-me de ver um Alferes Capelão com o meu pai, que era chefe religioso, na varanda.

Também me lembro de ter ido uma vez a capela, depois das aulas. Mas nunca lá voltei porque o meu pai não concordava, pois era uma religião que não professávamos.

Mas falando do Mancaman, ele era irmão do meu pai. Faleceu há mais de uma década em Xime e deixou quatro filhos.

Conforme disse numa das minhas mensagens, depois da guerra, todos que de alguma maneira fizeram parte do exécito português, tiveram as suas chatices e o tio Mancaman não foi exepção. Lembro-me do filho mais velho dele, o Malam Biai, ter ido juntar-se ao PAIGC, no auge da confusão de caça a(o)s bruxas(os), talvez para de alguma forma servir de protecção ao pai.

Mas, enfim, a vida jamais voltou ser a mesma.

Um abraço,

José C. Mussá Biai
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de postes, da I Série do Blogue:


20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

(...) As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei. (...)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

(...) "Dr. Luís Graça:


"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carvalhido da Ponte. (...)

[Resposta de L.G.]

(...) "José Carlos: (...) Deixe-me confessar-lhe que [a sua mensagem] me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.



"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhido da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.


"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.


"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas). (...)


"Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem" (...).

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.


Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.


(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.


Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 26 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camará. (...)


O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.


Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence. (...)


(`**) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz

Guiné 63/74 - P5590: Parabéns a você (62): Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489/BCAV 490 (Editores)

1. Hoje, dia 5 de Janeiro de 2010, o nosso camarada Valentim Oliveira*, acrescenta mais um ano aos que já leva acima dos sessenta. Longe de mim querer divulgar a sua bonita idade, mas daqui a dois anos é promovido à classe dos Septas, bem mais importante que a dos Sexas.

Conhecêmo-lo este ano durante o nosso IV Encontro Nacional e reparámos que o seu aspecto engana qualquer um. Palpita-me que temos nele mais um candidato a centenário. Já agora quem me dera ver para crer.


Caro Valentim, desculpa a brincadeira, mas esta coisa da idade só tem a ver com o BI (mais modernamente o CC), porque manter a juventude só depende de cada um de nós.

Toda a Tabanca representada pelos Editores, desejam-te um dia muito feliz junto de tua esposa, filhos, netos e demais família e amigos. Vamos todos torcer por mais uns 32 anos para atingires o estatuto do nosso Manoel Oliveira. Até parece fácil.




2. Se bem se lembram, Valentim Oliveira foi companheiro do nosso co-editor Virgínio Briote na CCAV 489.

Veio até nós em 10 de Abril de 2008 assim:

Camarada Luís Graça:
É com muita admiração que leio todas as Histórias escritas por ti e por todos os outros camaradas que participaram na GUERRA DA GUINÉ.

Também sou veterano da mesma Odisseia: era da CCAV 489 do BCAV 490. Participei na grande Operação Tridente, na Ilha do Como.

Segui para Farim, onde por toda aquela zona muitas coisas boas e más se passaram. Também passei no inferno de Guidaje. Como tal também tenho muitas Histórias boas e más para escrever.

Peço permissão para entrar como membro da equipa dos Camaradas da Guiné.

Um grande abraço,
Valentim Flor Oliveira



3. Quatro fotos do camarada Valentim que temos em arquivo

Valentim Oliveira e camaradas no Natal de 1963, na Amura, Bissau. Em Janeiro de 1964 seguiu-se a Operação "Tridente" no Como, e o Natal de 1964 foi passado em Farim, sector em que o BCav 490 estacionou até ao regresso.

Valentim com um camarada na praia de Caiar, no intervalo da Guerra do Como (ou Komo), em Janeiro ou Fevereiro de 1964.

Encontro da CCAV 489 em 2008 > Valentim Oliveira e o seu camarada Luís Coimbra.

Encontro da CCAV 489 em 2009 > Valentim Oliveira com um camarada que se supõe ser o ex-Fur Mil Carlos Santos
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2756: Dia 14 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira)

23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira)

1 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2909: Convívios (62): Encontro do BCav 490 (Valentim Oliveira)

16 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3575: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (3): A minha mensagem para todos os que passaram pela Guiné (Valentim Oliveira)

3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3695: Quando o Malfeito deitou a mão ao galo...(Valentim Oliveira)

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4527: Convívios (144): BCAV 490, Bissau, Como e Farim (1963/65), em Viseu (Valentim Oliveira)
e
24 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4569: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (12): Há fotos que valem por mil palavras... (Luís Graça)

Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5579: Parabéns a você (61): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CArt 2339 (Editores)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5589: O nosso blogue em números (3): 390 tabanqueiros, 5590 postes, um milhão e 400 mil páginas visitadas, 50 mil por mês, 30 comentários por dia...



Chegados ao fim do ano de 2009 e entrados no ano de 2010 - em que o nosso blogue vai (se lá chegar...) perfazer seis anos, no dia 23 de Abril de 2010 (*)- , é altura de dar alguma informação estatística sobre a nossa produção: neste já longo período, publicámos 5583 postes, 15% dos quais na I Série (que terminou em 1/6/2006). No final da I Série, o número de tertulianos (como então designávamos os membros da nossa Tabanca Grande, antes, Tertúlia) eram cerca de 110 (**). Hoje estamos quase a atingir as 4 centenas.

O ano transacto foi o mais produtivo em número de postes publicados: cerca de 1900, mais 600 do que em relação ao ano anterior (2008) (Vd. Quadro I)



No mês de Dezembro de 2009, o número de postes semanais publicados andou na casa dos 42 em média (mínimo, 38; máximno, 49), o equivalente a 6 por dia, em média (Gráfico 1).





Quanto aos comentários, atingiram o milhar, o que significa um crescente participação dos nossos leitores. Em números médios, neste período (29 de Novembro de 2009 a 2 de Janeiro de 2010) tivemos 28,9 comentários por dia (Quadro II).

Descartando os comentários a postes da séries Parabéns a você e Votos de Feliz Natal 2009, foram os seguintes, com um total de 115 comentários:


7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5477: Blogoterapia (137): Palavra de honra que não consigo entender (José Brás)

10 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5438: Controvérsias (58): Do revisionismo da história e da memória ao branqueamento do papel da PIDE/DGS (João Tunes)

25 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5534: Histórias do Eduardo Campos (1): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério: Parte 1

27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5544: O que era o STM? Belarmino Sardinha)





Quanto ao número de páginas visitadas, a evolução tem sido favorável, com um crescimento sustentado ao longo do tempo: partimos das 22, 5 mil visitas ... em finais de Maio de 2006, para atingir as 400 mil em Outubro de 2007, as 800 mil em Outubro de 2008, o milhão em Fevereiro de 2009, e o 1,4 milhões em Dezembro de 2009... Ou seja, estivemos em 2009, com cerca de 40 mil páginas visitadas por mês (50 mil por mês, em Novembro e Dezembro) (Vd. Gráfico 2).

Vejamos o que escrevemos em datas anteriores:

9 de Novembro de 2009:

(...) Chegámos hoje a um milhão e 300 mil páginas visitadas... A nossa caixa de correio aproxima-se dos 400 endereços... Isto já é um batalhão, há tensões, e eu nem sempre estou (nem posso estar) atento a todos os pequenos conflitos que podem ocorrer...


25 de Junho de 2009:
(...) Desde 15 de Abril de 2009, até agora (70 dias) atingimos as 100 mil páginas visitadas... Ou seja, todo somado, faz 1 milhão e 100 mil... (600 mil desde Janeiro de 2008).

(...) No início do actual blogue (II Série), em Junho de 2006, os membros da Tabanca Grande eram cerca de 115, hoje somos o triplo...

15 de Outubro de 2008:

Devemos atingir esta semana a cifra das 800 mil páginas visionadas / visitadas. Estávamos em 400 mil em finais de Outubro de 2007. 500 mil na passagem de ano. 600 mil em Abril. 700 mil em Julho de 2008.


Tendo em conta a inevitável quebra, nas férias (Julho / Agosto= mais ou menos 1 mês), quer na produção, quer no consumo, tivemos, neste espaço de tempo, Outubro de 2007 a Outubro de 2008 (1 ano), um média de visitas mensais de 36 mil, ou seja, 1200 por dia, em números redondos... Em contrapartida, parece ter crescido menos o número de membros da Tabanca Grande Estamos agora com cerca de 270...



29 de Junho de 2008:


(...) Devemos atingir esta semana a cifra das 700 mil páginas visionadas. Estávamos em 400 mil em finais de Outubro de 2007. Atingimos as 600 mil em 12 de Abril. Estamos portanto com um média de visitas diárias de 1250/1300, em números redondos... E mais de 250 camaradas e amigos da Guiné inscritos na Nossa Tabanca Grande (...).

12 de Abril de 2008:

(...) Temos registados um pouco mais de 230 amigos e camaradas da Guiné, na nossa tertúlia ou Tabanca Grande...

21 de Dezembro de 2007


(...) Vamos passar o ano a caminho das 500 mil páginas visitadas, o que dá uma ideia da nossa audiência...

Uma nota final: Aqui deixo as minhas melhores saudações bloguísticas a todos os amigos e camaradas da Guiné pela sua dedicação, generosidade, confiança, empenho, paciência, tolerância... Este blogue só é possível por eles, por causa deles... É já hoje, segundo a nossa opinião mas também a opinião de observadores externos e independentes, um imenso património de todos nós... Não sei quantos de nós passaram por (ou estiveram em) a Guiné, durante o período da Guerra Colonial... Cerca de 150 mil / 200 mil ? No nosso blogue, somos cerca de 400, entre amigos e camaradas. Mas muitos mais nos visitam, nos lêem, nos comentam... E espero que ainda muitos mais apareçam e se reconheçam na Tabanca Grande...

Aos companheiros da minha equipa editorial, Carlos Vunhal, Eduardo Magalhães Ribeiro e Virgínio Briote um chicoração especial. Sem eles, há muito que eu me teria sentiria perdido nesta picada sem fim à vista. Em 2010 vamos realizar o nosso V Encontro Nacional... Até lá irão surgir, seguramente, mais novidades e ideias para o futuro... Aos nossos autores e leitores, o meu carinho e reconhecimento. A todos, bons augúrios para o difícil ano de 2010 que começa agora... Luís Graça, fundador e aministrador do blogue.
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Notas de L.G.:

(*) O primeiro poste publicado foi em 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)


Lista dos dez primeiros postes do nosso blogue (1ª série):

23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

25 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - II: Excertos do diário de um tuga (1) (Luís Graça)

28 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - III: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça

7 de Dezembro de 2004 > Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical (Luís Graça)

20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)

22 de nAbril de 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro)

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1) (Luís Graça)

Vd. poste de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1693: Blogoterapia (20): Blogando... há dois anos (Luís Graça)

(**) Por mera cuirosidade (histórica...), vd. lista, por ordem alfabética, dos membros do nosso blogue, no final da I Série, em 1 de Junho de 2006:

A. Marques Lopes
A. Mendes
Abel Maria Rodrigues
Afonso M.F. Sousa
Aires Ferreira
Albano Costa
Amaro Samúdio
Américo Marques
Ana Ferreira
Antero F. C. Santos
António Baia
António Duarte
António J. Serradas Pereira
António (ou Tony) Levezinho
António Rosinha
António Santos
António Santos Almeida
Armindo Batata
Artur Ramos
Belmiro Vaqueiro
Carlos Fortunato
Carlos Marques dos Santos
Carlos Schwarz (Pepito)
Carlos Vinhal
Carvalhido da Ponte
David Guimarães
Eduardo Magalhães Ribeiro
Ernesto Ribeiro
Fernando Chapouto
Fernando Franco
Fernando Gomes de Carvalho
Hernani Acácio Figueiredo
Hugo Costa
Hugo Moura Ferreira
Humberto Reis
Idálio Reis
J. C. Mussá Biai
J. L. Mendes Gomes
J. L. Vacas de Carvalho
João Carvalho
João S. Parreira
João Santiago
João Tunes
João Varanda
Joaquim Fernandes
Joaquim Guimarães
Joaquim Mexia Alves
Jorge Cabral
Jorge Rijo
Jorge Rosmaninho
Jorge Santos
Jorge Tavares
José Barreto Pires
José Bastos
José Casimiro Caravalho
José Luís de Sousa
José Manuel Samouco
José Martins
José (ou Zé) Neto
José (ou Zé) Teixeira
Júlio Benavente
Leopoldo Amado
Luis Carvalhido
Luís Graça
Luís Moreira (V. Castelo)
Luís Moreira (Lisboa)
Manuel Carvalhido
Manuel Castro
Manuel Correia Bastos
Manuel Cruz
Manuel Domingues
Manuel G. Ferreira
Manuel Lema Santos
Manuel Mata
Manuel Melo
Manuel Oliveira Pereira
Manuel Rebocho
Manuela Gonçalves (Nela)
Mário Armas de Sousa
Mário Beja Santos
Mário Cruz
Mário de Oliveira (Padre)
Mário Dias (ou Mário Roseira Dias)
Mário Migueis
Martins Julião
Maurício Nunes Vieira
Nuno Rubim
Orlando Figueiredo
Paula Salgado
Paulo Lage Raposo
Paulo & Conceição Salgado
Paulo Santiago
Pedro Lauret
Raul Albino
Renato Monteiro
Rogério Freire
Rui Esteves
Rui Felício
Sadibo Dabo
Sérgio Pereira
Sousa de Castro
Tino (ou Constantino) Neves
Tomás Oliveira
Torcato Mendonça
Victor David
Victor Tavares
Virgínio Briote
Vitor Junqueira
Xico Allen
Zélia Neno.

(***) Vd. último poste desta série > 2 de Dezembro de 2009> Guiné 63/74 - P5391: O nosso blogue em números (2): Os cinco postes mais comentados do mês de Novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5588: Álbum fotográfico de Rogério Cardoso (3): Relembrando locais e camaradas da CART 643/BART 645





1. Continuação do Álbum fotográfico de Rógério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66)




Foto 1 > Olossato > Junto a um obus

Foto 2 > Olossato, 1964 > Abrigo

Foto 3 > Olossato, 1964 > Torre de vigia

Foto 4 > Furriéis Guerreiro (Falecido), Sousa, Graça, Rogério e ?

Foto 5

Foto 5 e 6 > Heli na descarga de material capturado em Morés, no Olossato

Foto 7 > Mansoa > Junto à Águia 645 > 1.º Cabo João Francisco, Fur Mil Rogerio, 1.º Cabo Carlos Alberto, 1.º Cabo Eliseu, Fur Mil Tirano e 1.º Cabo Valentim.

Foto 8 > Fátima 2009
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5561: Tabanca Grande (198): Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643/BART 645 (Mansoa, 1964/66)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5521: Álbum fotográfico de Rogério Cardoso (2): Quotidiano da CART 643 em Bissorã

Guiné 63/74 - P5587: Notas de leitura (46): Os Anos da Guerra, de João de Melo (1): Alguns olhares sobre a literatura da guerra da Guiné (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2009:

Queridos amigos,
“Os Anos da Guerra” merecem ser conhecidos por todos nós.
Há ali prosa de muito valor. O João de Melo editou e reeditou esta antologia em 1988 e 1998. Seria bom que ele a voltasse a actualizar. Aliás, neste momento há já editores que pretendem antologias referentes à literatura dos três teatros de operações. Espero que se tome em conta que a escolha dos autores é do João de Melo e não deste humilde escriba, por favor, não façamos confusões.

Um abraço do Mário com votos de um 2010 cheio de sucessos pessoais, saúde e alegrias familiares


OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (1)


Beja Santos

Apresentação

“Os Anos da Guerra, 1961 – 1975, Os Portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, com organização de João de Melo (Publicações Dom Quixote, 1988 e 1998) é uma obra de referência para o estudo da literatura portuguesa que tem a Guerra Colonial como pano de fundo. É não só a primeira recolha antológica dos principais escritores intervenientes ao tempo como se trata igualmente de uma (ainda hoje) desassombrada apresentação da problemática da literatura da Guerra Colonial, em que João de Melo equaciona, sem quaisquer complexos, fenómenos habitualmente tratados de modo disperso: a geração literária dos escritores que combateram a Guerra Colonial: em que medida a nova literatura de guerra é memória e anti-memória; se a literatura do período da colonização foi, de algum modo, precursora dos escritores de guerra; e se podemos dispor de uma visão de conjunto sobre todos estes prosadores.
Dado o caudal informativo e a necessidade de circunscrever o itinerário desta incursão à literatura que tem a Guiné como palco, propomos que esta recensão contemple as seguintes realidades: o ensaio de João de Melo sobre o impacto que a Guerra Colonial teve nas literaturas de língua portuguesa; ouvir os escritores que combateram na Guiné num tema raramente abordado que é o dos preparativos para a guerra, aqui se incluindo a recruta, a especialidade, a formação de unidade, etc.; e dar voz aos relatos decorrentes dos aspectos da comissão militar, pondo a funcionar, no auge da dor, a memória e a anti-memória. Convém recordar que se trata de uma recensão, nas situações em que me propuser extravasar as opiniões do autor expresso-o claramente, e os autores que irão ser mencionados sobre a guerra da Guiné decorrem, única e exclusivamente, da escolha de João de Melo. Esses autores são: Álvaro Guerra, Filipe Leandro Martins, José Martins Garcia, Álamo Oliveira, Urbano Bettencourt, José Luís Farinha e Sérgio Matos Ferreira


A Guerra Colonial nas literaturas de língua portuguesa

O escritor João de Melo começa por questionar em que termos é que uma colonização pode ser encarada como um acto prolongado de guerra colonial. Não se trata de uma provocação pois estando em jogo um longuíssimo período de colonização com literatura, haverá que perguntar até que ponto as obras de escritores como Castro Soromenho (porventura o maior romancista da sociedade colonial angolana) Baltazar Lopes, Manuel Ferreira ou Alexandre Pinheiro Torres devem, ou não, ser inseridos na galeria onde irão ser posicionados os escritores que estiverem envolvidos numa das três frentes da Guerra Colonial. A pergunta ainda poderá ficar mais complexa se se pretender também saber se esta literatura pode acolher a chamada literatura de guerra e de resistência (ou seja, aquela onde se faz um apelo veemente à paz e à completa libertação dos povos, podendo-se aqui incluir escritores como Sophia de Mello Breyner, José Cardoso Pires, Herberto Helder, Fiama Hasse Pais Brandão, entre outros). É João Melo que responde à questão, dando-lhe a simplificação para efeitos do seu ensaio: nesta literatura que se vai pôr em antologia só lá cabe quem a viveu, militares e familiares, quer nos preparativos quer no teatro de operações. Convém não esquecer que houve quem escreveu em perfeita sintonia com o regime (caso de Reis Ventura, Armor Pires da Mota, Couto Viana ou Rodrigo Emílio de Melo), houve quem denunciasse a guerra antes da mesma findar (caso de Manuel Alegre, Fernando Assis Pacheco ou Álvaro Guerra) e sobretudo há que ter em conta aqueles autores que fizeram do tema da guerra o corpo central da sua obra: serão estes os autores incluídos na antologia organizada por João de Melo, o escritor a quem agora passamos a palavra:
“Nos livros portugueses da guerra, a ideia do absurdo, da angústia, da sem-razão, ainda que aparentemente obsessiva, está longe de confundir a solidão com a solidariedade. O inevitável dessa literatura é ela aparecer iluminada na sua consciência histórica: o homem que escreve não é o mesmo e porventura nunca esteve do lado do agressor. Daí que uma boa parte das suas fascinações resida na sondagem e na aproximação ao outro, isto é, daquele que estava do lado de lá e que era então o inimigo. Para muitos de nós, que lá estivemos e que só raramente víamos o inimigo, o guerrilheiro era um misto de anjo e de demónio da nossa guerra interior...”. Para João de Melo não existe uma reconhecida obra-prima no conjunto dos livros citados. E ele explica porquê: “Talvez todas elas, na medida em que se completam, e outro tanto pelas diferentes paixões e pelos níveis confessionais e estéticos que ao fim ao cabo as distinguem entre si. De resto, é de supor que estejam por vir os livros da distância, da frieza e de uma outra e objectiva narratividade. Na minha já longa relação com a literatura de guerra, fui muitas vezes confrontado com a existência de um sem-número de textos inéditos, o que prova que a literatura é talvez o único domínio da sociedade portuguesa a desaceitar o tabu de um passado que forjou e modificou para a vida uma nova geração de homens. Actualmente, ela é, com efeito um dos únicos meios de expressão que não faz silêncio nem tábua rasa sobre o enorme logro do nosso passado colonial. Daí que ela seja – essa literatura – muito discriminada entre nós. E daí também que a sociedade portuguesa do presente, parecendo enjeitar os seus males de guerra, continuo a comprazer-se com um espectáculo da sua própria violência interior”. João de Melo escreveu este texto em 1984, seguramente que há pontos de vista que se podem considerar ultrapassados, nos 25 anos posteriores a literatura enriqueceu-se e os tais livros da distância, da frieza e de uma outra e objectiva narratividade continua a aparecer. Mas esta questão não cabe nesta curtíssima apreciação do importante livro “Os Anos da Guerra”.


Os preparativos

Filipe Leandro Martins escreveu: “O Pé na Paisagem” em 1981. Nascido em 1945, em 1967 fez o curso de sargentos nas Caldas da Rainha e é destinado à especialidade de atirador. Mobilizado para a Guiné, escolheram-no para o curso especial de minas e armadilhas. Desertou em 1968 e exilou-se na Bélgica. Foi jornalista profissional desde 1976. O texto escolhido por João de Melo intitula-se “O couro selvagem das botas”, tal como se resume:
“O comboio deixou-nos na cidade com mais ou menos 20 anos. Saímos aos trambolhões, entre malas e saquinhos, berrando uns pelos outros com a solidariedade de bairro, de vila ou de escola. Eu vinha só com a mala pesadíssima que trazia de casa para a caserna que nos esperava, velhaca. Arrastávamo-nos com pressa, desancados pela viagem, pelas bagagens, pelo solo provinciano à uma da tarde da estação e ouvi alguém gritar o meu nome uma porrada de vezes antes de me voltar...
Havia quem puxasse gorjetas para o cabo os despachar mais depressa e lhes escolher uma caserna boa, e o cabo arrecadava a massa e ria destas espertezas enquanto as levas de rapazes iam desaparecendo nas goelas das casernas, tragados pelos sargentos e amanuenses, e logo abandonados à mercê da máquina que aprendemos depressa a recear e a reconhecer no seu poderio misterioso de regulamentos e castigos ao menor deslize, que se levantava como parede velha, ameaçadora e sombria frente aos nossos mais pequenos desejos, muro pesado que nós ajudávamos a erguer – argamassa e medo, argamassa e medo – para não sair dali a sete pés”.

(Continua)
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Nota do editor

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5519: Notas de leitura (45): MEMÓRIA DOS DIAS SEM FIM, romance de Luís Rosa - II (Beja Santos)