Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Guiné 63/74 - P6435: Agenda cultural (77): Lançamento do livro Nha Carlota, de António Estácio, dia 21 de Maio de 2010 em Lisboa
Lançamento do livro Nha Carlota**, de António Estácio, edição de autor: Djubi dé, si bu pudi, budi ta tchómam um alguim más, má si bu cá pudi, djanti bu lébal um livro bó - Se puderes, chama mais alguém, mas se não puderes, apressa-te a levar-lhe um livro.
Amanhã dia 21 de Maio de 2010, pelas 18 horas, em Lisboa, no Palácio da Independência, n.º 11, do Largo de S. Domingos.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, sinólogo, amigo do Zé Neto, do Mário Dias, do Pepito e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota
(**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6390: Agenda cultural (76): Memória do Campo de Concentração - Tarrafal, até 27 de Agosto no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2010:
Luís,
Nem a propósito! Este livrinho da Nha Carlota bem podia abrir as portas a várias histórias de gente que nos tratava bem à mesa.
Gostei muito da ideia do António Estácio em trazer para a ribalta esta senhora cuja memória perdura em muitos corações da Guiné.
É bom vê-la elogiada, num tempo em que fazer bem e oferecer a mesa não é norma comum.
Um abraço do
Mário
“Nha Carlota”: Saudades de uma Mindjer Garandi de Nhacra
por Beja Santos
O que pode levar um guineense da nossa idade, um regente agrícola que passou a maior parte da sua vida profissional a trabalhar em Macau, a escrever um livrinho sobre uma gentil senhora cabo-verdiana que deixou saudades a muita gente depois de 60 anos a viver na região de Nhacra?
O António Estácio de vez em quando vem ao nosso blogue e clarifica acertadamente algumas matérias. Nasceu no “Chão Papel”, frequentou o liceu Honório Barreto, preparou-se para regente agrícola em Coimbra, trabalhou em Malange no Instituto do Algodão em Angola, onde cumpriu o serviço militar de 1970 a 1972, depois seguiu para Macau. Decidiu agora investigar esta figura ímpar da Guiné, “Nha” Carlota, que deixou saudosa recordação em muita gente, pela sua forte personalidade, pelo seu proverbial acolhimento, quem lhe batia à porta tinha sempre refeição.
O livro do António Estácio foi lançado recentemente, quem quiser contactá-lo para qualquer esclarecimento, pode fazê-lo através dos telefones 219229058 ou 96269655.
Chamava-se Carlota Lima Leite Pires, não se sabe exactamente em que ilha nasceu em Cabo Verde, nem em que ano, morreu no hospital de Sant’ Ana em 1970. Viveu seis décadas na Guiné, foi uma comerciante muito bem sucedida, casada com João José Pires que durante anos foi seu empregado. Terá chegado à Guiné entre 1906 e 1907. Por essa data, ainda conheceu a muralha que cercava a ilha de Bissau, considerada muito importante para a segurança da povoação, ao tempo sempre ameaçada pelas populações circunvizinhas.
Reza a lenda que terá combatido e apoiado o capitão Teixeira Pinto, mas não há documentos que comprovem tal temeridade. O importante é que se tornou numa pessoa de grande influência, uma conselheira permanentemente procurada, a proprietária de uma casa comercial onde ela recebia e preparava comida variada e petiscos.
Dos depoimentos colhidos, Estácio ouviu os suficientes para confirmar que era tratada como “a mãe dos pobres de Nhacra”. Falava fluentemente crioulo e balanta, as suas lojas estavam sediadas no Cumeré e em Nhacra, mas os seus negócios eram diversificados. Nha Carlota comprava aos agricultores da região a mancarra e, ao que parece, os seus preços eram justos.
António Estácio obteve depoimentos elogiosos de quem frequentava a mesa da Mulher Grande de Nahcra, desde Elysée Turpin (fundador do PAIGC), o alferes Sebastião Alves (da CCaç 564) até ao coronel Nuno Rubim, nosso confrade.
O que ninguém esqueceu foi mesmo a instituição da comida: sobretudo aos fins-de-semana, as pessoas punham-se a caminho para almoçar no alpendre da Nha Carlota. Alguém descreveu que nada havia de comum naquela sala da Nha Carlota com um restaurante convencional, as pessoas comiam mesmo na sala de jantar da dona de casa ou na parte sombria da varanda.
Combinava-se com antecedência a ementa (cabrito assado, chabéu ou cachupa), tudo começava com ostras ou camarão e a refeição terminava com a fruta disponível. Frequentemente, Nha Carlota sentava-se à mesa e conversava com toda a gente.
Um aspecto curioso que alguém registou é que havia nesta sala de jantar, dependurado do tecto, sobre a mesa, um grande pano enfiado num pau que uma corda, passando por uma roldana fazia oscilar proporcionando uma suave brisa. Quem puxava essa corda era um pequenito que toda a gente tratava por “Ventoinha”, que no final do repasto recebia uma gratificação. Os negócios sucederam-lhe bem, para além dos estabelecimentos do Cumeré e Nhacra, adquiriu prédios em várias localidades.
Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).
Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”.
O seu altruísmo permanece na memória de muitos, bem como a simplicidade no convívio e hospitalidade. É muito bonito dedicar um livrinho a uma mulher que fez bem às suas gentes e seguramente aos nossos camaradas que beneficiaram do seu aprazível acolhimento.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6427: Notas de leitura (108): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6433: Parabéns a você (115): Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto (ex-Fur Mil da CART 2519)
Postal de aniversário da autoria do Miguel Pessoa dedicado ao Mário Pinto, que veio acompanhado de um sério aviso à navegação (não é à aérea, é à bloguista claro): “Mas não se habituem mal, que eu só vou fazendo isto para uns tantos que vou contactando - para os restantes não tenho suficiente conhecimento pessoal, nem sapiência, nem paciência...”. Por isso Camaradas, quem quiser um “paparico” destes no seu aniversário já sabe o que tem que fazer, ok!
O seu primeiro contacto está registado no poste P4673, datado de 12JUL2009, onde o Pinto deixou o seguinte comentário:
Caro José Teixeira,
Tenho seguido com atenção as tuas recordações da Guine.
Também estive em Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, em 1969/71.
Pertenci á CART 2519 - Os morcegos de Mampatá, por isso vivo com intensidade as tuas recordações.
Já agora se estiveres interessado em saber algo mais sobre a minha companhia, vai ao Blogue: http://www.cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com/
Um abraço,
Mário Pinto
2. O Mário tem sido um dos nossos Camaradas mais interventivos no blogue, tendo-me já por diversas vezes dirigido mensagens a demonstrar o seu espanto com o grau de agressividade e intolerância demonstrado por alguns dos críticos habituais.
Outro motivo controverso que o tem admirado é a exaltação e os inúmeros elogios dirigidos a determinados tipos de textos e de redacção escrita (não que eles não sejam merecidos… mas), em detrimento dos restantes, o que na sua opinião apenas afasta aqueles que pensando não atingir tal nível se auto-excluem de nos enviar qualquer palavra e consequentemente qualquer imagem que possuam dos nossos tempos da Guiné.
Que cada um tire as suas ilações!
3. Mas hoje é para se falar de festa e alegria pois não é todos os dias que festeja mais um aniversário e, independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, dirigir-te os melhores PARABÉNS.
Mais acrescentamos que o nosso maior desejo, neste dia, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.
Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.
Com manga de abraços fraternos... manga deles mesmo!
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, amigo do Pepito, do Zé Neto, do Mário Dias e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota
O António Estácio, agora membro do Clube dos SEXAS... Casado, 63 anos, pai de duas filhas.
Fotos: © António Estácio (2010). Direitos reservados
António Júlio Emerenciano Estácio:
(iv) de 1964 a 67 estudou, em Coimbra, na ex-Escola Nacional de Agricultura, onde tirou o Curso de Regente Agrícola, posto que estagiou no extinto Instituto de Algodão de Angola (IAA).
(vi) em 28.09.1972 chegou a Macau, a fim de desempenhar funções técnicas na, então, Brigada da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (M.E.A.U.); neste território, conviveu com o Mário Dias e com o José Neto, de quem ficou grande amigo.
(vii) de 28 Setembro de 1972 a 2 Dezembro de 1998 viveu em Macau, onde exerceu vários cargos e funções, como:
- Técnico e Técnico Chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau (SFAM);
- Membro da Comissão de Educação da União Internacional para a Conservação da Natureza;
Em 03.07.1997 aposentou-se da, então, Câmara Municipal das Ilhas (Macau).
- Foi Vogal da Direcção da Casa de Macau (2003-2005);
- Sócio da Sociedade de Geografia, sendo e Secretário da sua Comissão de Heráldica;
(ix) tem participado na Semana Cultural da China e no Fórum Internacional de Sinologia.
Foi agraciado, em 1995, pelo Governador de Macau, com a Medalha de Mérito Profissional ;
(xi) É autor, co-autor e coordenador de diversas publicações, na sua maioria de carácter técnico e referentes a Macau tendo apresentado comunicações, artigos, folhetos, brochuras e sido res-ponsável pela edição de Boletins Informativos da Casa de Macau, da respectiva Folha In-formativa não periódica “Qui Nova?!...” que criou e, bem assim, responsável pela edição do Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS).
Trabalhos publicados > É autor de vários folhetos, brochuras e das seguintes publicações:
Publicações de índole técnica:
- Flora da Ilha da Taipa, Monografia e Carta Temática (M. E. Cartográficos) 1978;
- Arborização de Macau. Intervenção de Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro (1883-1885) (S.F.A.M.) 1985;
- Guia do Parque de Seac Pai Van (C. M. das Ilhas - Macau) 1995;
- Evolução das Zonas Verdes das Ilhas (C. M. das Ilhas -Macau) 1999 (Em colaboração com o Eng.º Técnico Agrário Carlos Daniel de Carvalho Batalha);
- As Árvores no Brasões Municipais – Ed. da C. M. de Freixo de Espada à Cinta 2001;
- Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense (Portugal) 2002 – Ed. do autor.
Publicações de índole não técnica:
- Em Memória de Sá Nogueira (S.F.A.M.) 1984;
- Passadas – Ed. do autor (Macau) 1992;
- Na Roda de Amigos – Ed. do autor (Macau) 1973;
- Histórias Vividas e Contadas – Ed. “Livros do Oriente” (Macau) 1997.
- Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor (Portugal) 2010
Coordenador as seguintes publicações técnicas:
- Árvores de Macau, Vol. I, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1997;
- Árvores de Macau, Vol. II, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1999.
Foi editor do:
- Boletim do Rotary Club Amagao (Macau);
- Boletim da Casa de Macau (Lisboa) (2004-2006);
É editor do:
- Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS).
Algueirão, aos 19 de Maio de 2010
António Júlio Emerenciano Estácio
Morada - Av. Prof. Bento de Jesus Caraça n.º 59
2725 – 032 Algueirão – Mem Martins
Telefone - 21-9229058 / Tm 96-2696155
E-mail - citassi@yahoo.com.br
Por exemplo, em 21 de Novembro de 2005, o Pepito mandou-me, em anexo, "um quadro que um amigo meu português, António Estácio, me ajudou a fazer, listando todas as companhias que passaram por Guiledje, onde estão os nomes de algumas pessoas que nos têm disponibilizado documentos (fotografias, memórias e informações) [, uma lista ainda] muito limitada, a necessitar de identificar mais pessoas interessadas em colaborar e a precisar algumas das datas em dúvida".
Conheci-o, há dias, pessoalmente na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Guineense, Comando, Português"... E hoje, de manhã, estive a falar com ele ao telefone. É um apaixonado pela sua terra. E é dotado de um finíssimo humor. É uma pessoa encantadora. Convidei-o a (e ele aceitou em) fazer parte do nosso blogue. Fiz questão de sublinhar que não é apenas um blogue de camaradas que fizeram a guerra colonial na Guiné (1963/74) mas um espaço de diálogo entre todos aqueles que são naturais da Guiné ou são estudiosos da história e da cultura da Guiné, e nomeadamente que se interessam pela historiografia da presença portuguesa. E sobretudo daqueles que amam a Guiné e o seu povo.
O António tem em curso a elaboração de um outro livro sobre a sua terra, neste caso sobrte outra Mulher Grande (Nha Bijagó, de seu nome Leopoldina Ferreira Crato). E prometeu contar-nos histórias sobre o seu país de origem, que por certo nos irão prender a atenção (como, por exemplo, o nascimento de Catió ou o desenvolvimento da cultura do arroz no sul da Guiné, graças a um chinês de Macau, desterrado no princípio do Séc. XX, por "dívidas de jogo").
Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I
1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 17 de Maio de 2010:
Meu caros camarigos
Mais um para a série
DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM
20 ANOS DEPOIS (3)
SEM TÍTULO 1
Em que luz me banhei
Que tanto brilho deu
Aos meus olhos.
Em que ar puro voei
Que abriu tanto
O meu sorriso.
Em que água me lavei
Que cresceu tanto
O meu abraço.
Em que rio mergulhei
Que soa mais limpo
O meu riso.
Porque é agora tão fácil
Definir a letra
O traço.
Porque é agora tão simples
Caminhar calmo e em paz
Tão prenhe de liberdade
E de um tanto se me faz.
Porque regressou a vontade
De andar sempre em frente
Sem nunca olhar para trás
Sem nunca olhar para a gente
Que vive a gritar saudade
Cheia de amargura e tristeza
Sem nunca ter sentido
Que a saudade é um momento
Que merece ser vivido
Na mais pura das alegrias
Como quem voa c’o vento
Nas asas só da verdade
Por entre jardins de flores
Que renascem todos os dias.
Porque regressou o sorriso
Que faz brilhar o olhar
Que cura todas as dores
E que é um nunca acabar de rir
Sem poder conter o riso.
Onde estão as luzes e vozes
Que vinham não sei de onde
Para me incomodar o sono
E encher os pesadelos.
Que é feito desse fantasma
Que só a mim aparecia
Envolto sempre em novelos
De nuvens cinza douradas
Correndo num céu de chumbo
Uma corrida sem fim.
Onde está essa prisão
De barras grossas e frias
De sonhos nunca acabados
De desejos aprisionados
Em forma de coração.
Eu digo-te se não contares
A ninguém ou coisa nenhuma.
Esqueci-os nos meus cantares
Peguei em todos à uma
E fazendo no céu um furo
Apaguei-lhes os esgares
E rindo de satisfação
Enterrei-os no futuro.
91.11.06
Um abraço do
Joaquim
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6362: Convívios (151): Tabanca do Centro, dia 26 de Maio de 2010, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida
Guiné 63/74 - P6430: Contraponto (Alberto Branquinho) (9): Eutanásia?
Caro Carlos Vinhal
Agora que o Papa já regressou e portanto, não há o risco de referir um tema que, também, pode causar "rupturas" no tecido social português, junto vai o texto do CONTRAPONTO (9), que intitulei "EUTANÀSIA ?".
Um abraço e, como sempre se despede o meu Tio que por aí reside, SAÚDE e SORTE.
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (9)
EUTANÁSIA?
Foi no fim da época das chuvas.
O pelotão foi destacado para fazer “psico” em chão balanta, percorrendo duas ou três tabancas próximas da sede do Batalhão, acompanhando os enfermeiros – um furriel e dois cabos.
O pessoal estava instalado discretamente nas entradas da aldeia, acompanhado pelos respectivos furriéis e outros postados em posições de segurança (não fosse surgir alguma surpresa). O alferes circulava por entre as moranças acompanhado de um cabo e de um soldado. Seguiam de perto as movimentações dos enfermeiros.
Chegou-se um homem já idoso, solícito e nervoso, perguntando por “aquele qui na manda”. O alferes perguntou-lhe. “Q’é qui bô misste?"
O homem começou a arengar um palavreado nervoso e confuso, misturando crioulo talvez com balanta, sempre de olhos no chão.
O alferes só entendeu que falava da “mãe” e de “dor”. Passado algum tempo olhou o alferes com uns olhos tímidos e brilhantes e, fazendo repetidas vénias, apontou numa direcção e disse: “Bô bem… bem”. E começou a andar devagar, olhando para o alferes, que fez sinal ao soldado para o seguir e ao cabo para continuar a acompanhar os enfermeiros.
O homem colocou-se ao lado do alferes e dizia repetidas vezes: “Dói perna… dói… dói braço, dói… dói…” e batia com a palma da mão direita na perna direita, na perna esquerda, no outro braço, no pescoço, nos ombros, nas costas e terminava dizendo com expressão triste: “Cá pude… cá pude muri...”.
Chegaram junto de uma palhota isolada. O homem empurrou a porta e entrou. Fez o gesto convidando o alferes a entrar. Este disse para o soldado:
- Fica aqui. Só entras se eu chamar.
- Ó meu alferes, bocê bai lá p’ra dentro?
- Aguenta aí.
Quando entrou ouviu uns gemidos agudos e contínuos, mas nada conseguia ver na penumbra interior. O ambiente estava quente, abafado, húmido. Num repente os gemidos passaram a uns guinchos agudos, penetrantes. Viu, então, que o homem estava debruçado sobre um catre muito baixo, atrás da porta e que nele estava deitada uma velhota de idade muito avançada, que, ao mesmo tempo que emitia aqueles guinchos, tentava levantar os braços para ele. O soldado chegou à soleira:
- Ó meu alferes, que merda é essa?
- Nada. Vai lá para fora.
O alferes pôs a arma em bandoleira, aproximou-se, fixou a mulher, tentando ver melhor. Notou, então que, por baixo da cama, estavam espalhadas brasas ainda bem incandescentes. O homem postou-se entre o alferes e a mulher, que não parava de guinchar e, curvado e choroso, repetia, repetia: ”Dói… dói… dói… dói…”, ao mesmo tempo que, com a mão indicava os pés, os joelhos, braços, cotovelos, ombros e as costas. “Cá pude… cá pude…”.
O alferes chamou o soldado e disse-lhe para chamar o furriel enfermeiro.
- Mim parti mèzinha cum bô. Mèzinha bêm lá.”.
O homem calou-se, agarrou um braço da velhota e falou-lhe ao ouvido. A velhota parou de guinchar, embora soltasse gemidos baixos.
O alferes foi à porta esperar o furriel enfermeiro. Quando chegou explicou-lhe o que se passava. Entraram ambos. O alferes ficou afastado a observar o braseiro debaixo da cama, que se estendia da cabeça ate aos pés. O enfermeiro falou com o homem, tentando fazer-se entender e entregou-lhe uma pequena caixa.
Saíram ambos, entre muitos agradecimentos e vénias do homem.
- Que é que você lhe deu?
- Comprimidos LM. Que é que havia de ser?
O alferes pensou: “Aspirina? Reumatismo ou coisa assim… Pode ser que resulte.”
Nesse mesmo dia, quando contava ao médico o sucedido, alguém interrompeu: “Você sabe que os balantas praticam a eutanásia ?”
Não respondeu e ficou a pensar na conversa do homem e na atitude (desesperada?) da velhota.
Desejou voltar à aldeia e perguntar pelo filho e pela mãe, mas não teve oportunidade, porque, mais uma vez, a Companhia foi transferida para outra zona de intervenção.
Alberto Branquinho
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6187: Contraponto (Alberto Branquinho) (8): Desertores? - A tertúlia anda pouca activa, porquê?
Guiné 63/74 - P6429: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (21): As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu
NOTAS SOLTAS DA CART 643 (21)
As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu
Estávamos em 1964, BISSORÃ tinha na altura duas Companhias operacionais, a CART 643, a "residente" e a CART 730. As operações eram em catadupa, operações em áreas complicadas, como ao célebre Morés e casas de mato circundantes, uma espécie de flôr, Morés a coroa e as pétalas as casas de mato envolventes, tudo muito complicado. Para oeste a dificil casa de mato denominada Biambi, lá para os lados de Bula e Binar, diga-se de passagem com um chefe guerrilheiro de muito respeito, todo o cuidado era pouco, quando havia necessidade de o enfrentar.
O pessoal "maçarico" não podia ser lançado para aquelas zonas sem ser acompanhado de pessoal experiente.
Lembro-me de um 2.º Sargento do QP, açoriano, não querendo receber conselhos dos "velhos", dizendo que tinha vindo de Angola, para ele aquilo era "canja", mas ficou em grandes dificuldades numa emboscada, que durou muito tempo, foi em seu socorro um Pelotão da Cart 643, para os tirar daquela embrulhada.
Os feitos destas Companhias eram deveras considerados pelas chefias militares, tenho ideia de uma operação, salvo erro em Cambaju, em que as NT capturaram uma quantidade apreciável de material de guerra, houve grande ronco no regresso a Bissorã, tendo o ComChefe Gen. Arnaldo Shultz enviado uma mensagem, que pela importância operacional daquele dia, queria a todo o custo, dar um abraço às Cart 643 e 730, e que apareceria a qualquer momento.
Os Capitães, sabendo da visita, ordenaram que todos se apresentassem devidamente ataviados, porque o nosso General iria chegar dentro em pouco.
Eram talvez 14 horas, todos a olhar para o céu, para ver quando despontava o héli. O tempo corria, 15,00 h., 16,00 h., até que o sol começa a desaparecer no horizonte. Houve a chamada desilusão generalizada, todos se interrogavam, esta malta não nos liga nenhuma, aplicando-se o velho slogan "a retaguarda está firme que nem uma rocha" e era verdade.
Nesta altura que tanto se fala da actuação do Gen Spinola, quando ComChefe do CTIG, tenho a certeza, que pelo que contam, não fazia uma acção deste género.
Havia uma grande distância entre os militares do mato, os operacionais, e alguns da cidade de Bissau. A própria PM perseguia por assim dizer, aqueles pobres militares, que às vezes se excediam, quando apanhavam 2 ou 3 dias de folga, como prémio pela sua actuação em combate, portanto não era de admirar a não comparência do ComChefe no mato, ter de se expôr a algum perigo no vôo, a retaguarda era quase sempre assim.
E para terminar, posso contar mais uma cena, esta comigo.
Em Outubro de 1965, mais precisamente a 27, fui ferido, sendo evacuado para o HM241. O meu ferimento, fractura exposta do femur esquerdo e outras complicações, não podia ser tratado ali, como era uma recuperação que demoraria mais de 6o dias, tinha que ser evacuado, o mais rápidamente possível.
Começou a haver complicações, como infecções constantes, de que resultou uma ostaíte crónica de que continuo a padecer.
Não havia lugar no avião militar para Lisboa, sabendo eu que nesses aviões, além dos feridos a embarcar, também seguiam militares de férias, prémios Governador, esposas de oficiais superiores e até acompanhantes, para ajudarem nas suas compras em Lisboa.
Eu sentia-me cada vez pior no meu estado geral de saúde. No dia 16 de Novembro, fui visitado pelo meu Comandante Cor.Braancamp Sobral, para saber do meu estado. Nesse momento perdi a cabeça, disse-lhe o que pensava dos chamados SENHORES DA GUERRA. Sem me dizer nada saiu. Passadas cerca de duas horas, segui para o bloco do hospital, fui engessado e na manhã
do dia seguinte, 17 de Novembro, embarquei para o HMP, onde estive internado 7 meses, 2 nas urgências e o restante no anexo, mais vulgarmente conhecido pelo TEXAS.
Como nota final, tenho a certeza que se fosse evecuado de imediato, talvez não ficasse marcado para sempre.
Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
CART 643 - Águias Negras
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda
Guine 63/74 - P6428: Estórias cabralianas (60): O manifesto do nosso alfero (Jorge Cabral)
"Esta carta (aberta), dirigida à minha pessoa, honra-me e sensibiliza-me. Prendem-me, ao Jorge, laços de amizade e de cumplicidade. Orgulha-me tê-lo cá, nesta tertúlia, entre amigos e camaradas. Obrigado, Jorge, pela tua (corrosiva) lucidez e sobretudo pela tua (generosa) abertura de espírito à aventura humana e à descoberta do outro bem como pelo teu arreigado anti-etnocentrismo. Poupa-me as palavras. Por mim, disseste tudo"...
Eu, que gostaria de ver publicadas este ano, em livro, as Estórias Cabralianas, e estou indigitado como prefaciador-mor das ditas, acho que este naco de prosa (ou de poesia, como queiram) tem de ser recuperado, lido, divulgado, debatido e se possível inserido na mesma publicação como posfácio. É um texto descomplexado, de um homem a corpo inteiro, sem alibis nem subterfúgios, onde muitos de nós reconhecem... Foi revisto por mim, nesta data, recuperei-lhe o ritmo discursivo. É dirigido, através de mim, às centenas de camaradas que nos lêem, e que em Fevereiro de 2006 ainda eram umas escassas de dezenas. É um texto que eu gostaria de ter conseguido escrever. Vou chamar-lhe simplesmente "O Manifesto do Nosso Alfero". Que o Jorge me perdoe a ousadia, os atropelos e os abusos.
Caro Luís,
nunca será demais enaltecer o teu blogue,
o qual nos tem permitido, principalmente recordar.
Como tu dizes,
fui um tropa desalinhado,
marginal
e quase sempre provocador,
características que mantive ao longo da vida.
Sempre procurei realçar os aspectos ridículos das pessoas e situações,
gozando e criticando,
às vezes com um humor demasiado ácido…
Sobre a Guerra Colonial na Guiné,
sei que lá estive,
e procurei ver.
Não sinto nem orgulho, nem vergonha.
Não fui herói, nem cobarde,
limitei-me a garantir a minha sobrevivência,
bem como a dos que comigo se encontravam.
Tratava-se obviamente de uma guerra absurda
e previsível,
logo evitável,
para a qual nos mandavam mal preparados,
num estado de absoluta ignorância
sobre o país, sua gente e cultura
(contei-te daquele soldado periquito,
que apresentado em Missirá,
me pediu para ir ver o jogo do Sporting
que dava na televisão naquela noite,
na Tasca da Muda,
ali mesmo à esquina…).
Se alguma qualidade intelectual possuo
é a curiosidade,
que me leva a tentar compreender tudo e todos,
ciente que as diferentes formas de estar e ser
são legítimas e sempre explicáveis.
Assim, na Guiné,
quer em Fá, quer em Missirá,
procurei entender,
e através de longas conversas com Homens e Mulheres Grandes
aprendi alguma coisa.
Dessa forma me inteirei da excisão
(a qual depois presenciei)
e do infanticídio ritual,
dois temas de que, há mais de vinte anos,
falo nas minhas aulas.
Percebi que uma Guiné idílica e pacífica,
de negros portuguesismos,
nunca existira…
Todo o território ao longo dos séculos
foi palco de imensas guerras,
sangrentas repressões
e alguns desastres das nossas tropas.
Perante o meu espanto,
indicaram-me em Fá,
o local onde no tempo, dos avós, dos avós deles,
havia sido aprisionado o Governador,
que teve de pagar resgate aos beafadas (#).
E em Missirá levaram-me a conhecer o campo
onde as forças portuguesas e seus ajudantes
estiveram longo tempo entrincheirados,
preparando a conquista de Madina/Belel,
na luta contra o grande guerreiro Unfali Soncó,
no princípio do século XX (##).
Foram também os velhos que me falaram de Abdul Injai,
régulo do Cuor e do Oio,
companheiro de Teixeira Pinto,
herói tão amado quanto odiado,
caído em desgraça no fim da vida,
e degredado para Cabo Verde.
Chegado a Lisboa,
e desde então tenho tentado estudar,
convicto que é impossível compreender a guerra colonial
e o que se seguiu,
sem reflectir na história do país
e nas múltiplas acções de resistência armada contra os Portugueses.
Claro que o PAIGC,
ao iniciar a Luta Armada,
pretendeu aglutinar todas essas resistências sectoriais,
num projecto global de Libertação,
que simultaneamente edificasse o Estado Nação.
Pelo menos a Libertação foi conseguida…
Tendo estado sempre com tropa africana e milícias,
não fiquei indiferente ao que aconteceu aos meus soldados,
uns obrigados a fugir
e outros fuzilados.
Alguns ainda hoje lutam por uma pensão,
e há poucos anos,
tive de confirmar, por escrito,
que um servira no exército português.
Discutir agora quem foi o responsável pelos fuzilamentos,
se foi o Nino ou o Luís Cabral,
parece-me supérfulo.
A responsabilidade cabe por inteiro aos Portugueses,
que não souberam garantir a segurança dos militares africanos.
Procederam como os seus antepassados,
pois o destino dos aliados dos portugueses
foi sempre o mesmo.
Abandonados à sua sorte,
vitimas das represálias dos vencedores…
Ás autoridades negociadoras competia proteger
todos os que lutaram integrados no Exercito Português
e mesmo assegurar, aos que quisessem,
a nacionalidade portuguesa.
Isso sim, teria sido uma atitude revolucionária.
Foram conservadores.
Contradições características
de uma descolonização tardia e apressada…
Desculpa a seriedade deste arrazoado,
mas considero importante contribuir
para a destruição de certos mitos e equívocos,
naturalmente persistentes numa ex-potência colonial.
Um grande abraço
Jorge
(#) Ocorreu em 1861 no âmbito de uma “campanha” contra os Beafadas de Badora, os quais prenderam o Major Correia Pinto, encarregado da Administração da Província na ausência do Governador. Também nessa altura foram hasteadas bandeiras britânicas, em Bambadinca, Fá e Ganjara.
(##) Tratou-se de uma das mais importantes "operações" ocorridas antes da Guerra Colonial. Os efectivos das NT eram para a época impressionantes. Estando 50 marinheiros destacados em Bambadinca, a coluna comandada pelo Governador Muzanty, compreendia:
- 7 oficais do estado maior,
- uma companhia da marinha (4 oficiais e 132 marinheiros),
- uma companhia de infantaria metropolitana (5 oficiais e 251 sargentos e soldados),
- uma companhia mista de infantaria (3 oficiais e 101 atiradores),
- uma bateria de artilharia (3 oficiais e 69 sargentos e soldados),
- mais sete oficiais (médicos veterinários e de intendência),
- a que é preciso acrescentar o “exército” de Abdul Injai (2 oficiais, 2 chefes e 100 cavaleiros) e
- ainda a nona companhia indígena de Moçambique.
Pois toda esta tropa atravessou o rio frente a Bambadinca, tendo conquistado todas as tabancas, até junto de Missirá, onde em Carenquecunda acampou, cavando trincheiras, e preparando a conquista de Madina, que veio a ser tomada em 9 de Abril de 1908, tendo tido papel determinante Abdul Injai e os seus 100 cavaleiros.
Também eu entrei em Madina em 1971, sem cavaleiros, mas à custa de um decisivo apoio aéreo.
P.S. – O desastre do Cheche, tem um antecedente histórico, ocorrido em 30 de Dezembro de 1878 na Ponta de Bolor, entre os Felupes. Porém deste, em que morreram mais de 50 militares, conhecem-se os que pela sua incompetência, foram responsáveis: o Governador António José Cabral Vieira e o Tenente Calisto ~
dos Santos.
_____________
Nota de L.G.:
Guiné 63/74 - P6427: Notas de leitura (108): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Afinal eu não sou a voz que clama no deserto e fica sem resposta.
Já aqui tenho o livro do Rui de Azevedo Teixeira “A Guerra Colonial e o Romance Português”.
O José Brás prometeu-me enviar um livro do madeirense António Loja. Esteve cá o António Estácio e deixou-me a “Nha Carlota”.
E já li 100 páginas do “Rumo a Fulacunda” do Rui Alexandrino Ferreira.
Aproveito para voltar a pedir ajuda de todos sobre os livros que foram publicados nos anos 90.
Li cheio de comoção este livro do Manel Mesquita. Não venham agora dizer que os soldados não escrevem livros.
Um abraço do
Mário
O soldado que guardou toda a vida Nhala no coração
por Beja Santos
O que surpreende no belíssimo relato do Manel Mesquita é o acordo que ele, mesmo antes de chegar ao teatro de guerra, estabeleceu com a vida, a sua pauta de heroísmo é o convívio sadio, a solicitude permanente, a não resignação, o profundo respeito pela condição humana.
Vamos por partes, o Manel volta de férias, uma LDM larga-o no areal de Buba. Trouxe comida para todos. Foi procurar o Carinhas para se juntar ao banquete, encontrou-o a cantar o fado. Segue-se uma rajada de tiros, são rajadas de costureirinhas e roquetadas. É uma grande flagelação, há gritos, a noite transformou-se momentaneamente em dia. Depois, o silêncio. Descobre-se que há um morto, era o faxina conhecido pelo Foda-se, tem vários buracos na frente do corpo. O grupo atacante chegara a abrir o portão para entrar em Nhala. Logo que descoberto, atacou à morteirada, morreram civis e também o chefe da milícia, o sargento Marcelino. Alguém recorda que durante as emboscadas e as flagelações na estrada nova de Uane os guerrilheiros gritavam que um dia iriam entrar e arrasar Nhala. O Manel aproveita para falar com Deus, pede-Lhe que não o abandone, não os abandone. Segue-se o enterramento dos civis:
“Estava a tomar o pequeno-almoço quando recebo ordens do furriel para tratarmos dos cadáveres. Três colegas vão abrir as covas ali fora dos arames, por coincidência onde horas antes estiveram os inimigos a atacar-nos. A mim calha-me fazer guarda de honra ao militar da milícia. Vou vestir-me com farda completa e limpa. Os defuntos civis são embrulhados em lençóis brancos e lavados, e assim baixam à terra. Dois colegas cobrem com pés e arrasam o terreno. Reparei que todos guardámos respeito e dignidade ao acto.
Por fim trazem o corpo do sargento numa maca embrulhado num lençol, mas coberto com a bandeira nacional. Morreu em combate. Tudo fez para defender Nhala... É uma cerimónia digna, mas arrepiante. Qualquer combatente ou caído ao serviço da Pátria merece-a”.
Segue-se uma operação ao Saltinho. Descobrem duas canoas. A força fica de atalaia, há um soldado africano que conta ao Manel que naquele local, poucos anos antes, se tinha voltado uma jangada com cerca de vinte soldados que foram abocanhados pelos crocodilos. O inimigo não apareceu, melhor o inimigo foi em enxame de abelhas que provocou inúmero sofrimento.
Aldeia e as colunas a seguir
Para Buba com a malta
Sujeitos a ir para não vir
Com aquilo que nos faz falta.
São emboscadas e minas,
Bolanhas e covazinhas
Viaturas rebocadas.
Deitaram-nos isto à sorte
De procurarmos a morte
Nestas tão reles estradas
Refrão:
Viaturas velhas mesmo a cair
E, mesmo assim, a malta tem que seguir
São tristes chaços, em procissão
Andam mecânicos com as chaves de mão em mão.
Há muito mais a dizer sobre estes personagens que marcaram o Manel. Fiquemos com o Mário de Fontelas, seu conterrâneo, que apareceu em Aldeia Formosa. Já tinha cumprido 21 meses em rendição individual na CCaç 2478. A companhia embarcou, o Mário ficou no cais a ver os companheiros. O Mário foi colocado no segundo pelotão da CCaç 2614.
O leitor irá apreciar o João Vasques, o Fugitivo, o Bráulio. Não deixará de se comover com o sonho do Manel na sua última semana de comissão, já em Aldeia Formosa. A povoação já não era quartel, tudo se transformara: as casernas em escolas, infantários e cresces; a cozinha e o refeitório eram locais onde se preparavam refeições as refeições para as criança e jovens; o posto de socorros era agora um centro de saúde; os morteiros eram agora charruas e arados; e os campos de batalha estavam todos transformados em arrozais.
Manel nunca mais esqueceu Nhala, os abrigos que construiu, as aulas que deu, as lições de camaradagem. É impensável que alguém possa ficar indiferente a este depoimento tão singelo. Convido-vos a telefonar ao Manel (22 762 07 36 / 96 35 25 912) mais não seja para ter acesso a este livrinho maravilhoso, verdadeiro, corajoso. O Manel é um homem de fé e transmite-a. A pretexto de uma guerra de onde ele regressou há cerca de 40 anos.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6419: Notas de leitura (107): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6426: Convívios (241): 3º Encontro da Companhia de Caçadores 1589, 15 de Maio de 2010 (Armandino Alves)
1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 17 de Maio, sobre a confraternização anual da sua Companhia que a seguir publicamos:
Realizou-se no passado dia 15 de Maio, o 3º Convívio da Companhia de Caçadores 1589, que contou pela 1º vez com a presença do seu Comandante, hoje Coronel Reformado do QP, Henrique Victor Guimarães Perez Brandão, o qual nos muito nos honrou com a sua presença.
Informou-nos o mesmo que não lhe foi possível comparecer às 2 anteriores festas devido aos deveres inerentes do seu cargo e à sua sobrecarregada agenda para os dias em que elas se realizaram.
Cada ano vai comparecendo mais malta e as respectivas famílias, o que nos vai dando alento para continuarmos a fomentar estes eventos.
O nosso Comandante fez um discurso deveras comovente, notando-se que este convívio e a maneira efusiva com que todos o receberam, caiu bem fundo no seu coração.
No seu discurso referiu-se a uma entrevista que deu ao Joaquim Furtado, que esteve a ouvi-lo durante 2 horas e que, posteriormente, só passou no ecrã 10 minutos da gravação (a parte que lhe convinha), descontextualizando-a completamente.
A finalizar realçou o nosso espírito de grupo e entreajuda, realçando o sentir do dever cumprido.
Alf Mil Daniel Velêda (esq.) Coronel Henrique Brandão (centro) e Alf Mil Leitão (dir.)
O meu reencontro com o comandante passados 42 anos
Um Abraço,
Armandino Alves (Dr. Jivago)
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
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16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6400: Convívios (155): 4º Encontro da CCAÇ 3477 “Os Gringos de Guileje”, Águeda, 8 de Maio de 2010 (Herlander Simões / Amaro Samúdio)
terça-feira, 18 de maio de 2010
Guiné 63/74 - P6425: (Ex)citações (73): A tropa e a criançada nas belíssimas crónicas do Cherno Baldé (Alberto Branquinho)
Este texto (e outros já aqui publicados) é uma beleza. Neste a análise do meio social nativo - a avó, as velhotas, as mulheres mais novas e até os homens e as suas análises sobre a "abundância" verificada no aquartelamento e a injustiça de Alá na distribiução, são facetas de uma realidade que nós (os militares) não conseguimos aperceber-nos.
Por outro lado, as relações da criançada com o ambiente militar e com cada um dos militares são, aqui, mais uma vez abordadas com mestria... e do lado e do ponto de vista da criançada.
Cherno, se me leres, queria fazer-te um desafio, que é, afinal, um pedido. É sobre um aspecto que já tentei escrever. É isto: de que modo a presença da tropa, o convívio com a tropa, o conseguimento de uma certa auto-suficiência por parte dos garotos na frequência dos aquartelamentos (alimentação, algum vestuário, etc) pôs em causa a sociedade guineense (autoridade familiar, poder patriarcal,etc.).
Se o que quer que escrevesses fosse ilustrado com duas ou três histórias, seria óptimo.
Um abraço e fico agradecido,
Alberto Branquinho (*)
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Nota de L.G.:
(*) Último poste desta série > 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6408: (Ex)citações (57): A dolce vita de Bambadinca: Os lagostins do Zé Maria, pescados pelo barqueiro do Enxalé em "zona vermelha"... (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P6424: E as Nossas Palmas Vão Para... (4): O Município de Vila Nova de Famalicão no Dia Internacional dos Museus, a que se associaram dez museus, públicos e privados, incluindo o Museu da Guerra Colonial
13-05-2009
Dez espaços museológicos públicos e privados do concelho de Vila Nova de Famalicão uniram-se para celebrar o Dia Internacional dos Museus, que se assinala no próximo dia 18 de Maio, sob o lema “Museus e Turismo”.
“É o programa de comemorações do Dia Internacional dos Museus mais diversificado de sempre e também aquele que regista a maior participação dos museus de Famalicão”, conforme salientou o presidente da Câmara Municipal de Famalicão, Armindo Costa, na apresentação do programa.
As comemorações, que arrancam já no próximo sábado, dia 16, e decorrem até dia 30, incluem diversas iniciativas como visitas guiadas aos espaços em roteiros de autocarro (serviço gratuito assegurado pelo município), peças de teatro, workshops, recitais de poesia, oficinas de escrita criativa e ateliês para crianças, entre outras.
Neste âmbito, segundo o autarca, hoje, Famalicão afirma-se no panorama cultural nacional através do trabalho desenvolvido na Casa-Museu de Camilo, que foi eleito “Melhor Museu Português”, em 2006, mas também através das actividades promovidas no Museu Bernardino Machado, dedicado ao antigo Presidente da República, no Museu do Surrealismo, no Museu da Indústria Têxtil e no Museu dos Caminhos-de-Ferro, entre outros.
“Estamos a falar de espaços de memória viva.” “Espaços que fazem de Famalicão uma terra das artes e da cultura” referiu o edil, salientando o “trabalho realizado pela Câmara Municipal, mas também a capacidade de iniciativa dos agentes culturais locais, de que os responsáveis pelos museus particulares são um bom exemplo”. (...)
2. Museu Guerra Colonial > Delegação local da ADFA
A história deste museu remonta ao ano lectivo de 1989/90, quando três dezenas de alunos, oriundos de várias freguesias dos concelhos de Vila Nova de Famalicão, Barcelos e Braga, participaram no projecto pedagógico-didáctico "Guerra Colonial, uma história por contar".
Em 1992, iniciou-se um trabalho de colaboração com a Delegação da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) de Vila Nova de Famalicão.Foram efectuados novos estudos regionais com base nos arquivos e membros desta organização. Foi ampliada a exposição com a integração de nova documentação e materiais. A exposição integrou diversos eventos culturais e percorreu várias localidades.
"O Museu rege-se pela recolha, preservação e divulgação de fontes e estudos, reformulação técnica da exposição permanente, constituição de um centro documental e o alargamento de novos estudos na região".
Localização:
Ingresso: Entrada Livre
E-mail: info@adfa-famalicao.rcts.pt
Sítio: Delegação local da ADFA
Guiné 63/74 – P6423: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (21): Zumbidos em noite de Verão
ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 21
ZUMBIDOS em NOITE de VERÃO
O clarão, o som, a força bruta a atirá-lo de encontro ao fundo da vala.
Cabeça à roda, ouvidos a estalarem, olhos a nada verem, só, só aquela mancha de cor forte, entre o amarelo dourado e o esverdeado.
Tudo à volta roda. Sente que o puxam e deixa-se arrastar. Não sabe o que sente. Não sabe nada do que aconteceu. Parece que tudo desabou.
Molham-lhe a cabeça e a água escorre pelo tronco nu, vai activando o cérebro e aos poucos sente que regressa.
Regresso de onde? Quer falar e nenhum som sai ou se saírem, talvez, sejam sons de confusão.
Tocam-lhe e sente. Está confuso, nada ouve, nada vê. Tem vontade de ir para o fundo, vontade de descer.
Quanto tempo se passou, segundos, minutos? Quantos?
Lentamente, aos poucos, começa a passar as mãos pelos olhos, pela boca, pelos ouvidos. Tenta levantar-se e ajudam-no. O calor de uma chama qualquer vem até ele, só que não vê. Metem-lhe um cigarro na boca e suga-o sofregamente.
Aos poucos sente um ruído, um zumbido diferente, um som que não consegue definir. Sente somente que os pensamentos voltam lentamente e a confusão se vai. Os zumbidos vão-se transformando e o pensamento voltando.
Começa a saber onde se encontra, a sentir o que o rodeia, a tocar objectos e a virem sons mais perceptíveis. A mancha que lhe turva a visão continua, mais suave, mas ainda lá está.
- Apanharam-me. Lixaram-me, espera, espera um pouco mais.
Sente aos pés o morteiro sessenta e uma caixa de granadas. Agarra-os e sai.
Apanharam-me sacanas… e sai uma e outra e mais outra granada… começa a ter noção do espaço, da situação. Do abrigo o guarda-costas grita, chama-lhe doido e, dizem-lhe depois, nomes piores. Ouve som que não consegue definir e de repente vê a chama da saída da granada pela boca do morteiro.
Vê. Vê e talvez tenha sorrido. Rebola para a vala e o abrigo dos dilagramas e dos sessenta. O morteiro está a ferver. As mãos estão queimadas e agora sente o ferrete da dor no peito. Que importa se já vai vendo, difuso, enevoado mas vê e começa a ouvir, a sentir as palavras do Serra e ali ficam naquele buraco a dar resposta ao inimigo que veio sem ser convidado. Veio para arrasar tudo. Quantas horas já se passaram? Não sabe e isso que interessa.
Amanhece e ainda se digladiam.
Entra no abrigo grande e tudo está bem. Parece que por ali passou um ciclone.
- Os cabrões não partem porque querem levar os mortos e feridos.
As munições começam a escassear, as dores e o cansaço a vir. Parece que tudo, na parte dele, da parte dos militares a que pertence está bem.
Vieram caçar-nos e foram caçados.
Aos poucos tudo começa a acalmar, lentamente os tiros soam espaçadamente e as armas pesadas já não se ouvem.
Estendem-lhe uns calções e tapa a nudez. Os abrigos comunicam entre eles e tudo está bem. Felizmente e da tabanca vêm sons igualmente animadores.
Tenta calçar as botas mas tem os pés lixados e sai de chinelos.
Apontam-lhe o buraco da morteirada junto à vala. Encolhe os ombros e sobe-lhe a raiva pelo que lhe aconteceu.
Voltam a chamá-lo. Vai um pouco mais à frente, junto da segunda fiada de arame, está enorme poça de sangue, metade de um cinturão e uma Ceska num coldre. Vêem-se sinais de arrastarem o corpo do dono dos despojos. Graduado de certeza, melhor ainda. Levanta os braços ao alto e ri, ri alarvemente em hino à morte ou à falta de sorte e lança ao ar palavras de ofensa. Tempos loucos.
Doem-lhe os ouvidos, os pés, as mãos. Dói-lhe tudo e ainda ri, riso alarve.
Que noite de merda, diz e afasta-se….
Ainda a sente. Basta com ele falarem.
Mansambo, 28 de Junho de 1968
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6410: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (9): O saco do Zé Paz D'Almas
Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6381: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (20): Choro na noite
Guiné 63/74 – P6422: Memórias de outros tempos (5): O Básico que queria fazer um ronco (Jorge Teixeira / Portojo)
Caros amigos e camaradas.
Primeiro, um abraço para vocês.
Segundo, se der para post, siga e anda.
Não é preciso aprovação prévia.
Jorge Teixeira
MEMÓRIAS DE OUTROS TEMPOS
5 - Especialidades militares
Ao ler a mensagem do Alcides - Post 6394 - lembrei-me de uma Especialidade, que não o era: a de Básico. Que me lembre encontrei em Catió 2 rapazes com essa não Especialidade. Que afinal era a que todos queríamos, porque assim não iríamos dar com os costados em África. Dizia-se. Mas puro engano.
Quando regressei a Catió depois das férias no HM 241 de Bissau em 4 de Dezembro de 1969, após os 5 dias de convalescença obrigatório por lei, foi-me dado um mini Pelotão, digamos com 2 Secções de 10 homens cada, formados por rapazes da CCS do BART 2865, das mais diversas Especialidades, que, com excepção de um deles, atirador de metralhadora ligeira, (não sei onde foi desencantado, mas era bom mesmo com aquela coisa), os outros eram Padeiros e de outras Especialidades das quais já não me lembro minimamente, com excepção da de Básico. Durante os 9 ou 10 meses de comissão que já levavam, nunca tinham saído do Quartel, a não ser para ir jogar à bola, beber uma cerveja no Libanês ou ao Taras-Buba, ou ir partir catota lá numa tabanca. A nossa missão era (para além de outras brincadeiras) o patrulhamento e segurança nocturnas mais ou menos junto às populações. Esse serviço era feito diariamente, melhor, nocturnamente, normalmente entre as 5 da tarde e as 5 da madrugada. Cada dita Secção saía dia sim dia não, eu saía dois dias e descansava um.
Quer dizer, não saía, mas estava de segurança. Quando flagelados, teria que ir reforçar um dos "postos" exteriores, com a Secção que estava em descanso. Mas para o caso não interessa nada e voltemos ao tema das Especialidades.
Ora um Básico, em princípio era um faz tudo. Colher para toda a obra. Até atirador.
Um dos rapazes "básico" era de estatura pequenina e nunca tinha dado um tiro. Ficou feliz da vida quando lhe disseram que iria fazer parte de um Grupo de Combate. A primeira coisa que me disse foi: quero fazer um ronco. E comigo. E logo eu, que a primeira coisa que fiz com esse grupo, foi ensinar-lhes a correr muito e o caminho para "casa" a partir dos vários locais exteriores a Catió.
Certo dia tivemos uma flagelação e em grande, cerca das 2 horas da manhã. Toca a levantar, ir para o ponto de encontro e sair com o pessoal que estivesse pronto para reforçar o exterior que nesse dia era logo a seguir a Catió Fula.
Lembro-me dos pormenores dessa noite/madrugada. Estava luar, e arranquei com o pessoal, cheio de cagaço, muito encostado e o mais metido possível para dentro do arvoredo junto à picada. Fui olhando para trás e de repente vejo um pequeno vulto quási encostado a mim. Quando distingui quem era, vi o Básico, todo contente com a G3 ao ombro. Diz-me ele: Furriel é hoje o ronco, vamos a eles.
Além dele, trazia mais de 25 às costas e tremi todo pensando como iria aguentar e esconder aquela gente toda. Os homens do meu Pelotão oficial, que nunca me largavam nessas ocasiões, sabia que estavam atrás de mim e que orientavam a coisa, mas os outros não faço a mínima ideia quem eram nem a quem pertenciam: Se à CCS, se à Companhia de intervenção, se ao Pelotão de Morteiros. Sei que parte deles, que também não pertenciam ao mini-pelotão da CCS, foram arrastados pelo Básico.
A rapaziada começou a dizer que ouvia barulhos. Sem transmissões e mesmo sem ordem do comando - em Catió só se fazia fogo à ordem - autorizei a dar uns tiritos com o canhão. Não adiantava nada, porque as nossas granadas eram incendiárias e já com o prazo de validade expirado há manga de chuvas. Mas pelo menos se andasse por ali alguém sempre assustava. E parece que andou mesmo, pois segundo me disseram no outro dia, havia rastos de sangue. E a rapaziada ficou contente. Manga di ronco, pessoal.
Conclusão: O meu Básico, homem cheio de coragem, levava mesmo a G3 que embora com carregador, não tinha munições. Os camaradas preveniam-se contra os heróis...
Portanto a guerra também se fez com os incógnitos Básicos. E o meu Básico andou feliz da vida a contar a aventura por muito tempo. E lá teve direito à cervejinha da ordem para comemorar aquela noite de ronco.
Notem: Básico não é pejorativo. Muito menos para este rapaz que não tinha nome. Quer dizer, ter tinha, mas era o Básico e pronto, todos sabíamos quem era. A alcunha já lhe vinha desde a "Especialidade".
Um abraço
Jorge (Portojo)
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6250: O 6º aniversário do nosso blogue (30): Eu, a Tabanca Grande e o 25 de Abril (Jorge Portojo)