domingo, 6 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6545: O Nosso Livro de Visitas (90): Notícias do Lobo Mau, ex-Alf Mil Pil R. (BA 12, Bissalanca, Dez 1970/ Nov 1972)



Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Heli.evacuação na região do Xime > 9 de Fevereiro de 1970 > Op Boga Destemida, envolvendo forças da CCA>Ç 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63 > Helievacuação de feridos, entre os quais o 1º Cabo Galvão, do 3º Gr Comb, e o Sold Samba Camará, do 2º Gr Comnb, da CCAÇ 12 (*)

Foto: © Arlindo T. Roda  (2010). Direitos reservados.


O Lobo Mau… Lembram-se dele ? Ele diz que sim, que há muita malta das companhias do mato que se lembram dele… E têm bons e maus motivos para isso… Era piloto, alferes miliciano, do Heli Al III, mas também andava com a DO 27. Evacuações Ypsilon, apoio de fogo, helicanhão, transporte do Cardeal (o Spínola, de quem me conta algumas histórias, bem humoradas), transporte de víveres… Os pilotos do T6 e do Fiat G-91 não tinham a mesma relação com a malta do exército… Era uma relação mais distante,  por força da missão de cada aeronave...  A dele era mais próxima. A dele e dos demais pilotos de heli e DO.  Não é uma crítica, é apenas uma constatação.

Conhece a Guiné vista do ar, de pernas para o ar, de ponta a ponta, não há aeródromo ou heliporto onde não tenha aterrado, de Bambadinca a Canquelifá, de Guileje a Guidaje… Fez muitas missões com a Giselda ("uma grande senhora!!"), a Rosinha e tantas outras camaradas enfermeiras pára-quedistas, de quem guarda as melhores recordações… Lembra-se da infortunada Cristina... Trabalhou com os páras. Bateu recordes:  na véspera do ano novo de 1971, num só dia levou o Cardeal a três dezenas de buracos no mato…

O Velho gostava de viajar com o Alferes Piloto R., gostava do seu profissionalismo, da sua atenção para com os detalhes, da sua preocupação com a segurança…   Ainda estivemos na Guiné três meses, eu e ele, entre Dezembro de 1970 e Março de 1971 (altura em que regressei a casa). Mas nunca estivemos juntos, em Bissau, em Bissalanca ou em Bambadinca.

O R. esteve na BA 12, em Bissalanca, até Novembro de 1972… Apanhou lá o comandante Brito, que haveria de morrer abatido por um Strela... Era um homem que sabia como poucos dar o elogio ou a repreensão na hora certa, no local certo.  Esteve lá também com dois tenentes da Academia, o Marques e o Matos (este, membro da nossa Tabanca Grande).

Desta, da guerra,  gosta de recordar as coisas boas, positivas, e só essas,  tanto da FAP como da sua comissão na Guiné.  Por pudor e sigilo, não falámos com detalhe dessas missões... Visita, com regularidade o nosso blogue (que elogia) mas não gosta de se meter em polémicas (é o que menos aprecia no blogue)… Diz-me, com a autoridade de quem sabe e viu muita coisa, que ainda agora a missa vai no adro… Há muitos documentos que ainda estão classificados. Visita sites americanos onde é mais fácil, do que em Portugal, saber coisas sobre a guerra colonial em África…

Ele já não estava lá na altura dos Strela mas lança-me um repto, a mim, editor do blogue, e aos camaradas da Força Aérea desse tempo: ainda se sabe muito pouco ou nada do ambiente, vivido na BA 12 entre os os pilotos (e mecânicos), nesse período crítico em que as nossas aeronaves estiveram no chão…

Tudo isto, é o que sobra da conversa, pessoal (e possível), que tive com ele, o meu amigo R.  De tempos a tempos encontramo-nos, por mero acaso. O  R.  vive em Lisboa, fez entretanto o curso de direito.

Quanto a responder positivamente ao meu reiterado convite para integrar a nossa Tabanca Grande, o R. é  muito cauteloso… Diz-me que ainda “não está preparado” (sic)… Quis fazer-lhe um pequeno vídeo com uma saudação dele aos camaradas da FAP que estão nosso blogue, mas ele recusou apesar da nossa amizade. Tem inúmeros slides da Guiné, andava sempre com a sua Pentax… Mas ainda nem sequer os mandou converter para DVD… Pode ser que um dia eu tenha acesso a uma boa selecção das suas “chapas”…

De facto, ainda não foi desta que o consegui demover. Nem muito menos que ele aceitasse o convite para aparecer no nosso V Encontro Nacional, a 26 de Junho, em Monte Real.  Mesmo assim, conseguiu sacar-lhe o endereço de e-mail (que também não vou divulgar).  Prometi mandar-lhe o estudo do Cor Art Morais da Silva, que ele conheceu, salvo erro em Gadamael, e por quem nutre admiração, pela sua "craveira intelectual".

Contou-me histórias que, naturalmente, não estou a autorizar a reproduzir aqui neste curto apontamento. Não resisto, porém, a contar a que ele, R., lembrou  há tempos ao Tomé, que foi capitão no Olossato, no tempo do Paulo Salgado (também membro do nosso blogue)… O então capitão Tomé costumava mandar um criado de libré com bandeja, um copo com a pedrinha de gelo, a água de Perrier, e a garrafa de uísque parta o piloto que chegava com o heli ou com a DO.
- O correio era o que havia de mais sagrado para a malta do Exército que estava no mato… O Tomé era um gentleman.

O R. também se lembra bem do Drácula, o Alf Mil Médico António Vilar, que passou por Mansabá, Olossato e Bambadinca... Notável a sua memória. Oxalá queira ele um dia "abrir o livro", juntando-se aos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras"  (**)... L.G.

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)


(**) Respeito a vontade do meu amigo em não querer identificar-se. Como ele insiste em  dizer-mo, "por enquanto prefere o silêncio"... Espero que ele que perdoe, em nome da nossa amizade, a minha ousadia em publicar esta nota sumária da nossa conversa (privada)...

Guiné 63/74 – P6544: Histórias de José Marques Ferreira (17): História do estandarte da CCAÇ 462




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1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 22 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:



História do estandarte da CCAÇ 462

Camaradas,

Quando em 14 de Julho de 1963 tive de embarcar para a Guiné, num navio de carga conhecido pelo nome de «SOFALA», ao qual já aqui me referi há uns tempos atrás, não existia nos militares, salvo uma ou outra excepção, como por exemplo, a Marinha, os Comandos, a Força Aérea, etc., já estava determinado superiormente, usarem-se distintivos, guiões e coisas semelhantes que lhe emprestassem identidade e particularidade.
É claro que as Unidades Mobilizadoras onde se organizavam as Companhias, entregavam ao respectivo comandante, antes de sair do quartel, em cerimónia própria, o estandarte que não era mais que uma cópia do estandarte utilizado, oficializado e adoptado por essa Unidade Mobilizadora.
No caso que quero mostrar e contar, deixo aqui uma amostra do estandarte da Unidade Mobilizadora. Mas quanto a crachás ou outras insígnias, para serem usadas pelos seus elementos, não era lá muito habitual existirem, principalmente no Exército.
Já depois de estar na Guiné, passou-me pela cabeça propor a quem de direito mandar confeccionar tais distintivos. Mas como? Eu não tinha jeito para desenho, não tinha mais nada que não fosse o estandarte que regressou depois com a Companhia.
E foi baseado nestes pressupostos que dei a ideia a um camarada de armas, que tinha um dom para o desenho e para a caricatura fora do comum, e foi com base nessa ideia que saiu o distintivo, que está aqui exposto.
Seria uma falta indesculpável que não se identificasse o autor desse desenho, o 1º Cabo 408/63 (identificação numérica usada ao tempo, completamente diferente da que se passou a usar - o número mecanográfico). Nunca mais tive contactos com o José de Sousa Piloto, nem sei onde reside, nem nada mais acerca dele.
O desenho foi enviado para Lisboa, para uma casa da especialidade e passados uns tempos lá apareceu a encomenda com os crachás ou distintivos, que diferenciavam a Companhia de Caçadores 462 das demais, durante todo o tempo que nos faltava para o regresso e que era ainda bastante para atingir os 24 meses!

Creio que, se não foi a primeira, terá sido uma das primeiras Companhias do Exército a usar, na Guiné, estes distintivos, em plástico, que eram presos por molas no vestuário do braço esquerdo, mas apenas com a farda número um, ou seja, a farda “domingueira”... pelo menos o calção (ou calça) e camisa, ambas do velho caqui amarelo.
Mais tarde já era vulgar o seu uso em todos os militares estes distintivos, que lhe davam a sua particularidade, evidência e até a identificação.
Reminiscências de 1963, que ainda guardo por cá.
Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P6543: Ser solidário (76): O projecto de sementes e água potável para a Guiné-Bissau já arrancou na tabanca de Amindará (José Teixeira)

Sementes e Água Potável para a Guiné - Bissau

Campanha para abrir dez poços de água e construir 10 fontanários em tabancas no interior da Guiné - Bissau*


O nosso projecto de SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU já arrancou na Tabanca de AMINDARÁ em plena Mata do Cantanhez, a terrível mata que nos tempos da Guerra Colonial, foi o centro de muitas lutas, muita dor, muitas lágrimas e muito sangue derramado em ambas as frentes de combate.

Do Pepito da nossa parceira AD - Acção para o Desenvolvimento da Guiné-Bissau acabamos de receber o e-mail que segue:

Caro Amigo Zé Teixeira
Noticias da nossa iniciativa conjunta na tabanca de Amindara (instalação de um poço), que já pôs a população em alvoroço e numa alegria indescritível:

1. Despesas já efectuadas (ver facturas em anexo):
» bomba solar (já comprada): 600 euros
» painel solar e cabos: 623,29 euros (408.850 CFA)

2. Fotos: seguem algumas em anexo da tabanca de Amindara
1: rua principal; 2- casa do chefe da tabanca; 3-aspecto da tabanca; 4-mulher responsável pela futura associação de horticultoras; 5-6- crianças que passarão a beber e a lavar-se com água de excelente qualidade; 7-provável local onde se irá construir o poço.

3. Acções em curso:
» reunião com a população local para a gestão do poço: ficou decidido que a água serviria para a alimentação, higiene e rega dos campos de legumes das mulheres durante a época seca.
» identificado o poceiro que irá começar a construir o poço na segunda quinzena deste mês de Junho.
» prevê-se que o poço dure 15 dias a ser construído com anilhas de cimento para ser durável.

abraço
pepito

Pelo seu teor podemos adivinhar, quanto acertada foi a nossa opção – Da Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné – Bissau ONG ao fazer esta parceria com o Pepito da AD, profundamente conhecedor da realidade da Guiné-Bissau e com uma visão bem dimensionada das necessidades do seu povo. Apostado no crescimento deste através da mobilização local das forças vivas, o Pepito é o garante de que o nosso dinheiro vai ser bem aplicado em prol do bem-estar social das populações onde vamos intervir.

De realçar a forma como a AD dinamiza as populações para assumirem a gestão do projecto. Reúne e organiza a população para que esta se torne senhora dos seu destino, co-responsabilizando as pessoas e dando-lhe tarefas.

Note-se que esta forma de intervenção está profundamente dependente da boa vontade dos ex-combatentes da Guiné, familiares amigos e leitores dos blogues que se associaram em comparticipar com uma pequena oferta em dinheiro.

Ouso, continuar a pedir que cada um comparticipe apenas com 20.00 €.
Ainda não conseguimos o total dinheiro para pagar a construção deste fontanário. Separam-nos algumas centenas de Euros e... ainda falta o dinheiro para comprar as SEMENTES.
Estou confiante que rapidamente vamos atingir esta meta e iniciar a seguinte; um fontanário para a Tabanca que se segue.

A melhor forma de agradecermos ao Pepito todo o seu empenhamento pela causa do bem-estar do povo da Guiné, é contribuir com mais e mais.

Eu sei que é cómodo e fácil, enviar para lá, roupas. As roupas de que já nos cansamos. Até nos fazem o favor de esvaziar os armários.
Que simpáticas são as pessoas/ONGs que nos batem à porta!

Os armazéns das diversas ONGs no terreno enchem-se rapidamente, nem que seja roupa de inverno, que na Guiné não tem qualquer utilidade.
Roupa, muita dela em bom estado, senão nova.
Mas, quantas vezes, velha e coçada, que temos vergonha de deitar no caixote do lixo. (ainda há dias enchi um grande saco) Roupa com cheiro a mofo e… a suor do corpo que a usou.

Também sei quanto importante é para os guineenses, como para os sem abrigo das nossas cidades, a roupa que lhe levamos, mas muito mais importante é criar condições para que eles, os guineenses, possam desenvolver as actividades que vão proporcionar, saúde, bem-estar social e cultura.

Crianças que passarão a beber e a lavar-se com água de excelente qualidade

Como sabem também apostamos na saúde, nomeadamente das crianças da clínica de Bor.

Admiro e enalteço a acção das ONGs que apostaram nesta área, com medicamentos, apetrechamentos de hospitais e clínicas privadas dirigidas por missionárias, ambulâncias, etc. Outras, ou em simultâneo, apostaram na cultura, nos livros, nos jardins-de-infância e escolas.
Tudo isto é muito útil e fundamental, mas a falta de água é terrível. Não esqueçamos que a diarreia e febres intestinais continuam a ser a segunda causa de morte na Guiné-Bissau, na sua maioria crianças com menos de cinco anos.
Vamos acabar de consolidar este projecto e partir para o seguinte.

Zé Teixeira**
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6342: Ser solidário (69): Sementes e água potável para o Cantanhez - Faltam-nos 500€ para o primeiro poço, em Amindará (José Teixeira

(**)Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6439: Ser solidário (70): Novas formas de colonialismo (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6524: Ser solidário (75): Hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus (Braima Djaura)

Vd. poste da Tabanca de Matosinhos de 3 de Junho de 2010 > P441 - Sementes e Água Potável para a Guiné - Bissau

Guiné 63/74 - P6542: Notas de leitura (118): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2010, com mais uma das suas recensões:


Um pouco da história do Leste da Guiné, 1965 - 1967

por Beja Santos

Quando peguei no livro “Uma Campanha na Guiné, 1965/67, história de uma guerra, relatos e memórias dos intervenientes”, por Manuel Domingues, edição de autor, em 2003, pertença da biblioteca da Associação 25 de Abril, julguei que ia ler mais um relato convencional de uma história de batalhão, feita à medida de relatos lisonjeiros, tão ao agrado de quem quer consultar memórias com o menor índice de perturbação. Equivoquei-me. Manuel Domingues, um dos oficiais do BCaç 1856, redigiu um dos mais conscienciosos documentos que até hoje me foi dado ler, não descura os dados convencionais, não ilude ou procura adoçar considerações do seu próprio punho, desce ao rigor de nos dar diferentes caracterizações tanto da actividade do inimigo, da região do Gabu e do evoluir da guerra com tal impressividade que seguramente os historiadores da guerra colonial encontrarão aqui filão para investigações mais detalhadas. E é igualmente de leitura absorvente o conjunto de memórias de guerra que Manuel Domingues recolheu junto de diferentes protagonistas, e que constituem a segunda parte do volume.

O autor afoitou-se a esta empreitada no intuito de deixar um testemunho às novas gerações sobre o esforço do que foi a intervenção daqueles militares que assistiram à degradação do esforço de guerra, à crescente capacidade ofensiva do PAIGC, designadamente na região do Boé, ressalvando as vivências de quem lá combateu e recordando os 12 camaradas que pagaram com a vida o cumprimento da missão na Guiné.

Formado na Amadora, o BCaç 1856 deslocou-se em Junho de 1965 para a Guarda onde realizou a instrução de aperfeiçoamento operacional. Teve uma formação acidentada esta fase constitutiva, com várias e importantes ausências, a improvisação impôs-se, houve falhas importantes de material e equipamento (penso que é uma história que qualquer um de nós podia contar) e lá embarcaram no final de Julho no Niassa, foram recolher mais elementos ao Funchal e instalaram-se em Brá em 6 de Agosto. Acabaram por render o BCav 490 no Leste, ficaram à ordem do Comando-chefe, as três companhias receberam treino operacional até marcharem para o sector L3, com a sede no Gabu.

Surpreende os cuidados de Manuel Domingues na apresentação de detalhes, a minúcia como caracteriza o contexto guineense e o teatro de operações do Leste. Uma das companhias seguiu para Madina do Boé, com um destacamento em Béli, outra foi para Bajocunda, com destacamento em Copá e a outra para Buruntuma com destacamento em Ponte Caiúm. Manuel Domingues refere o caso de Madina do Boé em que o local escolhido fora o menos indicado para estacionar uma unidade militar: situado a uma distância relativamente longa do Gabu, isolado na época das chuvas, em que só podia ser abastecido por via aérea. Todas as operações de reabastecimento eram um esforço desmedido com elevado desgaste do pessoal e da inutilização de material. E observa: “Merece referência o estrangulamento constituído pela travessia do rio Corubal no Che Che, no itinerário Nova Lamego-Boé, que é assegurada por uma jangada rudimentar, apenas com capacidade para duas viaturas fazendo com que a travessia do rio, numa operação de reabastecimento, possa demorar um dia, denunciando os intentos ao inimigo, que se movimenta facilmente na margem sul”. Medina do Boé e Béli eram o caso mais crítico de abastecimentos, não dispunham de condições locais de armazenamento e conservação. Já nessa altura os guerrilheiros se deslocavam com grande facilidade no Boé, armadilhando e minando os itinerários, não existiam populações fora dos destacamentos militares. O BCaç 1856 respondia por 13 estacionamentos, uns fronteiriços (Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Cabuca, Madina do Boé e Béli), outros com interesse para a manutenção da segurança dos itinerários (caso de Piche, Ponte Caiúm, Canjadude e Che Che), impulsionava actividade operacional, assistência sanitárias às populações, dando-lhes apoio na defesa e transporte das colheitas, acções de patrulhamento, nomadizações, etc. Segundo Manuel Domingues, neste período o inimigo reforçou a sua presença na região, inclusivamente mudou de tácticas, como escreve: “Ao reforço do apoio aéreo por parte das nossas tropas, respondeu o inimigo com a alteração do horário dos ataques que passou a efectuar fundamentalmente ao fim da tarde ou durante a madrugada, períodos em que a aviação não podia actuar, passando a usar metralhadoras anti-aéreas e, já em 1967, foguetões. Notou-se uma melhoria da eficiência de utilização do morteiro 82, com tiro ajustado sobre os alvos pretendidos, nomeadamente instalações eléctricas, depósitos de combustíveis e viaturas, completando esta acção demolidora com canhões sem recuo. Verificou-se um quase total despovoamento do Boé, cujas populações se refugiaram em Nova Lamego e a restante nos países vizinhos”. O PAIGC pretendia apresentar à comunidade internacional uma “zona libertada”. O BCaç 1856 passou o testemunho em 14 de Abril de 1967.

Manuel Domingues conta as peripécias da sua incorporação, os seus estudos e as duas viagens subsequentes que fez à Guiné, em 1969 e 1981. Nesta última viagem assistimos a uma completa degradação das forças armadas, sobrevivendo graças a expedientes e corrupção. Depois publica um interessante “diário de um combatente”, de autor desconhecido. Começa em 21 de Abril de 1965 e vai até 27 de Janeiro de 1967. Retêm-se aqui algumas transcrições:

14/09/65 – Operação Ligação. Primeiro contacto com o inimigo. Um grupo de cubatas abandonadas recentemente pela aproximação dos soldados foi cuidadosamente inspeccionado. Inesperadamente todos iniciam uma louca correria. É o inimigo? Não, apenas algumas abelhas, os pequenos monstros alados, num zumbido aterrador atacam as vítimas apavoradas. Começa o fogo. Os projécteis ao sair do cano das armas provocam um estremecimento embriagador. O cheiro a pólvora altera os espíritos.

28/09/65 – Os corpos frios e encharcados; os pés martirizados; os olhos cansados... Calor, moscas e mosquitos, procuram penetrar nos olhos, boca e ouvidos. Do solo escaldante elevam-se nuvens de vapor de água. Os pés penetram no fundo fofo e lamacento das bolanhas. As bolhas produzidas pelas botas de borracha, fazem contorcer num rito doloroso o fácies dos eternos caminhantes. Uma grande extensão de terreno cultivado é indício da presença de seres humanos. Monta-se a segurança... duas cubatas ocultas pelo terreno... risos e conversas... os olhos brilhantes... o peito a arfar da excitação; passos felinos; corpos curvados.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de5 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6537: Notas de leitura (117): Álvaro Cunhal Sete Fôlegos do Combatente, de Carlos Brito e, Ombro Arma!, de José Manuel Mendes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6541: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (II Parte)










































O Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva é professor do ensino superior universitário, foi docente da Academia Militar, do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo especialista em Investigação Operacional.  Também passou pelo TO da Guiné como oficial do QP. 

O Morais da Silva teve a gentileza de nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp.,  sobre  a  "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Queremos agora que chegue a um público mais vasto, através do nosso blogue (*).

  A existência de um elevado número de gráficos e quadros obrigou-nos a digitalizar todo o relatório que está a ser publicado, no nosso blogue, sob a forma de imagens, em três ou quatro partes. O nosso camarada Jorge Canhão (ex-Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa,  1972/74) encarregou-se dessa diligente tarefa. Não é demais agradecer-lhe  o empenho e a competência com que levou a cabo a digitalização do documento.


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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior da série: 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6507: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (I Parte)

Guiné 63/74 - P6540: Parabéns a você (118): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM, Guiné, 1972/74 (Editores)

1. Hoje, 6 de Junho de 2010, é um domingo especial para o nosso camarada Belarmino Sardinha. Neste dia de descanso tem mais tempo para comemorar o seu niversário, coincidente com a sua entrada no grupo mais importante da nossa Tabanca, o dos SEXA. Parabéns a duplicar camarigo.

Caro Belarmino, como a tertúlia está de serviço permanente, estamos, no dealbar desta madrugada a desejar-te um feliz dia de aniversário junto de tua esposa e filha, outros familiares e amigos.

Esta data vai ser comemorada ainda por por muitos e bons anos, é a forte convicção dos teus amigos e camaradas desta Tabanca, onde em boa hora entraste.

Faz bem as contas e verás que percorreste pouco mais de metade da vida que te está destinada. Aproveita-a bem, gozando o prazer da família, do amor, da amizade, da boa mesa e de tudo o que te proporcione bem estar.

Por falar em mesa, deixo aqui um postal que já deves ter recebido, de autoria do par mais famoso do mundo (nem era preciso dizer o nome, mas para os mais distraídos aqui fica), Giselda e Miguel, feito especialmente para o teu aniversário.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o Manuel Reis está a ser um verdadeiro amigo do nosso aniversariante, porque se por um lado está a deliciar-se com o bolo do seu aniversário, por outro, ao comer a parte do Belarmino, está contribuir para o não aumento do açucar no sangue, colesterol e outras maleitas próprias dos sexagenários.


2. Belarmino, outro camarada quis fazer-te uma pequena surpresa, dedicando umas palavras, que não se podem classificar como simpáticas ou de ocasião, porque são sentidas, verdadeiras e vêm do Vasco, do nosso Vasco da Gama.


Camarada da Guiné, Companheiro do “Grupo do Cadaval”, Amigo Belarmino

Soube há pouco que ficavas mais velho, hoje dia 6 do mês de S. João e dei conta de uma pequena nota do nosso querido editor Carlos Vinhal a informar os interessados de que poderiam escrever umas linhas aos aniversariantes mais “chegados.”

Eis-me a cumprir tal desígnio, não porque “parabéns com parabéns se pagam”, mas sim porque sinto ser meu dever expressar publicamente o respeito e a amizade que te dedico.

Estivemos, melhor, ter–nos-íamos cruzado em Aldeia Formosa nos finais do já longínquo 1972, era então a minha CCav 8351, um conjunto de periquitos a fazer o treino operacional, aprendendo, ora com a CCaç 18, ora com os velhinhos da "99" do Batalhão a que tu pertencerias na altura.

Depois, o espaço temporal foi preenchido pelo vazio, até que o nosso Blog, a nossa querida Tabanca Grande, nos juntou. Juntou e ainda bem.

Formámos, a partir de uns primeiros encontros incipientes um grupo coeso de amigos que teve como primeira missão “impossível” a publicação da História de Portugal em Sextilhas, do nosso camarada Manuel Maia, tendo-se seguido outras iniciativas que não vêm agora ao caso.

A primeira reunião alargada foi em tua casa…

O tempo passa rápido Belarmino.

Temos muitas outras coisas a realizar e eu conto contigo. Conto com um amigo dedicado, sério, cumpridor e solidário.

Embora militando do outro lado da segunda circular, agradeço-te a tua amizade e desejo-te um dia bem passado com muita saúde junto da tua filha e da tua mulher Antonieta.

Conta sempre comigo, Belarmino, como eu contarei contigo.

Um abraço sincero de amizade ao menino Belarmino
Vasco Augusto Rodrigues da Gama

Grupo do Cadaval, no sentido dos ponteiros do relógio: José Manuel Dinis, Belarmino Sardinha, Vasco da Gama, Jorge Rosales, Hélder Sousa e José Brás.


Nesta foto podemos ver o casal Antonieta e Belarmino aquando da sua presença na Tabanca de Matosinhos, em Dezembro de 2009, no lançamento da História de Portugal em Sextilhas do nosso camarada Manuel Maia.


3. Embora, mesmo no fecho do jornal, o nosso JERO não quis deixar de saudar o nosso camarada Belarmino.

Caros Editores
Em cima da hora e à boa maneira portuguesa aqui estou a enviar a minha mensagem de parabéns para o nosso amigo Belarmino Sardinha, que vai cumprir mais um aniversário daqui a poucas horas.

Conheci o Belarmino em Alcobaça na versão dos “Doces Conventuais” de 2009.

Foi uma visita muito agradável e depois disso várias vezes tive oportunidade de estreitar relações com o homem do Cadaval. Aprecio particularmente no Belarmino o seu bom senso. O Belarmino não fala à toa e tem ideias bem arrumadas na sua cabeça, que demonstra aliás nos seus comentários que, com frequência faz no nosso blog.

Estivemos envolvidos num “simulacro” de organização do V Encontro Nacional da nossa Tabanca e, novamente, encontrei no Belarmino um “sócio” leal, com experiência de vida, carregado de siso e prudência.

Por tudo isto – e o que não digo está nas entrelinhas - o Belarmino Sardinha é um camarada que muito estimo e aprecio e quem desejo as maiores felicidades.

Muitos parabéns e um grande abraço de Alcobaça,
JERO

Em tempo: - Um agradecimento especial por ter tido a paciência de fazer a recensão do meu livro ”Golpes de Mão's” a pedido do nosso Comandante Luís Graça.
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(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4467: Parabéns a você (8): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo do STM (Editores)

Vd. poste do marcador Belarmino Sardinha

Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6503: Parabéns a você (117): Mário, para ti, neste dia, aqui vai uma doce lembrança da tua menina, da tua Glorinha (Os Editores)

sábado, 5 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6539: Convívios (247): Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382, 01 de Maio de 2010 em Mira Daire (Arménio Estorninho)


1. O nosso Camarada Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), enviou-nos, com data de 3 de Junho de 2010, a seguinte mensagem:


Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382 em 01 de Maio de 2010
Camaradas, como sempre cordiais saudações tabanquenhas.

A C.Caç. 2381 “Os Maiorais de Empada,” que desde 1990 (e anualmente) têm vindo a efectuar convívios, por conseguinte no passado dia 01 de Maio, em conjugação com a C.Caç.2382 “Os Picas” e com estes efectuou o seu segundo encontro de confraternização, sendo em almoço no Restaurante Rosa, sito em Grutas de Santo António - Mira Daire. Desta feita, a organização pertenceu aos camaradas da C.Caç.2382.

Recomenda-se a quem por lá passar e/ou para eventos. Pelo que me foi dado a observar trata-se de um Restaurante-Bar, com amplas salas, de modelares instalações e com o apoio de uma graciosa esplanada ajardinada. Quanto aos empregados apresentavam-se com vestuário adequado a cada serviço, eram solícitos de forma simpática e com um bom serviço de mesa.
Parte 1 - Quando da chegada e recepção no Largo do Terreiro das Grutas de Santo António, dei uma saudação aos da C.Caç 2382 que ali já se encontravam e os abraços com palmadas aos da C.Caç. 2381, dos que me vêm à memória são o Tertuliano ex - Fur. Mil. José Manuel Samouco e o Sold. Nuno Santos “O Peniche” (que apoiava-se em duas canadianas, esperamos as suas melhoras e a recuperação), quase simultaneamente chegou o Sold. Trms. Nelson Tomé e por conseguinte seguiu-se a chegada de outros.
Os mais próximos agrupavam-se e iam confraternizando, falando dos mais diversos assuntos de ocasião e tiravam-se algumas fotos para recordar.

Foto 1> Mira Daire> Terreiro das Grutas de Santo António> 01/Maio/2010 > Grupo da C.Caç.2381, da esq. os ex-Furriéis. Mil. José Manuel Silva, António Lemos e António Esteves, o Sold. António Lagrante, o Tertuliano ex-1º Cabo Enf. Zé Teixeira, o Sold. Atir. do mort. 60mm, João Canadas Ribeiro e o ex-1º Cabo Enf. Jorge Catarino.

Foto 2> Mira Daire> Terreiro das Grutas de Santo António> 01/Maio/2010 > Grupo de Camaradas da C.Caç. 2382 e Familiares, não conseguindo motivá-los para o interesse da fotografia.
Quando eram cerca das 12.15 horas, foram dadas indicações para o pessoal deslocar-se para o Restaurante Rosa, que se localiza em zona contígua e na base comum da encosta.
Ali chegados na esplanada ajardinada, antecedendo ao almoço fomos ofertados com um beberete e em franco convívio dos camaradas, familiares e amigos.

Foto 3> Mira Daire> Grutas de Santo António> Esplanada do Rest. Rosa> 01/Maio/10 > Grupo da C.Caç.2381, da esq. e de frente o Sold. Carvalho de Azevedo “O Condeixa”, a esposa do Sold. José da Silva, um Sold. que não relacione com o nome, o Sold. Arlindo dos Santos, o ex-1º Cabo José Runa, o Sold. Dário da Silva e o Sold. José da Silva.
Segue-se o convidar a entrar para a Sala do Restaurante, para o tão desejado almoço porque as barriguinhas já pediam mais. Na acomodação procuraram-se agrupar os de relacionamento mais próximo, o que dava lugar para mais dois e tudo se resolvera na melhor.

Os principais promotores destes eventos o ex-Fur. Mil. Manuel Traquina e o ex-1ºCabo Enf. Zé Teixeira, fizeram uma pequena resenha respectivamente de cada companhia, de que estivemos juntos em Buba, Nhala, Mampatá, Chamarra e Aldeia Formosa, trilhando comummente as mesmas picadas, bolanhas, na abertura da estrada de Nhala e na protecção a colunas - auto de reabastecimento entre essas localidades. Enfrentamos as mesmas dificuldades e com os perigos inerentes de cada situação. Saudaram os presentes, comentando os ausentes e dos que já nos deixaram em sua memória fora feito um minuto de silêncio.


Foto 4> Mira Daire> Grutas de Santo António> Restaurante Rosa> 01/Maio/2010 > Em plena cavaqueira, da esq. o ex-1º Cabo José Runa, o Sold. Arlindo dos Santos “O Turra,”seguindo-se o seu cunhado Artur, sortudo que não foi à guerra e por fim sou eu.
Para desanuviar fora visualizado um filme sobre a C.Caç 2381, em que muitos militares apareceram (onde me inclui) e também enviaram mensagens de Natal em 1968, ao tempo estávamos em Aldeia Formosa - Guiné. Tendo em conta o tempo distante deste facto, esta oportunidade deve-se ao trabalho e persistência, do Genro do nosso Camarada e Tertuliano o Sold. Cond. Auto, Raul Brás.


Foto 5> Mira Daire> Grutas de Santo António> Restaurante Rosa> 01/Maio/2010 > Da esq. o Tertuliano Sold. Cond. Auto Raul Brás e o Sold. João Canadas Ribeiro.
Sendo habitual entre nós de trocarmos ofertas, desta vez foram fotografias e laranjas algarvias, tendo recebido lembranças, presunto e enchidos da marca “Eusébio” propriedade do Industrial, camarada e amigo ex-1º Cabo Enf. Jorge Catarino.

Como é da tradição ao aproximar-se o final, foi repartido o bolo comemorativo do evento entre a C.Caç.2381 “Os Maiorais e da C.Caç. 2382 “Os Picas”.

Por parte da C.Caç. 2381, notaram-se várias ausências de Camaradas entre os quais as do Coronel Jacinto Aidos e do ex - Capitão Mil. Grd. Eduardo Moutinho, que foram respectivamente Comandantes da Companhia.
Quanto aos presentes pela primeira vez presenciei, o ex - Furriel Hernâni Ferreira, o ex – Furriel António Esteves e o Soldado do Depósito de Géneros, João Pinheiro.

Terminado o repasto e “muitos estavam alegrotes porque não conduziam,” procederam-se às tradicionais despedidas e com um até pró ano.

Parte 2 - Conquanto após ponderar, decidi narrar a minha “estória sobre a odisseia” para chegar a um almoço no Restaurante Rosa, em Grutas de Santo António, bem como o que deixara transparecer por vários camaradas da insuficiência de detalhes e de incorrecções, sobre o itinerário e sua localização. Também ajuntando-se a uma deficiente sinalização pública de placas para o caso e que os organizadores poderiam melhorar

O Mário Mata executara uma canção, em que na letra exprime a sua “estória” aquando fora de férias para o meu Algarve. Tirando as relativas ilações da mesma e irei narrar a minha “estória.” Assim, carreguei o carro, com malas cheias de roupas, algo também para uma primeira emergência pessoal e da viatura, sacos com comidas e bebidas, dois garrafões de água para o que for necessário e como é habitual também dez sacos com laranjas algarvias para ofertar. E, a pensar no cão e no gato. “É dé, queres lá ver, atã esta gente tá toda doida e nã dá prápanhar cangreijos na praia mã...!” Pondo-me à estrada conduzindo na defensiva, ponderando alguns percalços e tudo seguirá nos conformes.

Tentando identificar o local via internet (O Planeta visto por Satélite e Google Maps) pouco se me oferecera. Assim, nas indicadas saídas da Auto-estrada A1, provavelmente com GPS poderia orientar-me mas, e, ainda não possui tal instrumento de navegação.

Pretendendo efectuar uma primeira sondagem ao local em referência, decidi pela saída de Torres Novas, mas onde está a facilidade de ver a placa com a indicação de Mira Daire e/ou Grutas de Santo António. Depois de obter algumas indicações para prosseguir no itinerário, mas havendo um pressentimento das dificuldades e por isso efectuara uma inversão de marcha reentrando na A1. Prosseguindo voltei a sair da A1 agora pelo desvio para Fátima, sendo eu um razoável conhecedor desta localidade e não encontrando em qualquer das rotundas ali existentes pelo menos uma placa indicando Mira Daire.

Contudo ainda estávamos no dia 30 de Abril/10, ficando hospedado em Fátima fui providente em obter as necessárias informações e não se viam quaisquer autoridades policiais “fardadas” (devido à proximidade da visita do Papal). Por isso dirigiu-me ao Quartel dos Bombeiros, aí fui informado que na rotunda Sul existem várias placas e que deveria prosseguir na direcção de Minde.

Na manhã seguinte fiz-me à estrada de Minde, quando ali chegara numa das saídas desta localidade deparei com uma placa indicando Mira Daire e para onde me dirigira. Sendo acometido de outro pesadelo, dado que ia observando placas e que somente indicavam Grutas. Pelo percurso na dúvida por duas vezes solicitei orientações do pretendido, indo encontrar a certa distância desta localidade uma placa com a indicação e agora sim Grutas de Santo António. Logo a seguir num pequeno jardim, estava colocada uma minúscula placa “Grutas.” Seguindo sempre na incerteza até chegar ao local de referência e no meio de uma Serra, eram cerca das 10.30 horas, com tantas dificuldades havidas e não será minha intenção repetir outra proeza, ufa..!

Pois claro que será fácil o itinerário para quem organizou o evento e para os camaradas ali vizinhos. Precavendo-me fui com tempo para atenuar possíveis inconvenientes, conseguindo chegar a horas e “cadê”os outros que não foram ousados para lá chegar.

Na informação recebida não constava um croqui e indicava que o almoço era em Grutas de Santo António – Fátima, “ora esta é no Concelho de Ourém” e afinal as Grutas distam a mais de 25 quilómetros, na Freguesia de Mira Daire “Concelho de Porto de Mós.” Sendo de igual distância entre a Cidade de Lagoa e a Vila de Monchique, no Algarve, esta localidade situada na serra que lhe dá o nome.

Pois é camaradas, eu agora já lá chegava com menor dificuldade, mas ponham-se no meu lugar fazendo 450 km, deparar com contrariedades do desenrasca-te e digam como o fizeram.

Tudo isto não será mais que um alerta para que de futuro, no que for possível se preparar a forma que sirva a todos e não só a alguns. Dá muito trabalho, mas outros já o fizeram, quando se corre por prazer não cansa, não pedindo muito aos camaradas das localidades onde se realizam os eventos de terem a sensibilidade e a arte organizativa para facilitar como tem sido apanágio.

Grato pela atenção dispensada, porque quem diz o que sente é filho de boa gente e com um abraço a todos os tertulianos.

Arménio Estorninho
1º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6508: Convívios (161): Convívio Anual do Batalhão de Cavalaria 490, realizado em 29 de Maio de 2010, Coimbra (Valentim Oliveira)

Guiné 63/74 - P6538: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (13): Três acontecimentos com impacto na Guiné - Março/Abril de 1970

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2010:

São passados quarenta anos sobre três acontecimentos de grande significado para as chefias militares e para a sociedade civil da Guiné, os quais se deram nos meses de Março e Abril de 1970.
Presenciei parte e também tive conhecimento de algo à surdina.
Assim rebuscando na memória, irei narrar os meus comentários, apresentando extractos de uma ímpar reportagem fotográfica, puxando ao pormenor a ordem cronológica das situações.
Concluiu-se o que eram preparativos para a paz na Guiné.
Arménio Estorninho


Três acontecimentos com impacto na Guiné - Março/Abril de 1970

Parte 1


Cidade de Bissau, a 16 de Março, de 1970

Tendo eu conhecimento de que um Homem Grande de Lisboa e Ministro do Ultramar, Dr. Silva Cunha, estava prestes a chegar a fim de efectuar uma visita Ministerial à Guiné, para “in loco” contactar o Povo Guinéu e inteirar-se da situação politica e militar, preparei o meu equipamento fotográfico, para ir presenciar e captar imagens de um grande ronco.

Havia vasta informação para a população estar presente e manifestar-se ao longo do percurso desde o Aeroporto de Bissalanca, Estrada de Brá, Sacor e Praça do Império.

Haveria concentração a partir da rotunda da Sacor / Mãe d’Àgua (foto 1), Av. Teixeira Pinto e em frente ao Palácio do Governador. Dentro da cidade o percurso estava engalanado e embandeirado, a população indígena estava disposta ao longo, trajando as suas vestes domingueiras e festivas, dançando e cantando ao som de batucadas.

Duvidando da forte presença humana, dando o meu palpite se devido a ofertas de sacos de bianda” e/ou por indicação dos Chefes Tradicionais (foto 2 a 6). Não sei de onde me vem esta ideia, será por detrás de cada memória há sempre um sopro de curiosidade.


Foto 1 – Guiné> Bissau> Rotunda da Mãe d,Água/Sacor> Março de 1970. Zona para início da concentração e recepção do Homem Grande de Lisboa. No centro dois polícias sinaleiros e no perímetro a presença de vários outros polícias.

Encontrei uma certa alegria dos indígenas embora estivessem em situação de guerra, sendo eu um dos poucos brancos que circulavam por entre a multidão, conforme se comprova pelas fotos, a fazer a reportagem que considerei interessante.

Foto 2 –Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)>Março de 1970. Artéria engalanada a propósito, com muito povo a aguardar a passagem do ministro do Ultramar. Fiquei surpreso em ver um indivíduo indígena (que segue pela direita), arrastando um tronco de árvore, amedrontando e marcando posicionamento.

Foto 3-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Batucada, com dança nativa, foi uma boa forma de divertimento, preenchendo o tempo de espera. O africano que se apresenta em primeiro plano, pareceu-me que seria um dos filhos do Chefe Religioso Cherno Rachid, de Aldeia Formosa, e simular não perdendo por isso a oportunidade de tirar a foto.

Foto 4-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Enquanto aguardam, há batucada e dança nativa para alegrar o povo.

Foto 5- Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Batucada e dança nativa. Pormenor, a diversidade da cor das vestes das bajudas.

Foto 6-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Em fundo o Parque Teixeira Pinto (Praça dos Combatentes) e o povo colocado ordeiramente.

Quando da passagem dos Homens Grandes de Lisboa e de Bissau, deu-se um alarido e em forma de algaraviada. Nunca tinha presenciado uma manifestação com tanta expressão popular.

Depois, ficando na embrulhada, no meio do povo, aproximei-me da Polícia Metropolitana (foto 7), não fosse o diabo tecê-las, cometendo alguma imprudência naquele mar de gente.

Foto 7 – Guiné> Bissau> Em fundo o Parque Teixeira Pinto> Março de 1970. O povo aguardando a iminente passagem dos Homens Grandes, os civis brancos aparentemente seriam Polícias/Seguranças e o militar, Operador de Fotocine.

Chegados à Praça do Império, estava toda engalanada, já com imenso Povo a aguardar, enchendo-se literalmente com os que vinham no cortejo, sempre com os manifestantes a cantar e a dançar ao som dos batuques (foto 8 a 11). Nas zonas frontais ao Palácio viam-se dísticos de ocasião e faziam-se alegorias com aclamações.

Foto 8 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. “Mindjeres garandis, firma junti di Palácio,” cantando e batendo as tabuínhas. Esta foto foi tirada com consentimento, “nha mim mist leva metrópole,” veja-se a pose.

Cada etnia agrupava-se e dando um certo colorido e forma carnavalesca, que só as gentes africanas é que têm a arte e o saber do que lhes traz na alma.

Tudo se conjugava para uma grande concentração e manifestação, via-se no Pátio de entrada do Palácio muitos Homens Grandes, demonstrando apoio e confiança.

Foto 9 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. Chegada do séquito que se aglomerou defronte do Palácio do Governador.

Foto 10 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. Concentração do Povo defronte do Palácio do Governador. Recordo-me muito bem do africano que me olha defronte, desconfiado. Fiz de conta que não me apercebi simulando tirar outras fotos.

Foto 11 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Vista obtida do lado da Associação Industrial e Comercial. À varanda, a elite de Bissau aguardando a vinda das Entidades Oficiais “Homens Grandes Tugas.”

“O Homem Grande”, General António de Spínola, com a voz bem arrastada como era seu timbre, ainda me ficou na memória excertos do seu discurso, agradecendo a presença do Ministro do Ultramar e focando como era seu apanágio que queria para o Povo da Guiné melhores condições de vida, de bem estar (APSICO) e a paz.

Que o chão da Guiné era dos Guinéus e eram eles que tinham que o defender (auto defesa), os militares só ali estavam para os apoiar enquanto fizessem a comissão e depois iam-se embora para suas terras (foto 12). Foram palavras bem aceites pelo Ministro Silva Cunha e esfuziantes para o povo que se manifestava.

Por sua vez o Ministro do Ultramar Dr. Silva Cunha, fez a explanação dos motivos da sua vinda à Guiné. Vinha trazer mais apoio do Governo de Lisboa ao Governador General António de Spínola, para uma Guiné Melhor e dar mais condições (foto 13).

Em cada discurso, os manifestantes a mostravam exuberantemente o seu apoio, enquanto da varanda do Palácio retribuíam com agradecimentos através da aparelhagem sonora e com acenos.

Seguindo-se o descer ao Pátio de entrada do Palácio, para os cumprimentos aos Homens Grandes dominantes da Sociedade Tradicional, “Religiões e Chefes de Tabancas” (foto 14 e 15).

Foto 12 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março 1970. Na varanda, momento de discurso perante a expectativa dos manifestantes.

Foto 13 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Na varanda, momento de discurso. O militar Fotocine não dava descanso à máquina (está posicionado entre a primeira e a segunda porta).

Foto 14 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Na varanda, fim do discurso, que agrada ao Povo que se manifesta. O Ministro Dr. Silva Cunha correspondeu elevando o chapéu.

Foto 15 – Guiné> Bissau> Átrio da entrada do Palácio do Governador> Março de 1970. As altas individualidades desceram ao Pátio a fim de cumprimentarem os Homens Grandes dominantes da Sociedade Tradicional; “há mesmo manga di ronco.”

Terminada a manifestação, “outro péssoal bai nha gosse gosse,” para a baixa da cidade velha, palco de “Manga di ronco,” pensando eu o que iria nas cabeças daquele povo indígena, sendo sabido que estávamos em guerra com a outra parte oculta.


Parte 2

Irei comentar resumidamente do que tive conhecimento em Bissau (entre Março e Abril de 1970) e outros dados que ao tempo foram decorrendo e contados em primeira mão. Entre os militares havia a suspeição de que algo estava para acontecer, interrogavam-se sobre determinados rumores e só havia palpites.

Era sabido que o General António de Spínola, já tinha convocado vários Comandantes das Unidades do CTIG para uma reunião em Bissau. O boato correra célere, pairava uma ansiedade para se saber da verdade, mas nada transparecia.

Assim, em dia e hora aprazada, deu-se a reunião com os Comandantes de todas as Unidades Militares do CTIG. Em surdina foram passando comentários de boca em boca, a pedir segredo, mas isso existe quando somente uma pessoa sabe de algo.

O COMCHEF General António de Spínola agradeceu a presença de todos e depois de uma breve dissertação de que já havia contactos entre Oficiais Portugueses e de grupos rebeldes, em que estes pretendiam entregar-se desde que não tivessem problemas e fossem integrados na sociedade guineense.

Mais comunicou que a guerra poderia estar prestes a acabar, mandando parar de imediato todas as acções ofensivas, operando-se somente situações meramente de caris defensivos, isto é, nunca disparavam primeiro e só o faziam se fossem atacados.

Foram dadas instruções a todas as Unidades Militares para se prever a possibilidade de grupos da guerrilha se poderem entregar.

No campo operacional estas instruções deram suspeição, perante os Alferes e os Furriéis, em que os seus comandantes, por força das circunstâncias, tiveram que se abrir e dar conta da situação deparada.

No entanto a 20 de Abril de 1970, gorou-se toda a tentativa de paz como consta devido ao assassinato dos três Majores: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, assim como do Alferes Mosca e outros acompanhantes, o trágico acontecimento em Jolmete, junto ao Rio Cacheu na Região de Teixeira Pinto (Canchungo)

Já li em qualquer lado e presenciei em imagens audiovisuais, dito pelos da facção dos intelectuais do lado do In, contrários ao acordo, “talvez por cobiça do poder”, pois tiveram o desplante de armarem uma cilada e matarem barbaramente militares desarmados em funções de paz. Ainda se deram ao descaramento de pavoneio em comentar a façanha, como heróis, da atitude e do propósito tomado. Provavelmente depois aperceberam-se do erro que cometeram e do bem que se perdeu, porque alguns quando em situações de aperto vieram acomodar-se na sombra de Portugal e em termos algarvios digo “pó diebo máquegêtos mã, tágafes, natescondas que játevite”

- E o Ministro Silva Cunha, como se veio a saber, apoiara esta tentativa de paz e até se dispôs a uma oferta monetária para eventuais despesas, mas depois de chegado a Lisboa roera a corda.

Enfim, quando houve uma boa oportunidade para uma Guiné melhor, logo o baralho se desmoronou e todos sofreram mais quatro anos. Provavelmente seria uma Guiné para melhor e sendo necessária a mudança “mas aquela exemplar descolonização.”

No acordo de Argel, pela situação politica/militar após o 25 de Abril, não foi tomado em conta aqueles que combateram a nosso lado e contudo Portugal prometeu apoiar a reintegração na vida civil desses militares.

Por parte do PAIGC, foi dito que como se acabou a guerra, para aqueles que estiveram ao lado do exército português não haviam vinganças. Pouco foi cumprido, porque depois da independência ocorreram por toda a Guiné situações inaceitáveis de julgamentos sumários, de prisões e de condenações à morte (foto 16), não se sabendo quantas mortes aconteceram e consta que provavelmente foram milhares.

Quem esteve na guerra, sabe que por vezes existem excessos e actos condenáveis por verem os seus morrerem, e de ambos os lados, mas em tempo de paz deverá haver tolerância.

Foto 16 – Guiné> Região de Quinara> Empada> 1969. Eu, com Homens Grandes das Tabancas e Milícias, estando à minha esquerda o Chefe da Milícia de Empada, Bakar Cassamá. Depois da Independência alguns foram assassinados de forma violenta e em grupo. Quanto a Bakar consta que foi desumanamente lançado ainda vivo para uma vala comum.

E assim, foram citados alguns acontecimentos do conhecimento geral e desta feita agora ilustrados com a achega de um lote de fotografias.

Com cordiais cumprimentos deste camarada e amigo.
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto
CCaç 2381 ”Os Maiorais"
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6441: (Ex)citações (59): Comentários e respostas (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6373: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (12): Algumas aventuras em Bissau