quarta-feira, 30 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6661: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (16): Canhámina, 1974: o fim do triângulo da vida e do poder do regulado de Sancorlã




Guoleghal, a ave peralta do conto de Canhánima ... Grou-Coroado (Balearica Pavonina), dizem os nossos especialistas José Corceiro, Mário Dias, Nelson Herbert... Conhecida na Guiné, coloquialmente,  como ganga...

Foto: Armando Pires (2010)



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Fotos: © Cherno Baldé (2010). Direitos reservados


1. Mensagem do Cherno Baldé (ii)

Data: 16 de Junho de 2010 17:20

Assunto: Envio de mais uma crónica

Caro amigo e irmão Luís Graça,

Envio mais uma das minhas crónicas habituais, cabendo a vocês, da incansável equipa do blogue, a decisão de publicar ou não.

Juntamente envio, também, a imagem de uma ave pernalta, que encontrei no poste (P6536) do Sr. Armando Pires, onde ele pede ajuda para a identificação da ave. Esta ave pernalta corresponde exactamente à descrição da 'gueloghal' do conto que acabo de vos enviar.

Com um grande abraço

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)



2. Memórias do Chico, menino e moço (16): Canhámina, o  fim do triângulo da vida e do poder de Sancorlã 

por Cherno Baldé (ii)

Estamos no ano de 1975, alguns meses após a independência. Só agora começamos a compreender todo o tamanho do trama em que estamos metidos. Pessoalmente, estou na fase da readaptação de uma nova vida.

Não é fácil para mim, sobretudo, ter de voltar à comida de farinha de milho preto. De manhã vou à escola e à tarde cuido do nosso gado na companhia de outros miúdos. As dificuldades são de vária ordem mas, na memória da criança não há lugar para a saudade.

Não é fácil para os outros também. Os antigos serviçais do quartel (ii) estão a morrer lentamente, inexoravelmente. O Primeiro foi o Sadjo, coitado, com a sua enorme barriga e a gordura acumulada ao longo da sua vida de cozinheiro, debaixo do sol, não conseguia obter o mínimo para sustentar os filhos e as suas três mulheres. Resultado, morreu. Sem jeito para mendigar, sem forças para trabalhar a terra, passava dias a fio metido no mato, escondido, a cogitar milagres. Além do mais, sofria de diarreia constante devido a fome e a mudança do regime alimentar.

Depois, foi a vez do Mamadu, profissão, ex-cozinheiro. Depois foi o Samba, profissão, ex-padeiro. O Maudhô Uri, esse, conseguiu safar-se trabalhando como mecânico de velocípedes. Por pouco tempo.
- Tcherno!...Tcherno Adulai!... Adulai shall!...

Ė a minha avó que me vem acordar. Todos os dias é a mesma coisa. Ela insiste de que a porta do meu quarto deve estar aberta de manhã cedo, antes da primeira oração do dia, altura em que a sorte nos bate à porta. Apesar de tudo, ela sabe que não pode entrar no meu quarto, pois o estatuto de circunciso me protege. Fica-se à porta a cacarejar. A contra-gosto levanto-me para ir lavar o rosto. Não é por causa dela, é que hoje temos um desafio de futebol contra a equipa de Canhámina. Tento encontrar, na confusão do quarto, a minha escova de dentes.
- Menino, levante-se! Olha que os teus colegas já passaram na estrada e chamam por ti dizendo: Tchernó!...Tchernó…

Era inventiva a minha avó, os alunos em marcha para Canhámina, na verdade, clamavam: 
- Um, dois, três!... Um, dois, Três!...A esquerda!...A esquerda!...Quem somos nós?! Somos pioneiros!...Quem somos nós?! Somos pioneiros!...

Rapidamente, meto os calções, meto as sapatilhas e agarro a camisa indo ao encalço dos colegas. Já estão longe e tenho que correr sem parar. Felizmente é um percurso já habitual e a minha vida é feita de corrida. Entro no pelotão pouco antes da última subida para a aldeia.

Em Canhámina, esperava-nos um espectáculo desolador. Em pleno centro da aldeia e debaixo de um poilão gigante, estavam agrupadas algumas pessoas formando um círculo, ao meio se encontrava um homem relativamente jovem, amarrado por trás, com as cordas de nylon penetrando na carne dos braços inchados, o peito todo bombeado para a frente.

Era o chamado “peito de pomba”, método preferido dos Comissários do PAIGC. Tinha sido preso no posto de controlo da fronteira com o Senegal. Via-se pelo aspecto do corpo e pelo sangue seco nas têmporas e no rosto que estava assim havia muito tempo e tinha levado porrada a valer. Da multidão, alguém lhe sussurrou na língua local:
- Diga que tu és! Diga que tu és! Senão ainda te matam, palerma!

Como não reagia, o homem levou ainda com uma coronhada na cara ensanguentada que o derrubou ao chão. Levantou-se com dificuldade mas levantou-se pois, ele era um homem e devia continuar a sê-lo enquanto tivesse o mais leve sopro de vida no seu corpo, é o que lhe ensinaram desde a mais tenra idade. Olhando, desta vez, para os seus torcionários, falou com a boca a escorrer sangue, em língua Fula:
- Eu sou!..
O Comissário perguntou-lhe:
- Tu és o quê?
- Eu sou! - respondeu.
-Tu és da FLING, não é? - sugeriu o Comissário.
-Eu sou, sim!.. sou isso mesmo. Isso que você disse.

Finalmente, ele tinha confessado o seu crime. Todos acabam por confessar. O Comissário, cuspiu para o chão o resto do tabaco que tinha na boca e, com desdém, ordenou que o levassem dali. Levaram-no para o acampamento dos guerrilheiros, ali, um pouco metido na mata que circundava a aldeia. Mesmo regressados a casa, estes, por força do hábito, ainda se sentiam melhor e mais seguros entre as árvores como os animais selvagens, com as suas inseparáveis Akas (iii)  na mão.

Um grupo de curiosos, na maioria crianças, acompanhou o cortejo. Nós seguimos para o campo de futebol, situado ao lado do acampamento militar.

No terreno, frente a Canhámina, ganhamos o jogo sem grandes problemas mas, em vez da satisfação habitual estava invadido por uma tristeza vinda de não sei onde. O meu espírito ainda não se tinha libertado do choque do que tinha presenciado. Assaltavam-me a memória muitas coisas que não me permitiam acompanhar a alegria dos colegas. Estes, na corrida de regresso a casa, gritavam, transformando as palavras do prisioneiro em slogan de vitória:
- Eu sou!... Eu sou aquilo!... Eu sou isso mesmo!... Eu sou o que você disse!... - E riam, desgraçadamente.

Ao chegar perto do cruzamento, procurei a sombra de um poilão e, com o rosto virado para a entrada principal de Canhámina, fiquei durante alguns minutos a olhar para a aldeia que alguns anos antes, fora o símbolo da coragem e do poder de Sancorlã. Esta era a terra do meu pai, também, onde recebeu o baptismo e foi circuncidado. Alguma coisa me roía por dentro. A sabedoria popular nos ensinou que: O rabo de um macaco pode ser muito comprido mas não é por isso que deixa de sentir a dor quando picado.

No contexto da vida de Fuladu, a história de Canhámina é invulgar e toca a todos os habitantes do antigo regulado, pequenos e grandes. Uma História breve, colorida de enigmas e que teve um fim trágico.

***
Ainda hoje, a primeira coisa que nos chama a atenção quando visitamos a localidade de Canhámina é a sua mata de poilões bem no centro da aldeia. Ė impressionante.

Contam que, em tempos idos, quando a relação dos homens com a natureza ainda era muito próxima e viva, aqui habitava uma miríade de aves de diferentes espécies e a sua vozearia era audível a quilómetros de distância. A mais importante, dentro do imaginário colectivo era, sem dúvida, a Gueloghal ou ave real, cuja presença testemunhava a sacralidade e proeminência do lugar no contexto do mundo espiritual dos homens da época, onde tudo era importante e tudo fazia sentido.
-
Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti ! Maudhô yannô to dourôh, banenguél wilti ! Si bhô uri men ganda, banenguél wilti ! Si bo may men ganda, banenguél wilti … (1)

A
Gueloghal, para além de se distinguir pela sua beleza e graciosidade que lhe valeram o epíteto de ave real, também, era conhecida como ave mensageira, dotada de capacidades de transportar mensagens de partes incertas e/ou de revelar aos homens, acontecimentos vindouros. A sua presença nesse lugar misterioso se revestia de uma auréola simbólica e ancestral de confiança na probabilidade de uma vida de paz e tranquilidade. Não se deve admirar muito pois, todos os povos que chegaram até aqui, vindos do interior do continente, sem excepção, vieram na vã esperança de encontrar a paz e a tranquilidade a que ansiavam.

Quem terá sido o primeiro habitante de Canhámina? Uma pergunta difícil de responder porquanto, os actuais habitantes de Sancorlã seriam capazes de jurar, a pés juntos, que foram os seus antepassados e com provas provadas dentro do esquema mitológico habitual do tipo: “Era uma vez, a família de caçadores do grupo dos nossos antepassados que, após um longo percurso, em perseguição de um animal de caça, acabaram por desembocar neste local milagroso…”

O que, porém, não deverá suscitar muita controvérsia, é o facto de que estas paragens já eram habitadas quando os Fulbhé (fulas) chegaram com as suas manadas de gado, vindos de Macina (Mali), de Tekrur (Senegal) ou Futa-Djalon (Guiné-Conacri).

Conta-se que, no seu périplo pela região na primeira metade do século XIX, El-Adj Omar, imperador do Sudão, teria passado por aqui a caminho de Futa-Djalon acompanhado do seu
djatigui (2) e futuro rei de Firdu, Alfa Moló a quem ele teria dado todas as terras situadas entre as bacias dos rios Gâmbia e Geba, mais concretamente até ao local designado Dandum (Dandum Cossará?), à condição que as pudesse retirar aos “infiéis” reis Soninquês, claro. Despediram-se após ter recebido das mãos do grande homem de letras a promessa de que a sua aventura seria coroada de êxito.

De regresso a casa, Alfa Moló convocou os grandes de entre os Fulbhé [, fulas,] e disse-lhes:
- Como todos sabem, desde que vivemos entre os Soninquês [, ou Saracolés, gravura à direita, 1890, co
rtesia de Wikipédia], não somos mais os donos das nossas vacas, das nossas ovelhas nem das nossas próprias mulheres, por isso, vamos combatê-los e acabar com os seus abusos de poder.

Os grandes de entre os Fulbhé após terem escutado e, cheios de medo, responderam:
- Nós não vamos combater os Soninquês e tão pouco iremos ajudar aquele que o irá fazer. 

Então o Alfa Moló levantou-se em toda a sua altura e, sacudindo o fundilho das calças, disse a frase que ficaria para sempre gravada nos anais da história épica do reino de Firdu:
- Se não me ajudarem a combatê-los, então ajudar-me-ão a fugir.

E foi assim que tudo começou, Alfa Moló e os seus apoiantes atacaram os Soninquês e, com o apoio decisivo dos
Almamis de Futa-Djalon, acabariam por conquistar a região e instalar o reino de Firdu (Fuladu), repartido em pequenos regulados entre os quais o de Sancorlã que ele confiou aos seus aliados locais (Samba Shábu?) e que escolheram para capital a localidade de Canhámina. (3).

Na lógica e submundo do homem e da consciência tradicional africana, nada acontece por acaso, tudo se justifica e se fundamenta em fórmulas simples e ao mesmo tempo complexas, e neste caso concreto de Canhámina/Sancorlã, conta-se que a origem da força e do poder local se devia à conjunção de determinados factores de ordem mística e que, por conseguinte, a perda daquela força e do poder, verificada mais tarde (1974),  se deveu a violação do princípio regulador do equilíbrio ou pacto inicial estabelecido, que começou com a penetração de elementos estranhos ao meio, entrando nesse leque tudo o que veio a ligar-se com o processo da dominação colonial, da submissão e da penetração do sistema mercantilista da produção e comercialização (borracha, coconote, amendoim etc.); de elementos novos de sujeição, de opressão e alienação cultural e espiritual que se lhe seguiram os passos, onde os impostos de capitação e a balança dos comerciantes eram os elementos mais nocivos dentro do sistema de exploração e empobrecimento das populações, terminando com a entrada silenciosa e criminosa dos guerrilheiros do PAIGC que transformaram o recinto dos poilões num campo de tortura e de exterminação dos próprios filhos de Sancorlã.

***

Conta-se que, antigamente, da mata de poilões situada no centro de Canhámina, descia uma linha de força para sul até a floresta de palmeiras (
surumael), situada nos limites do regulado e no meio da qual se encontrava uma nascente cujas águas abasteciam a população da aldeia, estando ligada, por sua vez, à bolanha, (prolongamento da bacia hidrográfica do rio Farim-Canjambari).

Surumael (matagal) representava o ângulo feminino do triângulo de Canhámina onde se praticavam não só a produção do arroz nas terras baixas mas também todos os rituais femininos ligados a educação e/ou reprodução social (cerimónias de casamento, fanados etc.).

De
Surumael, seguindo sempre o percurso da bolanha para poente até à distância de três  km, estava situado o terceiro ângulo ou o complexo masculino, Djunkoré, formado, por uma extensa área alagada durante a estação das chuvas e no meio da qual se encontrava um grande lago bem no centro da bolanha.

As populações das aldeias mais próximas e as aves pescadoras vinham aqui encontrar os peixes que subiam com as águas do rio Farim. Também aqui davam de beber as grandes manadas de gado (vacas, ovelhas, cavalos) que faziam a fama da região, acompanhadas de crianças nuas e barulhentas, com a flauta numa mão e a varra noutra.

Na margem esquerda do lago
Djunkoré encontrava-se um poilão bem alto e que, durante o período nocturno, irradiava uma luz florescente provocando o efeito bômina (claridade), que era visível a uma grande distância. Djunkoré funcionava como o refúgio dos homens e das aves, onde se praticavam as cerimónias e rituais masculinos. Todas as gerações passadas fizeram-se homens neste espaço mítico e verdejante.

Deste ângulo subia outra linha de retorno à aldeia, formando assim uma espécie de triângulo, o triângulo de vida de Canhámina. O conjunto formava um ambiente natural propício para a vida animal, em particular das aves selvagens. Mas, também constituía o centro da vida económica, social e cultural da aldeia e seus arredores.

E, numa escala maior, reproduzindo fielmente o triângulo de Canhámina, a organização social e política do regulado, também, se apoiava em três pilares ou áreas geográficas (
diwal): A área de Canhámina (ângulo sudoeste), a área de Lenkebembe/Cambaju (ângulo noroeste) e a área de Panambo/Kerwane (ângulo nordeste) e, cada uma das quais gozando de uma certa autonomia.

Esta divisão administrativa fomentava muitas rivalidades, algumas das quais ainda hoje subsistentes, mas também era factor de concorrência e de dinâmica criativa que permitia manter a necessária coesão social e política assim como a chama guerreira do regulado.


***

Todavia, a sucessão de Alfa Moló na segunda metade do Séc. XIX, não viria a ser nem bem sucedida e muito menos pacífica, obrigando ao seu sucessor, o intrépido Mussá Moló, a disputar não somente o trono com outros pretendentes dentro da família, como fazer face a pretensões autonomistas dos pequenos regulados em que estava dividido o reino de Fuladu, (com particular incidência naqueles cuja liderança era chefiada por Fulas-Forros, antigos suseranos e pouco inclinados a aceitar a vassalagem
vis-a-vis dos Fulas-pretos cujo poder representava Mussá Molo), sob o olhar atento dos Almamis de Futa e ainda a presença cautelosa mas insidiosa das potências europeias (os Portugueses a partir de Farim e Geba, e os Franceses a partir do Senegal) que cobiçavam a região meridional do Firdu. (4).

Nestas circunstâncias, os pequenos regulados Fulbhé do nordeste e leste Guineense tinham que escolher entre submeter-se à tirania de Mussá Molo, apoiado subrepticiamente pelos Franceses,  ou aliar-se aos Portugueses. Assim nasceu a aliança de interesses entre os Fulas e Portugueses que, tudo somado, pareciam distantes e sem quaisquer interesses em comum.

Porém, esta aliança fortuita não estava isenta de algumas contradições. Os Fulas, de um lado, precisavam dos Portugueses para se proteger das ameaças e razias constantes dos homens de Mussá Molo mas, sendo muçulmanos,  eram portadores de um inevitável “proselitismo religioso” que estava na base da sua libertação e do seu poder conquistado perante os Soninquês. 

Os portugueses, por seu turno, precisavam de aliados no interior onde não conseguiam chegar para fazer valer as suas pretensões para lá do Geba mas, também, tinham na bagagem a Bíblia e o compromisso da salvação de almas perdidas para justificar as suas conquistas de além-mar.

Mas tarde e, sempre que se sentiriam aflitos, os portugueses não hesitariam em recorrer aos seus aliados muçulmanos do interior (Fulas e Mandingas) para reprimir os povos guerreiros “animistas” do litoral Guineense mas, logo que se sentiam minimamente aliviados da pressão, se apressavam a afastá-los destas zonas para não espalhar a sua indesejada influência religiosa.

Com Teixeira Pinto e seus auxiliares muçulmanos, os portugueses fecharam o capítulo da conquista e pacificação (?) do território da Guiné no início do século XX, impondo de seguida,  a todos os habitantes da Guiné, a obrigação do pagamento de impostos. Com estes, veio a necessidade de produzir excedentes comerciais abrindo, desta forma, uma porta de entrada a produção do amendoim que,  juntando-se a colecta da borracha,  se transformariam, durante muito tempo, nas actividades obrigatórias de toda a região do interior.


***

Com o florescimento do comércio nos anos 40 e 50, houve a necessidade de abrir vias de acesso e de ligação com as zonas portuárias de Farim e Bafatá. As medições feitas determinaram que a estrada tinha que passar no meio da mata de poilões de Canhámina, que seria o ponto de convergência das três estradas (Cambaju ao norte, Bafata ao sul e Farim a Oeste,). Esta foi a primeira abertura (ferida) no triângulo de Canhámina, o primeiro sinal inquietante da mudança dos tempos, que abriu as portas para a penetração de elementos estranhos no círculo de vida de Sancorlã.

Com o intuito de preservar Canhámina da invasão do novo mundo e das suas consequências inevitáveis, Fajonquito serviu de escoadouro e aldeia satélite para canalizar todos os elementos que não se enquadravam no pacto de equilíbrio do mundo antigo. Foi assim que as casas comerciais que queriam instalar-se em Canhámina, foram empurradas para lá, a três quilómetros a oeste a fim de preservar o triângulo.

Foi assim que, pelas mesmas razões, tanto a escola portuguesa (1964) assim como a primeira companhia de tropas metropolitanas (1965) enviada para reforçar o regulado com o início da luta para a independência, ficaram pouco tempo na aldeia, tendo sido, de seguida, transferidas para Fajonquito. Era preciso manter o equilíbrio do pacto, tanto assim que, pese a vontade de o fazer, os guerrilheiros do PAIGC nunca conseguiriam penetrar no triângulo e atacar Canhámina, o coração de Sancorlã, mesmo desguarnecida de tropas. Eram desviados para longe por uma força misteriosa.



***

Mas, nem tudo correu tão bem como se pensava, e o mal já estava feito e pouco a pouco assistir-se-ia ao desmoronar da vitalidade do sistema que vigorara até ali. O primeiro sinal de alarme foi a diminuição drástica do barulho das aves e das chuvas, também. As espécies mais inteligentes simplesmente tinham desaparecido dos poilões de Canhámina, entre as quais a famosa Gueloghal. Em seguida, veio um outro alarme do sudoeste com a extinção da luz de Djunkoré e do seu lago que parecia inesgotável. O velho poilão florescente, completado o seu ciclo de vida, tinha cessado as suas actividades de faroleiro para as aves viajantes.

Por fim, as mulheres, alarmadas, vieram informar que os olhos da fonte de Surumael tinham secado e já não corria água da nascente. Também, os macacos (babuínos, pára-quedistas,  etc.) que espantavam as crianças no seu interior, já não viviam no matagal. Era o fim do pacto de equilíbrio? Parecia incrível, e os olhos virados para Canhámina não encontravam nenhuma resposta. Decididamente, os ventos da história tinham mudado de direcção e com esta viragem, acontecia o fim de um ciclo histórico e, por coincidência, também climático.

Tudo parecia combinar para acelerar as mudanças. Em 1974, aconteceria o improvável. Os portugueses, cansados de ver seus filhos morrer longe da sua terra natal, por uma causa cada vez mais difícil de defender, tinham descoberto uma nova pátria, mais pequena desta vez mas, assim mesmo, a pátria mãe, abandonando a guerra nos territórios do ultramar com o seu calor infernal e seus insuportáveis mosquitos. E numa coluna como nunca dantes visto, levaram consigo todo o equipamento de guerra. Canquelifá… Gabu…Canjufa…Pirada…Canjadude… Piche…Bafatá…Bambadinca…Farim…Guidaje, tudo.

As milícias, eternas sacrificadas, voluntárias da sua própria desgraça, num repente incompreensível, se pasmaram na vã gesticulação de mãos vazias. Adeus, camaradas, nada se pode fazer, é o virar de uma época. Os tempos mudam e os homens também.

Com a conquista da independência, os guerrilheiros do PAIGC, qual exército de Gengis Cã, silenciosa e furtivamente instalaram-se nos portões de Canhámina bem no centro dos poilões, tecendo paciente e meticulosamente a sua teia de morte, desafiando insolentemente os deuses de Sancorlã, completando a missão histórica que Amílcar Cabral lhes tinha legado: “A sociedade fula é do tipo vertical, em cima estão os régulos, no meio os Djilas ambulantes e, em baixo, os camponeses. Entre os vários segmentos sociais, uma coisa os une fortemente, são contra a luta armada…”

Enfraquecida pela guerra que quase esvaziou as suas aldeias, ferida mortal e traiçoeiramente pela abdicação dos seus aliados, Sancorlã não conseguiu reagir atempadamente ao infortúnio que se abateu sobre ela e, em menos de dois anos completou-se a destruição (decapitação) das suas forças vivas e da sua elite dirigente, encurralada, fragilizada e justamente vitimada. O mundo aplaudia a Guiné-Bissau independente, pais onde não havia lugar para aqueles que tinham fraquejado. O acordo de Argel, uma quimera e, não se esqueçam: ”Nem toda a gente é do povo”.

Todos os valorosos que não quiseram pactuar com o novo regime e eram demasiado orgulhosos para fugir dos seus ex-inimigos, entregaram seus peitos às cordas de nylon dos comissários políticos de PAIGC e mais tarde as suas vidas, fazendo a viagem sem regresso para os cárceres de Bafatá e Bambadinca. As justificações teóricas e práticas não faltaram. As festas também. “Páa-nô-uni! Páa nô mamáa… Páa-nô-uni, Pa-nô-mamáá, Panó terráá…”.

Em Fajonquito, ainda continuamos durante muito tempo, a pescar e a nadar no lodo do que restava do rio Farim/Canjambari e, sem pudor, ao sabor da brisa, mudamos também de camisola e hino. Continuamos a pedir as armas mas já não eram contra os canhões mas contra os colonos e seus aliados. Os heróis de mar não tinham aguentado tão bem em terra firme. Os peixes também, assim como os ex-soldados, para se adaptarem ao novo clima, se metamorfosearam em coisas pequenas e escuras escondidas na imundície da lama das bolanhas, escorregadios como o sabão chinês que invadiu os nossos mercados.

Alguns realizaram a proeza de, em tempo recorde, arrastando seus bubus brancos, transformar-se em Marabus de esquinas e mesquitas com salmos e cuspo na testa, pedindo a perdão dos nossos pecados colectivos. Outros passaram as fronteiras. Mas, muitos foram os que morreram sufocados nas prisões de Farim, brigando por escassos graus de cereais crus. Os deuses estavam a ouvir? Aláau…akbaar!

Os tempos, verdadeiramente, tinham mudado e nós vivíamos ou melhor sobrevivíamos sem dar por isso. Aconteceu exactamente como no poema ecológico de Júlio Roberto (5):
 - Onde se encontra o matagal?... Destruído!
- Onde está a água, o lago e o poilão?... Desapareceram!
- Onde estão os valorosos de Sancorlã?... Morreram!

 Bissau, Junho de 2010.

[ Revisão / fixação de texto / bold a cores: L.G.]
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Notas de Cherno Baldé:


 (1) Canto das aves mensageiras “Guelodhé” em língua fula: A árvore da vida floriu! Ao velho que tinha visitado as terras altas, informamos: A árvore de vida floriu! Se estiver em vida que nos informem! Se não estiver em vida, que nos elucidem! A árvore da vida floriu de novo! 

 (2) Djatigui – Anfitrião, palavra de origem incerta utilizada em quase todas as línguas de África do oeste.

(3) Crónicas guerreiras dos reis de Firdu (Fuladu)

 (4) Ver René Pélissier: Historia da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegambia. (1841-1936), vol. I e II, Imprensa Universitaria, Editorial estampa, Lisboa, 1989.

(5) Carta do chefe Seattle (Índio) em 1884 ao grande chefe branco de Washington, inserido no poema ecológico de Júlio Roberto
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 Notas de L.G.:

 (i) Tabaski ou festa do carneiro: comemoração da vontade de Abraão de sacrificar o seu filho por vontade de Alá... Uma das mais importantes festas do calendário religioso muçulmano.

 (ii) Vd. último poste da série > 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!

Vd. os postes anteriores, e em especial o de 13 de Julho de 2009 >  Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

 (...) A minha família, descendente de Fulas originários de Macina, no espaço territorial do antigo Sudão Ocidental (actual Mali), e que se consideram a si mesmos de Fulbhê Arábbhê, cujo significado se deve ter perdido na noite dos tempos e que, no entanto, tem uma similitude muito próxima da palavra Árabe, vivia em Kerewane (uma deformação de Kairuan?), localidade situada entre Kumakara (Senegal) e Saré Bacar (Guiné-Bissau), mesmo na linha da fronteira entre os dois países.

Dessa época não sei quase nada que possa transmitir. Mais tarde, a familia mudou-se para Canhámina, capital do regulado de Sancorlã, [a nordeste de Fajonquito, carta de Tendinto, ainda não disponível 'on line' ,] o que aconteceu após a morte do nosso avô paterno, Morô Baldé (Morseide), ocorrida, provavelmente, entre os anos de 1922/23.

Os seus descendentes eram sobrinhos directos da casa reinante de Sancorlã (Soncoia?), através da mãe, nossa avó paterna, Eguê Mariama Baldé, facto que certamente terá pesado na decisão de se mudar para esta localidade. Em Canhámina, durante muito tempo, a nossa família viveu sob protecção da casa do régulo, tendo beneficiado de algumas regalias daí inerentes, encabeçada pelo mais velho dos irmãos, Naor, que foi pajem de seu tio Braima Djame Baldé, mais conhecido por Burandjame (ou Brandjame?), o régulo de Sancorlã, e era colega e amigo íntimo de Abdu Buram, o príncipe herdeiro do trono, que encontrou a morte na última guerra de Canhabaque entre 1935/36 [, nas Ilhas Bijagós, referência à repressão de uma das últimas revoltas dos habitantes locais] . (...)


(iii) AKA - Kalash, Espingarda Automática Kalashnikov (AK),  Calibre 7,62 mm

 (iv) Soninquês (também chamados Saracolês): grupo etnolinguístico mandinga maioritarimente islamizado. Habitam a África ocidental. Em francês, Soninkés.

Guiné 63/74 - P6660: Parabéns a você (127): Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Os Editores)


1. Hoje, dia 30 de Junho de 2010, o nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74) entra para o grupo mais numeroso e mais famoso da Tabanca Grande, o dos SEXAS. O tempo, na sua caminhada lenta, mas constante, vai-se encarregando de engrossar as nossas fileiras.

Neste dia de aniversário do nosso poeta Manuel Maia, toda a tertúlia se associa à sua alegria, e lhe deseja uma longa e boa vida junto de sua esposa, filhos e demais família, não esquecendo aqueles que complementam a sua existência, os amigos, entre os quais os atabancados deste Blogue.


Monte Real > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > 26 de Junho de 2010 > O nosso bardo do Cantanhez, no lado esquerdo, falando com o Idálio Reis (Cantanhede) e com o Delfim Rodrigues (Coimbra).
Foto:
© Luís Graça (2010). Direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4607: Parabéns a você (11): Dia 30 de Junho de 2009 - Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6652: Parabéns a você (126): Santos Oliveira, nasceu a 29 de Junho de 1942 (Os Editores)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6659: Camaradas na diáspora (2): Na morte do Luís Zagallo, (João Crisóstomo, Nova Iorque)

1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo (*), nova-iorquino, que o Carlos Vinhal já divulgou em tempo útil pela Tabanca Grande:

Assunto: Na morte do Luís Zagallo

Meus caros Luís Graça, Beja Santos, Henrique Matos... camaradas da Guiné... e outros,  muitos, que por razões evidentes não dá para individualizar:

Não sei mesmo o que dizer,  meus caros. Não sou poeta nem escritor para poder de maneira condizente e mais apropriada falar sobre o Zagallo. Resta-me deixar falar o coração. Apenas para vos dizer que estou com vocês , relembrando, com alguns de vocês, momentos de vivência com o Zagallo na Madeira, Bambadinca, Enxalé, Missirá, Porto Gole... Momentos difíceis alguns, outros menos difíceis e muitas vezes até muito agradáveis. 


E com outros (que muitos de vocês eu nem conheço nem viria jamais a conhecer não foram o Beja Santos, Luís Graça, Henrique Matos que da vossa existência me deram a conhecer e tudo isto fazem possível), e com outros, dizia, partilhando da vossa saudade, da vossa amizade por este nosso irmão Zagallo que agora nos deixou.
O Luís Zagalo é daqueles indivíduos que, independentemente de concordarmos ou não com ele, ficam gravados no nossa memória pela intensidade e paixão com que encarava e vivia a vida. Partilhando ou não dos seus pontos de vista e seu viver, era impossível conhecer o Zagallo, estar junto dele e ficar indiferente. Um homem de acção, a sua energia era contagiante, facto de que eu fui muitas vezes afortunado recipiente e, como tive ocasião de constatar, sucedia com muitos outros também.
Se emoção, saudade e amizade são coisas que, deixada esta vida, não deixam de alguma maneira de existir ... de coração, com todos os que agora te lembram com saudade, aqui fica a minha muita saudade e amizade também.

A todos os que de alguma maneira venham a ter conhecimento desta mensagem de e-mail ... um grande abraço

João Crisóstomo
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74: P6013: Camaradas na diáspora (1): João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), militante de causas nobres, a viver em Nova Iorque


Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)


Manuel Sobreiro, Alf Mil de Minas e Armadilhas, CART 1612 (1967/69), foi morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968...





Guiné > Zona Leste > Pirada > O Alf Mil Martinho Gramunha Marques, à direita... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...

Foto: © 
António Pinto (2007). Direitos reservados .





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Abril de 2006> O monumento, em forma de pirâmide, construído em 1973 pelo pessoal da CCAV 8350, Os Piratas de Guileje. O trabalho de restauro e preservação é da AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense, fundada e dirigida pelo nosso amigo Pepito, no âmbito do Projecto Guiledje. Numa das faces da pirâmide,  é evocado o nome do  Alf Mil Lourenço, morto por acidente, um das nove baixas mortais da CCAV 8350.

Foto: © 
A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3492 (1972/74) > 1972 > O Alf Mil Armandino, ao fundo da mesa, num almoço com outros camaradas, incluindo o Mexia Alves, na casa do comerciante libanês Jamil Nasser. Em primeiro plano, o Cap Godinho, comandante da CART 3492.  Uma foto de homenagem do J. Mexia Alves, ao camarada morto da brutal emboscada do Quirafo, em 17/4/72.

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso amigo e camarada  Artur Conceição (ex-Sold Trms Inf, CART 730, Bissorã, Farim, Jumbembem, 1965/67)

Data: 25 de Junho de 2010 19:06
Assunto: Alferes mortos na Guiné

Caros, Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e Magalhães Ribeiro:

Antes de mais quero desejar-vos um fim de semana bem divertido[, em Monte Real]

Achei interessante a publicação da lista de Capitães mortos na Guiné (*). Aproveitei para fazer duas correcções na minha lista.

Em continuidade aproveito para enviar a lista dos Alferes. Quem sabe não irei fazer mais algumas correcções….!

Um abraço

Artur António da Conceição
Amadora
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Nome (de A a Z ) / Data / Causa


1. Abílio Rodrigues Ferreira >  22/11/70 C

2. Adelino Costa Duarte >  23/11/65 C

3. Alberto Araújo Mota > 27/11/72 D

4. Álvaro Ferreira V. Leitão >  5/6/68 C

5. Álvaro Francisco M. Fernandes > 2/9/72 A

6. Américo Luís S. Henriques > 21/2/67 C

7. António Angelino T. Xavier > 30/1/65 C

8. António Aníbal M. C. Maldonado > 4/3/66 C

9. António Emílio P. S. Meneses  > 17/6/65 A

10. António Fonseca Ambrósio >  21/12/70 C

11. António João C. Neves > 30/8/72 C

12. António Joaquim Alves Moura > 4/9/66 C

13. António Jorge C. Abrantes > 18/9/72 A

14. António José C. L. Barbosa > 30/1/68 C

15. António L. Freitas Brandão > 18/9/69 A

16. António Sérgio Preto > 29/6/72 C

17. Armandino Silva Ribeiro > 17/4/72 C

18. Armando Bastos Mendes  > 4/7/63 C

19. Armindo Pereira Calado >  22/6/69 C

20. Artur José Sousa Branco > 4/6/73 C

21. Augusto Manuel C. Gamboa > 14/12/67 C

22. Bubacar Jaló >  16/2/73 C

23. Carlos Alberto T. Peixoto > 8/9/68 C

24. Carlos Augusto S. Pacheco > 19/2/68 C

25. Carlos M. A. Figueiredo > 10/7/72 A

26. Carlos Manuel Sousa  Linhares de  Almeida  > 1/4/67 C

27. Carlos Santos Dias 6/10/66 > C

28. Delfim Anjos Borges  > 17/7/67 C

29. Domingos Joaquim C. Sá >  20/7/68 C

30. Duarte Francisco S. S. Lacerda > 2/7/73 A

31. Eduardo Guilherme T. Monteiro  > 15/5/68 C

32. Feliciano Santos Paiva > 29/4/70 A

33. Fernando Pereira L. Raposo > 10/11/64 A

34. Francisco Lopes G. Barbosa > 25/11/71 C

35. Guido Ponte Brasão D. Silva > 22/10/70 A

36. Henrique Ferreira Almeida >  14/7/68 C

37. João Afonso Abreu (FAP) > 5/3/72 C

38. João Francisco S. S. Soares > 28/5/71 A

39. João Manuel C. Silva > 6/4/73 C

40. João Manuel Mendes Ribeiro > 4/10/71 C

41. Joaquim J. Palmeira Mosca > 20/4/70 C

42. José Alberto C. Pereira > 12/3/66 C

43. José Antunes Carvalho > 4/9/68 A

44. José Armando Santos Couto >  6/10/70 C

45. José Carlos E. Rodrigues > 12/12/66 A

46. José Fernando R. Félix > 2/4/72 A

47. José Joaquim Couto Sousa > 14/6/74 A

48. José Juvenal Ávila F. Araújo >  15/7/68 C

49. José Manuel Araújo Gonçalves > 14/2/69 C

50. José Manuel Brandão Queirós > 2/3/70 C

51. José Manuel Godinho Pinto > 16/5/70 C

52. José Maria R. Vasques Flores > 23/5/71 C

53. José Pedro S. M. Sousa > 20/7/70 C

54. José Silva Oliveira > 30/10/68 C

55. Lino Sousa Leite > 7/7/66 C

56. Luís Gabriel Rego Aguiar > 20/5/74 C

57. Luís Mário Silva Sá > 24/9/70 C

58. Mama Samba Baldé > 19/5/73 C

59. Manuel Costa Bandeira > 29/4/70 A

60. Manuel Francisco A. Sampaio > 10/1/66 C

61. Manuel Jesus R. Sobreiro > 24/2/68 A

62. Manuel Maria Pires > 18/4/69 C

63. Manuel Tavares Costa > 27/1/64 C

64. Mário Henriques S. Sasso > 5/12/65 C

65. Mário Juvencio V. Camacho > 25/10/68 C

66. Mário Manuel L. Simões > 17/4/73 A

67. Martinho Gramunha Marques (**) > 30/1/65 C

68. Miguel J. S. Moreno (FAP) > 24/9/72 C

69. Nelson Joaquim A. P. Soares > 26/10/71 C

70. Nuno Costa Machado > 28/12/67 C

71. Nuno Gonçalves Costa > 16/7/73 A

72. Paraíso Manuel Almeida M. Gomes > 2/11/71 A

73. Pedro Melna >19/5/73 C

74. Rogério Nunes Carvalho > 17/4/68 C

75. Vitor Paulo Vasconcelos Lourenço >  5/3/73 A


Observações: Todos os alferes aqui listados pertenciam ao Exéricto, com excepção de dois (que eram da FAP=Força Aérea). 

Causas de morte: 

A=Acidente (incluindo acidentes com viaturas automóveis e armas de fogo, suicídio, homicídio); 
C=Combate; 
D=Doença.  

Do total de 75 alferes mortos, 54 (72%) foram-no combate (C). Os restantes morreram devido a acidente (A)  (n=20) (26,7%). Há apenas 1 morto, entre os alferes, no CTIG, por doença (D) (1,3%).

[ Revisão / fixação de texto / título / observações: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de  24 de Junho de 2010  > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

(**) Vd. poste de 20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné 63/74 - P6657: Patronos e Padroeiros (José Martins) (12): Escola de Sargentos do Exército - Nossa Senhora do Mundo

Patronos e Padroeiros - XII

Patrono da Escola de Sargentos do Exército


Nossa Senhora do Mundo


Não sendo, propriamente, a Padroeira da Escola, mas sim da Capela existente no aquartelamento, poderemos considerar que, por extensão, será a Padroeira da Escola, que se encontra instalada nas Caldas da Rainha, onde estava instalado o Regimento de Caçadores n.º 5, que descende do “Terço de Elvas”, criado em 1641, passou a designar-se por Regimento de Infantaria de Elvas, por alvará de D. João V de 15 de Novembro de 1707, tendo o 1.º Regimento de Infantaria de Elvas, em 1806, passado a designar-se por Regimento de Infantaria n.º 5, tendo passado pelas localidades de Elvas, Ilha Terceira, Lisboa, Porto e Caldas da Rainha até 30 de Março de 1975, data em que foi extinto. Serviu como centro mobilizador e como centro de instrução de Instruendos do Curso de Sargentos Milicianos.

A capela, onde a imagem da Senhora se encontra no local destinado ao titular, foi inaugurada em 16 de Maio de 1965. A imagem, coroada, Nossa Senhora tem numa mão uma estrela e ao colo o Menino que segura uma esfera azul com estrelas e a lua, que simboliza o mundo.

A imagem, esculpida em madeira, veio do antigo Estado Português da Índia, trazida pelos militares que a veneravam e que lá se encontravam aquando da invasão, em 18 de Dezembro de 1961, conseguindo trazê-la escondida quando foram resgatados.

O dia de Nossa Senhora do Mundo é festejado em 31 de Maio, festividade da Visitação de Nossa Senhora, data esta fixada pelo Papa Pio XII, em 1954.

Pesquisa e fixação do texto por
José Marcelino Martins
17 de Junho de 2010
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6633: Patronos e Padroeiros (José Martins) (11): Marinha Portuguesa - Infante D. Henrique

Guiné 63/74 - P6656: Ser solidário (78): Arraial de Beneficiência, dia 17 de Julho de 2010, Monte dos Burgos - Matosinhos (Álvaro Basto)

1. Mensagem do nosso camarada Álvaro Basto com data de 25 de Junho de 2010:

Caros amigos e amigas da Tabanca Pequena.
Porque a nossa cadeia de solidariedade para com a Guiné não pode parar e porque quase concretizado está o primeiro poço em Amindará é necessário continuar para que outros Amindarás surjam naquela Guiné que tanto amamos*.

Temos de levar mais sorrisos, mais bem estar, mais água potável e sobretudo mais saúde a mais populações que vivem em condições infra humanas na Guiné Bissau.

E como contribuir?
É fácil.

Ajudando-nos nas nossas iniciativas de angariação de fundos para fazer face à construção dos poço e das hortas comunitárias a que desde o início da nossa criação nos temos vindo a propor.



Desta feita será um ARRAIAL DE BENEFICÊNCIA que vamos realizar em 17 de Julho próximo.

Será um almoço cujo valor (15,00 €) reverterá quase na totalidade para o projecto das Sementes e Agua Potável para a Guiné.

Vamos todos divertirmo-nos, comer e beber, e sobretudo confraternizar para ajudar a nossa causa.

Temos de estar na primeira linha e dar uma demonstração inequívoca que estamos com a TABANCA PEQUENA e que somos de facto um Grupo de Amigos da Guiné Bissau empenhados no apoio no desenvolvimento daquela terra que tanto nos diz.

Tragam a família, tragam os amigos, e mesmo que não possam vir, colaborem connosco divulgando esta iniciativa para que o Arraial constitua um verdadeiro êxito.

Bem Hajam
Álvaro Basto
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6543: Ser solidário (76): O projecto de sementes e água potável para a Guiné-Bissau já arrancou na tabanca de Amindará (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6580: Ser solidário (77): Em busca de fotos da antiga escola do Gabu (José Bastos, União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa)

Guiné 63/74 - P6655: Convívios (258): 10 de Junho de 2010 (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 19 de Junho de 2010:

Camarada e amigo Carlos Vinhal,
Saudações Tabanquenhas e Guinéuas.
A Direcção do Núcleo de Lagoa - Portimão, da Liga dos Combatentes, levou a efeito a organização e a deslocação ao XVII Encontro Nacional de Combatentes do Ultramar, em 10 de Junho de 2010.
Efectuando-se em autocarro cedido pela C.M. de Lagoa e quase todos os inscritos responderam à chamada.
A viagem seguira a contento e em camaradagem.

Com os melhores cumprimentos “mantenhas guinéuas,”
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto
CCaç 2381 “Os Maiorais de Empada”


Foto 1> Lagoa - Algarve > Junto ao Pavilhão Desportivo Jacinto Correia > 10/06/2010 > Camaradas do Núcleo Lagoa – Portimão, a aguardarem e a responderem à chamada.

Eram 10.00 horas, chegamos junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, onde aí seria celebrada Missa por intenção de Portugal e de Sufrágio pelos que tombaram pela Pátria.

Foto 2 > Lisboa > Praça do Império > Parque auto > 10/06/2010 > Chegada a Lisboa, e a Direcção Núcleo de Lagoa/Portimão a dar os últimos retoques no seu Guião. Na Guiné estiveram, da esquerda e de costas, o José Júlio Nascimento, CART 2520, 1969/70, Xime e o último José Lourenço, CCAÇ 1550, 1966/68, Xime.

Foto 3 > Lisboa > Mosteiros dos Jerónimos > 10/06/2010 > Entrada principal do Mosteiro. Aguardando o acesso à cerimónia da Missa.

Foto 4 > Lisboa > Igreja do Mosteiro dos Jerónimos > Missa de sufrágio > 10/06/2010.

Seguindo-se a Concentração em frente ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.
Efectuaram-se diversas cerimónias, homenageando e exultando o Militar Português.

Foto 5 > Lisboa > Forte do Bom Sucesso - Monumento aos Combatentes do Ultramar > 10/06/10 > Homenagem aos Combatentes e a Fanfarra Militar executando o Toque de Silêncio.

Apraz-me ter conhecido pessoalmente alguns Camaradas e Amigos Tertulianos da Tabanca Grande, dando-me a oportunidade de cumprimentar e/ou confraternizar com:
Gisela Pessoa e Miguel Pessoa; Magalhães Ribeiro; Jorge Canhão; Mário Gualter Pinto (já o conhecia pessoalmente aquando em Buba - Guiné, 1969); José Martins; Fernando Chaputo; Jorge Cabral; J. Mexia Alves (penso que não estou enganado); Vacas de Carvalho e Mário Fitas, havendo outros que no Poste P6588, estão na foto 1 (de Mário Fitas/Miguel Pessoa), tirada após o "Almoço/Convívio 10 de Junho de 2010,” estando eu no meio daquelas torres, na 2ª fila a contar da esquerda, sou o terceiro.

Foto 6 > Lisboa > Junto do Forte do Bom Sucesso > 10/06/2010 > Identificando o grupo: o Fernando Chaputo, o Jorge Canhão “que se agachara para não ficar na foto,” o Mário G. Pinto, o Magalhães Ribeiro e o Mário Fitas.

Por voltarmos a vermo-nos após quase quarenta anos “estórias do passado não faltaram,” contudo quer contar uma do Mário G. Pinto aquando das suas “férias em Mampatá – Aldeia Formosa -Guiné.”
Sabendo eu de factos pontuais, que agora me foram contados na primeira pessoa confirmando e completando o desenrolar da operação.

Em determinado dia de 1969, Grupo In desencadeou uma flagelação a Mampatá, o qual após despejarem o armamento deram ao fresco, tendo na retirada um inesperado encontro com as NT.

Assim, um Pelotão da Cart 2519, Guiné 1969/71 onde o Mário G. Pinto estava incorporado, quando efectuavam patrulhamento e emboscada nas proximidades de Mampatá, ao dar-se a dita flagelação, decidiram o levantamento e regressaram. Eis que têm a surpresa de um encontro com o In que ia em retirada com as armas quase despejadas, as NT em vantagem de intervenção, contra-atacam e perseguem o In, que no campo de luta deixa quatro mortos, mas provavelmente sofreu mais.

Quanto ao nosso Camarada Mário Pinto, na refrega com um elemento In, este enviou-lhe uma rajada de costureirinha, só lhe acertando num braço, mas com o impacto o nosso peso pesado foi ao tapete.

A pedido, mostrou-nos o braço direito e lá estava a cicatriz.

Moral da “estória” dito pela primeira pessoa, o turra era mau atirador, porque dando uma rajada só lhe acertou com uma bala no braço. Gargalhada geral no grupo.

Por conseguinte foi feita a narração de um resumo da minha ida ao convívio do 10 de Junho de 2010, em Lisboa.
Assim há hora aprazada para cada um, todos partiram em paz e se dirigiram aos seus destinos.

Com os melhores cumprimentos “mantenhas guinéuas,”
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto
CCaç 2381 “Os Maiorais de Empada”
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6539: Convívios (162): Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382, 01 de Maio de 2010 em Mira Daire (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 24 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6640: Convívios (172): Encontro/Convívio do BCAÇ 2856, 19 de Junho de 2010, em Amarante (Jorge Tavares)

Guiné 63/74 - P6654: José Corceiro na CCAÇ 5 (13): Ritual do Fanado no Aquartelamento de Canjadude

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 18 de Junho de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Como me tinha comprometido, no P6320**, trago mais uma vez ao Blogue o tema do Fanado em Canjude, Guiné.
Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, assim como a inclusão das fotos onde acharem apropriado.

Um Abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (13)

RITUAL DO FANADO NO AQUARTELAMENTO DE CANJADUDE

Desde criança, com seis ou sete anos, tanto quanto me lembro, que nutro particular interesse por matérias relacionadas com os seres Vivos (a Vida) e a sua interacção com o meio circundante. A curiosidade, o gosto, a vontade de mais saber, foi evoluindo para temas mais específicos, na área da Biologia (Citologia, Histologia, Fisiologia, Anatomia, Genética, Bioquímica, etc. etc.).

Sempre admirei e fico estupefacto, ao confrontar-me com o alto nível de organização social das formigas, e outros insectos, ou seja, a Eusocialidade. Lembro-me dos tempos de criança, as traquinices que eu fazia ao descontinuar os corredouros da passagem das formigas, limpando nos trilhos os seus vestígios de marcação, suspendendo assim a sua azáfama laboriosa, ver as suas resistências até se organizarem novamente e partirem à luta do quotidiano, não sabendo eu, na altura, nada sobre ácido fórmico (metanoico) ou sobre o poder das feromonas. Verificava, inicialmente, a reacção de indecisão e pânico gerado no grupo dos insectos, por lhe faltarem os rastos guias, marcados com feromonas, no seu carreirinho que os orientava rumo ao alvo alimentício, até que se ordenavam e disciplinavam, para logo de seguida prosseguirem, com a sua estafa, em piso adjacente ao descaracterizado, com destino ao objectivo, nos dois sentidos, sem desfalecimento, cansaço, ou desmotivação, mas, antes sim, com expediente, determinação e afoiteza, pugnando pela sobrevivência do formigueiro.

Recordo também a minha perplexidade e admiração, devido à majestosa estrutura social e energia dinâmica das abelhas, na sua labuta infatigável para governar e perpetuar a vida. Intrigava-me a rapidez com que chegavam à descoberta do mel, por mais camuflado que estivesse, elas apareciam num ápice e iam direitinhas ao mel, que eu colocava em caixinhas da pomada dos sapatos, já vazias, em sítios escondidos e de difícil acesso, a dois ou três quilómetros de distância do local onde estavam as colmeias, o apiário, que era do meu avô, um pequeno industrial de mel e seus afins (aguardente, a cera…), que tinha umas centenas de cortiços com enxames de abelhas.

Mais deslumbrado ficava eu quando o meu avô crestava as colmeias, geralmente duas vezes por ano, cujo mel era em cada época de diferente densidade, viscosidade e cor, consoante a captação do néctar, pelas abelhas, era mais ou menos plurifloral. Também era em função do peso que a colmeia tinha e conforme a variação das Estações do Ano, assim como a mudança do local dos cortiços para regiões de mais ou menos floração, que se aferia se devia haver segunda cresta, estes factores tinham muita influência no armazenamento do mel na colmeia.

Logo que o meu avô despregava e levantava o tampo superior do cortiço, ao tirar as “sovinas” (“viros”, pregos de madeira feitos dos caules das “xaras” estevas) e me deixava ver o interior da colmeia, com capelo enfiado na cabeça e depois de utilizar a mecha para afugentar as obreiras, podia observar os seus labirintos de acessos e movimentações, habilmente arquitectados pelos laboriosos animaizinhos, que os dimensionavam com um alinhamento e aprumo constantes, cujos edifícios nada mais eram do que os favos de mel, devidamente organizados e distribuídos pelas trancas cruzadas do cortiço que os suportavam. Ficava intrigado e maravilhado, como é que um insecto tão pequenino a laborar no escuro, conseguia ordenar com tamanha perícia, precisão e beleza, tão preciosas obras de arte, concluídas com todo o rigor matemático, quer na uniformidade de enfileiramento dos acessos, quer na perfeição da arrumação dos favos. Nos favos, os seus alvéolos todos geométricos e homólogos, obedecendo ao rigor das leis trigonométricas, cheios de mel e tamponados com tamanha mestria, tornavam-se tentação para os saborear, despertado no homem o desejo de saquear as colmeias constantemente.

Nos dias de cresta, eu não faltava a esse acontecimento, aguardado com ansiedade e euforia e, logo pela manhã, todo prazenteiro, deslocava-me para o local da faina, onde com curiosidade ficava atento ao desenrolar de todas as tarefas dos crestadores com a crestadeira em punho, para fazer a cresta. Eu, logo que presumisse ser oportuno, seleccionava um favo que me parecia ser o mais perfeitinho, ainda que todos iguais, para me deliciar e besuntar.


Foto 1 - Livro que o meu avô me deu quando eu tinha 9 ou 10 anos.

Ainda hoje guardo um livro que o meu avô me deu, sobre Apicultura, escrito em Espanhol, porque na época não havia nada escrito em Português sobre o tema, andava eu na escola primária.

Tem sido esta curiosidade intrínseca na minha génese, que me tem acompanhado pela vida fora e, foi talvez, por condão a ela, que me ia metendo em palpos de aranha, quando da minha falta de prudência ultrapassei o limite do razoável e quis tirar fotos na mata ao Altar de Rituais do Fanado, onde as meninas de Canjadude iam a ser mutiladas, (Fanado) como relatei no Poste 6320.

Foto 2 - No terreiro sagrado da Tabanca, com o Povo reunido, creio que vedado ao sexo feminino, dá-se inicio aos rituais festivos. Vê-se à frente o Sr. Capitão Costeira, no centro da foto.

Foto 3 - Animal sacrificado, cabrita, que faz parte do ritual e cujas vísceras, e outras partes do corpo, são colocadas numa taloca de árvore sagrada, como oferenda ao Deus Alá.

No comentário que fiz no Poste 6320, prometi que traria o tema do Fanado novamente ao Blogue, isto porque no espaço de um ano houve uma mudança muito acentuada na mente e no procedimento, dos Homens Grandes da Tabanca de Canjadude, para encarar as tradições e dar outra permissividade a toda a problemática que envolve o cerimonial do Fanado. Deu-se uma abertura, salto de gigante, impensável, porque pela primeira vez em Canjadude foi facultado (convidados) aos militares metropolitanos, que se envolvessem um pouco, nos rituais festivos da Tabanca, quer assistindo fisicamente, quer nas tarefas de organização dos meios de suporte, de forma a poder criar condições e disponibilizar estruturas com mais potencialidades de salubridade, para que a execução do Fanado fosse operado em local menos inclemente, com utensílios e meios mais higienistas (anti-sepsia), de forma a minimizar os efeitos funestos das infecções e seus colaterais.

Foto 4- Reunião dos Homens Grandes das etnias representadas, Anciães, a planear o desenrolar do ritual, vendo-se no meio, o Sr. Capitão Costeira.

Foto 5 - Momento solene de passagem de penhor.

Esta abertura de comportamento da parte dos civis de Canjadude, deve-se em parte ao empenho e envolvimento do Sr. Coronel Arnaldo Silveira Costeira, que na época como Capitão, foi um dos quatro Comandantes na CCAÇ 5, que eu conheci. Foi a diligência e a visão para por em prática, toda uma política de reconciliação e entrosamento à comunidade civil, levada a cabo pelo Sr. Capitão Costeira, homem com sensibilidade, sensatez, sentido de responsabilidade e dever, que estimulou toda uma conduta de avizinhamento, favorável para os militares e civis. Soube interpretar e aproveitar, no bom sentido, as deliberações das linhas orientadoras da política que aspirava implementar na Guiné, o Comandante-Chefe, Sr. General António Spínola, (vulgarmente chamada “psico”) tão propalada na altura em que o lema era “por uma Guiné Melhor”. A partir daqui, creio eu, que as portas do Aquartelamento Militar de Canjadude, ficaram mais permeáveis e acolhedoras às celebrações das solenidades civis, dando assim um contributo e prova de compromisso para uma aproximação sadia entre civis e militares, assim como ficou implícito uma confluência de sinergias propícias à melhoria da qualidade de vida da população civil, contribuindo de alguma maneira para um ajuste de vontades. Houve uma mudança perceptível para melhor, com mais confiança, acolhimento e doação, na coabitação dos civis com os militares, desde que eu cheguei a Canjadude, até sair de lá, algo melhorou.

Foto 6 - Deões juntos com a criançada e com os animadores de festividades, cujo trio se vê em último plano, de pé, tendo um polo verde.

Foto 7 - Início da preparação das meninas de Canjadude que iam ser Fanadas, com os familiares.

Em rituais de Fanado, as crianças ficaram um pouco mais protegidas, ao ser feito no Aquartelamento, onde se criaram algumas condições de salubridade e assepsia, não tantas quantas o acto exigia, mas já foi positivo. É digno de destaque o precioso contributo do envolvimento do pessoal de enfermagem que estava a postos para socorrer alguma urgência, ou se algo descambasse para além do propósito. Neste âmbito, pode dizer-se que já foi uma pequena vitória.

Para mim, é muito complicado compreender a circuncisão nos dois sexos como imposição religiosa, ou a base que sustenta a sua execução. É lógico, que no homem, quando necessária, por uma questão de sanidade, ou disfuncionalidade, (fimose, com anel prepucial muito apertado, podendo provocar estrangulamento) deve ser praticada em condições higiénicas.

A abominação, pela circuncisão masculina, dobrou ao ver dois miudinhos na “enfermaria” de Canjadude, a fazer curativo ao pénis, com a glande e área do sulco coronal, tudo infeccionado devido a uma má prática da circuncisão e, à dilação de tempo que mediou até os familiares decidirem, com tibieza, que as crianças precisavam de ser observadas e tratadas. Uma das crianças aparentava já não ter glande peniana, confundia-se glande com coroa peniana. Por aquilo que vi, fiquei sem saber se foi no acto da circuncisão, em que um auxiliar distende o prepúcio com uma das mãos, num sentido, retraindo a glande com a outra mão, no sentido oposto, com o pénis apoiado num cepo (base de encosto) para decepar o prepúcio com objecto cortante. Não sei se terá sido ao executar a acção de eliminar o prepúcio, que terá falhado a orientação do cutelo rumo à direcção do objectivo e, mutilaram acidentalmente parte da glande, ou se foi devido à evolução da infecção, que já estava em estado avançado, pois mais parecia que ia tudo gangrenar, porque os familiares só recorreram à enfermaria em último caso e com desconfiança. O que esta criança padecia/ceu, pois até urinar se tornava suplício …

Foto 8 - Preparação dum bebé para ser Fanado.

Foto 9 - Meninas de Canjadude a serem preparadas (perliminares) para o Fanado.
Ora, se eu era um inconformado e execrava a circuncisão masculina da maneira e razão pela qual era feita, muito mais me repugnava o acto da excisão do clitóris e dos pequenos lábios vaginais, nas meninas, ou seja a Mutilação Genital Feminina. Acção horrenda, impossibilitando e negando à mulher o direito ao prazer sexual, além de todos os inconvenientes para a saúde mental e física, assim como ficam sequelas, durante a vida, geradoras de graves problemas nefastos para a função da maternidade. Ainda que na mulher, a região púbica seja pouco ramificada por terminações nervosas, mutilar sem anestesia e anti-sépcia, e sabe-se lá com que tipo de objecto cortante, deve ser horripilante para a criança o feito que a fanateca executa ao fanar os órgãos do corpo da infeliz fanada. (nos partos quando a dilatação não é suficiente e há perigo de rasgar a abertura vaginal, o mais provável é que o médico, para controlar e orientar o rasgo, se antecipe e dê um corte a frio, (episiotomia) na zona do períneo e, é depois provável, que a sutura do corte até seja feita sem anestesia, atendendo à particularidade de insensibilidade da região púbica da mulher).

A MGF é uma prática execrável, e é lamentável que os Portugueses, nos séculos que estiveram à frente dos destinos da Guiné, nunca tivessem tido a preocupação, para ir minimizando a barbárie, que é, a prática da execução da Mutilação Genital Feminina.

Foto 10 - Rapazes de Canjadude calçados a caminhar na Tabanca rumo ao Aquartelamento para serem Fanados.

Foto 11 - O Sr. Capitão Costeira, como anfitrião, a receber e a cumprimentar à entrada da porta do Aquartelamento, os rapazes que se dirigiam para o local onde iam ser Fanados, a quem desejava felicidades.

Pelos relatos e descrição que me foram feitos por nativos de Canjadude, a forma como era efectuada a MGF, era dum barbarismo primário, consumando-se o fanado da pobre criança, na presença das outras meninas do grupo, insurgindo-se estas, negativamente e repudiando a que estava a ser fanada, caso esta chorasse ou tivesse lamentações. No cerimonial as meninas caminhavam descalças.

Nos preparativos que antecediam o acto da circuncisão dos rapazes, posicionavam-se em alinhamento, sendo incentivados por um adulto, a entoar cânticos guerreiros para exorcizar os espíritos malévolos e maus-olhados, assim como serviam, o extasiar dos cânticos, para expulsar o medo e incutir coragem e orgulho aos efebos.

Foto 12 - Rapazes no local onde estavam a ser Fanados, dentro do Aquartelamento, lado direito quando se saía para Nova Lamego, entre as rochas e o abrigo das praças, a entoar hinos guerreiros dirigidos por um adulto. Podem ver-se os biombos e estruturas, instalados pelos Militares. Aqui, os rapazes já estão descalços, em sinal de pureza e humildade para terem contacto com a terra.
Pelo que sei do fanado dos rapazes, estes não assistiam visualmente à circuncisão do companheiro, cada um avançava por sua vez para o local onde era executado o acto, ouvindo-se de seguida gritos lancinantes deste, quando lhe eliminavam o prepúcio. Logo de seguida, ele já fanado, saía do local aos saltos, a rir e a dizer que já era homem. No cerimonial os rapazes caminhavam calçados.

Em Canjadude estavam representadas quase todas as etnias do povo da Guiné, pelos militares da CCAÇ 5, e suas famílias. Cada etnia realizava o fanado nos seus membros em idades distintas. Havia etnias que o executavam logo em bebés e outras só o faziam já em adultos.

Foi insensibilidade dos nossos governantes, ao longo de anos e anos, ignorarem esta prática aberrante, sobre tudo no sexo feminino, sem que nada tenha sido feito para a debelar, quer em termos de educação, sensibilização, ou sanidade, faltou coragem e arrojo, para enfrentar o problema, embora o fármaco fosse difícil de administrar, mas era preciso curar esta tradição anormal e desviante no ser humano, mas nada foi feito, mesmo agora, parecem andar adormecidos os defensores da libertação da mulher! Foi pena…

Um abraço para todos e boa saúde.
José Corceiro

P.S.
Lanço um repto a algum camarada que tenha sido efectivamente Fanado e que com conhecimento de causa, nos possa tecer algum comentário, esclarecedor, sobre o significado das diversas etapas do ritual porque passam, até ser Fanado, referenciando as próprias fotos.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6641: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (22): José Corceiro, um bom filho, um melhor pai, um avô babado

(**) Vd. poste de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6320: José Corceiro na CCAÇ 5 (10): Dia de Fanado em Canjadude

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6527: José Corceiro na CCAÇ 5 (12): Canjadude visitada por dois ilustres Generais

Guiné 63/74 - P6653: In Memoriam (46): Luís Zagallo de Matos, herói do Cuor (Beja Santos)


Luis Zagallo de Matos, ex-alf mil CCAÇ 1439 (1965/67)


1.
  Mensagem do Mário Beja Santos, com data de ontem:


Queridos amigos, Não tenho coragem de telefonar ao Mamadu Camará, ao Queta ou ao Abudu e dizer-lhes que o herói do Cuor abandonou a cena, ainda andou lá pelo firmamento, com garrulice, a despedir-se das gentes que guardam o seu nome. Ali, entre os regulados do Enxalé e do Cuor, ele foi herói, irã e deus da guerra. Coisa curiosa, colou-se à minha pele porque era o nome mais admirado nas gentes que eu comandei. Também por isso me curvo respeitosamente pela sua memória. Um abraço do Mário


Lembranças do Luís Zagallo de Matos (*)
por Beja Santos


Algures, por meados de Maio de 1968, foi-nos comunicado no Regimento de Infantaria nº 1 que o BCaç 2851, de que eu fazia parte, ia seguir para a Guiné, em Julho. Conversando com a Cristina, ela pediu-me insistentemente: "Fala já com o Luís Zagallo, ele veio da Guiné, seguramente que te pode informar do que é que vocês lá vão encontrar. Tens aqui o telefone. Ele trabalha com a família ali para os lados de Santos".


A Cristina fizera amizade com ele na Faculdade de Letras e depois no respectivo grupo cénico, já nessa altura o Luís Zagallo revelara a sua garra de artista e o seu pendor para as artes da encenação. Não fui muito feliz na conversa ao telefone. Disse-me abruptamente que a Guiné era um livro fechado, que pretendia esquecer tudo, era sítio que não recomendava a ninguém, e por aí adiante. Confesso que achei toda esta conversa desprimorosa, havia outros pretextos para não chegarmos à fala, já que era exclusivamente a Guiné o assunto a deslindar. E esqueci o encontro que não chegou a ter lugar.


E em Agosto chego a Missirá. Duas ou três noites depois de lá viver, nas rondas, em conversas com as sentinelas, um nome se foi impondo nas lembranças dos soldados: alfero Zagallo (foto à esquerda), da companhia dos madeirenses [,CCAÇ 1439, Enxalé, 1965/67,], era esta a permanente referência do heroísmo puro, o militar de peito feito, em África ou se ama o guerreiro imortal ou se esquece rapidamente o homem comum.

Toda esta aura entre o mitológico e sobrenatural levou-me a perguntar ao Saiegh: "Quem é este alferes Zagallo que anda na boca do mundo, este semi-deus do heroísmo incomparável?"


E a verdade irrompeu como bomba: estávamos a falar de Luís Zagallo de Matos (foto acima), o mesmo que tinha estagiado em Paris e no Teatro Nacional D. Maria II. Daí as cartas que lhe enviei, algumas não obtiveram resposta, outras trouxeram as fotografias que os soldados pediam, vieram notícias inócuas, muitos cumprimentos, numa dessas cartas (aqui está a arte de bem representar) o Luís chegava ao cúmulo de prometer voltar a Missirá e ao Enxalé. O teor das cartas que lhe enviei e de que guardei lembrança, vêm nos meus dois livros sobre a minha comissão na Guiné (**).

O resto está escrito no blogue, era uma morte anunciada. O astro definhara depois de um brutal AVC, recusava ver amigos e conhecidos. Afugentou-me do seu quarto, na Casa do Artista. Depois fui lá com o João Crisóstomo, aceitou ver-me. Levava decorada a mensagem, saiu-me de um só jacto, era a minha vez de me pôr no palco: "Luís, os nossos soldados nunca o esqueceram. O seu nome é sempre lembrado em Missirá e no Enxalé. O Luís é o destemido condutor de homens que eles recordaram com grande saudade. Veja se melhora e cumpre a promessa de lá voltar".


Com um nó na garganta, acabei a prédica em frente daquele homem acamado que dava contínuos sinais de desalento para a vida. Sorriu-me, virou-me a cara, a conversa findara.


No dia seguinte, na reunião em Coruche, ele foi recordado. No domingo passado, a minha filha telefonou-me ao princípio da tarde, o Luís tinha partido. Claro que não partiu, anda a parodiar nos céus do Cuor, se fosse uma personagem do Jorge Amado emborcava cachaça, metia-se num jipe de madrugada e ia de Enxalé até Missirá a afugentar os demónios, cantarolando. Mas não, ele esvoaçou por aqueles céus e recordou, na plenitude, as amizades que ali fez, cumpriu a promessa visitando as gentes que nunca o esqueceram. Agora descansa em paz, tem direito à representação final. 


Mário Beja Santos


[ Fixação de texto / Bold a cores: L.G.]
___________


Notas de L.G.:


 (*) Vd. poste de 27 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6646: In Memoriam (45): Luís Zagallo (1940-2010), actor e encenador, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67)


(**) Vd. 30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)


Carta para Luís Zagalo Matos

(...) "Estimado Luís Zagalo:

"Obrigado pela sua carta. Li-a aos homens de Missirá, riam e batiam as palmas de contentamento por saber que não esqueceu este povo. Vou tirar fotografias e mandar-lhe. Tenho aqui um soldado que insistiu em contar-me as suas façanhas, ele estava de sentinela e durante horas ouvi falar de si, arrumando ideias sobre o princípio da guerra e o seu desenvolvimento até hoje.



"Os meus soldados estavam em Enxalé ao tempo em que aqui havia uma companhia, a que V. pertencia. O pelotão 54 estava em Porto Gole, o 52 acabava de chegar a Enxalé. V. estava destacado em Missirá e fazia frequentemente o percurso com dois Unimogs e um jipe, reabastecia-se no Enxalé. Até ao dia em que uma mina anticarro mudou tudo, na curva de Canturé em ligação com a estrada ao pé de Gambana.

"Este meu soldado, de nome Queta, contou-me que um furriel ficou tão despedaçado que foram buscar as pernas a uma árvore. Para este povo V. é um herói porque conhecia toda esta região, era destemido e amigo de ajudar. O Queta não é para intrigas, baixou a voz e disse-me "Nosso alfero, Zagalo ia a toda a parte mas tinha medo de ir ao Gambiel, pois naquela altura as tropas portuguesas abandonaram os quartéis em Mansomine e Joladu, só ficou Geba". Como não lhe quero tirar os méritos, estou inteiramente à sua disposição para o levar ao Gambiel, se este episódio for importante para que o seu nome se torne numa lenda.

"Por aqui, chegou a minha vez de ter o quartel incendiado e de estar a viver as maiores dificuldades. Mas não vou incomodá-lo mais com esta guerra, fico feliz por saber que V. foi colega da Cristina. Como não irei a Portugal tão cedo, e se for possível ajudar-me peço-lhe que lhe telefone e lhe fale desta guerra, desdramatizando o que é possível desdramatizar.

"Prometo mandar-lhe as fotografias em breve, não espero ir ao Enxalé mas vou mandar fotografias do Geba e dos palmeirais à hora do pôr do Sol. Se lhe for possível, na resposta mande-em uma fotografia sua para eu entregar ao régulo. Só fiquei triste em saber que V. nunca mais teve um sono completo e que tem pesadelos quando se lembra dos momentos trágicos que passou. Desejo que recupere e peço-lhe por tudo que me dê companhia, pois os amigos de Missirá meus amigos são. Até breve" (...).