quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7404: Efemérides (58): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (4) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando conclusão à serie iniciada nos postes P7388, P7393 e 7400, publicam-se hoje mais 8 fotos e 1 importante documento alusivo à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro,  Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.

Camaradas,

Hoje publicam-se as últimas 8 fotos da cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC (40 fotografias e 2 documentos históricos), cuja série foi lançada nos postes P7388, P7393 e 7400, que teve que ser dividido em 4 postes, devido aos seus mais de 12 MB (Megabytes).

Hoje também tive que voltar atrás ao P7393, a fim de colocar uma das fotos mais importantes deste acontecimento, que me havia escapado, e que mostra a presença de vários comandantes dos sectores Norte, Centro e Sul do PAIGC (sujeito a confirmação).

Aproveito para pedir desculpa a todas aquelas pessoas que têm acompanhado a sequência desta publicação, pela deficiente identificação das pessoas que aparecem nas fotos do poste P7393, que, como é óbvio, sempre pensei ser a correcta.

Referi no poste P7400, que conto com a prestimosa e amável colaboração do nosso Amigo Nelson Herbert que,  correspondendo de imediato ao meu pedido de ajuda na referida identificação, emitiu essa mesma solicitação para os seus familiares e amigos na Guiné.

Assim, logo que o Nelson conseguir obter alguma informação adicional e me a proporcione, procederei oportunamente às devidas correcções.

Muitíssimo obrigado a todos.

O fim do Império português na Guiné 

Lembro que esta cerimónia aconteceu em 9 de Setembro de 1974, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC.

Espero com este depoimento ter dado uma ideia do “filme” deste importante acontecimento, para quem se interessa por estas coisas, que também pode ser visto em filme, mesmo a sério, na série televisiva: Século XX Português, da SICnotícias – no Episódio sobre a “Descolonização”, acompanhado de uma curta entrevista, que ali prestei há uns anos atrás, sobre os factos então vividos. 

Troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74 - ten cor Américo da Costa Varino -, conversando com Manuel Nandinga do PAIGC 
  Aqui estava eu, "apanhado" em estado espectante pelo Alf Mil Oliveira Matques, entre os inúmeros jornalistas e populares que testemunharam e registaram no papel, em fotos e filme a sequência do acontecimento Jornalista europeus eram muitos: portugueses, franceses, suecos, holandeses, etc.

Foi grande a confusão na fase das entrevistas, pois a multidão cercava-nosAqui temos o ten cor Américo da Costa Varino  [, cmdt do BCAÇ 4612/74,] prestando as suas declarações sobre o que pensava em diversas matérias, como o fim da guerra e o futuro de Portugal e da Guiné-Bissau O representante de Nino Vieira na cerimónia prestando o seu depoimento aos jornalistas A pedido de diversos jornalistas, um dos mais significativos Comandantes do PAIGC - Manuel Nandinga -, prestou também algumas declarações

Manuel Nandinga - Comandante do PAIGC -, visto de outro ângulo
  Diário de notícias > 18 de outubro de 1997 > Passaram-se 23 anos e a primeira vez que alguém quis saber algo mais sobre esta efeméride foi o jornalista Francisco Mangas, do DN na data indicada, que me solicitou uma entrevista. Como eu descrevi e elogiei a grande disciplina e ordem sempre mantidas, em todas as missões e serviços, pelos militares da CCS do BCAÇ 4612/74, resolveu pedir uma entrevista ao 2º Comandante do Batalhão - Major Ramos de Campos -, que lhe proporcionou estas interessantíssimas e históricas palavras 

Eu, foi assim que descrevi aquilo que vi:

1
Assim, no dia 9 de Setembro
Foi determinado “superiormente”
“Entregar” este quartel aos “turras”,
Oficial e cerimoniosamente

2
- Você, entrega a cantina de manhã!...
Diz o Comandante com resolução
- E de tarde, vai arriar a bandeira...
Avance firme e sem hesitação!


3
De manhã “entreguei” o estipulado
A um PAIGC com ar simplório
A arrecadação de géneros...
A cantina e o refeitório


4
À tarde começaram a surgir nativos,
Às centenas, de todos os cantos
A pé ou em camiões, amontoados
Nunca pensei qu’eles fossem tantos.


5
A certo momento todo a rigor
Surgiu em marcha cadenciada
Um grupo de combate dos “turras”
E atrás uns “pioneiros”... em parada.


6
Muitos fotógrafos, jornalistas, e…
Convidados das Comunidades!
Após as apresentações da praxe
Deu-se início às formalidades.


7
Frente à nossa tropa ali formada,
Ondulava ao vento a Bandeira,
Parecia acenar um longo adeus
Àquela inóspita torreira.


8
Ao avançar para o velho mastro
Pensava nas contradições do acto,
Cada passo era um certificado
Que o fim da guerra... era um facto.


9
Por a sua vida já não arriscarem,
Os “periquitos” rejubilavam,
Enquanto tristes e conformados
Os "velhinhos" combatentes choravam.


10
Toca o clarim… o Hino Nacional…
A nossa Bandeira foi retirada
E, para regozijo dos PAIGC’s,
A deles, Guiné-Bissau, foi içada.


11
Nas fotos e entrevistas finais,
Entre tudo aquilo que foi dito,
Duas perguntas reti na memória
E penso dever ficar aqui escrito.


12
- Que pensa da política “salazarista”?...
- E sobre os qu’aqui perderam a vida?
- Os erros políticos pagam-se caros!...
- Pelos mortos, veneração sentida!

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74


Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.~
__________

Nota de M.R.:

Vd. os três postes anteriores desta série em:

6 de Dezembro de 2010 > 

Guiné 63/74 - P7403: Recortes de Imprensa (36): Gandembel/Balana, com o Hugo Guerra (Pel Caç Nat 55) e o João Barge (CCAÇ 2317)























Excerto de reportagem do jornalista César da Silva, "Um repórter na guerra da Guiné (Conclusão): Em Gandembel, o adeus à guerra. Diário Popular, 17 de Março de 1969, p. 11 (Página digitalizada por Hugo Guerra. Imagens editadas por L.G.)



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (comandante do Pel Caç Nat 55)...




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1969 (?) > O João Barge (Alf Mil, CCAÇ 2317, 1968/70), ao centro, "descansando de Gandembel", com o Hugo Guerra (à sua direita) e o Fur Mil Palmeirim, "do meu pelotão", ou seja, do Pelç Caç Nat 55... Estiveram juntos em Gandembel / Balana...

Fotos: © Hugo Guerra (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Comentário do Hugo Guerra ao poste P7398 (*)

Quando o João Barge chegou a Gandembel [, em Outubro de 1968,], o Pelotão que ele ia comandar estava em Ponte Balana comigo e foi para aí que ele se deslocou.

Passámos juntos mais de dois meses e com ele que "fechei a porta " em Ponte Balana [, em Janeiro de 1969]. Era um amigo bom , calmo e pachorrento, com uma cultura muito acima da média. Sabia falar árabe e com isso se entretinha a falar com alguns dos nativos do meu Pel Caç Nat 55.

O abrigo, no qual ele parece estar a entrar, foi feito pelos seuss homens em Ponte Balana em Outubro ou Novembro de 1968 e era aí que dormia com os Furriéis do seu pelotão.

Quando precisei dele como minha testemunha num Processo por doença, de imediato respondeu afirmativamente e lá veio a Lisboa, onde nos encontrámos há 5 anos. 

Estivemos juntos pela última vez em Monte Real, este ano [, por ocasião do V Encontro Nacional da Tabanca Grande,] e cconversámos emocionados, embora nada deixasse transparecer do seu estado de saúde.

Perdi um grande amigo e camarada de armas. Paz à sua alma, onde quer que esteja. Os meus sentidos pêsames à família.


P.S.- Fui eu e não o Hugo Moura quem avisou o Vinhal logo no dia do falecimento. 

________________

Notas de L.G.:


(*)  Vd. poste de 7 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

(**) Último poste da série > 26 de Novembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7343: Recortes de imprensa (35): Manecas dos Santos, o último dos cabos de guerra do PAIGC, que comandou os Strela e o cerco a Guidaje, estará na 2ª feira, 29, no lançamento do livro de Moura Calheiros (Diário de Notícias)

Guiné 63/74 – P7402: Parabéns a você (182): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pel Canhões S/R 2054 (Miguel Pessoa/Editores)


1. Completa hoje mais um aniversário o nosso Cmarada Jorge Teixeira / Portojo, (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), a quem dedicamos este poste:

Postal de aniversário dedicado ao aniversário do jorge Teixeira pelo nosso Camarada Miguel Pessoa
Guiné> Região de Tombali >
Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Catió - Quartel > "Foto nº 25 - No novo Bar de Sargentos em 1968. De pé os Fur Mil Pires, Mendonça, Laurentino (do serviço Foto Cine de Bissau), Condeço e Cabrita Gonçalves; em baixo o Teixeira e o Gil".

3. Ao Jorge Teixeira, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais tertulianos, aqui endereçamos as maiores felicidades, melhores níveis de saúde e alegria, junto dos teus queridos familiares e amigos, neste seu dia de aniversário, desejando que o mesmo se prolongue por muitos, prósperos e felizes anos.
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7367: Parabéns a você (181): Herlander Simões, ex-Fur Mil At Inf CART 2771 e CCAÇ 3477 (Nova Sintra/Nhacra/Guileje-1972/74) (Editores)

Guiné 63/74 - P7401: A minha CCAÇ 12 (10): O inferno das colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, na época das chuvas, 2º semestre de 1969 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Coluna logística Bambadinca -Mansambo - Xitole - Saltinho > Viaturas civis passando pelo destacamento da Ponte dos Fulas.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Xitole > A secção do Humberto Reis, do 2º Gr Comb, deslocando-se num burrinho (Unimog 411).


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1969 > Vista aérea do aquartelamento da CART 2339 (1968/69).


Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Vista aérea do aquartelamento e povoação do Xitole 





Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole > Efeitos da explosão de uma mina A/C


Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole > Rodado de viatura e ao lado o buraco de uma mina A/C detectada e levantada a tempo.




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) >  CCAÇ 12 (1969/71 ) > Uma GMC transportando bidões (de água, de areia ou de combustível ?)




Guiné > Zona Leste < Sector L1 (Bambadinca) >  CCAÇ 12 (1969/71 ) > Chegada ao Saltinho.. Ponte Craveiro Lopes sobre o Rio Corubal... O troço de estrada a seguir, para Aldeia Formosa, estava interdita... Na imagem,  em primeiro plano os Fur Mil Reis (Humberto) e Levezinho (Tony)... De costas, o Fur Mil Henriques (L.G.)


Fotos: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados






Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça [, ex-Fur Mil Henriques, foto à esquerda, na companhia do Sold Cond Auto Dinis Giblot Dalot, na estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole]:




1. Dizem que há dias de sorte: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem dessa operação logística em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembram-se ?) (*).


O Dalot adorava conduzi-las. Ninguém melhor do que ele para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva, de atolar-se na berma da estrada ou afocinhar numa bolanha… Ninguém melhor do que ele para conduzir este mamute de ferro, carregado com três toneladas de sacos de arroz… Ninguém melhor do que ele, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares… Nem que para isso tivesse que trazer o semi-eixo agarrado ao cabo de aço, como aconteceu mais do que uma vez (que eu vi!)...


Na galeria dos meus heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores… Mas não há heróis perfeitos: por exemplo, o Dalot (leia-se Dalô, que o apelido é francês), o Dinis Giblot Dalot,  só não tinha faro para as minas, que isso era tarefa dos picadores [. Continua, aos 63 anos, a conduzir camiões por essas estradas fora... E continua a ser o mesmo reguila que eu conheci... O Cap Brito deu-lhe uma porrada, mas eu nunca cheguei a saber porquê...].


O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. Estava-se em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de material para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).


Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de meio milhar de homens, fora a população local, guias e picadores que dependiam inteiramente dos abastecimentos feitos pela tropa. Nós levávamos-lhes praticamente tudo: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, as batatas, as cebolas, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, etc. E claro, o correio, e às vezes até umas bajudas de Bafatá a que os brasileiros chamariam hoje  garotas de programa...sem esquecer as pastilhas de quinino e as bisnagas de pomada antivenérea. 


Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Comboios, era o termo correcto: dezenas e dezenas de viaturas civis e militares, formando uma fila de quilómetros... Não me perguntem de onde vinham as viaturas civis: não faço a mínima ideia... De Bissau, seguramente que não vinham já que a estrada de Bissau-Bafatá, ao longo a margem direita do Geba, estava interdita nalguns pontos (por exemplo, entre Porto Gole e Missirá).


Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau, rio Geba acima,  em LDG até ao Xime  ou até Bambadinca (onde havia uma destacamento do BINT - Batalhão de Intendência), no caso dos barcos civis e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). As Berliet e as GMC (e, mais tarde, as camionetas civis) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta, uma secção ou menos.


Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). Tanto quanto me lembro, a estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita (opu podia ficar na iminência de ficar interdita), pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (,embora pertencessem a Galomaro, sede do Sector L5). No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969, no troço entre Mansambo e Xitole.


O Op Belo Dia, a 4 de Agosto de 1969,  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as principais unidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento .


Também as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) já aqui foram relatadas (*). 

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (vd. relato do que se passou em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…


Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês: vd a propósito o post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) considerava-me já quase um veterano…


Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 valentes picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão..


A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta, as bolanhas e os afluentes de diversos rios, era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos… 


Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia física e mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

2. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 30 Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo as cartas militares do sector:


Op  Belo Dia III



"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA

[Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].


"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas] que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.


"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando volante] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".

Op Alabarda Comprida



A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:


(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.


A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.


A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).


A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias). No tempo seco, o inferno, para além das minas, era o pó, o terrível pó que cobria tudo e todos...


O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.



Fontes consultadas:


História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II.

Diário de um Tuga, de Luís Graça (arquivo pessoal)

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série

__________


Nota de L.G.


(*) 28 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7400: Efemérides (57): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (3) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando seguimento à serie iniciada nos postes P7388 e P7393, continua-se a publicação de várias fotos e documentos alusivos à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, fui Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.
Camaradas,

Como já disse no poste P7388, esta matéria sobre a cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o P.A.I.G.C., devido ao seu peso informático (40 fotografias e 2 documentos históricos) teve que ser dividida em 5 postes, que vou tentando colocar durante esta semana, para que, aquelas pessoas que acompanhem a leitura, não percam a sequência de factos e fotos.
O fim do Império português na GuinéHoje publicam-se mais 10 fotos da referida cerimónia, que aconteceu em 9 de Setembro de 1974 – aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao P.A.I.G.C.

Já solicitei ao nosso Amigo Nelson Herbert que, face às boas dicas que inseriu nos comentários, me ajude a identificar correctamente as senhoras, os meninos e os meninas das fotos do último poste, para proceder oportunamente às devidas correções.

Registo aqui, desde já, o meu melhor apreço e agradecimento à amabilidade e prontidão com que o Nelson Herbert se prestou a ajudar-me, respondendo de imediato a este meu pedido.

Muitíssimo obrigado.

A bandeira nacional aguardava ondulante e serena o desfilar dos factos

Um dos soldados do BCAÇ 4612/74 observava os últimos minutos em que a bandeira nacional permaneceu no mastro

A chegada ao mastro e a preparação para o derradeiro arriar da bandeira portuguesa no quartel em Mansoa

Aqui já a bandeira descia a meia haste

A recolha da bandeira

A recolha da bandeira fotografada de outro ângulo pelo Alf Mil Oliveira Marques

Foi a vez de um homem do PAIGC iniciar os preparativos para o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau em Mansoa



O homem do PAIGC estava um pouco nervoso...

Mas finalmente a bandeira estava atada e pronta

A bandeira já a meia haste, fotografada de outro ângulo, pelo Alf Mil Oliveira Marques

Assim nascia uma nova Nação em África - a Guiné-Bissau



A bandeira ondulava ao vento firme e formosa
O mastro desceu aprumada em atitude imperial
À multidão, ali em Mansôa, parecia afirmar:
«Aqui, esteve presente… o esplendor de Portugal!»


NÃO ERA UMA BANDEIRA QUALQUER
A Bandeira ondulava ao vento... firme e formosa,
Naquele alto e velho mastro do quartel... como voa,
O esplendor de Portugal garantia... assaz vaidosa.
Quanta veneração em sua honra... e quanta loa,
Tais façanhas heróicas dali presenciou... orgulhosa!
Bradai - às armas - lusitanos... se o inimigo soa,
Qu’Ela é o símbolo magno de união... gloriosa,
S’ameaça à Pátria algum inimigo... apregoa!
Qu’a garra deste povo... tem engenho e arte talentosa,
P’ra levar de vencida... que seja a besta em pessoa!
Qu’ali num naco d’África cumpriu de forma honrosa,
Dando mostras de valor indómito qu’inda hoje ecoa!
Até q’um dia no país se levantou tropa revoltosa,
Reformando a política do Ultramar... em Lisboa,
E qu’emanou então para Bissau determinação rigorosa;
Que em Portugal, a liberdade, é bombarda qu’atroa,
E independência às colónias concedeu airosa,
Em assinatura... cuja data ainda hoje ressoa;
Nove de setembro de setenta e quatro... luminosa.
Também, nesse dia, a Bandeira foi arriada em Mansoa,
Pondo termo a séculos de História maravilhosa,
Pela derradeira vez... em cerimónia digna da “Coroa”,
Perante multidão exultante... e soldados da Nação briosa.
E, assim, a Guiné... sua sorte... embarcou em nova canoa!

(continua)
Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. os dois postes anteriores desta série em: