domingo, 30 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7697: O Spínola que eu conheci (23): No serviço de estomatologia, no HM 241, e eu a segurar-lhe o monóculo (Mário Bravo)


Guiné > Bissau > 1972 > A "Casa dos Médicos"...



Guiné > Bissau > 1972 >  A Messe de Oficiais...


Guiné > Bissau > 1972 > O "Biafra", o local de instalações dos oficiais recém-chegados...

Fotos:  © Mário Bravo (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados 

1. Mensagem de Mário Bravo [, foto à direita],
com data de 26 do corrrente:

Bom Dia

Luis Graça

Reatando a descrição da minha estadia na Guiné [, aonde cheguei em 20 Novembro de 1971, tendo ficado cerca de 15 dias em Bissau], lá vão mais umas notícias e informações que poderão servir para encontrar algum camarigo esquecido ou perdido neste País.

Após saída de Bedanda [, onde estive entre Dezembro de 1971 e Março de 1972, com visitas a Guileje, Gadamael e Cacine, ], fui colocado em Bissau, [ no HM 241,] no serviço de Estomatologia (Medicina Dentária), para aprender a tirar dentes, pois era essa a nossa função.

Nesse estágio, que foi orientado por um colega, médico, de Coimbra - Negrão - com o posto de capitão miliciano. O outro colega nesse estágio, também de Coimbra, chama-se João Barata Isaac.

Aproveito para contar um episódio ocorrido com o Marechal Spínola [, na altura general]. Como todos sabemos,  o Marechal usava de modo constante um monóculo que era a sua imagem de marca. Um dia teve necessidade de consulta de Estomatologia e lá foi ao Hospital Militar. Era sempre um momento de alguma confusão e eu lá estava a tentar aprender a tirar dentes.

É evidente que quem o tratou foi o Chefe, mas havia necessidade que alguém tomasse conta do monóculo e logo me tocou a mim. É engraçado que senti aquele receio de ser o fiel depositário de tão solene objecto. Mas consegui não o deixar cair !!!

O Hospital Militar de Bissau, era na época um exemplo fantástico de modernidade e eficácia.

Vou enumerar alguns médicos, colegas com quem convivi nesse periodo de tempo e até pode acontecer que algum venha a terreiro.

Começo por recordar com saudade um já falecido, o [Henrique] Bicha Castelo, cirurgião de Lisboa,  e que operou o escritor  António Lobo Antunes  [que lhe dedicou o seu livro O Meu Nome É Legião, 2007].

Na Cirurgia estavam o Dr. Rodrigues Gomes (hoje fazendo parte da Fundação Gulbenkian), bem como o Dr. Calheiros Lobo, do Porto,  e também falecido.

Na Ortopedia estava o Dr. Asdrúbal Mendes, do Porto e com quem trabalhei mais tarde nessa área.

Muitos outros conheci, mas já não me recordo dos seus nomes.

Para ilustrar minha passagem por Bissau, junto umas poucas fotos, referidas a essa terra, de luxo, pois aí havia a possibilidade de viver um pouco mais sossegado e com algum conforto, inexistente no mato.

Quem é que não recorda aquelas deliciosas ostras do Café Bento - a chamada 5ª. REP - , bem regadas com umas bazucas !

As fotos vão em separado.
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Nota de L.G.:

Vd. postes anteriores da série &gt

7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6332: O Spínola que eu conheci (18): O COMCHEFE de visita a Galomaro (António Tavares)

6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6326: O Spínola que eu conheci (16): A visita de inspecção ao BART 2917 e suas subunidades, Sector L1, Bambadinca, de 16 de Novembro a 19 de Dezembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça) 

29 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6277: O Spínola que eu conheci (15): Muito obrigado pelas palavras que proferiu em S. Domingos (Bernardino Parreira / Plácido Teixeira)

17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6168: O Spínola que eu conheci (14): Sempre vi naquele homem, trinta e quatro anos mais velho do que eu, o Chefe Militar (Torcato Mendonça)

16 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6164: O Spínola que eu conheci (13): Os ananases que não chegaram à mesa do Palácio do Governador-Geral (Jorge Félix)

15 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6160: O Spínola que eu conheci (12): Missirá, Dezembro de 1970, vésperas de Natal: Quando Sexa, o Caco, ia perdendo o dito... (Jorge Cabral)~

15 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6159: O Spínola que eu conheci (11): Visitas inesperadas... ou o humor do Cá Olho Baldé!

15 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6157: O Spínola que eu conheci (10): A reocupação do Cantanhez, Dez 1972 / Jan 1973 (Carlos Matos Gomes, Cor Comando na Reserva)

14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6152: O Spínola que eu conheci (9): Dia da inauguração da placa toponímica da Av. Marechal António de Spínola (Luís Dias)

13 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago) 

12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6147: O Spínola que eu conheci (7): Spínola na Guiné: Histórias que se contam, Cor Carlos Alexandre de Morais (Mário Beja Santos)

12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6144: O Spínola que eu conheci (6): Depoimentos de Paulo Raposo e Luís Graça

10 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6138: O Spínola que eu conheci (5): Os depoimentos de Joaquim Mexias Alves e José Manuel Matos Diniz

17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado)


1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: O Spínola que eu conheci (1): Antes que me chamem spinolista... (Vasco da Gama)

Guiné 63/74 - P7696: Notas de leitura (195): A Guerra de África, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
Sem discutir a importância deste livro no que toca ao acervo dos depoimentos, intriga-me ter-se perdido a oportunidade de actualizar uma história que tem mais de 15 anos, quando toda a gente sabe que se dispõe hoje de muito mais informação e rasgaram-se os olhares sobre a génese, o desenvolvimento e o epílogo da guerra de África. Seja como for, este documento é um dos poucos pilares a que nos podemos agarrar para uma visão de conjunto e, no que toca à Guiné, recolheram-se testemunhos de valor inultrapassável.

Um abraço do
Mário


A guerra de África, por José Freire Antunes:
Edição comemorativa do cinquentenário do início da guerra em Angola

Beja Santos

O Círculo de Leitores acaba de reeditar (a primeira edição ocorreu em 1995), no âmbito do cinquentenário do início da guerra em Angola o primeiro de quatro volumes de “A Guerra de África, 1961 – 1974”, considerado o mais exaustivo levantamento de testemunhos fundamentais de personalidades que tiveram uma acção relevante em Portugal e em África. Neste primeiro volume, o leitor encontra uma sinopse dos treze anos da guerra, detalhando por dia e mês eventos de índole nacional e internacional com impacto nos três teatros de operações. Neste âmbito, e de acordo com o calendário, aparecem estratos de depoimentos ou documentos de inúmeras proveniências, e a partir de 1962 a Guiné aparece regularmente: Tite, logo em 1962, o início da guerrilha, em 1963, a chegada de Schultz em 1964, e por aí adiante. Aparecem vários extractos da documentação classificada como secreta do consolado de Spínola, entre outras curiosidades.

Como o autor se revela fascinado pela história oral, nessa altura ainda na moda, deu voz a diferentes protagonistas com Champalimaud, Savimbi, Caçorino Dias e alguns particularmente interessantes para a guerra da Guiné como os de Bettencourt Rodrigues, Costa Gomes e Ricardo Durão. Recorde-se que no conjunto destes depoimentos apareceram em 1995 revelações polémicas como as de Silva Cunha e Rui Patrício a revelar as conversações secretas com o PAIGC, em Março de 1974 ou as de Almeida Bruno criticando a postura das tropas em quadrícula, afirmando que, regra geral, mal saiam do arame farpado.

É curioso como nenhum dos investigadores da guerra colonial da Guiné desenvolveu ou explicou a estratégia que Costa Gomes pretendia ver aplicada na Guiné, com Bettencourt Rodrigues. Depois de explicar como é que a situação na Guiné era muito má, no final de 1973, não havendo reservas para fazer face a duas acções de grande envergadura, depois de revelar que o PAIGC tinha 40 indivíduos a serem treinados para pilotos na União Soviética, ele declara: “Na minha opinião, todas as forças que lutavam contra a guerrilha tinham uma desvantagem moral e militar extraordinária e deviam recuar da fronteira, pelo menos para uma distância em que não fossem atingidas pelos morteiros. Eu preconizava esta alteração do dispositivo que nos permitiria reunir e ter à disposição do comando forças que pudessem ser empregues em caso de ataque e de uma forma que as tropas preferem: combater não para a sua retaguarda mas para a sua frente”. Um general prestigiado, ainda por cima Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas profere uma declaração destas e passados estes anos todos continuamos sem saber em que consistia a retracção desse dispositivo e nem se especula sobre as suas incidências.

O depoimento de Ricardo Durão tem momentos de grande emotividade, não esconde as suas admirações. Ele termina assim o seu depoimento: “O caso mais heróico que vivi durante a guerra foi na minha segunda comissão. Passou-se com um alferes miliciano e um furriel miliciano, os dois brancos, que comandavam um pelotão de artilharia de negros em Guilege, uma zona ocupada por nós junto à fronteira com a República da Guiné. Era uma zona altamente flagelada, de dia e de noite, pelas forças do PAIGC, e era a capacidade de fogo que se opunha ou que confortava de certo modo o homem da espingarda porque, quando eles atacavam Guilege, muitas vezes atacavam do lado de lá da fronteira e nós também atirávamos para o lado de lá. O alferes era, portanto, uma peça importante ali. Uma noite houve um ataque muito forte e começaram a cair morteiros de grande calibre. Os homens das espingardas estavam metidos em fossos, mas a artilharia estava a descoberto. O furriel verificou que a situação era insustentável e deu ordem ao pelotão para se abrigar. Os soldados largaram as peças e foram abrigar-se. Mas o furriel, quando estava no abrigo, verificou que havia uma peça que continuava a fazer fogo e ficou surpreendido quando viu o alferes sozinho a disparar.

O furriel, por uma questão de camaradagem, saiu do seu buraco e foi ajudar o alferes. Ficaram os dois a manter o fogo com a boca-de-fogo. É evidente que esta foi atingida e morreram os dois. Isto é um exemplo de tudo o que se pode contar em combate. Primeiro, a obrigação perante os seus homens, pois o alferes viu que a missão era impossível e protege-os. Mas depois havia uma missão a cumprir e o sacrificado devia ser ele, porque era o comandante. E ficou. O furriel teve um acto de camaradagem enorme e foi ajudar o seu alferes. Morreram os dois em perfeita consciência do perigo no cumprimento da sua missão”.

Ao sabor da publicação de novos volumes, dar-se-á notícia de outros depoimentos relacionados com a Guiné.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7695: Convívios (289): 8.º Encontro da Tabanca do Centro - A Poda (Vítor Junqueira)

1. Mais um belíssimo texto do nosso camarada Vítor Junqueira, a propósito da sua participação no 8º. Encontro da Tabanca do Centro em Monte Real, no passado dia 26 de Janeiro.

Qualquer pretexto serve para uma escrita simples, direta, agradável e percetível, com a marca VJ.

2. Mensagem de Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 28 de Janeiro de 2011: 

Caros amigos,
Tive o privilégio de ser convidado a participar no 8º encontro da Tabanca do Centro que decorreu no passado dia 26/01.
A propósito, envio este texto que gostaria de ver publicado se e quando assim o entenderem.

Desde já, o meu agradecimento acompanhado de forte abraço do
VJ


Pose descontraída de Vítor Junqueira (à esquerda da foto) durante o III Encontro da Tabanca Grande em Ortigosa, no ano de 2008. À direita, outro notável da nossa Tertúlia, o camarada Jorge Cabral e o seu inseparável cachimbo.
Foto de José Armando F. Almeida


A Poda

O mail chegou atempadamente. Numa escrita bonita, perfumada de amizade, intimava-me o nosso amigo Joaquim Mexia a comparecer na simpática localidade de Monte Real no dia 26/01 a fim de participar no oitavo encontro dos Tabanqueiros do Centro. Imprimi para não esquecer e, como o Benjamim do Sérgio Godinho, respondi dobrando o canto do sim.

De Pombal, onde tenho o meu tugúrio, até Monte Real, vai o salto de uma pulga. Avancei pela Bajouca até Monte Redondo onde tomei a 109 no sentido de Leiria e, em menos de nada, apreciava a modernidade das novas rotundas e variante que permitem o acesso fácil e rápido à vila termalista. Assim pensava eu! Ao contornar a segunda daquelas obras de engenharia urbana, deparo com um sinal a proibir o trânsito através da principal via de acesso ao centro do burgo. Num posto de abastecimento ali à mão, indaguei das razões do desaforo. Fiquei a saber que, por determinação da senhora Câmara, ninguém passava, pois estava em curso a poda das árvores que ladeiam aquela via. Que grande poda, pensei! Mal podia imaginar que me estava reservada uma poda idêntica ao deixar a localidade. Não fosse o aconselhamento paciente de alguns indígenas, e por lá teria pernoitado. Segui então o caminho alternativo que me indicaram e dei comigo a pastar numa série de vielas, becos e quelhas até “dar com eles”. Na verdade, não foi difícil. Qual logotipo de ultra sexagenários que somos, avistei um grupo de senhores envergando o fatinho domingueiro, grande prevalência de cãs pontuadas aqui e além por algumas carolas completamente desabitadas. Frente ao café Central, conversavam em pequenos grupos congregados pela intimidade de um conhecimento mais antigo.
Apertei mãos, dei e recebi palmadas de simpatia nas costas até chegar ao maior (na estatura e na função!), que me recebeu com um caloroso abraço. A partir desse momento passei a jogar em casa dado que, às primeiras impressões, o terreno me parecia estranho visto muitos dos presentes serem camaradas com os quais ainda não havia privado e daí, um certo acanhamento da minha parte.

Julgava eu, mal, que iria encontrar no máximo para aí uma dúzia de pessoas, atendendo ao qualificativo da Tabanca que é do “Centro”. Afinal, deviam estar para cima de três dezenas, incluindo muitas que vieram do norte e da região de Lisboa. Como seria de esperar o Mexia estava como peixe na água e não seria de esperar outra coisa já que esta é, definitivamente, a sua praia. Uma organização irrepreensível não tardou a convidar-nos a abancar no restaurante da Preciosa, praticamente do outro lado da rua. Com garbo (e garfo!), atacámos o seu afamado cozido à portuguesa onde impera a couve lombarda cozida no caldo das carnes e uma morcela de arroz, cuja confecção só pode ter sido conseguida através da usurpação de receita da minha terra, porque a legítima, de arroz, é nossa. Para que conste, só em Pombal e suas freguesias!

O almoço decorreu em clima muito animado, de tal modo animado que, o anfitrião teve de mandar dois berros à militar para se fazer ouvir quando quis comunicar aos presentes, a oferta de um mapa da Guiné primorosamente emoldurado que depois de assinado por todos passou a fazer parte do espólio da galeria de obras pendentes nas paredes do Preciosa’s. Curiosamente, na minha “mesa” não se falou de guerras, fossem elas passadas ou destas mais literárias! Nem sequer houve qualquer comentário acerca do sucesso do Algarvio ou da vã expectativa do Homem de Argel. Falou-se de passeios, das recentes promoções a avô de alguns camaradas e da saúde que já vai claudicando.

Aproximava-se o término do nosso encontro. Eu sou como o Zezito, não gosto de finais de festa e as despedidas são sempre penosas. O fim de tarde de um dia esplendoroso parecia-me toldado por uma nuvenzita de angústia. Como o sol de Inverno, não tenho calor, diz a Simone. Acompanho-a. Tomado pela melancolia, apertei algumas mãos e, com um genérico “até à próxima, camaradas”, remeti-me à minha individualidade algo solitária, de regresso a casa. Enquanto conduzia, não pude evitar certa reflexão.

Para trás acabava de deixar amigos, alguns que nunca tinha visto, mas que agora já eram “família”. Como é possível ligarmo-nos assim a pessoas que mal conhecemos? Será este mais um sortilégio do nosso passado comum? E como se compreende que vivências que partilhámos na juventude possam cimentar amizades de hoje, mesmo as mais recentes? Porque nos juntamos e o que é que verdadeiramente buscamos nestes convívios que não almejamos noutras tertúlias? Porque nos despedimos sempre com um certo “amargo de boca” e na mente, aquela dúvida existencial: Até quando? Tudo quanto posso alvitrar é que continua bem vivo dentro de cada um de nós o básico instinto de grupo decorado com umas pinceladas de civilização, que nos leva, em momentos de grande stress, a reconhecer, amar e proteger “os nossos”.

Desde pixote, venho assistindo (pela televisão) àquela cerimónia em que uns velhinhos depositam flores nas campas de distintos republicanos. A coisa deve ser importante e digna de celebração porque se mantém, passados tantos anos. Para mim, que já nasci republicano, diz-me niente e, não fosse o cinco de Outubro ser feriado, bem podia passar-me de todo ao lado.

Também tenho presente a homenagem que sempre se prestou em locais públicos como na Batalha, aos caídos nas pelejas de 1914/1918. Daqueles heróis altamente medalhados, não resta um, e tenho dúvidas se os seus netos e bisnetos sabem que tiveram um avô ex-combatente ou se a esse facto atribuem algum valor.
E nós? Que pensarão as novas gerações, nascidas em paz e democracia, destes velhotes que se encontram de vez em quando para, julgam eles, nada mais do que uma almoçarada? Quais as memórias e valores que conseguimos deixar-lhes? Parece que os ouço dizer: Ora, não há pachorra! Oxalá possam dizê-lo sempre ao longo das suas vidas, e que a dura realidade não lhes mostre da forma mais cruel, porque é que em certos momentos, não existe alternativa às armas nem ao derramamento de sangue. Que me perdoem os mais pacifistas.

Tal como as árvores da rua principal de Monte Real, a minha geração está a sofrer a poda que a lei da vida a todos impõe. Começou a acelerar o passo, e a que ritmo! Mas ainda somos muitos. Recusamos mordomias, exigimos reconhecimento e respeito. E num momento muito complicado para milhares dos nossos concidadãos, queremos com o nosso exemplo e dignidade mostrar-lhes que antes deles, outros suplantaram tempos muito difíceis em que estava em causa, não o salário ao fim do mês, mas a vida ao fim do dia.

Fazendo um apanhado muito sumário deste encontro de “camarigos” (esta é para polir um pouco o ego do Mexia já que foi ele quem inventou o termo, se não estou em erro!), tenho a dizer o seguinte:

- Quanto aos costumes: É para manter.

- Quanto ao local: O “Centro” do país, como todos sabem é Pombal.

- Quanto aos participantes: E venham mais cinco.

- Quanto à ementa: Não está mal, mas nada tenho contra os regionalismos. Não me incomoda trocar o patriótico cozido à portuguesa pelo leitão à Bairrada, por exemplo.

- Quanto às libações: Sugiro que sejam consumidos apenas dois tipos de bebidas, nacionais e importadas.

- Relativamente à frequência, apenas duas vezes ao dia, às refeições e nos intervalos.

E com estas ressalvas que venha o nono e o décimo e todos quantos a estaleca nos for permitindo.

A todos os presentes, quero deixar o meu muito obrigado pelos agradabilíssimos momentos de convívio e camaradagem que neste dia pudemos compartilhar.

VJ
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7526: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (27): Votos de Feliz Ano Novo... e mais umas coisitas (Vítor Junqueira)

Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7572: Convívios (204): 8º Encontro da Tabanca do Centro - Encontro de Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)

sábado, 29 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7694: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (9): O último

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Queridos Amigos,
Muito obrigado pela boa companhia que me deram nesta viagem.
Acabaram-se as imagens, começou o vago rumor, mal localizado, que precede a nova viagem.
Agora, anuncia-se a batalha verbal, os jogos de cintura a construir um livro, aparentemente enorme. Fosse eu disciplinado e teríamos livro até ao Outono.
Vamos ver, tenho muita Guiné pela frente.

Um abraço e até ao meu regresso,
Mário


OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (9)

O ÚLTIMO ÁLBUM


Foi a última imagem que captei na Guiné, anoitecia em 1 de Dezembro de 2010. Estava na Pensão Central, a bagagem arrumada, eu muito feliz com as compras, sobretudo o Ninte Kamatchol e a escultura bijagó usada na dança do tubarão martelo. Lá em baixo, é aquele espectáculo fantástico dos veículos a fugirem das covas e do alcatrão carcomido. Ao longe, à esquerda, ainda uma nesga do ilhéu do Rei, ao fundo, à direita, vestígios do Pidjiquiti e ao fundo o canal do Geba e a extensão de Bissau. O dia apaga-se, é impossível fugir da atracção daquela bola de fogo que desce meteoricamente sobre o mar vegetal e o mar salgado. É a recordação obsidiante, a imagem fixa, acompanha-me em todas as recordações que me puxam até à Guiné. A partir daqui, só as recordações da cabeça, que nalguns casos possuem uma impressão muito próximo da fotografia. Consigo ver-me no restaurante Jordani, a comer bifinhos de sereia, enquanto via imagens da neve em Portugal; parece que estou a tomar um táxi que me leva para Bissalanca onde os seguranças me remexem desavergonhadamente toda a roupa, sempre sussurrando “dá qualquer coisa para o mata bicho!”; as horas em que me entretenho a ler, o voo só parte às três da manhã; o roncar do Airbus, uns saem outros sobem numa atmosfera de estufa; o último abraço do embaixador de Portugal e depois uma viagem com um jovem bijagó ao lado que vai aterrado, é o seu primeiro voo, procuro desanuviar a tensão pedindo-lhe informações sobre a dança do tubarão martelo; e o raiar do dia quando chegamos a Lisboa, trago a Guiné em todos os poros, em todos os átomos da emoção, venho desvanecido pelos reencontros, pelas descobertas.


Foi o cabo dos trabalhos despedir-me da Maria Fausta, a mulher do Abudu. Visitara-a mal chegara a Bissau, no dia 18 de Novembro à tarde, na companhia do Sr. Sabino, o motorista da embaixada. Estes bairros populares nada tem a ver com o que me lembrava de há 40 anos: Santa Luzia cresceu desmesuradamente, o Bairro Militar, Quelele, o Bairro Missirá, transformaram-se em autênticas favelas, impressionam pelo lixo, as irregularidades do solo, a guerra perdida em prol do saneamento básico. Esta fotografia foi tirada depois do nosso encontro. É muito duro conhecer alguém a quem se vai dizer, sem ambiguidades, que o marido não tem condições físicas para viver na Guiné, precisa de acompanhamento constante e medicamentos, há a esperança da naturalização, é o menos que Portugal pode fazer para este homem que se atirou ao trabalho mais humilde durante 15 anos, que foi explorado por falsos empresários que não entregaram o que ele descontou na Segurança Social. E mais não se diz, toda a pessoa tem direito à privacidade. Esta mulher olha-me com firmeza, já tínhamos conversado sobre a saúde do Abudu, um ser humano não é de ferro, expressa o sofrimento, lacrimeja. Pois a fotografia que me estás a tirar, branco, irmão do meu marido, pode espelhar mágoa e tristeza, mas só o quanto basta. O resto é dignidade africana. Para que conste.


A Ponta do Inglês provoca ao visitante (por sinal, antigo combatente) sentimentos contraditórios. Ele sabe que esta estrada enorme está regada de sangue e sofrimento. Ele sabe que quem aqui viveu, na segunda metade dos anos 60, viveu em extrema inquietação. E, no entanto, há sempre este cenário idílico, por aqui passa o Corubal estuante, é uma foz ampla, com a Península de Quinara ao fundo e em frente. À esquerda, era o Corubal de todos os perigos, os barcos da Armada penavam e eram frequentemente flagelados, ali o PAIGC tinha o domínio do solo, em ambas as margens. O viajante teve sorte com a altura do sol e os reflexos de prata. Naquela lama, na berma, disseram-lhe, houve uma instalação portuária, tudo desapareceu, pode-se percorrer a Ponta do Inglês e até supor que nunca ali houve metralha, sentinelas angustiados, soldados expectantes naquele ermo, injustificável em termos militares. Para que se saiba, quem vê paisagens não vê emoções. Aqui o passado morreu, ele só existe na memória de quem não o esqueceu.


Foi a primeira fotografia que se tirou, na concelebração de 28 de Novembro. Não gostei, há aqui muita tristeza estampada, imprópria para o evento. Tínhamos estado todos ruidosos, de línguas soltas, à volta do passado. Há aqui poses formais, de quem receia ficar descomposto para a posteridade. Nas fotografias subsequentes, deu-se o degelo, transparece a alegria africana. O único dissidente dos formalismos é o Príncipe Samba, exibe o livro que lhe foi oferecido, terá as suas razões, pode mesmo estar a pensar: “Quando voltares a ver esta fotografia lembra-te que este livro é meu, por direito próprio, durante a manhã falámos da mina anticarro em que fiquei sinistrado, contei-te as provações por que passei nos últimos anos da guerra, ao menos que nestas páginas alguém me tire do anonimato e me exalte pelo meu bem servir”. Estes, parte dos meus bravos que vieram de candonga, a pé e de bicicleta, aqui se confraternizou, neste local alguém se despediu dizendo: “Não acredito que seja a última viagem, nós merecemos mais amizade, volta”.


Parece bailado contemporâneo mas é um acto religioso. Não podendo participar, orei à distância, jaculatórias para todos aqueles que se finaram ou não puderam vir. Enquanto decorre a oração, lembrei fidelidades, comportamentos exemplares, actos de heroísmo, primores de carácter. Nada me custou olhar para um acto religioso indecifrável. Esta postura curvada, parece-me, é de fácil compreensão: Deus misericordioso, prostro-me e peço-te perdão, dá-me alento para continuar e cumprir os teus ensinamentos. Estes homens purificaram-se antes da oração. E mesmo antes da purificação pela água tinham-se purificado pela estima que me devotam. É a minha de me prostrar diante de Deus.


Vim à procura deste amigo, não encontrei, ele vive em Farim, não é fácil chegar a Bambadinca. Felizmente, goza de saúde. Aqui muito perto, onde concelebramos, Quebá Sissé, conhecido pelo Doutor, meteu o dedo ao gatilho quando subia para o Unimog, desfechou uma curta rajada, mortal, sobre Uam Sambu, que me caiu nos braços. Foi testemunha de Quebá Sissé no seu julgamento, a punição foi mínima, para bem de todos nós. Esta imagem tem pelo menos 42 anos. O Doutor tinha uma verticalidade estranha, parece que o tronco lhe pesava, ajoujava a carga para diante e para trás, balançava os braços e as pernas, no seu jeito peculiar. Temo-lo aqui à porta da cozinha, cercado dos seus ajudantes, os meninos que cobiçavam as sobras do rancho. Ao fundo, o indescritível balneário de Missirá, meses depois substituído por uma estrutura mais apropriada. Honra seja feita ao Doutor, e nesta memória dirijo um olhar terno para todos os ausentes da nossa concelebração.


Afinal, eles são o futuro. A imagem vem do Bairro Joli, Mio e os seus dois filhos. Mio procura pôr de pé a granja que esteve muito tempo abandonada, mudou profissionalmente de rumo para se dedicar a esta empreitada. Os meninos, é a minha esperança, colherão o fruto, dilatarão os sonhos do Bairro Joli. Porque o que parece impossível em muitos casos torna-se viável, praticável. O que está em ruinas levanta-se, o que desfalece anima-se. Haja confiança neste futuro. Com gente determinada no presente.


Estamos prestes a terminar por onde se começou. Quando desembarquei em 29 de Julho de 1968, na noite escura, fui conduzido para o QG, o tal quartel general de onde parti, do cais do Pidjiquiti, para Missirá. Quando aqui regressei, mais de 42 anos depois, pretendi captar a imagem desse QG, hoje fantasmagoria. É um edifício que explodiu à bomba, nele morreu um chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Impedido de fotografar o escombro, coisa surrealista, vinguei-me fotografando um vestígio do passado, hoje completamente inócuo, sem qualquer préstimo, a não ser proteger pessoas em dia de temporal: uma guarita. Mas do que gosto verdadeiramente é da terra afogueada, parece que passou por aqui um cometa incandescente e esquentou o solo, para todo o sempre. O contraste é o verde, só falta um rio da Guiné, o resto é o que chancela esta paisagem: o verde ambiente e a laterite que pisamos.


De todas as imagens em arquivo que possuo, é desta a que mais gosto, foi-me oferecida pelo João Crisóstomo, da Companhia 1439, do Enxalé, foi tirada quando iam a caminho do Xime, quase em frente. É o símbolo de todas as viagens, está ali o Geba, soldados como nós, viaja-se de uma berma para outra. É a metáfora da Operação Tangomau. Provisoriamente, interrompe-se aqui a viagem. Muito obrigado pela vossa atenção.
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Notas de CV:

Vd. postes da série de:

5 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7384: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (1): Dias 18 e 19 de Novembro de 2010

9 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7410: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (2): Dia 20 de Novembro de 2010

12 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7425: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (3): Dia 21 de Novembro de 2010

16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7445: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (4): Dia 22 de Novembro de 2010

20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

1 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7541: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (7): Dia 25 de Novembro de 2010
e
4 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7552: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (8): Dia 26 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7693: Facebook...ando (9): Notícias do pessoal da CCAÇ 6, Bedanda, dos camaradas António Teixeira, Mário Bravo, Pires, Luís Nicolau, José Vermelho, Bastos, Pinto de Carvalho, Vasco Santos, Ayala Botto (1971/73), mas também do Hugo Moura Ferreira (1966/68), nosso camarigo da primeira hora



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  "Mais uma foto de Bedanda com o nosso amigo Mário Bravo. Infelizmente (a idade não perdoa) não me recordo do nome dos outros a não ser o do Furriel Pires, que está logo em primeiro plano com a mão no queixo. Esta foto foi tirada no bar lá em Bedanda" (António Teixeira, ex-Alf Mil).


Foto:  © António Teixeira (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados 


1. Outros comentários do António Teixeira, novo membro da nossa Tabanca Grande [, foto à direita],  inseridos no mural da nossa página no Facebook:

(i) Que prazer encontrar aqui velhos camaradas, como o Vasco, o nosso cripto. Lembro-me perfeitamente, pois estivemos juntos mais de um ano em Bedanda. Eu sou o Alf Teixeira e moro, como sempre em Espinho. Quanto ao Alf Pinto Carvalho, estou com ele muito frequentemente, assim como o Luis Nicolau, que era o homem que nos tratava do Correio. Gostei muito também de ver o Vermelho, que nunca mais soube nada dele, assim como do Dr. Mário Bravo" (...)

(ii) "Lembro-me também de um Alferes de Artilharia que esteve em Bedanda entre 72 e 73 e que se chamava Bastos. Via-o há uns anos com frequência pois ele é de Lourosa, aqui perto de Espinho. Soube que foi para o Canadá e que voltou, mas já há muito tempo que não o vejo. Quanto Pelotão de Artilharia, não me lembro qual era. Vou tentar ver se há alguma coisa nos dois números do Jornal "O 6 do Cantanhês" que eu e o Pinto Carvalho [, foto à direita,] lançámos" (...)

Diz o Vasco Santos, também no Facebook, [esse Alf Bastos ?]  "é do meu tempo, pois foi o substituto do Cap Ayala Botto e eu estive em Bedanda até Novembro de 1973, ou seja, esive lá 23 meses.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1970 > Vista aérea da tabanca e aquartelamento. Foto que nos foi enviada pelo nosso camarigo, da primeira horea, Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil de Infantaria, que esteve na Guiné, entre Novembro de 1966 e Novembro de 1968, primeiro na CCAÇ 1621 (Cufar) e depois na CCAÇ 6 (Bedanda) (**)



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1970 > O famoso obus 14... Julgo que esta foto (e a anterior) terá sido dada ao Hugo Moura Ferreira por uma dos camaradas da CCAÇ 6 que estavam em Bedanda em 1970.

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2006). Direitos reservados. (***)
___________

Notas de L.G.:



(**)  Vd. postes de:

Guiné 63/74 - P7692: Parabéns a você (208): Luís Graça (Henriques), ex-Fur Mil Armas Pesadas, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71 (Tertúlia / Co-Editores)

PARABÉNS A VOCÊ
29 DE JANEIRO DE 2011

LUÍS GRAÇA (HENRIQUES)



Pois é. Sempre que o calendário marca 29 de Janeiro, o nosso camarada Luís Graça soma mais um ano de vida. Anda nisto há 64 anos, e propõe-se continuar até pelo menos ao ano 2047. A responsabilidade é grande e o Blogue não pode parar. Como aquelas pilhas, ele tem que durar... durar... durar...

Neste dia, a Tertúlia, por intermédio dos co-editores, aqui está em peso a associar-se ao nosso camarada Luís Graça, "por acaso" Comandante desta Caserna Virtual (alguém já lhe chamou Rei Luar), neste dia do seu aniversário.

Quiseram os camaradas Giselda, Miguel Pessoa, Manuel Maia, Juvenal Amado e Joaquim Carlos Peixoto, prestar a sua homenagem particular ao Luís, e nós aqui estamos a cumprir o nosso dever de publicar os seus trabalhos.






1. Como é habitual, o postal de aniversário do casal "strelado" Giselda (ex-2.º Srgt Enf.ª Pára-quedista, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), encima o poste.





2. Do nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74) recebemos estas nove sextilhas:

AGRADECIMENTO A LUÍS GRAÇA E À TABANCA

Bem dentro deste espaço liberdade,
que ajuda a mitigar nossa saudade,
Luís Graça e Camaradas da Guiné...
Há laços, inquebráveis, solidários
nascidos de vivências e fadários
comuns a todos nós, creiam que é...

P`ra exorcizar fantasmas recalcados
da mente prisioneiros bem fechados,
a guerra e seus excessos encobertos...
Os medos, pesadelos, sofrimento,
vividos até aqui no isolamento,
de todos, estou em crer, foram libertos...

Por isso, agradeçamos ao Luís
e às "forças do labor", assim se diz,
Vinhal, Briote, e Magalhães Ribeiro...
Sem eles nada disto acontecia
e a história esta abrangência não teria,
narrada aqui por cada companheiro...

Juntando camarada com amigo,
surgiu palavra nova, camarigo,
Mexia Alves foi pai da expressão...
Depois, camarigar, camarigagem,
entraram nesta nossa linguagem,
tu cá tu lá, soldado/capitão...

Sexagenários uns, outros passados,
na casa dos setenta já entrados,
da Net dependentes, quem diria?
Quinhentas almas, quase, aqui vos digo,
no seio deste bom porto de abrigo,
tendo a Guiné por base e sintonia...

O ar sério com que uns temas são tratados
com ricos pormenores, elaborados,
e o tom jocoso d`outros, é contraste...
A qualidade de ambos é notória,
assente em escritos uns, ou de memória,
interessa satisfaçam quanto baste...

Já vai mais d`ano entrado neste espaço,
convívio são, um bom lugar d`abraço,
em cada tabanqueiro um camarigo...
Reitero aqui de novo um obrigado
ao furriel dum tempo já passado,
meu caro Luís Graça, um bom amigo...

Ligadas por cordão umbilical,
à mãe, tabanca grande, virtual,
surgiram já no Centro e Matosinhos...
Depois em Gondomar (Melres) e Linha
(constando que a Lapónia também tinha...)
tabancas bem reais, p`ros petisquinhos...

Num blog que congrega ao seu redor,
num misto de saudade e até de amor
pela terra ocre/amarela, um "batalhão"...
Amigo traz amigo e amigo fica
enquanto um outro amigo fica à bica
e bate à porta n`outra ocasião...

Com os parabéns de
Manuel Maia
20/01/2011




3. Do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74) recebemos este texto:

TUDO ISTO CABE NO NOME LUÍS GRAÇA

No dicionário passou a haver outro significado, que não resulta do acordo ortográfico para a língua Portuguesa.
E assim para:
Solidariedade
Amizade
Compreensão
Partilha
Local de encontro
Ponto de partida e de chegada
Diálogo
Controvérsia
Acordo e Desacordo
Pátria comum
Guiné terra alegre e triste
Saudade
Sangue Suor e Lágrimas
Irmão...
Parece impossível, mas tudo isto cabe no teu nome Luís Graça!!!!!
Os homens nascem iguais, mas alguns, tornam-se maiores que os outros!

Muitos parabéns e que este dia seja seguido de muitos anos, na nossa companhia e da tua família que te ama.

Um grande abraço
Juvenal Amado
26/01/2011


4. Do nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) recebemos hoje mesmo esta mensagem:

Luís Graça
Quis o destino, que no dia 29 do mês primeiro do nosso calendário, a Senhora tua Mãe, no seu estado de graça oferecesse ao Mundo o Luís Graça.
Mas que gracinha de bebé, que gracinha de menino, que entre fofos cobertorzinhos dormia o sono dos justos numa calmaria tal que a agreste intempérie que se fazia sentir, dada a época do ano, não o perturbava.


E assim, dia após dia, ano após ano, este menino se transformou em Homem.
Deram-te uma arma para as mãos, um pelotão para comandar e sem mais nem para quê, mandaram-te para terras africanas, onde a civilização não existia, onde o calor e a humidade abundavam, onde o povo indígena te olhava desconfiado, onde a barrenta terra oferecia aos “visitantes” um aroma inesquecível, onde tudo, mas tudo era diferente.

E assim, neste ambiente quase hostil te transmitiram uma responsabilidade que quase teus ombros não sustentavam: “Defender a Pátria”.

E foi neste contexto, nesta aventura quase de miúdos que algo de muito valioso aconteceu. Deste mundo quase irreal, viria a nascer anos, muitos anos mais tarde, uma amizade e uma camaradagem que seria impensável anos antes.

Conhecemo-nos em 2009 na Quinta de Paúl, Monte Real.
Nossas mulheres também se conheceram. Não sei se acredito ou não no destino, mas de uma coisa tenho a certeza: 
- “Ele há coisas …”.
É que houve desde logo uma empatia entre os casais, que em breve se iria transformar numa grande e sincera amizade.

E é baseado nesta amizade que hoje, 29 de Janeiro, te quero desejar assim como a minha mulher, um dia bem passado junto daqueles que te são mais queridos.
Que tenhas todo o carinho que a Alice te sabe dar.
Que este dia seja uma bênção.

Suporta os males com paciência e dignidade, pois somente este dia é teu.

Esquece o ONTEM.
Vive o HOJE, porque ainda não nasceste para o AMANHÃ.

Peço que aceites um alfa bravo com toda a amizade do tamanho da força da Natureza e um beijo com muito carinho da Margarida.

Meu bom amigo Graça, podes crer que junto da minha mulher beberei uma taça de champanhe em tua honra, desejando que de hoje a um ano, possamos com saúde e mesma amizade cantar-te “os parabéns a você”.

Um alfa bravo do sempre amigo e camarigo
Joaquim Peixoto


5. Deixamos agora estas fotos, representativas de diversas fases e situações da vida do nosso aniversariante.

Luís Graça, ou o Rei Luar, visto pelo nosso camarada Mário Migueis da Silva


O Senhor Luís Henriques e a Senhora Dona Maria da Graça, em 1947, com o pequerrucho Luís.


O Fur Mil Luís Graça (Henriques) em Finete (1971) com dois camaradas da CCAÇ 12


Quem foi o responsável pela deslocação destes ex-combatentes da Guiné, perfeitamente desconhecidos, de todos os pontos do país para o I Encontro da Tertúlia realizado em 2006 em Ameira/Montemor-o-Novo?


Quem foi o responsável pelo nascimento deste enorme grupo de amigas, já muito mais alargado do que o que está na foto, oriundas de todo o país, cujo denominador comum é serem casadas com um ex-combatente da Guiné?


Monte Real acolheu em Junho de 2010 o V Encontro consecutivo da Tertúlia, com um recorde de participantes. Na foto, a partir da esquerda: o nosso JERO (Eduardo Oliveira), Mexia Alves (o nosso anfitrião) e o nosso Luís. Com um joelho em terra, o Pirata de Guileje, Casimiro Carvalho


Luís Graça voltou à Guiné em Março de 2008 para intervir no Simpósio Internacional de Guiledje. Ei-lo em Bambadinca revivendo tempos que jamais esquecerá.


6. Antes de fechar o poste, os teus editores deixam-te um fraterno abraço com votos de que passes um sábado de aniversário alegre junto de tua esposa, filhos e demais familiares. Uma saudação muito especial para os senhores teus pais por terem um filho especial para os inúmeros amigos que fez.

Conta connosco para manter este blogue que se tornou um caso sério na blogosfera. Repara Luís que até quem nos critica negativamente pratica uma leitura diária e atenta, caso contrário não continuavam a aparecer comentários mais ou menos favoráveis.

Os teus Co-editores
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Nota dos co-editores:

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7658: Parabéns a você (207): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Tertúlia / Editores)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7691: Memória dos lugares (128): Foto da Antiga Administração de Gabú (ex-Nova Lamego) (Virgínio Briote/Rui Fernandes)


1. O nosso camarada Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem, que lhe foi endereçada em 26 de Janeiro de 2011, pelo nosso Camarada Rui Fernandes (que integra a nossa Tabanca Grande, desde Janeiro de 2008, mas de quem ainda não temos nenhuma foto).
Gabú
V. Briote

Vi no dia 24 do corrente a imagem da Antiga Administração de "Nova Lamego", agora Gabú, que se encontrava em ruínas, agora reconstruída.
Não sei quem financiou mas tem um bonito aspecto.
Julgo que quem andou por aquelas bandas e via as fotos com a estrutura degradada gostará de ver como se encontra neste momento.
Será a Sede do Governo Regional.
A foto foi retirada de uma reportagem da RTP-África.
Fica ao seu critério colocar ou não no Blogue.

Com os meus cumprimentos,
Rui Fernandes

Foto: © Rui Fernandes (2010). Todos os direitos reservados
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

28 de Janeiro de 2011 >

Guiné 63/74 - P7688: Memória dos lugares (127): A despedida de Bedanda, CCAÇ 6 (Dezembro de 1971/Março de 1972) (Mário Bravo, médico)


Guiné 63/74 - P7690: Estórias do Juvenal Amado (35): Rodéro, o corneteiro com falta de embocadura

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante atabancados
Esta é mais uma pequena estória mas que também tem importância, pois com o povo diz, também as pedras pequenas ajudam a fazer o muro.

Juvenal Amado


Estórias do Juvenal (35)

O RODÉRO CORNETEIRO E A FALTA DE EMBOCADURA

O Rodéro era um daqueles casos, que só tinha sido apurado para o serviço militar porque naquele tempo, só escapavam poucos e muito aleijados. Alentejano extremamente magríssimo com cara, que fosse a situação que fosse, era sempre de outra dimensão, de quem recorria ao barril do tintol constantemente, mesmo que fosse mais martelado que outra coisa. De vinho só tinha o nome e vagas parecenças, o líquido que vinha nos bidões de 200 litros.

Figura simpática, trabalhava na messe dos oficiais e sargentos, respondia sempre com um sorriso, dizendo que estava tudo em forma, fosse o que fosse que se lhe perguntasse, assim entre um bocadinho de pão e uma tala quina de chouriço, que lhe tinham enviado da terra.

Com uma navalhinha cortava as rodelinhas do dito e pequenos pedaços de pão, com precisão quase cirúrgica. Saboreava as duas coisas com uma reverência como se estivesse na missa. De uma forma ancestral honrava o alimento, por vezes tão difícil de conseguir do povo alentejano.

A sua especialidade era a de corneteiro, mas tendo em vista a sua fraca figura, cedo deixou de exercer. Com um peito daqueles, os sons eram pois os mais disformes e dificilmente se descortinava o toque do rancho, do de reunir, ou mesmo para a Bandeira.

Um dia já para o fim da comissão, estando o 2.º Comandante no Comando do Batalhão, foi necessário recorrer ao Rodéro como corneteiro, pois os outros estavam impedidos, não sei porque razão.

Foi de manhã no içar da Bandeira que a coisa se deu.

Estava uma Secção formada junto ao mastro, às ordem de sentido e apresentar armas, vai o Rodéro dar inicio ao respectivo toque.

Bem os sons que saíram do cornetim eram mais parecido com um saco cheios de gatos que se pretende abandonar num balseiro.
O soldado encarregue de hastear a Bandeira não sabia o que fazer, até que olhou para Oficial de Dia que ele lhe fez sinal para avançar. Não se percebeu onde começou e acabou o toque, pouco faltou para a guarda de honra se desmanchasse a rir.

Findo o acto, lá vem o Rodéro com aquele ar inocente, pensando para os seus botões, que eram todos uns maldizentes e que até nem tinha tocado nada mal.

- Estão-se a queixar! Eu queria ver-vos era a vocês!

Quem não tinha assistido mas ouvido, juntou-se aos que tinham presenciado a vivo e a cores.
Pela parada fora toda a gente arreganhava os dentes.

O nosso 2.º Comandante que tinha presenciado tudo, quando o Rodéro ia a passar por ele, perguntou-lhe com um ar meio divertido:

- Óh Rodéro o que é que foi aquilo? - Responde o nosso afamado corneteiro:

– O quê que quer que lhe faça mê Major? Foi o que se pode arranjar.

Foi uma gargalhada geral, e o acontecimento ficou para a história, que é bom de ver que nunca mais se repetiu.

A nós disse-nos com o ar mais natural do mundo, que tinha sido falta de embocadura.
Passou ser palavra de ordem quando íamos beber uma cerveja, dizíamos que era para tratar da embocadura.

Há tempos tive notícias dele pelo Caramba. Estava bem na sua simplicidade de sempre.
Como eu gostaria de lhe dar um abraço e ouvir da boca dele, que aquele toque tinha saído assim por falta da embocadura.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7634: Estórias do Juvenal Amado (34): Só o aprendiz sabe o que custa aprender

Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Ou o Tenente-Coronel Queba Sambu diz a clara certidão da verdade ou é um dos maiores pantomineiros da história. Temos aqui, tintim por tintim, nomes, datas e embustes, prisões, homicídios, cenas que imitam a CIA e o KGB, ou então é puro delírio, trata-se de terrorismo de Estado, ou anda muita gente a assobiar para o lado. Não se pode ficar indiferente a este relato amplamente documentado se bem que o livro, por falta de revisão, chega a ser caótico no português e nas nomenclaturas.
Se algum dos confrades conhecer o contraditório destas acusações e denúncias, por favor, ajude-nos.

Um abraço do
Mário


Episódios de terror e despotismo nos tempos de Luís Cabral e Nino Vieira

Beja Santos

“Ordem para Matar, dos fuzilamentos ao caso das bombas da Embaixada da Guiné”, escrito pelo Tenente-Coronel Queba Sambu (Edições Referendo, 1989) é uma leitura indispensável para quem quiser entender as práticas de sanha demencial do poder despótico que se exerceu ao mais alto nível, depois da independência. O seu autor foi um chefe de serviços secretos, especialista em contra-informação. Quadro do PAIGC desde os anos de luta armada, mereceu a confiança dos dois primeiros presidentes da República e acompanhou de perto actos de puro terror e pôde presenciar as manifestações mais repugnantes do poder totalitário destes dois dirigentes. O que se estranha é não ver esta obra discutida ou contraditada, parece haver vontade de a tapar com um manto diáfano da incomodidade, como se não fosse politicamente correcto dissecar os desmandos e a bestialidade do poder autocrático, tal como ele foi exercido por homens que se diziam seguidores do pensamento de Amílcar Cabral. É tal a riqueza de informação deste libelo de Queba Sambu, que o iremos repartir para ter acesso a informação raramente versada.

O autor inicia o seu trabalho com um “breve historial da luta nacional de libertação” inserindo o seu próprio protagonismo. Passa-se adiante tudo quanto ele escreve sobre o fenómeno da descolonização e está seguramente documentado e é hoje incontestável. Educado numa missão católica em Catió, Sambu estagiou na União Soviética e daqui voltou para a região Sul, ficando às ordens do comando de Gan-Tchombê, na região de Cubisseco, em 1970. Relata pormenorizadamente o apoio que recebeu dos “padres italianos”. De Catió fugiu para as zonas libertadas. Por determinação do comando dos serviços de segurança do PAIGC foi transferido para colaborador do comandante de segurança do sector de Tombali, em 1971. Em 1973 voltou à URSS para estagiar e mais tarde foi nomeado comandante do comando de Gan-Tchombê. Descreve a Operação Mar Verde, o assassinato de Amílcar Cabral e a ofensiva de 1973. O episódio mais interessante deste depoimento tem a ver com a retaliação que o PAIGC perpetrou com um plano para assassinar Spínola em Bubaque, em retaliação pela morte de Amílcar Cabral. Ele refere que foram destacados Agostinho Pereira e Marcos da Silva para preparar o plano do atentado, a operação não se consumou por nunca terem chegado botes de desembarque equipados com motores potentes.

A seguir ao 25 de Abril, descreve as conversações entre o PAIGC e as autoridades portuguesas e depois detalha as suas novas missões no aparelho de Estado. O PAIGC, mal chegado a Bissau, pôs em movimento uma nova máquina de segurança, prevendo um inimigo interno, que convinha vigiar e reprimir, montou uma máquina de investigações secretas susceptível de policiar todos os opositores incluindo a FLING. Observa o agravamento das condições de vida da população, os protestos mal dissimulados contra a polémica questão da unidade Guiné/Cabo Verde e as críticas feitas a Luís Cabral sobre a situação ruinosa para onde descambava o país. Para Queba Sambu, a equipa governativa deu prioridade aos burocratas e desagregou-se a confiança no PAIGC. Necessitando, nessa conjuntura, de exibir um culpado, a culpa partidária implantou um regime de terror, começando pelos ex-comandos africanos.

Para Queba Sambu, desde 1974 que se preparava um pretexto para fuzilar os ex-comandos, a começar pelos mais influentes. Estes começaram a fugir para o Senegal e daqui foram recambiados e entregues às forças de repressão. A dar fé aos argumentos utilizados, iam-se igualmente desenvolvendo antagonismos de forças nacionalistas, interiores e exteriores, bem implantadas nas estruturas da função pública. Apareceram organizações de oposição ao PAIGC como a OANG – Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau que se opunha à unidade federalista Guiné/Cabo Verde e que pretendia erradicar o chamado “neocolonialismo cabo-verdiano da Guiné”. A segurança actuou, prendeu, torturou e fuzilou. Queba Sambu descreve como se processou a perseguição aos ex-comandos, como foram presos os dissidentes do PAIGC e como foram organizados espectáculos públicos de fuzilamentos.

No início de 1977, por se ter recusado a cumprir ordens do secretário-geral da Segurança, Sambu foi designado para a Escola da Polícia Nacional e Ordem Pública. Volta a fazer curso na União Soviética e é num contexto de uma progressiva degradação económica, em 1980, que se monta o cenário que leva ao golpe de 14 de Novembro, traduzido no afastamento e até prisão dos dirigentes cabo-verdianos e à criação de um conselho da revolução tendo Nino à frente, numa altura em que Luís Cabral estava detido na fortaleza da Amura.

O golpe de Estado, trouxe expectativas a vários movimentos contestatários, incluindo a FLING. É esse um dos aspectos mais válidos da descrição feita pelo Sambu, fica-se com um quadro de actuação de duas correntes da FLING e, segundo ele, ascendeu ao poder, ou tornou-se influente perto dele a presença de inimigos do PAIGC ainda agarrados a concepções colonialistas. São acusações vagas e genéricas que valem o que valem.

E chegámos assim a um novo contexto de instabilidade que se expressou por uma série de golpes de Estado (ou as suas simulações) após o 14 de Novembro. Depois de 1981, Sambu passou a chefiar os serviços da contra-informação das Forças Armadas. Sambu não queria aceitar este cargo e escreve: “Recordo as especulações urdidas aquando da chegada à Guiné do grupo de oficiais do estágio na União Soviética e do qual eu fazia parte. Dizia-se que a nossa estadia naquele país tivera por objectivo a aprendizagem de métodos de interrogatório, tortura a presos políticos e formas de homicídio clandestino. Era enorme a aversão geral pelos serviços de contra-inteligência civil e militar e os seus elementos chegaram a sofrer fortes pressões, da parte de familiares e amigos, no sentido de abandonarem as funções”.

É época dos golpes e contragolpes, das intrigas permanentes e de um indescritível estado de suspeição ao mais alto nível. Datará dessa época uma movimentação tribalista para perseguir os quadros balantas do PAIGC, a começar pelo mais popular e influente, Paulo Correia, então Ministro da Defesa. Mal tomou posse, Sambu foi envolvido em inquéritos tendo por motivo o comportamento de elementos ligados à hierarquia do comando militar. O que se apurou foi existir um grave mal-estar social e militar visto alguns membros do Estado-Maior e todos os comandos das unidades do interior estarem abusivamente a fazer requisições excessivas de géneros alimentícios, incapazes de ver as terríveis condições de vida em que se encontravam os seus subordinados. Diz ele que havia requisições das chefias que chegavam a atingir duas toneladas de arroz, 100 litros de óleo e 300 quilos de açúcar enquanto os subordinados quase nada tinham para comer. Este relatório foi transmitido a Nino que classificou a situação de "imoralidade colectiva". Nino exigiu medidas severas a quem voltasse a praticar tais tipos de delitos ou actos de corrupção. Mas o descontentamento das Forças Armadas prosseguiu, também por faltas de pré e soldo dos militares. É neste ambiente de descontentamento que foram montados vários esquemas de intentonas e de golpes sediciosos.

(continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7682: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (17): Algumas conversas para melhor perceber o PAIGC

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7659: Notas de leitura (193): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel Jesus Carreira Rei (Mário Beja Santos)