terça-feira, 3 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8211: Convívios (324): Convívio da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis com data de bintóito de Abril de 2011:

Ói Carlos, viva!
Anexo o relato do encontro de hoje da Magnífica Tabanca da Linha para que o possas divulgar. Em tempos de FMI, penso eu de que... é sempre bom termos notícias de quem se compraz com a vida.
Os fotógrafos de serviço devem enviar-me os seus trabalhos ainda hoje, e reencaminhá-los-ei imediatamente.

Um grande abraço
JD


CONVÍVIO DA MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Hoje, bintóito, realizou-se novo almoço-convívio da Magnifica Tabanca da Linha. Foi numa localidade da freguesia de Alcabideche designada de Cabreiro, mas o que veio para a mesa foram filetes de cherne e carne de porco à portuguesa, pelo que houve folga para os caprinos. Antes, as mesas apresentavam uma decoração com fatias de queijo, com boa textura e paladar, rissóis de pouca carne no recheio, mas saborosos, paté de marisco ligado por maionaise, com sabores de ambas as coisas, azeitonas, pão de Mafra e um óptimo creme de grão com tiras de couve portuguesa.

Pelas 12H30, já o parque de estacionamento da Adega Camponesa apresentava um aspecto concorrido a garantir a presença dos confraternizantes. Quando ali cheguei já os casais Mário e Helena e Miguel e Giselda, eram apaparicados pelas conversas do António Santos, Zé Carioca, Zeca Caetano e Luis Moreira, e todos prestavam vassalagem ao Exmo. Comandante Rosales que, inchado, sorria com a presença dos magníficos.

Cheguei logo a seguir ao americano Luís Moreira, que ainda não fez qualquer relato da sua deambulação Nova Yorkina em tempo de FMI, mas concedo-lhe algum tempo para preparar um texto sobre o orgulho lusitano na descoberta da big city. Logo a seguir, chegadinho ontem da China oriental, tocou o telefone, e o Graça de Abreu, de olhos rasgados perguntava-me onde estava, mesmo de frente para o camuflado local restaurativo. Ora, homens do mato previnem-se, não se expõem (V.Exas. compreenderão, tinha que brindar o meu amigo com uma bicada).

Mas depois do AGA ainda chegaram o Armando Pires, sem equipamento de reportagem, mas que fez relatos interessantes dos conflitos angolanos de 1992, testemunhados e confirmados pelo nosso comandante que, por essa altura, vendia petróleo aos angolanos. Ainda vieram alguns Pichenses, o Palma e o Encarnação, o veterano Tirano do tempo do Rogério Cardoso, o segundo comandante ainda em exercício, o Fernando Marques e a Gina, e os periquitos Carlos Fanado e Armindo Roque, o fundador da APOIAR, uma associação que apoia as vítimas de stress pós-traumático. Voltando ao Carlos Fanado, que foi meu colega de trabalho, e fez hoje a primeira aparição em eventos, manifestou alguma compreensível reserva em envolver-se em mais organizações guineias, e trazia como guarda-costas outro colega de trabalho, o Antero, constituindo um duo de sorridentes. Este último, hoje, comprovou-me que o mundo é redondo, quando me declarou que estivemos ambos em Angola, no mesmo local e em simultâneo, no Dundo, onde por acaso, em certos fins-de-semana, o quarto do capitão passava a ser o meu quarto, onde eu curava os excessos até à hora do almoço de domingo. Por fim arribaram o Humberto e a Teresa, bem como o Pinela.

O nosso Comandante provindenciou uma estratégia em U, portanto um bocado mais revolucionária que a do D. Nuno em Aljubarrota, para atacarmos a provocante ementa, o que veio a concretizar-se com galhardia e bom apetite. À esquerda formou a ala das meninas, que acompanhadas dos consortes e reforçadas pelo Luís Moreira, bateram-se como homens valentes, e são de peso o Humberto, o Miguel, o Mário e o Marques, este a precisar de mais alguns treinos para adquirir corpinho impressionante, mas sem vacilar na luta.

Do outro lado, o direito da formação, apresentavam-se alguns dos melhores lutadores, e a maioria do grupo, totalmente machona, que provocou uma devassa no vinho da casa e nos diferentes paladares da amesendação. Foi rotunda a sua actividade. Falaram muito, mas não estavam quietos, antes exercitaram o que levaram anos a treinar. Ainda são especiais.

No topo da formação, onde as extremidades do U se ligam entre si, o nosso Comandante fez-se rodear de dois falsos combatentes, do género enganativo, pois sendo magritos, comem e bebem que faz doer a vista. De um lado, o Sr. Rosales tinha a protecção e a locução dos acontecimentos, que o Armando (nome que homenageia o avançado-centro que foi campeão nacional pelo Belenenses do tempo do Di Pace) providenciava. Do outro, fora eu escolhido para lhe almofadar qualquer eventual queda para o meu lado, o que não chegou a acontecer, e prestar atenção ao decorrer dos acontecimentos. E desempenhei-me tão bem destas funções, que não resisto a divulgar o autêntico louvor, que foi o Sr. Comandante ter-me enchido o copo por duas vezes, e ter-me alcançado dois ou três pedacinhos de queijo, tendo em vista a falta de fastio que eu evidenciava.

Nota de registo: pela segunda vez não marcou presença o nosso segundo-comandante, o Rogério Cardoso, medalhado na guerra, mas a debater-se com uma sacana de uma doença que não lhe tem permitido comparecer nestas ocasiões de que ele foi estímulo inicial. Vou enviar-lhe um mail a dar conta dos acontecimentos, e a perguntar-lhe se tem cognac ou whisky bebíveis, para lhe fazer uma visita a apresentar cumprimentos do maralhal, assim como a desejar-lhe o regresso tão breve quanto possível. Também faltou o Domingos Cardoso e a esposa, que ontem me comunicou ter sido submetido a uma cirurgia à gorge, e ainda estar a gelados. Outro a quem formulamos votos de rápido regresso às auforias da gastronomia portuguesa.

Para a História fica o Graça de Abreu encarregado das diligências.










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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8204: Convívios (318): Almoço/Convívio da CCAÇ 763 (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caro Carlos
O Teatro do Regresso parece que nunca mais acaba. É uma peça em vários Actos...
Aí vai o 6º. - CONTRAPONTO (31)

E vai, também, um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (31)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

6º. Acto – Que próximo-futuro?

Cenário

Quarto de furriéis. Três camas.
Dois estão deitados de costas, dormitando. A terceira cama está vazia.


Personagens
Os dois furriéis atrás referidos.


Acção

Um dos furriéis apoia-se no braço direito e diz:

- Daqui a mais ou menos um mês, se Deus quiser, já estaremos na Metrópole. Não sei se vou conseguir trabalhar, outra vez, com horários, relógio de ponto, preso à secretária, a aturar chefes… E tu, voltas para o trabalho?

- Quando fui chamado para a tropa não estava a trabalhar. Fingia que estudava…

- E agora, quando chegares?

- Acho… que vou estagiar.

- Onde?

- À tarde, nas esplanadas da Avenida da Liberdade, em Lisboa. A maralha toda, da Guiné, anda por lá. Aos caídos… À noite, no Cantinho dos Artistas, Maxime, etc.. Para variar, o pessoal vai até ao Cais do Sodré ou ao Conde de Redondo.

- Mas que raio de vida!

- Anda por lá muita gente que chegou da Guiné. Uns mais recentes, outros mais antigos, que eu não conhecia. Vão respondendo a anúncios, mas, quando têm resposta, a maior parte das vezes não aparecem às entrevistas. Outras vezes vão e “armam um escabeche” do caraças. Chamam-nos para ir vender enciclopédias, porta a porta. Ou coisas assim. O pessoal não consegue aclimatar-se…

- Está bem…está bem…

- Nas férias encontrei por lá o Simões de Bedanda. Sempre bêbado ou meio bêbado. Ele aqui (lembras-te?) já era um marado do caraças… Consta que tem umas gajas por conta no Intendente. Uma é daqui, da Guiné… ou de Cabo Verde.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

Guiné 63/74 - P8209: Notas de leitura (235): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
Muito estranho é o livro em que o apêndice documental e as entrevistas pesam mais que o testemunho do autor. A Guiné-Bissau continua sem uma obra de referência publicada pelos seus principais responsáveis, ficamos com os textos políticos de Amílcar Cabral e documentação avulsa que se dispersa pela Fundação Mário Soares e as suas herdeiras; dispomos de testemunhos de jornalistas durante o período da luta armada, predominantemente encomiásticos; o depoimento de Luís Cabral e o testemunho de Aristides Pereira e muito pouco mais no que se refere aos grandes marcos históricos dos cerca de 50 anos da vida do PAIGC que em tanto se confunde com a história da Guiné-Bissau.
Para quem quer estudar este período, recomenda-se sem qualquer hesitação o testemunho de Aristides Pereira exactamente pelas entrevistas, algumas delas são textos de eleição e o apenso documental.

Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira (3)

Beja Santos

À distância destas décadas, importa reconhecer que a estratégia de Amílcar Cabral que conduziu ao reconhecimento de direito do Estado da Guiné-Bissau, proclamado unilateralmente, em 24 de Setembro de 1973, na região do Boé, se revelou um êxito no sentido de ultrapassar o impasse militar.

A diplomacia portuguesa ficou impotente para resolver o imbróglio, em escassos meses mais de 80 países reconheceram o novo Estado. Em termos de direito internacional, Lisboa perdeu manobra, aos poucos, com o avolumar dos problemas militares e a necessidade de reduzir o dispositivo militar, procurou saída com conversações directas com o PAIGC, quando tudo era irremediavelmente tarde.

Entretanto, Cabral é assassinado em Conacri, em condições que ainda hoje não estão esclarecidas. Aristides Pereira sente-se no dever de alinhavar dados e factos que, escreve, poderão fornecer pistas e sugestões para uma futura clarificação do acontecimento. Quanto aos autores materiais, logo ficaram conhecidos, eram militantes guineenses do PAIGC. Quanto à autoria moral, Aristides Pereira insinua que o projecto de proclamação do Estado da Guiné-Bissau precipitou o objectivo das autoridades coloniais em concretizar o que falhara na invasão de 22 de Novembro de 1970, os assassínios de Amílcar Cabral e Sékou Touré. E escreve: “Cabral sabia que os colonialistas portugueses estavam a tentar a todo custo conseguir a desmobilização dos combatentes em geral, procurando, pelas fraquezas inerentes à própria luta, infiltrar-se no seu seio, a fim de conseguir os intentos de desagregação do PAIGC”. Curiosamente, em nenhuma circunstância o autor refere outras tentativas de assassinato, ao contrário de Luís Cabral que alude a tais situações, se bem que também não especifique o móbil nem quem eram os possíveis autores.

Segundo Aristides Pereira, Cabral tinha a consciência perfeita de que a máquina-colonial na Guiné tudo faria para liquidá-lo e desmembrar o PAIGC. Num memorando datado de Setembro de 1962, Cabral propôs a Sékou Touré um conjunto de medidas de segurança que passavam pelo envio para a linha fronteiriça de elementos das forças armadas da Guiné, patrulhas continuadas ao longo da linha de fronteira com o objectivo de dissuadir tentativas de agressão e o recenseamento de todos os refugiados oriundos da Guiné-Bissau e instalados na República da Guiné. Aristides mostra-se peremptório acerca da segurança do PAIGC e refere o aviso de 20 de Janeiro de 1973 quando Sékou Touré enviou ao secretariado do PAIGC em Conacri um alto funcionário para dizer que tomasse cuidado pois estava em marcha uma tentativa para o matar. Logo Cabral convocou Mamadu Indjai e alertou-o para este aviso, só que Mamadu era um dos conjurados e terá transmitido aos seus companheiros o alerta de Sékou Touré. Aristides Pereira não descarta a hipótese da operação de assassinato ter sido preparada pelas autoridades portuguesas e cita Alpoim Calvão bem como Fragoso Allas. Procurando ir mais atrás, o autor menciona que desde 1966 era já perceptíveis os esforços da PIDE para infiltrar as estruturas do PAIGC. E, por último, cita longamente uma carta que lhe foi dirigida por Óscar Oramas, o embaixador cubano em Conacri e foi o primeiro estrangeiro que chegou ao local do crime, poucos minutos após o acto consumado. Oramas era vizinho de Cabral, ouviu os tiros, prontamente se dirigiu para a residência do líder do PAIGC, encontrou Cabral já morto, censurou Otto Schacht, um outro responsável pela segurança e verificou que havia um grupo de pessoas escondidos atrás de uns arbustos.

Apurado que o grupo conspirador tinha raptado Aristides Pereira, Oramas pediu a intervenção de Sékou Touré e escreve: "Penso que aqueles assassinos o que evidenciaram foi que o inimigo terá explorado alguns ressentimentos pessoais e certas ambições e apetites pessoais de alguns homens para fomentar o descontentamento e a divisão no seio do partido... Tenho a mais profunda convicção de que aquilo não foi um acto isolado mas fruto de um trabalho bem dirigido pela potência colonial". Como tem sido referido continuadamente, ainda não se encontrou um só documento, seja em que arquivo for, que abone tais teses de um braço longo português, uma decisão de Bissau ou uma iniciativa da PIDE.

Levantou-se, com o assassinato de Cabral, a questão da escolha de um sucessor para secretário-geral, todas as opiniões recaíram sobre Aristides.

Referindo-se aos acontecimentos político-militares de 1972 a 1974, o autor parece convencido de que Spínola falhara rotundamente a sua política de acção psicológica, tendo-se lançado numa ocupação de território no Sul. Só que em finais de Março de 1973 chegaram os mísseis Strella que puseram fim à supremacia aérea portuguesa, isto numa altura em que os pilotos guineenses estavam a ser preparados na União Soviética. Proclama-se unilateralmente a independência que foi saudada pela ONU através de uma resolução que felicitava o acesso à independência. Em Novembro a nova República foi admitida na organização da unidade africana. Aludindo à recusa de Caetano, em princípios de 1974, para haver uma mediação do Senegal, Aristides Pereira nunca refere as conversações de Março de 1974, em Londres, o que é surpreendente, não é imaginável que a delegação do PAIGC presidida por Vitor Saúde Maria não tivesse recebido instruções da direcção do PAIGC.

Procede a uma descrição minuciosa dos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril, releva as contradições de Spínola e aborda demoradamente as negociações para o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau pelas autoridades portuguesas. Em vão Spínola tentou um referendo da população da Guiné-Bissau bem como não tiveram expressão os partidos políticos que surgiram repentinamente no território guineense. Alude também ao ambiente pesado e à suspeição de que os comandos africanos se recusavam a ser desarmados e dá conta de uma reunião que se realizou em Cacine, em 22 de Julho de 1974 e em que estiveram presentes, por parte dos comandos africanos os capitães Saiegh e Sisseco. Não deixa de mencionar um imprevisto quadro de detenções entre Sékou Touré e a direcção do PAIGC. Ganha realce o destaque que o autor dá ao relato da reunião entre o encarregado do Governo da Guiné, brigadeiro Carlos Fabião e a delegação do PAIGC, fica-se com uma ideia dos conflitos que se tinham entretanto instalado entre as autoridades portuguesas e as suas forças militares com as tropas do PAIGC.

A República da Guiné-Bissau foi admitida nas Nações Unidas em 17 de Setembro de 1974 e as últimas tropas portuguesas abandonaram o território em 15 de Outubro.

O livro termina com a descrição das diferentes peças referentes à independência de Cabo Verde.
Findo o testemunho e de acordo com a estrutura inicialmente apresentada pelo, incorporam-se neste volume monumental contributos de protagonistas guineenses e cabo-verdianos. Na impossibilidade de fazer referência a todas, referem-se concretamente Ana Maria Cabral, Gérard Challaind, Idrissa Sow, Manuel dos Santos (Manecas) e Rafael Barbosa.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8176: Notas de leitura (234): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8208: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (37): 3 de Maio de 1966, o dia D de desembarque em Lisboa




1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Acabei de escrever um texto que tem a ver com o regresso da minha CCAÇ 675.

Saímos de Bissau a 28 de Abril e chegámos a Lisboa em 3 de Maio de 1966.

Gostava de ver no nosso blogue esta "postagem" no próximo dia 3 de Maio de 2011, 3ª Feira.

Por ironia do destino tenho uma intervenção cirúrgica marcada para esse dia a um sacana de um joelho… com 71 anos.


3 de Maio de 1966

Esta memória que agora recupero tem 45 anos!

Tem a ver com a minha chegada a Lisboa depois de cumprir 2 anos de serviço militar na Guiné.
O desembarque aconteceu em 3 de Maio de 1966.

Dos 5 dias da viagem de regresso quase nada recordo.
O que recordo como mais marcante foi o momento em que entrei dentro do «UÍGE» ainda no Cais de Bissau.
Nesses tempos entre o Cais e o navio havia umas boas dezenas de metros a percorrer, distância que era feita numa pequena lancha a motor. Terei sido dos últimos a embarcar às voltas com um caixote que trazia com coisas pessoais (as minhas papeladas e uns panos guineenses compradas no mercado de Bissau no dia da partida).

O caixote era grande, difícil de transportar e, devido à ondulação, quase me caiu à água quando finalmente consegui agarrar a escada do portaló, que nos permitia subir a bordo do navio.
Lembro-me do grande alívio que senti quando finalmente entrei no navio e «pisei» terreno seguro.

Depois… segue-se um vazio na minha cabeça que, não é total, porque tenho fotografias desses tempos.

Quando tempos depois organizei o meu álbum de fotografias coloquei na mesma página uma foto à partida e uma foto do regresso. Foi impressionante constatar como dois anos tinham mudado tanto os traços fisionómicos da nossa gente. Miúdos à partida e homens feitos na viagem de regresso.

E não regressaram todos. Faltaram o Soldado Ap Met Augusto Gonçalves (morto em 29.Julho.1964), o Fur Mil Atirador Álvaro Mesquita (morto em 28.Dezembro.1964) e o Soldado Atirador João Nunes do Nascimento (morto em30.Julho.1965).

Devido a ferimentos graves também nos tinham precedido na viagem de regresso oito militares evacuados, em datas diferentes, para o Hospital Militar Principal, de Lisboa: o 1º.Cabo Craveiro e os soldados Bessa, João Santos, António Filipe, João Alexandre, Carlos Coelho, Severino Dias e o “Caldas” (Joaquim Lopes Henriques).

Cinco dias depois da partida de Bissau, menos bem alimentados do que na viagem de ida mas sem “livro de reclamações”… foi tempo de arrumar as ideias. Já a pensar mais como civis do que como militares fazíamos contas à vida.


No dia 3 de Maio de 1966 Lisboa estava à vista e… a ponte sobre o Tejo já estava concluída!

O «UÍGE» aproximava-se lentamente dos cais, apinhado de multidão mantida a alguma distância por elementos da P.M.

Lembro-me de algumas assobiadelas com que os polícias militares foram contemplados pela malta que chegava.

Os PêEmes… só existem mesmo para chatear a malta!

DO NAVIO PARA O CAIS…

Ali estava eu, com as mãos apoiadas na amurada do navio, que finalmente acostava ao Cais de Alcântara.
Tinha esperado por aquele momento dois anos, dois longos anos.

E… não sentia nada do que tinha esperado!

Vamos lá entender o Mundo, as pessoas… se eu próprio me custava a entender!

Estava no final de uma longa «viagem à guerra», já tinha descortinado entre a multidão do Cais os que me tinham ido esperar e… nada. Ou melhor dizendo… muito pouco.
Afinal o que se passava comigo!?

Ainda hoje, a quarenta e tal anos de distância, tenho dificuldade de explicar o que se passou!
Sei que estava parado, quase apático, sem vontade de correr para a saída!

Terei sido dos últimos da minha Companhia a desembarcar.

Cheguei junto dos meus e recordo especialmente o abraço da minha mãe.

Mãe é mãe e sabia que tinha sido Ela a pessoa que mais tinha sofrido com a minha ausência de dois anos.

Para melhor a abraçar pousei no chão um pequeno saco de bagagem que trazia ao ombro. Neste saco transportava a máquina fotográfica e os últimos «souvenirs» de Bissau.

Quando acabou o abraço e me baixei para apanhar o saco ele já não estava lá…

Um amigo do alheio tinha-se aproveitado da confusão e tinha-o levado por engano…

Acalmei rapidamente as preocupações da minha mãe. Afinal eu ainda lá estava. Vazio, confuso mas…fisicamente presente.

Quanto ao ladrão isso que queria apenas dizer que… tinha regressado de novo à civilização!

Olhei mais uma vez para o mar.

Até sempre… Guiné!

Quarenta e cinco anos depois tenho o privilégio de todos os dias poder recordar lugares, rever amigos, reler irmãos sob o frondoso, fraterno e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande...

São esses os meus “créditos” 45 anos depois do regresso da Guerra do Ultramar, ou Colonial ou da Independência…

Com uma paz diferente da que tinha DO NAVIO PARA O CAIS… em 3 de Maio de 1966.

Um abraço fraternal de Alcobaça,
JERO
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

20 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7826: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (36): Ida ao dentista em Farim (JERO)

Guiné 63/74 - P8207: Resumo da actividade do BCAÇ 3833 (1971/73) (2): CCAÇ 3306 - Jolmete (Augusto Silva Santos)



1. Continuação da publicação do resumo dos Factos e Feitos do BCAÇ 3833, enviado pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, em mensagem do dia 21 de Abril de 2011:


Historial/Resumo do que foi a actividade do BCAÇ 3833 (2)

CCAÇ 3306 - Jolmete









OBS:- Clicar nas imagens para ampliar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8197: Resumo da actividade do BCAÇ 3833 (1971/73) (1): CCS - Pelundo (Augusto Silva Santos)

Guiné 63/74 - P8206: A reportagem que faltava fazer - Associação de ex-militares das Forças Armadas Portuguesas na cidade de Taunton - EUA (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 1 de Maio de 2011:

Meu bom e caro amigo Carlos Vinhal, camaradas, amigos,
Quando aconteceu a revolução do 25 de Abril de 1974, a chamada revolução dos cravos, eu já estava nos Estados Unidos da América. A carga emocional que me atingiu nesse dia não foi menor que a vossa, certamente diferente. Porque já então saboreara a vivência de um país livre e responsável como é esta grande nação americana, um país com cultura e vivências democráticas.

Essas vivências, num Portugal saído de uma revolução, não seriam possíveis de um dia para o outro. Haveria que dar tempo ao tempo para que as coisas pudessem atingir os seus desígnios.

Mas quanto tempo?

Eu responderia, o tempo suficiente para reconhecermos que nem tudo era mau antes da revolução e que é irracional continuar a pensar-se que tudo deveria ser bom e perfeito depois da mesma.

A revolução trouxe ideais puros e razoáveis. Mas também trouxe dor, incompreensão e muita intolerância. Tudo isso foi evidente a partir do dia 26 de Abril. Os factos estão à vista, infelizmente indesmentíveis.

Portugal, o meu e o vosso país, atravessa momentos menos bons. Importa que a esperança de melhores dias não morra em nenhum de nós.

Martin Luther King um dia disse que preocupante na sociedade era o calar das pessoas de bem. Por aqui tentamos fazer com que isso não aconteça. Essa é a razão do meu trabalho de hoje.

E aí que se faz?

Com um abraço amigo,
José Câmara


A reportagem que faltava fazer

(Foto da Associação) – Hastear da Bandeira Portuguesa na Câmra Municipal de Fall River. Eduino Faria (ex-1.º Cabo Enfermeirto em Angola), Presidente da Associação, lidera o Corpo de Elite em continência

Hoje não venho falar do 25 de Abril, nem do que essa data representa na história de Portugal. Nem das esperanças de liberdade, de democracia e de justiça para todos. Nem dos cravos que foram murchando com o tempo, nem dos sonhos que se foram perdendo. Nem do estatuto de banalidade que o povo português e os políticos que o representam foram outorgando a essa data.

Hoje, agora e aqui, venho falar-vos de uma Associação de ex-militares das Forças Armadas Portuguesas que combateram nas províncias ultramarinas e que, nos Estados Unidos da América, mais propriamente na cidade de Taunton, Massachusetts, teima em ser diferente, teima em manter bem vivos os ideais mais puros da revolução dos cravos.

Esta Associação, devidamente incorporada no estado de Massachusetts, foi constituída como instituição sem fins lucrativos, por conseguinte de Utilidade Pública. Os seus associados, cerca de 100 (cem), estão espalhados um pouco por todos os estados da Nova Inglaterra e da Florida.

A maioria dos associados já atingiu os 60 anos de idade. A esses é-lhes facultativo a incorporação no Grupo de Elite, uniformizado, e ao qual pertence, conjuntamente com a direcção, a representatividade da Associação nos diferentes eventos para que é convidada ou se oferece.

(Foto da Associação) – O grupo de Elie, uniformizado. José Câmara, ultimo à direita na fila de trás)

Para além de várias reuniões anuais de trabalho, a Associação está voltada para as várias actividades socioculturais da Comunidade. Nessas actividades sobressaem os diversos desfiles, as procissões religiosas nas nossas comunidades e as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

Nas actividades da Associarão directamente viradas para os associados há dois eventos que vale a pena destacar seja pelo seu simbolismo na história da patria mãe ou pela carga emocional da condição de emigrantes e ex-combatentes da chamada Guerra do ultramar.

A comemoração do 25 de Abril tem um carinho especial da organização pois que, para além da efeméride, oferece um momento exclusivo de convívio familiar e amigo, para além de uma pequena exposição de livros, fotos, artigos, postais e outra memorabilia dos tempos da Guerra e não só.

Foto de José Câmara, Abril 30, 2011 – Exposição de memorabilia falante

O outro evento, não menos importante na vida desta instituição, é o pequeno-almoço oferecido pela Associação, no dia de Natal, aos seus associados e familiares.

A Associação tem pouca actividade política. Em contrapartida tem uma actividade filantrópica razoável contribuindo, dentro das suas possibilidades, com donativos para instituições carenciadas.

José Câmara devidamente uniformizado, peito para dentro e barriga para fora, como mandam as regras de agora, acompanhado da sua outrora madrinha de Guerra.

Orgulho-me de pertencer a essa Associação, exclusivamente organizada e dirigida por ex-praças, nossos camaradas no Exército português, imigrantes como eu em terras da América.

A todos os que se dedicam a esta Associação um grande bem-haja.
José Câmara
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7936: Os açorianos também migraram para o Ultramar (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P8205: Parabéns a você (254): Delfim Roderigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAV 3366/BCAV 3846 (Tertúlia / Editores)


PARABÉNS A VOCÊ

03 DE MAIO DE 2011


NESTE DIA DE FESTA, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM  POR ESTE MEIO DESEJAR AO NOSSO CAMARADA DELFIM RODRIGUES AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

- Delfim Rodrigues foi 1.º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela  nos anos de 1971/73

Vd. último poste da série de 1 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8187: Parabéns a você (253 ): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM (Tertúlia / Editores)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8204: Convívios (323): Almoço/Convívio da CCAÇ 763 (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas” - Cufar -, 1965/66, enviou-nos o programa da festa da sua Companhia, com pedido de publicação.
Olá rapaziada!

Enquanto há vida… devemos vivê-la…

E, por isso mesmo, cá estamos de novo, a desafiar-te para mais um encontro do pessoal da nossa:
COMPANHIA DE CAÇADORES 763

29 de Maio 2011
Anda daí, vem conviver um pouco, porque é sempre bom rever os Companheiros daquela grande aventura da guerra na Guiné, onde tu e todos nós, corremos o perigo de ficar sem a nossa vida a favor de um país que nunca reconheceu o sacrifício desta nossa geração.

Em vez de uma Play-station ou de um desses sofisticados equipamentos que hoje todos os jovens têm, deram-nos uma G3 e entregaram-nos à nossa sorte.

“À rasca” estivemos nós, mas nunca virámos a cara e conseguimos sobreviver para, com maior ou menor esforço, podermos, apesar de tudo, recordar os bons momentos e dizer que vale a pena viver.

Anda daí, traz a família e vem viver um dia diferente.

Um grande abraço.

PROGRAMA:
12H30 – Chegada ao RESTAURANTE
13H00 – ALMOÇO

RESTAURANTE
Frango à Guia e EspecialidadesAvenida Náufragos, Ed. Marinc
2970-637 Sesimbra
Tel. 212 280 179
EMENTA

- Entradas variadas na mesa
- Cataplana de espadarte com gambas
- Javali estufado à caçador
- Sobremesa: Doces ou salada de frutas
- Vinhos Branco, Tinto e Verde, Cerveja e Refrigerantes
- Café
- Aguardente velha
-Bolo e Espumante

PREÇOS (melhoramos)
Pessoal da 763………………...…... 24,00 euros
Familiares……………………......…. 23,00 euros
Crianças (dos 5 aos 12 anos).... 10,00 euros

RESTAURANTE / ITINERÁRIO
Quem vai pela A2 segue em direcção a Sesimbra. Ao descer para o Centro vira nas placas que dizem GNR e PORTO DE ABRIGO.
No fim da descida, do lado esquerdo, junto à estrada Marginal, há um Parque de Estacionamento e o Restaurante.

Anda daí !!!

Passa um dia em sã camaradagem.

A tua presença é indispensável. Contamos contigo!
CONTACTOS / Comissão
Mário Ralheta…......-.965 591 915.-........Bernardino Pinto
F. Albuquerque.......-.914 908 920.-........Belarmino Acúrsio
Artur Teles…....……-.969 031 452.-.........Camilo
Jorge Paulos............-.962 333 356.–........Amadeu Carreira
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Nota de M.R.:


Guiné 63/74 - P8203: Estórias do Juvenal Amado (37): Quando macaco passou por gazela

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 13 de Abril de 2011:

Caro Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande.
É uma estória que já esteve várias vezes para ser contada, mas porque os factos me incomodam hoje um bocadinho, tem ficado para trás no sótão da minha memória.
E incomoda-me porquê? Porque o que fizemos foi só por malandragem. Galomaro não sendo um hotel com estrelas, comia-se relativamente bem e com abundância, pois o nosso Coronel era bastante exigente em tudo e nesse caso particular também.
Fica aqui a estória em que num dia comemos um parente afastado.


Estórias do Juvenal (37)

QUANDO MACACO PASSOU POR GAZELA

- Um dos alferes periquito é moço do bairro e já lhe prometi uma patuscada daquelas que não se esquecem.

Quem falava assim era o Caramba, dando logo a entender que uma partida bem pregada vinha a calhar.

Na Guiné durante aquele tempo comi coisas que possivelmente nunca comeria noutra situação. Cogumelos do tamanho de pratos, que eram parecidos com os de cá mas várias vezes maiores, cobra, crocodilo (comi em Bambadinca), carne de porco do mato ou gazela, cheias de larvas da mosca varejeira, que depois de lavada, era cozinhada sem mais e despachada a acompanhar umas cervejas.

Quando comemos a primeira vez os cogumelos, ninguém tinha a certeza se eles eram bons. O Lourenço dizia que eram iguais e lá arriscámos. O Aljustrel ainda disse em jeito de gozo:

- Amanhã acordamos todos mortos.

Esse mau pressagio não se confirmou felizmente e nos dias a seguir, o Lourenço e o Caramba que eram os que conheciam fizeram uma razia nos ditos cujos.

Juvenal e um primo afastado

Mas voltemos à patuscada, com que íamos honrar os oficiais piras. Em Assembleia Geral da Sacanagem, resolvemos fazer um petisco à base de macaco. Assim foi combinado, quando fôssemos à lenha, suficientemente afastado do quartel, mataríamos um macaco, com que confeccionaríamos o pitéu . O Caramba ficou encarregue de combinar com o Alferes Esperança e ele que estivesse à vontade para convidar os camaradas dele, que é bom de ver, ficavam com a bebida ao seu encargo, sim porque a velhice era um posto.

Assim foi, na padaria cozinhou-se o macaco dizendo que era gazela. Cheirava bem e estava bom que se fartava. A cerveja corria a jorros, e estávamos já todos muito bem bebidos quando um dos piras presente perguntou como é que nós arranjávamos aquela carne? A risota foi geral e quando dissemos o que era, alguns empalideceram e ficaram notoriamente enojados, incomodados a olhar para os restos nos pratos.

Bem, a festa continuou no Regala onde os nossos convidados continuaram a pagar as bebidas, o que não lhes ficou barato pois nós não éramos gente de meias medidas. Nós bebíamos como de costume muito e alguns deles já bebiam para esquecer o que tinham comido.

Passada uma semana ou mais, estávamos a petiscar umas galinhas quando passa o Alferes Esperança. O Caramba diz-lhe:

- Oh meu alferes não vai um bocadinho de galinha?

A resposta o alferes não se fez esperar:

- Porra! Porra! Não quero nada, vocês são capazes de estar a comer abutre.

Pois é foi giro, mas quis repetir. Fiquei com algum sentimento de culpa em relação aos macacos, que não desapareceu, e é talvez uma das coisas, que me arrependo de ter feito.

Um abraço
Juvenal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8159: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (16): Que a História não esqueça o que o blogue Luís Graça manteve vivo (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8027: Estórias do Juvenal Amado (36): Um domingo de futebol em Galomaro

Guiné 63/74 - P8202: Agenda cultural (117): Programa da Antena 1, "O Amor é...", de Júlio Machado Vaz: O stresse pós-traumático de guerra e as suas implicações na família



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969) > 1968 > Início da construção do aquartelamento (que seria abandonado em menos de nove meses, depois de 372 ataques e flagelações)> Os homens que fizeram das tripas coração... Os homens-toupeira, os homens de  nervos de aço...Que preço pagaram os combatentes da guerra colonial (ou do ultramar, como quiserem) ? Elevado, em sangue, suor e lágrimas, em mortos, feridos  e em sofrimento físico e psíquico... Há um "inimigo invisível" que alguns deles (10%, dizem os estudos epidemiológicos, 100 mil num milhão de combatentes) continuam a combater, no silêncio das quatro paredes das suas casas, ao fim de 40 e tal anos...


Foto: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.






1. É um dos meus programas de rádio preferidos... O Amor É... (de 2ª a 6ª feira, na Antena 1). Fresco, irreverente, sério, rigoroso, descontraído, bem humorado, profissionalíssimo... Um sucesso em termos de comunicação radiofónica. Um caso sério em termos de longevidade na rádio (Não conheço a versão televisiva, que passa na RTP Norte, continuo de qualquer modo a preferir o modelo radiofónico, ou melhor, gosto mais de ouvir o Júlio Machado Vaz na rádio do que vê-lo e ouvi-lo na televisão).

O amor e a sexualidade nas conversas do Prof. Júlio Machado Vaz:  O Amor É... De segunda a sexta, Júlio Machado Vaz conversa sobre amor e sexualidade com a conhecida jornalista e radialista Inês Meneses. O programa é repetido diariamente, de 2ª a 6ª feira, às 03:40 / 09:20 / 11:20 / 22:20.


Hoje, de manhã, como habitualmente, estava sintonizado na Antena1, enquanto conduzia o meu carro na 2ª Circular, a caminho do local de trabalho,  e tive a sorte de ouvir mais uma das conversas do conhecido sexólogo e psiquiatra do Porto, desta vez sobre "Os traumas de guerra na família" (os transtornos da síndroma pós-traumática, em inglês PTSD, Post Traumatic Stress Disorder)... 


Fiquei logo de ouvido atento e tomei logo boa nota desta emissão, para poder partilhar o seu conteúdo com os amigos e camaradas da Guiné... Podem ouvir aqui os 5 minutos de conversa do Prof Júlio Machado Vaz com a Inês Meneses. (Mais exactamente, 5' 52'').



O sofrimento psíquico ocasionado pela guerra nos antigos combatentes (e suas famílias) continua a ser um tema, senão tabu, pelo menos algo marginal e incómodo, que é difícil abordar em voz alta, na primeira pessoa, em público,... com rigor e com pudor. 


Por exemplo, no nosso blogue  não temos muitos postes sobre o tema... Reconheço que não é fácil falar disto, do nosso sofrimento psíquico,  de maneira descomplexada, aberta, espontânea, frontal ...  Há chagas, invisíveis, que não queremos ou não podemos mostrar aos outros, a começar pelos nossos próprios camaradas... 


Já agora, vejam aqui um conjunto de vídeos com o conteúdo de um programa que passou, há uns anos, na RTPN; e é justo também referir aqui o papel da Associação Apoiar, que desde 1994 tem dado apoio psicossocial, clínico e terapêutico a muitos camaradas nossos.

2. Informação adicional sobre o programa O Amor É...

Género > Reflexão
Ficha técnica:
Realização: Júlio Machado Vaz
Autoria: Júlio Machado Vaz
Com: Júlio Machado Vaz e Inês Meneses

Próximas Exibições: Antena1 > 2011-05-02 | 07:12h
Últimas Exibições: Antena1 > 2011-04-29 | 20:12h

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8200: Agenda Cultural (117): Início, no próximo dia 6, do ciclo de conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar, 1961-1974: história e memórias(s), organizado pela Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)


Guiné 63/74 - P8201: As Nossas Mães (15): Carta à Minha Mãe (José Eduardo Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66, com data de 2 de Maio de 2011.

Meu caro Luís
Apreciei muito o teu desafio que me deu umas boas horas de trabalho. Lembrei-me de uma carta que tinha escrito à minha Mãe em 8 de Dezembro de 1964. Era então no dia de N.S. da Conceição que se comemorava o Dia da Mãe. Foram precisas algumas horas para a encontrar. Depois disso uma longa avaria no computador inviabilizou o seu envio. Julgo que só agora é que vai. Atrasada ou não, publicada ou não, fico com a minha obrigação cumprida. Agradeci à minha querida e saudosa Mãe e correspondi ao pedido do meu amigo Luís Graça.


2. Carta à Minha Mãe

Binta, 8 de Dezembro de 1964

Minha Querida Mãe
Será difícil exprimir-lhe por palavras tudo o que sinto por si.

Cada ano que passa, que significa para mim mais experiência de vida, é gratificante constatar que a minha Querida Mãe continua a ser a personificação da bondade, da perfeição, dum amor filial único e sem par.

E esse sentimento para quem, por circunstâncias diversas da vida, teve que sair cedo do lar paterno (primeiro para trabalhar e depois para cumprir o serviço militar), vai tendo cada vez mais valor e sentido.

Nas circunstâncias actuais da minha vida – que é dura e difícil – mais valorizo a formação que me deu. Sei que todos os dias me escreve, que todos os dias reza por mim. Nas cartas que recebo, além das notícias que me manda, sinto a mensagem de coragem que me transmite com a sua resignação cristã, dando-me forças para superar as dificuldades da separação.

Na numerosa família, que são os militares da minha Companhia, não há segredos e damos conta do que significa para cada um de nós a sua MÃE.

Nos momentos mais difíceis, no perigo, na dor, na doença, todos apelamos a quem nos deu a vida.

Quando o Soldado fala da sua Mãe dá uma entoação diferente às suas palavras, que naturalmente são mais doces, mais ternas. Ele fala da sua "velhota", com muitos dizem, com uma ternura diferente.

É por isso que hoje todos recordam com mais emoção, com mais saudade as suas Mães.

Graças a si, minha Querida Mãe, ao Pai, ao maravilhoso ambiente do nosso lar cristão, posso dizer, com uma ponta de orgulho, que nas horas mais difíceis tenho conseguido sempre honrar o nome que me deram.

Acho que nada poderá dar mais alegria a uma Mãe e a um Pai de ter um filho que os tem sempre presentes.

Tudo o que sou, o melhor que tenho em carácter, em honestidade, em integridade, devo-a à minha Querida Mãe. Tenho por si uma verdadeira adoração.

Pela vida fora tentarei sempre que o seu exemplo possa nortear a minha conduta no meu lar, se Deus permitir que eu o chegue a formar. Procurarei ser tão bom Pai como me acostumei desde menino a ter por perto. Na casa dos meus Pais e Avós.

Recuando no tempo recordo a Mãe em todas as circunstâncias como uma pessoa admirável. Na vida, que não lhe tem sido nada fácil, vejo-a sempre a dedicar mais tempo aos outros do que a si própria. Deus permita que continue assim por muitos anos a tornar felizes todos os que vivem perto de si. Transmita à minha Querida Avó os parabéns por ter dado ao mundo tal filha.

Receba um beijo muito amigo do seu
Filho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8196: As Nossas Mães (14): O Dia da Mãe (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P8200: Agenda Cultural (117): Início do ciclo de conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar, 1961-1974: história e memórias(s), organizado pela Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro) (1): Convite para o dia 6 de Maio de 2011



















1. Mensagem de Carlos Cordeiro, com data de 1 do corrente:


 Caros editores:


Com um abraço daqui do meio do Atlântico, segue a informação para, se acharem conveniente, inserirem na “Agenda Cultural”.


Um agradecimento muito especial ao Luís por me ter concedido autorização para utilizar, no material de divulgação, a belíssima foto de Arlindo Teixeira Roda, retirada do blogue.


Um abraço amigo do
Carlos (C).


Carlos Cordeiro (ex-Fur Mil At Inf – CIC – Angola - 1969-71 -, irmão do malogrado Cap Pára João Cordeiro / Prof Auxiliar com Agregação da UAC / Departamento de  História, Filosofia e Ciências Sociais)



2. Ciclo de conferências-debate intitulado “Os Açores e a Guerra do Ultramar, 1961-1974: história e memórias(s)”,




No próximo dia 6 do corrente, terá início, na Universidade dos Açores, o ciclo de conferências-debate intitulado “Os Açores e Guerra do Ultramar – 1961-1974: história e memórias(s)”, numa organização do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso, do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais daquela Universidade.


Esta primeira conferência será proferida pelo Tenente-General Alfredo da Cruz e tem por título “A Força Aérea na Guerra do Ultramar. Experiência de um piloto de combate”.


O Ten-Gen  Pilav Alfredo dos Santos Pereira da Cruz, natural de Alcobaça, foi combatente em Moçambique (1971-1973) como piloto de helicópteros AL III, [, foto à direita, fonte: EMFA, com a devida vénia,]  tendo sido condecorado com a Cruz de Guerra.


 A partir de 1989, foi nomeado para diversas comissões de serviço nos Açores, desempenhando actualmente o cargo de Comandante Operacional dos Açores.


A conferência terá lugar no anfiteatro “C” do Pólo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, com início pelas 17H30 do dia 6 do corrente [, 6ª feira].


Carlos Cordeiro
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Nota do editor:


Último poste da série > 27 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8172: Agenda cultural (116): O documentário de Diana Andringa sobre o Campo de Chão Bom / Tarrafal passa hoje na RTP1, às 23h00: Entre 1962 foram deportados para lá 100 presos políticos guineenses, 60 foram libertados em 1964 e os restantes em 1969

Guiné 63/74 - P8199: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (16): Galinha? Cá tem

1. Mensagem José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 27 de Abril de 2011:

Amigo Vinhal
Junto esta pequena história (Galinha? Cá tem) para incluir nas "Memorias
boas da minha guerra"

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Memorias boas da minha guerra (16)

Galinha? Cá tem!

De 29 de Novembro a 13 de Dezembro de 1967, a nossa CART 1689 esteve envolvida na implantação e construção do Destacamento de Gubia, na zona de intervenção de Empada. Depois de um desembarque em LDP’s, ao amanhecer, “à maneira da Normandia” e após a ocupação do local apropriado, iniciaram-se os trabalhos das construções defensivas. Para assegurar esses trabalhos e não só, os Pelotões saíam para patrulhar e emboscar, rendendo-se uns aos outros.


 Quando ocupámos aquele local, apanhámos vários cabritos e muitas galinhas, que eram da população e que fugira ao ouvir o barulho dos motores das lanchas. Desde logo, sempre que determinado Pelotão saía, as suas galinhas estavam à mercê dos outros militares que ficavam no acampamento. E os “pilha-galinhas” só pararam quando, dos respectivos Pelotões “proprietários”, passaram a ficar um ou dois militares (“dispensados por doença”), para guardarem o “galinheiro”.

O Silva com o Darei, em Catió, onde ele ficou. O Una faleceu em Gandembel no dia 19 de Abril de 1968 durante a Op. Bola de Fogo.

Os soldados milícias Darei e Una, que eram do meu Pelotão, quase não falavam entre si, pois, sendo de etnias diferentes, sentiam dificuldades em comunicar. Porém, entendiam-se lindamente.

Estávamos sentados no chão, ao redor de uma fogueira, de lume brando e muito braseiro, enterrada num rego apropriado para se poisarem os espetos dos assados nas beiras de cada lado. Enquanto o Darei, de faca afiadíssima, se entretinha a dar os últimos retoques num espeto de vara verde, o Una saiu sem dar cavaco, aparentando não querer mostrar o seu apetite, provocado pelas “insinuações” do Darei. No entanto, pouco depois, ouve-se:

- Ladrões, filhos da puta. Eu fodo-vos! – gritava alguém lá ao fundo.

Ouvia-se também um restolho enorme de quem vinha a corta-mato e em fuga. Surge a uns 70 metros, o Una a correr, com uma galinha encostada ao peito, ao mesmo tempo que a depenava a uma velocidade incrível.

Logo de seguida, surge o Flausino, sempre a gritar:

- Filhos da puta, ladrões. Já vos apanho.

Ao passar junto de nós, o Una deixa cair a galhinha para as mãos do Darei, que logo lhe enfia o espeto, do cu até ao pescoço e o coloca imediatamente nas brasas. O Flausino aproximou-se em modos ameaçadores.

Olhando para os militares, que estavam em silêncio, a observar a galinha que esgravatava as brasas com as patas e pergunta, meio cansado e embasbacado:

- A galinha?... ga..ga..linha?...ga...aali ..li...li....?

Como ficou estarrecido a olhar também para “o assado” que mexia nas brasas, o Darei, imperturbável, respondeu:

- Galinha, inh’cá tem! ...Ess’é galo!

Silva da CART 1689
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8179: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (15): Xelorico, um rapaz sui generis