quarta-feira, 25 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9800: Tabanca Grande: oito anos a blogar (10): Parabéns! (Carlos Matos Gomes / António Vaz)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012>  Que belo friso de camarigos, de diversas épocas e diferentes lugares da guerra da Guiné (1961/74): Luís R. Moreira (Bambadinca, Nhabijões e Bissau, 1970/72), Magalhães Ribeira, o "pira de Mansoa" (Mansoa, 1974), Torcato Mendonça (Fá e Mansambo, 1968/69, João Mata (Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69), António Vaz (Bissorã e Xime, 1967/69), Luís Graça (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), e Manuel Moreira (Bissorã, Ponta do Inglês e Xime,1967/69)... (LG)


Foto: © António Vaz (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





1. Mensagem de parabéns do cor cav ref e escritor Carlos Matos Gomes [, foto à direita, na Amura, em 7 de março de 2008; foto de L.G.]:


Data: 23 de Abril de 2012 18:32

Assunto: Parabéns

Meus caros amigos, estive a ver as fotos da festa da Tabanca. Queria deixar aqui os meus parabens, mas também expressar a admiração pelo convívio e pela sã troca de afetos e memórias entre aqueles que passaram pela Guiné no cumprimento do serviço militar.


Todos ficamos enriquecidos ao visitar esta Tabanca. Em especial ao Luís Graça e aos editores, o meu bem hajam e o estímulo para que continuem. Para todos os que aqui partilham os seus segredos, os seus pensamentos, os seus sentimentos vai o meu obrigado pelo que me têm ensinado.

Um grande abraço para todos do Carlos Matos Gomes.

2. Mensagem, do dia 24 do corrente, do nosso camarigo António Vaz, antigo cap mil, CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69):

 
Olá, caros camaradas:


Hoje, dia do aniversário do nosso blogue e ainda não tendo passado da meia noite,quero aqui deixar a merecida mensagem de PARABÉNS para os editores,organizadores e evidentemente para o Luís Graça.

Saúde para todos e que durante muitos anos nos acompanhemos uns aos outros.
Pela iniciativa de uns e pelo empenho de todos penso que estamos assim todos de parabens.

O almoço e o convívio em Monte Real foram o que toda a gente viu: um sucesso!!!
Aqui vão fotos do acontecimento com um grande abraço para todos do

António Vaz

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9798: Tabanca Grande: oito anos a blogar (9): Os "nós" e os "laços" do nosso querido Blogue (Manuel Joaquim)

terça-feira, 24 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9799: O Nosso Livro de Visitas (133): Maximino Guimarães Alves, ex-Radiotelegrafista do STM (Bissau, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada Maximino Guimarães Alves, ex-Radiotelegrafista do STM (Guiné, 1972/74), deixado no Poste 3498*:

Chamo-me Maximino Guimarães Alves, sou de Fafe, Minho.

Como Radiotelegrafista do STM a minha comissão na Guiné foi no Centro de Escuta do Agrupamento de Transmissões (Outubro de 1972 a Agosto de 1974).

O 1º Centro de Escuta onde fiz serviço ficava fora do quartel. Era numa das vivendas do lado de fora, quase em frente à Intendência... O 2º Centro de Escuta, quase no fim da minha comissão, já era junto a um dos blocos de casernas novas, perto do campo de futebol e do refeitório.

Recordo, do Centro de Escuta, o Furriel Santos Pereira, (fazia dupla comigo durante os serviços nocturnos, excelente parceiro, tradutor das mensagens que recebíamos), Garcia, Faustino Estanqueiro, Faustino Pinto de Jesus, Páscoa, Fur. Meira, Adelino Rei, Couto, e muitos outros que não me lembro o nome agora...

Terminei as segundas férias no dia 21 de Abril de 1974 regressando à Guiné no dia 22 de Abril de manhã. Iniciei o serviço precisamente no dia 25 de Abril de manhã, já no Centro de Escuta novo.

O que o Furriel Hélder Valério diz sobre o Centro de Escuta é exacto. Consistia, no que ao meu serviço dizia respeito, em receber mensagens em morse, normalmente com o texto em francês que depois eram traduzidas se fossem em texto normal, ou descodificadas pelos criptos se fossem codificadas.

Também gravávamos programas da BBC, Voz da América, discursos do Amílcar Cabral, da esposa, conhecida por Maria «Turra», etc...

No primeiro ano no Agrupamento, íamos almoçar e jantar ao Quartel General que fazia «fronteira» com o nosso... Só em 1973 tivemos o nosso refeitório novo que, por sinal, era excelente. Tenho várias fotografias do quartel e do centro de escuta. Gostava de as partilhar. O que devo fazer?


Também posso informar que vai haver um encontro no dia 5 de Maio, nos Arcos de Valdevez, de antigos militares do Agrupamento de Transmissões da Guiné. É organizado pelo Garcia. Se alguém estiver interessado posso fornecer o contacto dele.
O meu email é: maxalves@netcabo.pt


2. Comentário de CV:

Caro camarada Maximino, se quiseres engrossar a fileira dos camaradas das Transmissões deste Blogue, envia uma foto actual e outra do teu tempo de Guiné, de preferência tipo passe e diz-nos qual foi o teu posto militar.
Já sabemos a data em que foste para a Guiné, a data de regresso e onde fizeste serviço, mas muito mais terás para nos dizeres dos tempos passados em Bissau, principalmente nos meses mais próximos do antes e do pós 25 de Abril.

Ficamos a aguardar as tuas mensagens, descodificadas e desclassificadas, que deverás enviar para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos co-editores Carlos Vinhal e/ou Eduardo Magalhães Ribeiro.

Recebe um abraço dos camaradas das Transmissões deste Blogue e não só.
O teu camarada
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9753: O Nosso Livro de Visitas (132): Não se preocupem se não der notícias - só estamos sem eletricidade porque o gasóleo acabou! (Anabela Pires, Iemberém, Cantanhez)

Guiné 63/74 - P9798: Tabanca Grande: oito anos a blogar (9): Os "nós" e os "laços" do nosso querido Blogue (Manuel Joaquim)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67):

 Meus caros camaradas:
Aqui vai a minha mensagem de parabéns para o "Luís Graça & Camaradas da Guiné", nosso querido blogue, a propósito do seu 8º aniversário, penso que a 23/4.
Gostava que o texto fosse ilustrado mas não o consegui fazer.
Se acharem que este "pastel" de letras merece edição...

Um grande abraço, bem merecido, para os seus editor e co-editores.
Manuel Joaquim


OS NÓS E OS LAÇOS*

Olá, meu querido blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”! Neste teu oitavo aniversário venho dar-te os parabéns e falar-te de nós e de laços. Sabes? És um blogue de “nós”. De nós (és nosso, dos teus membros) e de outros nós, mais ou menos apertados, mais ou menos difíceis de desatar. Olha alguns:

Nós de enredo de dramas, de histórias que poderão ser História. Nós de embaraço, de estorvo. Nós de garganta, de emoção. Nós, em certos “pontos” da trama, difíceis de desatar. Nós corredios ou mesmo nós cegos. És também um blogue de laços: laços que também são nós mas de outro tipo, são laços de fraternidade e de ternura, laços de união, laços de memória(s) e de emoções, laços de relacionamento(s) e de amizade(s).

Em ti já há nós desatados e laços afetivos, ténues ou fortes, enfeitados ou não, mais ou menos apertados, mas que nos apertam com afagos e carícias que a amizade e a camaradagem agradecem. Laços que nos ajudam a manter-nos vivos, que nos amparam na nossa sociabilidade, para alguns difícil, na solidariedade entre antigos combatentes e entre estes e a sociedade onde estão inseridos.

Lendo-te ou participando no teu espaço, há “velhos soldados” que dão conta desses nós desatados, desses laços afetivos a reafirmarem-se e a crescer, ou a nascer, assentes num certo passado comum, num manancial de emoções coletivas resultantes de vivências similares suportadas num determinado teatro de guerra.

O tempo, inexorável, provoca o esquecimento, arrasa mesmo muitas memórias. Tu, blogue, és um guerreiro lutando contra esse esquecimento, contra o abandono e a menorização dos feitos, das missões, dos cometimentos de muitas centenas de milhares de jovens portugueses sacrificados numa guerra, guerra esta que só acabou há 37 anos mas que parece esquecida ou está mesmo esquecida, tanto politicamente como socialmente. Este facto é mesmo um enigma social e político, tendo em atenção que o número de antigos combatentes vivos, mais os seus familiares diretos, será seguramente superior a três milhões de portugueses. Eis mais um nó mas este é mesmo um nó górdio. Não deves ser capaz de o desfazer nem deve haver herói que o faça!

Ao desatares nós de isolamento e de incomunicabilidade, ao criares condições de sociabilidade que fazem em nós nascer ou restaurar laços de fraternidade e de camaradagem (somos camarigos, sabes?), ao sustentares as nossas afinidades como combatentes no mesmo teatro de guerra, tens conseguido levar-nos a uma aproximação que nos revigora, nos acalma, nos conforta, nos torna mais conscientes daquilo que nos aconteceu durante um determinado tempo da nossa juventude.

Eu sei e sinto que me ajudaste na criação de laços que me reforçaram as qualidades como ser humano. Eu sei e sinto que me ajudaste a desatar alguns nós em memórias incómodas, doloridas ou confusas, aclarando factos e trazendo muita paz ao meu, muito íntimo, “tribunal da razão”, nós esses que me ataram a coisas que, na altura, me pareceram importantes mas que hoje já o não são. Também sinto que entre nós, antigos combatentes, há ainda quem carregue muito peso daqueles anos de chumbo passados em África. Não sei porquê mas acredito que tenhas servido, estejas ou venhas a servir para amenizar esse peso ou até a tirá-lo das costas de alguém.

Com o avançar da idade (eu já fiz 70), e se não tivermos cuidado, nós os que te frequentamos e te sustentamos, iremos inadvertida e inconscientemente deslizando numa suave rampa de isolamento crescente. É afinal o que nos espera, à maior parte de nós, se tivermos uma vida longa. Temos de lutar contra a velocidade do deslizamento na tal rampa e, para isso, é preciso fugir do isolamento para viver com os outros, comunicar, participar, partilhar, aproveitar no dia a dia as pequenas coisas que nos animem, que nos sobressaltem, que nos façam sentir vivos, que nos possam saciar a sede de viver.

Espero que continues a apoiar-nos neste campo. Precisamos de comunicação para termos mais e melhor saúde, principalmente mental. Comunicar é importante até para desatarmos muitos nós que transportamos na alma e que nos infernizam a vida e para criar laços que nos enfeitem as “prendas” que a mesma vida nos pode oferecer. Tu és um desses veículos de comunicação que podemos (devemos) aproveitar. Repito o que já disse sobre ti há uns tempos atrás (P 5932): “este blogue é uma câmara de gritos (de saudade, de alegria, de tristeza, de horror, de perdão, de expiação, de amor-próprio, de vaidade, de humildade, de dádiva, de amizade, de solidariedade, de revolta, de vazio ... )”.

Não tenho dúvidas, perante o volume do que tenho lido no teu espaço, que és também um meio de terapia, coletiva e individual. Desejo que os teus frequentadores se não inibam e que participem para lá da simples leitura ou consulta, não tendo receio de se exporem, de relatarem memórias ou estados de alma, de opinarem sobre o que lhes (nos) desagrada ou não.

A finalizar, vê lá se atendes estes meus desejos:

Que continues a desatar nós, incluindo os nós na garganta que, tanto tempo depois, ainda possamos conservar ou outros que venhamos a ter.

Que aclares os pedaços de memória que nos possam ainda incomodar, contextualizando-os à época dos factos, de modo a podermos lidar melhor com eles.
Que nos ajudes a criar ou a manter vivos sentimentos positivos quanto à nossa passada vida de combatentes.
Que cries, recries e sustentes laços afetivos entre nós, teus membros.
Que continues a ser um veículo para nos situarmos melhor como cidadãos de um país que pouco nos liga, para nos ajudar a viver melhor e a fortalecer a nossa vivência social, para nos ajudar a ver o futuro com um olhar mais confiante, na certeza de sermos acompanhados por novos amigos no nosso esforço para seguirmos em frente, serenos perante o que fomos e fizemos na nossa juventude tão sacrificada.

Muitos parabéns, meu querido Blogue! Festejo os teus oito anos de vida! E faço força para que tenhas uma vida longa, muito longa! Essa vida ser-te-á alimentada pelos teus atuais e futuros membros e leitores que, como se de horta se tratasse, te cultivam e cultivarão para produzires frutos que continuem a desatar nós e a criar laços afetivos entre todos os frequentadores do teu espaço.

Por falar em horta, é altura de homenagear os teus trabalhadores permanentes que são também teus editor e co-editores. Sem eles, sem a sua vigilância sobre o teu crescimento, sem a sua atenção no ordenamento da plantação e em acudir à rega quando a seca ameaça, seria o fim da “horta”, o teu fim. E tu não podes morrer tão novo! Para eles, também, um grande abraço de admiração e de agradecimento.

Muitos parabéns! Feliz aniversário!
Manuel Joaquim

*Título de um romance de António Alçada Batista, “Os Nós e os Laços”, reedição Ed. Presença, 2000 (com a devida vénia, aqui usado).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9795: Tabanca Grande: oito anos a blogar (8): Tabanqueiro da primeira hora, totalista dos nossos 7 encontros nacionais (David Guimarães)

Guiné 63/74 - P9797: Agenda cultural (197): "Adeus até ao meu regresso" em foco na "Tertúlia - Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", dia 26 de Abril de 2012, pelas 18 horas, na Bertrand Dolce Vita Monumental, Lisboa, com a participação de Mário Beja Santos e Luís Graça

C O N V I T E

No próximo dia 26 de Abril, pelas 18 horas, na Bertrand Dolce Vita Monumental, na Av. Fontes Pereira de Melo, Lisboa, terá lugar uma sessão integrada no ciclo "Tertúlia, Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", coordenação do Cor Carlos Matos Gomes, estando em destaque o livro "Adeus até ao meu regresso" de autoria do nosso camarada Mário Beja Santos que será um dos intervenientes assim como o nosso camarada e Editor/Administrador deste Blogue, Luís Graça.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9773: Agenda cultural (196): Algumas notas sobre o Seminário Guerra de África (José Colaço)

Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

1. Mensagem do nosso camarigo Jorge Cabral, mais conhecido como sósia do Alfero Cabral, um das figuras mais queridas e populares da nossa Tabanca Grande:

Olá Amigos!

Parabéns ao Blogue! Parabéns à Tabanca!

Parabéns à nossa Tribo!

Mais uma vez faltei ao Grande Encontro.

Quem lá esteve foi o Jovem Alfero Cabral. 

Abraços, Jorge Cabral.

P.S – Aí vai “estória”.



[Foto à direita: Guiné Portuguesa > Bajuda Mandinga >  Farim > Foto Lisboa > s/d >  Cortesia de Memórias da Guerra da Guiné, blogue de Luís de Matos].

2. Estórias cabralianas >  Fixação Mamária? Tenho que ir ao Divã?
por Jorge Cabral

Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista,  presumo.

Respondi aos elogios. Não me atribuo qualquer mérito. Escrevo “estórias” para a Tabanca, a minha Tribo. Sou apenas um “gajo” com piada e uma pancadinha saudável. Quanto à aludida “fixação”, bem, confesso, é genética ou mesma atávica. 

Citei-lhe Vasco Calvet de Magalhães, Administrador da Circunscrição do Geba, que no seu Relatório de 1914, segundo Beja Santos, escreveu: - “Uma diferença enorme existe entre a mulher fula e a mulher fula – preta. A primeira tem glândula mamária perfeitamente esférica enquanto a segunda tem-na em forma de pêra…” 

Como vê, disse – lhe eu, “este interesse etnomamário esteve sempre presente na colonização portuguesa”. E reforçando a tese, inventei um avoengo de nome Carloto Cabral, que no Séc. XVIII crismou Quebo, como Aldeia das Mamas Formosas, tendo as ditas com o tempo, e como é natural, (de)caído.

Enfim, até lhe prometi classificar os belos atributos em nova “estória”. Abacates, papaias, mangas, melões, tangerinas e figos, mas tudo boa fruta…

Agradeceu-me a explicação. Disse-me já ter consultado o livro do Beja Santos, mas pede-me agora, elementos sobre o referido Carloto. Documentos, livros… 

Como vou descalçar esta bota? Pois é. Se calhar vou ter mesmo de passar pelo tal divã.
Jorge Cabral (*)
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Nota do editor:

Ùltimos postes da série:

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo,  tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível.  Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)


(...) Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada,  os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais. 
Dizia um:
 – Na minha terra…

E acrescentava outro:
 – A minha Mãe fazia… (...)



(...) Chegado na véspera e instalado no Biafra, entrei pela primeira e última vez na Messe de Oficiais em Santa Luzia. Era noite do Bingo. Procurei algum conhecido e encontrei o Gato Félix, estudante de Letras, ora Alferes, o qual também me pareceu entediado. (...)


(...) Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem? (...) 


(...) Foi na prisão de Alcoentre que conheci o Mãozinhas, por intermédio do meu amigo e cliente, o 24, nome que ganhou há muito tempo, num bordel, sito à Rua do Mundo. E porquê, 24? Ora, é fácil adivinhar. O tamanho, melhor, o comprimento (...)


(...) Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé. (...)

Guiné 63/74 - P9795: Tabanca Grande: oito anos a blogar (8): Tabanqueiro da primeira hora, totalista dos nossos 7 encontros nacionais (David Guimarães)

1. Mensagem de parabéns do nosso editor Luís Graça ao David Guimarães, tabanqueiro da primeira hora, que faz hoje 65 anos, um dia depois do 8º aniversário do nosso blogue:

Se a Tabanca Grande fosse uma empresa, o David Guimarães era um dos sócios fundadores (juntamente com o Sousa de Castro, o A. Marques Lopes, o Humberto Reis, e outros tertulianos da primeira hora)... 

E mais do que isso: o David é um dos tabanqueiros que veste e não larga a camisola... Comigo, e com o Carlos Vinhal e a Dina, e se calhar com mais algum outro camarigo que agora, de repente, não consigo recordar, o David Guimarães (e a sua inseparável Lígia) é, se não me engano, um dos raros totalistas dos nossos 7 encontros nacionais!... Desde a Ameira, em 2006, ele tem estado em todos, verdade ?

Por isto, e muito mais - sobretudo por ser um camarigo de coração de ouro - aqui vai um Alfa Bravo muito especial para ele no seu dia de festa, em plena semana de celebração do nosso 8º aniversário!... (Com um beijinho para a Lígia, meu e da Alice). Luís Graça.


2. Comentário do David Guimarães, o nosso aniversariante de hoje [, foto à esquerda,  com a sua inseparável viola, instrumento que sempre tocou desde as Caldas da Raínha e do Xitole]:

Obrigado,  Luís (que representas toda essa gente que hoje formamos uma grande comunidade de amigos) por este abraço de aniversário que me envias - por ele apanharei de todos ao mesmo tempo - aqueles que menos me conhecem ainda.

Sou,  sim, totalista dos encontros, fui o terceiro a perfilar-me e a colaborar no blogue... Curioso,  até andei metido na azáfama como se deveria chamar à nossa casa [, tertúlia, tabanca...].  Posso não ser tão assíduo agora na escrita mas sempre estou ligado do mesmo modo com os afectos e carinho que tenho por aquilo que afinal sou responsável também por o ter ajudado no parto - senti e sofri as dores do crescimento, não passei o testemunho que é meu mas dei a palavra a muitos que hoje escrevem e bem - assim em cada um mais que entra coma sua palavra encontro mais um amigo - um camarada ou camarigo mas antes de tudo, sim,  mais um amigo. Nessa comunhão então sinto-me feliz, pois sei que em cada um tenho um amigo e todos em mim poderão ter a certeza que o têm também...

Um abraço de amizade e agradecimento nesta minha festa de 65 anos,

David


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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9794: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (14): Tanta gente, camarigos! (Fotos de Jorge Canhão)









VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Belíssimas fotos de um dos nossos reporteres fotográficos habituais, o Jorge Canhão (Oeiras), que veio acompanhado da sua esposa Lurdes (aqui na última foto, ao centro, de casaco verde mar ou esmeralda)... Um terço dos nossos camaradas veio acompanhado de familiares (esposas, filhos e até netos)... As nossas caras metade estavam todas elegantíssimas, como se pode avaliar pelas imagens... O São Pedro desta vez é que foi pouco camarigo... Contrariamente a anos anteriores, a primeira parte do convívio acabou por se realizar no interior do hotel... com cerca de 200 convivas... Mas a logística portou-se bem... Temos de reconhecer aqui,  publicamente,  o profissionalismo do pessoal do Palace Hotel... Pessoal de cinco estrelas num hotel de quatro estrelas, com um belíssimo enquadramento paisagística e facilidades de estacionamento... (LG)


Fotos: © Jorge Canhão (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9783: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (13): Mais caras novas... (e outras, não tanto)



Guiné 63/74 - P9793: Tabanca Grande: oito anos a blogar (7): Camarigo, uma palavra que um dia há-de entrar no léxico da língua portuguesa (Idálio Reis, Cantanhede)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Dois grandes camarigos, Idálio Reis (Cantanhede) e JERO (Alcobaça)...


Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados



1. Mensagem do Idálio Reis, com data de 23 do corrente:

Caros Luís e co-editores:

Foi cheia a festa-convívio de Monte Real.

Desde logo, pela forma aberta e jovial, como o nosso anfitrião fez gala em nos receber. Mais uma vez o grande Joaquim se aprimorou, ao franquear as cancelas de par em par do seu lugar de sediação.


E todos os tertulianos presentes fruíram de uma ampla jornada de confraternização, revisitando memórias, indagando paradeiros de afectos, estoriando passagens (das brincantes às mais molestas).

O Blogue, ao longo destes 8 anos, para quem já entrou de pleno direito na era digital, tem uma bonita idade. Congregou ex-camaradas da guerra da Guiné, de todos os tempos, e contemplativamente teve o condão de os forjar em camarigos, uma palavra, em que um dia haverá de surgir impante no léxico da língua-mãe, sempre. Aporta consigo um enorme acervo de um inestimável valor histórico, que se vai tornando fundamental para a compreensão da guerra travada em inúmeros palcos de guerra no TO da Guiné. 
[Infografia de Miguel Pessoa, 2012]


E os que se sentiram impelidos em partilhar as suas narrativas, conglomeraram-se nesta festa feliz, permitindo um maior grau de identificação, que só um ambiente são e fraterno de uma sala pujante, pode propiciar.

E ficamos mais acicatados em continuar, até que alguma ancilose nos doa.

Um bem-haja a todos. Cordiais afectos do


Idálio Reis.


PS - O pedido do Luís, das palavras que então proferi quanto ao livro, segue em anexo.

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9788: Tabanca Grande: oito anos a blogar (6): Travando a batalha contra o esquecimento (José Martins, Odivelas; Carlos Pinheiro, Torres Novas)

Guiné 63/74 - P9792: Estórias avulsas (61): Fotos de Bedanda (Luís Gonçalves Vaz/Mário de Azevedo)


1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz,   membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos várias fotos do álbum fotográfico do seu primo Mário José Lopes de Azevedo (,foto do lado direito),, que foi Furriel Miliciano de Artilharia da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/72. 

Camarigos,


Aí vai um conjunto de fotografias do meu primo Mário Azevedo, obtidas a partir de slides do próprio, tirados em Bedanda no ano de 1971. 


Podem publicar já ou esperar pela "estória do Mário Azevedo", que está a caminho...


Nas fotos 5 e 6, é mesmo o obus de 140 mm do Mário de Azevedo em pleno fogo, no ano de 1971... 

"...Ou se respondia a um ataque ao nosso quartel, ou Aldeia Formosa pedia-nos apoio de fogo para um "corredor já conhecido do IN. Mas outros aquartelamentos nos pediam para fazermos fogo... "

O obus da minha secção 
No dia da despedida do Dr. Bravo
Mais um pormenor da despedida do Dr. Bravo

Ainda a despedida do Dr. Bravo
O meu obus a disparar 
Mais um disparo noturno do meu obus 
Tabanca feita pelos militares para população africana 
Africanas novas "Bajudas"
"Bajuda" 
Pelotão destacado a + ou - 1 km
Eu no pelotão com uma gazela de um comerciante
Época da compra do arroz aos africanos pelos comerciantes 
Mais um pormenor da época da compra do arroz 
Posto de sentinela por cima do abrigo (este abrigo não era o meu)
Vista da tabanca (antiga) 
Aquele que foi o meu abrigo

Forte Abraço:
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)

Fotos: © Mário de Azevedo (2011). Direitos reservados.
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Notas de MR:

Último poste da série em > 

Guiné 63/74 - P9791: Parabéns a você (410): David Guimarães, ex-Fur Mil da CART 2716/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

Para aceder aos Postes do camarada David Guimarães, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9777: Parabéns a você (409): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9790: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (14): O cap mil grad António Andrade, açoriano, terceirense, da 35ª CCmds... (ou a confirmação de que o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande)

Foto à direita: O BI militar, no CTIG, do António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Foto: © António Graça de Abreu (2010). Todos os direitos reservados


1. Que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, a gente já sabe. Ou melhor: é um trocadilho, uma das nossas boutades de caserna... Mesmo assim, a gente vai comprovando, uma vez por outra, a ver(aci)dade da nossa palavra... de ordem. 

Eu, por exemplo, no dia 21 de abril de 2012,  estava em Monte Real e fui lá encontrar três conterrâneos meus, lourinhanenses ou a residir na Lourinhã, e todos eles antigos camaradas de armas da Guiné: o Eduardo Jorge Ferreira, o João Marcelino e o Luís Mourato Oliveira. Só o Eduardo é que é, formalmente, membro da nossa Tabanca Grande. Quanto ao João, já o tinha encontrado algures, em Oeiras, e falado sobre uma coincidência engraçada que nos une, para além da Guiné e da Lourinhã: os nossos pais estiveram na mesma altura, em 1941/43, como expedicionários,  em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, mobilizados pela mesma unidade, o RI 5, das Caldas da Rainha. E ele até me prometeu escrever sobre isso, para a série Meu Pai, Meu Velho, Meu Camarada

Ele não é lourinhanse de nascimento, mas é de coração, vivendo em Fonte de Lima, é um homem afável, de espírito aberto, franco e brincalhão. O Luís Mourato Oliveira, por sua vez, é filho de uma lourinhanse, e temos amigos comuns na Marteleira... (Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52 e teve dissabores, em agosto de 1974, com a malta da CCAÇ 21, em Bambadinca, do mesmo tipo que os do J. Casimiro Carvalho, em Paunca - enfim, uma história que eu espero que um dia destes nos conte, aqui, em público)...

Vem esta(s) história(s) a propósito de quê ?... No domingo seguinte, dia 22, de manhã, estou  eu com a Alice, no Mercado da Lourinhã, à volta da fruta e do peixe, e quem é que eu encontro ? O jovial João Marcelino, fresco como uma alface, acompanhado de um amigo, que ele me apresenta nestes termos:
- António Andrade, de Angra do Heroísmo,  somos como dois irmãos, eu vou a casa dele, ele vem à minha... Foi comandante da 35º de Comandos, esteve no CAOP1 com o António Graça de Abreu, em 1972... Foi capitão graduado. Podia ter ido ontem a Monte Real comigo, se não estivesse na ressaca de 4 implantes dentários... Mas hoje está melhor...

Conversa puxa conversa, lá falámos do livro do AGA, o Diário da Guiné. E logo o João Marcelino e o António Andrade aproveitaram para esclarecer que o número de mortos da 35ª CCmds no TO da Guiné não foram cinco mas apenas dois. O AGA já fora informado do lapso, tendo  prometido corrigir a informação numa eventual 2ª edição... 

Em homenagem ao João Marcelino e ao seu amigo e nosso camarada António Andrade - esperando que os dois um dia possam e queiram entrar para a nossa Tabanca Grande,  pela porta principal - aqui vai o excerto do Diário da Guiné onde se fala de uma ida a Bula, em coluna, com malta da 35ª CCmds... 

Com a devida vénia ao autor... (e, de certo modo também, uma maneira algo habilidosa de, "malgré lui",   associar o AGA, nosso tabanqueiro de longa data e bom camarigo, às comemorações do nosso 8º aniversário). (LG)

(...) Canchungo, 16 de Setembro de 1972

Meti os pezinhos ao caminho, estreei o camuflado e a minha espingarda, bala na câmara e aí fui eu, numa coluna com os Comandos, cerca de cinquenta homens com fitas de balas enroladas em volta do corpo, granadas, espingardas, metralhadoras, enfim não tínhamos o aspecto de quem ia para um piquenique. Avançámos na estrada de alcatrão para dentro da zona onde já há, ou pode haver, guerra a sério, onde os guerrilheiros se movimentam no TO da PU - ou seja Teatro de Operações da Província Ultramarina, - montam emboscadas, lutam contra esta tropa branca que lhes invadiu a terra. 

O caminho era até Bula, quarenta quilómetros atravessando as aldeias e os aquartelamentos do Pelundo e Có, lugares onde já correu sangue inocente em abundância, onde matas e bolanhas foram retalhadas pelos instrumentos que matam pretos e brancos.

Os meus companheiros eram os homens que trazem um crachá vermelho e negro ao peito, a 35ª. Companhia de Comandos. São gente da minha fornada, mais corajosa e melhor preparada. Por isso, senti-me seguro e protegido. Viajei no primeiro jipe, à frente da coluna com o comandante da Companhia, conduzido pelo capitão miliciano António Andrade, um excelente rapaz de Angra do Heroísmo, meu companheiro de conversas por dentro da noite no bar do CAOP 1. 

Não levámos divisas, se caíssemos debaixo de fogo éramos todos iguais. Mentalizei-me, pensei numa possível emboscada. Os primeiros tiros são os mais perigosos, depois é preciso rastejar rapidamente para fora da estrada e arranjar um lugar abrigado, não ao alcance do fogo do IN. No fundo, sou atirador de Infantaria e na Guiné começo a comprovar a justeza da frase que aprendi em Mafra, e que na altura me pareceu ridícula, um rotundo disparate: “Suor derramado na instrução é sangue poupado no campo de batalha”.

Correu tudo bem, almoçámos com os oficiais do quartel de Bula, o Andrade foi lá combinar uma operação com a tropa da região. Regressámos a meio da tarde. Eu adivinhava os guerrilheiros negros, de coração vermelho como nós, a espreitar na mata, mas não houve nenhum problema, sem contactos.

Estou a exagerar a perigosidade do itinerário até Bula. É esta a estrada que depois conduz a Bissau, há colunas militares com veículos civis todas as terças e sextas e é raríssimo registarem-se emboscadas. Mas nunca fiando. Regressámos em paz. Acompanhei os Comandos porque queria sair de Canchungo e conhecer. Fez-me bem.

Esta 35ª. Companhia de Comandos (#) já teve cinco mortos em combate (*). Vieram para a Guiné comandados pelo capitão António Ribeiro da Fonseca. Ora este homem, foi meu instrutor de táctica e guerrilha quando fiz a especialidade como Atirador na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Ele era então alferes Comando, conhecido como o “Bala Real” porque andava sempre com uma espingarda Kalashnikov que trouxera de Moçambique munida de balas reais. De vez em quando, tinha o gosto de disparar sobre as nossas cabeças para nos habituar às balas e fazer perder o medo. Nunca esqueci uma cena delirante.

Estávamos na Tapada a descansar após uma caminhada, perto do Portão Verde, do lado da Murgeira. Um dos cadetes do pelotão foi urinar e plantou-se diante de um pinheiro. Rápido, o “Bala Real” pegou na espingarda, fez pontaria à pila do rapaz e, a mais de vinte metros, disparou. O moço que estava meio de costas a mijar para a árvore, não viu o gesto do alferes Comando mas ouviu o disparo e sentiu o impacto da bala no pinheiro, a centímetros da sua pila. Voltou-se para nós, ainda com a pila na mão, branco, a tremer. O “Bala Real” perguntou-lhe: “Veja lá se a bala furou ou não furou o pinheiro!...” Ele não conseguia ver coisa nenhuma mas era verdade, a bala tinha atravessado a árvore de lado a lado.

O capitão Ribeiro da Fonseca foi o primeiro comandante da 35ª. de Comandos que está connosco no CAOP 1. Em Janeiro, numa operação na Caboiana foi ferido com um estilhaço que lhe perfurou um braço, evacuaram-no para Portugal e já não voltou.

Mas deixou boa fama por aqui. Disse-me um furriel Comando que, com ele, atacavam o IN ao som de um trompete.(##)

O António Andrade, alferes miliciano com a melhor classificação de curso na 35ª, foi graduado em capitão e tem comandado a companhia, a contento de todos. (...)
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Notas do autor:

(#) Para uma história breve da 35ª. Companhia de Comandos, ver Resenha, 7º. Vol., tomo II, pag. 535.

(##) Sobre a carreira militar do capitão António Joaquim Ribeiro da Fonseca ver o seu depoimento em Os Últimos Guerreiros do Império, Amadora, Editora Erasmos, 1995,  pp. 145-162.

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Guiné 63/74 - P9789: Notas de leitura (354): "Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde", por Jorge Querido (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Março de 2012:

Queridos amigos,
O livro de Jorge Querido tem a inegável vantagem de nos tirar do palco habitual da Guiné, onde vemos sempre um PAIGC militar e uma direção política posicionada em Conacri, para nos remeter a questões de fundo que não passam só pelo uso das armas mas pelo relacionamento dos combatentes e dirigentes de origem cabo-verdiana e guineense. É aqui que Querido desvela as questões da identidade cabo-verdiana que afetaram profundamente a vida do PAIGC durante a luta e após a independência.
Auguro que o livro será muito mal recebido em ambos os países, este demorado olhar ainda está eivado pelas inquietações e assombrações dos preconceitos que ambos os povos teimosamente iludem.

Um abraço do
Mário


O PAIGC visto por um antigo dirigente cabo-verdiano: 
Um livro polémico de Jorge Querido* (2)

Beja Santos
Jorge Querido não tem pejo em adiantar que Amílcar Cabral estava obrigado a lançar mão daqueles que tinham o mínimo de instrução para pôr a funcionar como organização política o PAIGC, Cabral sabia que podia contar com a força de combate guineense mas que não dispunha de quadros para ocuparem os lugares de cúpula do partido. E ele questiona se esses cabo-verdianos não terão levado para o interior do PAIGC todos os recalcamentos, complexos, contradições, ambiguidades identitárias, ou seja, não terão sido eles os impulsionadores de um mal-estar que veio a crescer entre os ilhéus e os guineenses. Foi extremamente difícil recrutar cabo-verdianos no Senegal, de um modo geral estes opunham-se à ideia de unidade e agiam como se fossem portugueses. Jorge Querido interpreta a ação prodigiosa de criar este PAIGC graças a três fatores: o génio de Cabral, que soube desenvolver uma interpretação teórica do contexto sociocultural que inspirou a luta de libertação; o comportamento corajoso e heroico do povo da Guiné; e a ajuda de países e forças anticolonialistas e progressistas do mundo inteiro. Sempre que necessário, recorda o autor, Cabral não hesitou em utilizar todo o seu peso da sua autoridade, como fez no Congresso de Cassacá. Cabral procurou ser dialogante com os dirigentes cabo-verdianos que operavam em Cabo Verde e que pretendiam ação, a verdade é que não havia circunstâncias para provocar a guerrilha em Cabo Verde e os conselheiros soviéticos e cubanos sempre desaconselharam qualquer desembarque em força nas ilhas. O autor descreve minuciosamente as tensões entre a linha de Abílio Duarte e o tato revelado por Cabral para acalmar os ânimos aqueles que estavam impacientes para entrar na luta.

É neste contexto que ressaltam as questiúnculas e intrigas que envenenavam o ambiente em Conacri, mas aqui Querido não especifica o que estava subjacente a essa atmosfera respirável. Ficamos a saber que havia um ambiente tenso em Conacri motivado pelo comportamento de certos quadros dirigentes que pouco se importavam com a luta. Há o testemunho de Amélia Araújo que refere que havia muita fofoquice mas também não adianta nada. Osvaldo Lopes da Silva, que teve um papel determinante no ataque a Guileje refere que Cabral não sabia o que fazer com os cabo-verdianos e mandava-os estudar na URSS e observa: “Quando regressámos da União Soviética, encontrámos em Conacri um clima pior do que aquele que devíamos ter deixado em 1970”. Toda a gente fala nesta atmosfera viciada mas ninguém diz em concreto o que eram os vícios e que os protagonizava, o que levanta perplexidade. Jorge Querido tem uma postura muito crítica com Abílio Duarte e prontamente salta para outro tema quente, o Congresso de Madina de Boé, ocorrido depois do assassinato de Cabral e refere que a reunião decorreu em ambiente tenso, a agenda de trabalhos continha pontos extremamente sensíveis, havia fações constituídas, os congressistas apresentaram-se fortemente armados já que o clima de desconfiança era quase generalizado. Muitos dos cabo-verdianos não queriam eleger Luís Cabral considerando que enquanto líder iria fazer tudo para não apoiar os cabo-verdianos. O assassinato de Cabral foi assunto tratado de raspão em Madina de Boé, as opiniões estavam longe de ser convergentes: “Em Madina de Boé, os congressistas não foram além de um exame muito superficial dessa tão importante questão e as poucas medidas punitivas tomadas tiveram um alcance e um significado não mais que simbólicos”.

E chegamos assim à independência de facto da Guiné-Bissau, avultam agora os problemas relacionados com a luta em Cabo Verde que o autor, bem conhecedor dessa realidade, esquiça um relato de grande pendor crítico, acusando o grupo da extrema-esquerda trotskista do PAIGC que vindo diretamente de Lisboa só veio trazer problema. O PAIGC, a partir de Bissau, reformulou a sua estratégia, deu uma imagem de um grupo coeso de heróis impolutos, de militantes abnegados, que deviam ser vistos como indispensáveis e decisivos em todas as vitórias alcançadas na Guiné, estabeleceu-se o compromisso de nenhum dirigente proferir qualquer juízo negativo acerca dos seus camaradas combatentes. Com todos os arranjos possíveis, são estes dirigentes vindos da Guiné e o grupo de Lisboa que passaram a ser reconhecidos como “os únicos e legítimos representantes da população de Cabo Verde”. De novo Jorge Querido desfecha críticas aos grupos extremistas que num quadro de grave crise económica em que vivia Cabo Verde fizeram desmandos no aparelho de Estado, recorreram ao comunismo primitivo, fizeram nomeações demagógicas, perseguiram e encerraram cidadãos cabo-verdianos sem quaisquer critérios sérios. Assim que se começou a construir um Estado com a implantação de um regime de partido único que terá sido inicialmente tolerado devido ao facto de haver um processo revolucionário em Portugal, uma forte pressão sobre o PAIGC por parte dos países do bloco socialista e o desenvolvimento de uma linha arrivista que lançou a manipulação e a demagogia rapidamente absorvida pela juventude e pelos mais desfavorecidos da sociedade. O autor explica os altos e baixos da construção deste Estado e o modo como a direção política do PAIGC procurou chegar a bom porto. É aqui que ele retoma a temática de que os governantes cabo-verdianos tinham vindo inquinados da Guiné-Bissau, recorre mesmo a uma afirmação de Aristides Pereira que da parte das guineenses do campo não havia problemas de nenhum tipo com os cabo-verdianos, a grande questão é que havia muita gente do lado cabo-verdiano que ia para a Guiné disposta a lutar só por Cabo Verde e mais afirma que havia combatentes cabo-verdianos que passavam vários anos das suas vidas a conviver de perto com o povo da Guiné e que teimavam em falar do ódio dos guineenses aos cabo-verdianos.

Estamos perante um livro altamente polémico, é um olhar demorado de um homem muito culto que no Outono da vida resolveu agitar mitos, fantasmas, temáticas ambíguas que atravessam toda a vida do PAIGC e que marcam dolorosamente o presente e o futuro do relacionamento entre guineenses e cabo-verdianos.

Obra de leitura obrigatória para quem pretende sopesar as posições a favor e contra.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9774: Notas de leitura (353): "Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde", por Jorge Querido (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9788: Tabanca Grande: oito anos a blogar (6): Travando a batalha contra o esquecimento (José Martins, Odivelas; Carlos Pinheiro, Torres Novas)

1. Mais duas mensagens de parabéns pelo 8º aniversário do nosso blogue (*)

(i) José Marcelino Martins (Odivelas)

Durante dois anos, menos dias ou mais meses, um milhão de "miúdos" deixaram os campos e as fábricas, os escritórios e as escolas, tomando nas suas mãos armas que, de plástico, apenas tinham pequenas partes, e seguiram mato fora, cumprindo uma missão que lhes foi confiada pela história da terra que é nossa há mais de oito séculos.

Quando regressamos, calando as nossas angústias, retomamos o curso normal (?) das nossas vidas.

Agora assumimos uma nova missão:  Contar, na primeira pessoa, as nossas histórias de combate e de sobrevivência.
A pouco e pouca venceremos a BATALHA CONTRA O ESQUECOMENTO! 

Quinhentos fraternais abraços para os que mantêm as memórias vivas daqueles tempos.

Um silêncio de respeito, para os - cerca de 10.000 - que regaram aquelas terras com o sangue da sua juventude, e nos deixaram prematuramente. 

A saudade daqueles que, tendo-se incorporado voluntariamente no Batalhão que hoje somos neste espaço, nos vão deixando, contra a nossa vontade, engrossando o Regimento da Saudade!

Algo se está a passar, já que são os melhores de todos nós, que estão a ser chamados.


 (ii) Carlos Pinheiro (Torres Novas)

De facto, uma data como a de hoje não pode nem deve ser esquecida pelas centenas de camarigos que encontraram neste Blogue uma certa forma de fazer terapia acerca dos anos de geurra da Guiné. 

Mas o Blogue também serviu e continua a servir para os reencontros que já se fizeram mas também para muitos outros que ainda se hão-de fazer. E o caso mais recente da apresentação do livro de Idálio Reis, A CCaç 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel/Ponte Balana - acontecido no Grande Encontro de Sábado, 21,  em Monte Real prova bem que ainda há muito para dizer. 

Para ele os meus parabéns pela coragem e pela clarividência de ter trazido à luz do dia parte do que por lá se passou. Que os historiadores sérios, porque ainda os há, peguem neste livro o possam estudar e divulgar a uma série de incompetentes, que por aí pululam, armados em pessoas importantes para que possam saber mesmo o que foi a guerra e virem a fazer um acto de contrição por tudo o que têm andado a escamotear acerca daqueles 14 anos de guerra, podendo assim deixar de serem ignorantes. Por tudo isto o Blogue, o seu autor e seus co-editores estão de parabéns. No final de contas estamos todos de parabéns.

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9787: Tabanca Grande: oito anos a blogar (5): Parabéns! (Rui Silva, Santa Maria da Feira)