sexta-feira, 11 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9888: (Ex)citações (178): Estrutura do campo de minas (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos uma mensagem a propósito da guerra das minas em Bula, publicada em 4 de Maio de 2012 no poste P9850, da autoria do nosso Camarada Luís Faria e onde havia colocado o seguinte comentário: 

"Caro Luís, viva!

Mais uma vez dou uma espreitadela ao blog, rodopio o botão do rato 1/2 dúzia de vezes e detenho-me nesta tua dissertação àquelas aventuras danadas que vivemos conjuntamente. 

Venho aqui para te mandar um abraço e faço-o com a possibilidade de ser extensível a toda a rapaziada que o queira receber.

Falaste de minas e provocaste-me aquele ódio de estimação que elas ainda hoje me causam.

Regredindo àqueles anos 1970/72, plantados que fomos em terra Balanta, acampados em Bula e na área que hoje chamaríamos de grande Bula (à semelhança do grande Porto ou grande Lisboa)- Augusto Barros, Mato Dingal e João Landin - dou por mim, uma vez mais, a suar frio e a acelerar o ritmo cardíaco enquanto desfilam em frente aos meus olhos fechados as mais dilacerantes cenas de gritos de dor por partes do corpo arrancadas brutalmente pela deslocação de ar e perante a impotência de evitar o mal que se instalara já...

Aproveito, entretanto, para mandar uma boca sobre o croqui que desenhaste sobre a disposição das minas nos cachos pois não está correcto.

A incorrecção está no facto de mencionares ( se bem entendo o desenho ) 5 minas por cacho quando elas eram apenas 4: a célebre portuguesa colocada na perpendicular à linha imaginária entre os dois pontos escolhidos como referência do troço e a 1 metro e 1/2 dessa linha; depois e em relação a esta mina, havia outra a 1 metro e 1/2 para a esquerda, outra a 1 metro e 1/2 para a direita e outra ainda a 1 metro e 1/2 para a frente.


Estas 4 minas desenhavam um semi-círculo cujo seguinte mantinha a mesma estrutura mas do lado oposto à tal linha imaginária e assim sucessivamente ao longo de 9 kms e em duas fiadas mais ou menos paralelas.


A densidade de minas por metro quadrado era imensa e tornava-se tarefa quase impossível atravessar o campo sem accionar uma delas.

Já muito se escreveu sobre o número que tu referes como tendo sido um total de 10.000 engenhos.

Eu faço um desafio: se calcularem haver 12 minas colocadas por cada 10,5 metros e se depois multiplicarem por 2 (foram 2 fiadas paralelas), verão que o total foi de 20.000 minas!

Quanto à finalidade daquele campo de minas, tens razão nos teus argumentos pois aquela arma de guerra tinha como finalidade primeira o dificultar dos reabastecimentos entre o IN instalado em Ponta Matar e o de Choquemone (este mais saltitão).

A esta distância ponho-me a pensar no confrangedor amadorismo com que encetámos aquela tarefa a qual era observada pelo inimigo empoleirado nas árvores de tal modo que só apanhámos indivíduos avulso enquanto o Nino passava com várias dezenas de guerrilheiros e não accionavam uma única!

Sirva-nos a experiência para sermos fervorosos pedagogos na abolição de tão execrável material de guerra nos conflitos que por aí andam..."

Camaradas,

Aproveito também para referir que ao reler um comentário que fiz ao poste P9850 do Luís Faria - "Viagens... 52"- convenci-me que pode ter ficado pouco clara a descrição que feita.

Peguei numa folha de papel e rabisquei a estrutura do campo de minas (Bula - S. Vicente) em complemento ao tal comentário.

Anexo esse papelucho pela curiosidade que possa provocar aos que não viveram este tipo de situações. 


Abraços fraternos,
António Matos
Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790
_____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 – P9887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (18): O primeiro "ataque" a Bissorã

 
1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 7 de Maio de 2012:

Caríssimos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Daqui de Santa Maria da Feira aí vai um grande abraço para vocês a que junto um “Salpico” para blogar.

Rui Silva



Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

- Um salpico! -

Primeiro “ataque” a Bissorã, Uf!

Sabíamos que a nossa missão ali na Guiné e enquanto Companhia de Caçadores passava principalmente por dois tipos de atuação bélica. Uma, era ir ao encontro do inimigo, mato dentro, através de golpes-de-mão aos seus refúgios (as chamadas “casas-de-mato”) e o outro era defendermos o aquartelamento e a população civil ali adjacente e (ou) conivente, de eventuais, mas muito prováveis, ataques. Outras missões passavam por patrulhas à área envolvente do aquartelamento, segurança a colunas de reabastecimentos e à pista da aviação; fazer emboscadas intercetando o inimigo através de informações chegadas de fresco, ou então feitas de rotina; capinagens para uma visibilidade mais abrangente nas faixas laterais e o inimigo mais afastado, pelo menos nas estradas mais utilizadas principalmente, e as rondas noturnas de Bissorã, esta das operações mais temidas ali feitas na Guiné pelo menos na minha Companhia: um jeep com “olhos-de-gato” com uma guarnição de 4 homens, picadas adentro e bastante, (para Olossato, Mansabá, Mansoa, Barro e “Outra banda” ), e nas altas horas da noite. Também as operações Psico (recolha de populações para junto de nós, nos aquartelamentos), e as operações-Vaca (parecia o far-west), estas bem mais rentáveis pois punha-nos a comer bifes invariavelmente, sem esquecer os miolos fritos bem regados a cerveja ao meio da manhã (dos tais salpicos-dos bons mesmo).

Bom, estávamos então era mais centrados nos golpes-de-mão e na defesa dos ataques ao aquartelamento se bem que, estes ali em Bissorã, nós sabíamos que eram cirúrgicos. No meu tempo, Bissorã não era muito atacada e concluía-se que no maralhal que pululava a povoação havia de tudo: informadores (vulgo bufos), pró-turras e até turras mesmo; “carteiros” que levavam notícias frescas e também de transporte de arroz e outros alimentos e com alguma informaçãozinha à mistura. Quando a tropa estava a alinhar para partir para o mato dizia-se que ia “correio” à frente (um aviso que logo nos foi feito pelos companheiros de quartel os “Águias Negras” da 643). Portanto, qualquer ataque a Bissorã, quando era feito, era-o de modo muito seletivo e de alvo bem definido, mais sobre as moranças ou até tabancas com pessoal não pró-PAIGC o que por ali parecia haver pouco. Na “Outra banda”, logo depois de se atravessar o rio Armada, havia mais chinfrim. Só que chegar lá tinha-se de vencer algumas centenas de metros. Julgo que o problema ali era mais de guerra entre etnias se bem que subjacente estava sempre a guerra pela “independência”.

Tínhamos assim de conviver com eles, passar por eles na rua e até conversar, mas, também a presença deles nos servia de carapaça aos ataques. Mas de vez em quando havia refrega principalmente como retaliação aos estragos que lhe infligíamos mormente na véspera imediata. Quando lhe destruíamos os refúgios e não só.

No rudimentar mercado em Bissorã vendiam-se muitos apetrechos elétricos, também de som, vindos ao que se dizia do vizinho Senegal. O ir lá buscá-los era também um bom pretexto para troca de informações e não só. O pessoal “contrabandista” era vigiado e, por vezes, à mínima suspeita, havia interrogatório do duro. Pronto, o estar ali há pouco tempo e ter receio de tudo que mexesse (síndrome de “Periquito”) e com o espectro de um ataque, o dormir tinha os seus pesadelos. Também dependia também da cerveja que se bebesse nas cartas. Havia quem dormisse pianinho e havia quem sonhasse alto ou tivesse insónias, isto numa espécie de casa assombrada até porque o status psico-guerra era latente.

Mas eis que algo de insólito aconteceu numa certa noite e é o motivo deste meu “salpico”. Protagonista principal: o meu querido amigo, Furriel da Companhia, o alentejano e eborense de muita fibra, o Zé Baião. Sempre bem disposto e a dispor bem a malta.

Certa noite, que já ia alta, e quando todos já dormiam em sono pegado, ouve-se gritar bem ali na casa: “Ai, ai”! “Ai o meu braço! Ai o meu braço!...”

A furrielada levantou-se toda à uma, e convergiu para a zona dos gritos de aflição. “Que é isto?” “ Eles aqui dentro?” “Um ataque corpo-a-corpo?”. Todos incrédulos e meio espavoridos fomos dar com o Baião aos gritos já no pequeno corredor que dividia o interior da casa; tinha o braço dormente, pois concerteza tinha estado a dormir com todo o peso sobre ele, e como desconhecia (?) tal estado fisiológico, julgava que estava a perder o braço, e… acordou toda a gente! Aos gritos, gritos de aflição como se o estivessem a matar. Pensamos logo num ataque à casa dos Sargentos. Em breve se recompôs, pois o sangue começou logo a correr normalmente, e então exclama ele ao mesmo tempo que apalpa e ginastica o braço: “Alto que ele já cá está outra vez!”.

Virou-se e foi deitar-se tranquilo e já fisiologicamente perfeito, visto isso, como nada se tivesse passado, nem chamado alguém para o caso. A sua cara parecia até querer perguntar: “ O que é que foi?”

Ficou ele satisfeito, já por ter o braço no seu sítio outra vez, a contrastar com todos os outros, pois não faltou quem ficasse chateado com ele, por tanta lambança por tão pouco e que fez acordar toda a tribo furrielense de forma sobressaltada.

Uns mais exaltados demoraram a calar-se e… a adormecer. Aí o Baião já tinha entrado num sono profundo e com o braço noutra posição naturalmente.

Ai Baião, Baião!!

Eis a nossa casa em Bissorã. Com terraço e tudo. “Periquitos” de pele branca ainda. Ex-casa de colonos com instalações para estabelecimento e tudo. Estávamos com cerca de um mês de Guiné.

O Baião é do meio. De óculos de sol o Furriel açoriano, Vieira, natural da Ilha Terceira, que não fugiu à alcunha de “português de terceira”. O macaquinho aos meus pés morreu mais tarde, já no Olossato, com fratura de crânio num acidente doméstico. À esquerda a tasca do Sr. Maximiano.

Uma vista de Bissorã (foto tirada da net, com a devida vénia ao seu legítimo autor, se reproduz). A seta vermelha indica a casa dos Furriéis da 816 (Jun/Set 1965)

************

P.S. -  O nosso muito estimado e querido amigo José Baião morreu já há alguns anos na sua adorada Évora. Muita consternação na malta (que o soube) e a saudade que sempre perdurará. Que descanse em paz e no reino de Deus.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9487: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (17): O Regresso (muita sorte!)

Guiné 63/74 - P9886: Notas de leitura (359): As grandes Operações da Guerra Colonial (3), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo às referências sobre as brochuras publicadas pelo Correio da Manhã*.
Nem sempre houve grandes operações, nem sempre as grandes operações foram rigorosamente descritas, sabe-se lá se por falta de espaço misturou-se abusivamente textos com contextos. Mas era indispensável deixarmos o registo no blogue.
Venho agora dizer-vos com satisfação que estou a acabar as revisões das 500 páginas de A Viagem do Tangomau, vamos ter livro em Junho, imodéstia à parte, estou muito feliz com o produto final.

Um abraço do
Mário


As grandes operações da guerra colonial (3), edição do Correio da Manhã

Beja Santos

Foi graças a António Duarte Silva, que ouviu a minha súplica quanto às 4 brochuras que faltava analisar, todas elas respeitantes à Guiné, que tenho agora ensejo de aqui sumariar os seus conteúdos, diga-se em abono da verdade que são bastante consistentes e vizinhos da prolífica documentação publicada sobre tais temas.

A brochura número IX respeita o massacre de quatro oficiais e vários guias, em 20 de abril de 1970, perto de Jolmete. Três majores e um alferes, colocados no CAOP 1, aceitaram participar num ousado plano aprovado por Spínola para convencer os chefes de guerrilha do chão manjaco a baixarem as armas e a entrarem no Exército Português. O encontro previsto para 20 de Abril fora precedido de outras reuniões. Este, o nono, seria para acertar os pormenores da passagem dos guerrilheiros para as forças armadas portuguesas. Saíram do Pelundo ao amanhecer, nunca regressaram, e durante a madrugada o Comandante da CCAÇ 2586 recebeu a ordem para patrulhar a picada para Jolmete. Puseram-se ao caminho e ao fim de duas horas de marcha foram descobertos trilhos das rodas dos jipes fora da picada. O contingente aproxima-se e faz uma descoberta macabra: os corpos estão todos retalhados. Todos os corpos têm marcas de tiros, disparados pelas costas, e de golpes profundos desferidos por armas de lâmina. Ao amanhecer, Spínola sai de um helicóptero: “O Capitão Eugénio Neves vai ao seu encontro. O General responde apressadamente a continência, olha à volta e estuga o passo em direção aos cadáveres ensanguentados. É travado com firmeza pelo Capitão Neves que lhe pede que não veja os corpos. Spínola olha-o de frente, indeciso, e salta para o chão. O Capitão viu as lágrimas escorrerem-lhe dos olhos. O Comandante-Chefe voltou para o helicóptero”.

Spínola considerava o chão manjaco a área fulcral da luta contra a subversão, lançou aqui as grandes ações de conquista das populações. Houve resultados: população fugida no mato ou acolhida em campos de guerrilha no Senegal voltou às aldeias sobre a proteção das tropas portuguesas. Os três majores massacrados em 20 de Abril eram os inspiradores deste programa, eram eles que conversavam com o chefe da guerrilha André Gomes. O assassínio dos oficiais portugueses pode ser explicado por uma ordem vinda da direção do PAIGC, dirigentes intermédios do partido como M´Bana Cabra e Júlio Biague foram enviados ao chão manjaco e confrontaram os comandantes locais. Resta dizer que André Gomes continuou a comandar a guerrilha neste território.

As três brochuras seguintes encadeiam episódios vividos em 1973: a chegada dos mísseis terra-ar, a retirada de Guileje, a operação Ametista Real, numa tentativa de aliviar a pressão sobre o cerco de Guidage.

A entrada dos mísseis na guerra está sobejamente documentada, o responsável pelo texto, Manuel Catarino, descreve um ambiente internacional, cada vez mais hostil a Portugal, a visita de uma missão da ONU em Abril de 1972 e as conversações de Spínola com Senghor a que Marcelo Caetano recusou com continuidade; descreve o rol de aviões abatidos entre 20 de março de 1973 e 31 de janeiro de 1974, recupera os acontecimentos relacionados com a operação Grande Empresa e os primeiros aviões abatidos.

A tempestade de fogo sobre Guileje é precedida pelo cerco de Guidage que teve lugar na primeira semana de Maio de 1973. Os grupos de guerrilheiros começaram por cortar todos os acessos a Guidage pelo sul e depois bombardearam a povoação de destacamento onde estavam 200 militares e uma pequena aldeia. Foi um cerco infernal: os paraquedistas não conseguiram romper o cerco, as colunas de reabastecimento foram rechaçadas, os feridos em Guidage não podiam ser evacuados. É nessa altura que Spínola pede uma operação para atacar Kumbamory, uma base que dispunha de um formidável arsenal de armamento. Enquanto decorre a operação Ametista Real começa o bombardeamento de Guileje. O quartel de Guileje era a sede do COP 5, chefiado pelo Major Coutinho e Lima. A ofensiva do PAIGC foi desencadeada a 18 de Maio, primeiro emboscou-se a tropa que estava a transportar água do poço para o quartel. A 19 o aquartelamento foi atacado com extrema violência, Coutinho e Lima vai a Bissau e é mandado de volta demitido das funções. No dia 21 ele está em Cacine, a guerrilha já ataca de dia Guileje, Coutinho e Lima chega à noite. As flagelações não causaram vítimas graças à natureza dos abrigos mas no interior do aquartelamento a situação tornou-se insustentável, já não há patrulhas para ir à água, ninguém sai dos abrigos, as infraestruturas estão desfeitas. Coutinho e Lima, ouvidos todos os oficiais de Guileje, decide a retirada que irá ocorrer na manhã seguinte, chegarão pela uma da tarde a Gadamael. Coutinho e Lima será enviado imediatamente para Bissau onde ficou em prisão preventiva. Recorde-se que em 1968 Spínola decretou o abandono de duas posições insustentáveis ali perto, Gandembel e Sangonhá. Moralizados pela retirada de Guileje, as forças do PIAGC lançaram pesados ataques de artilharia sobre Gadamael. Os soldados, desmoralizados e em pânico, fugiram para as matas e bolanhas circundantes do quartel. Muitos foram recuperados por botes dos fuzileiros e transportados para Cacine.

E assim chegamos à última brochura intitulada “Comandos libertam Guidage”. O título é polémico, há autores que consideram que os resultados de Kumbamory não foram determinantes na retirada do PAIGC em Guidage. Como é sabido, o dirigente Manecas dos Santos tem vindo insistentemente a repetir que não havia o armamento e os contingentes apregoados pelas tropas portuguesas nessa base, diz tratar-se rotundamente de uma balela. O que para o facto interessa é que a operação Ametista Real, de acordo com os relatórios portugueses, envolveu três agrupamentos, a luta foi dura e encarniçada, com combates que duraram desde o início da manhã até às duas da tarde e que a equipa de Marcelino da Mata, mesmo debaixo de fogo intenso, foi destruindo grandes quantidades de material de guerra encontrado em paióis que escaparam aos bombardeamentos da Força Aérea. Tem sido contestado, como é sabido, a interpretação de que o ataque a Kumbamory contribuiu para o levantar do cerco. De facto enquanto corria a operação e depois, o quartel continuou a ser flagelado pela artilharia inimiga e só depois é que retirou. Os dirigentes do PAIGC recordam que não podiam deslocar todo aquele arsenal de guerra para Guileje, o que pretendiam era uma manobra de diversão que obrigasse a uma grande convergência de esforços e enfraquecesse qualquer hipótese de desviar um número elevado de efetivos para Guileje. Por ironia, serão os paraquedistas e os fuzileiros que irão, in extremis, apoiar Gadamael, que viveu dias de caos.

E assim acabam as referências às brochuras “As grandes operações da guerra Colonial” no tocante à Guiné.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9835: Notas de leitura (356): As grandes Operações da Guerra Colonial, edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)
e
4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9851: Notas de leitura (357): As grandes Operações da Guerra Colonial (2), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9864: Notas de leitura (358): "Horas Malditas", por Manuel Martins (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9885: Cartas do meu avô (3): Segunda Carta: Em Catió (Parte II) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)




Alemanha, Berlim > Páscoa, 2012 > O J.L. Mendes Gomes com os netos.

Foto: © J. L. Mendes Gomes (2012). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66, vivendo presentemente em Berlim.


SEGUNDA CARTA – EM CATIÓ (PARTE II) (*)

Lichtenrade, Berlim, 14 de Março de 2012

4-  Recordações Boas e Amargas de Catió

 Os momentos da chegada ao quartel, depois do esforço e dos riscos que se tinham sofrido, ficaram para sempre inesquecíveis. Desencadeavam em nós um tal bem-estar e satisfação que quase apetecia dizer que, por eles, tudo tinha valido a pena.

Um banho de chuveiro e uma cerveja grande fresquinha bebida, gole a gole, de papo para o ar e o corpo estendido na cama, acabavam por fazer esquecer e dar-nos a insidiosa sensação de que tão cedo não cairíamos noutra…

Mas não era assim, logo a seguir, haveria serviço noturno a desenvolver, com emboscadas montadas em sítios estratégicos, nas imediações de Catió, para criar  insegurança ao inimigo e afastar-lhes a tentação de ataques súbitos. Para isso, havia uma escala de serviço para cada pelotão.

Nunca me esquecerei daquele Domingo, de manhãzinha, em que fui acordado pelo alferes Arlindo Barros, - exercia, por assim dizer, as funções  de  segundo comandante da Companhia – para sair imediatamente com o meu pelotão, porque andavam a raptar populações inteiras em certo sítio, fora de Catió. [, foto do quartel à direita, 1968, foto do nosso saudoso Victor Condeço]

Rapidamente, sem grandes apetrechos, estávamos a caminhar através de matas e bolanhas, guiados por uns elementos nativos que conheciam bem o terreno.  A caminhada durou o dia inteiro. Apenas levávamos connosco o cantil cheio de água. De comer não. 

O calor era tórrido e sem abrigo, em muitos lanços da caminhada.  O que mais falta fez, na realidade foi a água. Eu pensei a sério, em beber a minha própria urina… não sei se alguém o fez. Só sei que tive de beber água escaldante esverdeada dos charcos das bolanhas filtrada na minha camisa.  Para refrescar o corpo, molhava-nos todos onde se podia. Momentos depois a roupa estava seca sobre a pele.


[Foto do bar do quartel  de Catió, à direita, 1968, foto do  Victor Condeço, 1943-2010; na imagem, ele é o primeiro da esquerda]

O regresso a Catió foi lancinante. Para além do cansaço, tinha-se-me esfolado a zona entrepernas a ponto de sangrar.  Terá sido, para mim, pelo menos, a prova mais dura de todo tempo de comissão. E o resultado foi nulo. Não se aprisionou ninguém. A tal ponto que este feito, no final, inesperadamente, determinou- me a atribuição do meu único louvor, pelo comandante de companhia o qual não mereceu, como seria de esperar, nenhum reconhecimento pelo novo comandante de batalhão.

E  houve de facto uma razão forte.  Foi que, este comandante, o tal de tão mau feitio e igual formação, que lhe mereceu uma agressão de alguém, anónima, na cabeça, pela calada da noite, quando deambulava no interior do aquartelamento.

Quando pôde voltar ao almoço na messe, cabeça toda entrapada, recomendou a todos os oficiais que transmitissem aos seus subordinados que ele mesmo promoveria ao posto acima quem denunciasse o agressor. 

Claro que ninguém quis ser promovido, gratuitamente.

Fosse pelo que fosse, eis que, de supetão, decidiu empreender, por sua inteira iniciativa, uma minioperação, que consistia num golpe de mão a um aquartelamento inimigo, algures, para os lados do Cantanhez.

Sairia a minha companhia só, reduzida a dois pelotões, o 2º e o 3º pelotão, o primeiro ficaria de guarda ao quartel.  À frente seguiria o pelotão de nativos,  comandados pelo famoso J. Bacar Jaló [, foto à esquerda, em Catió, em 1967, já graduado em tenente de 2ª linha: foto de Benito Neves].

Foi a nossa salvação.  Este alferes nativo conhecia muito bem o terreno e o que por lá havia.
 - Ó nosso alferes! Isto é uma grande asneira. Muito perigosa. Se tentarmos lá ir tenho a certeza de que seremos todos mortos como passarinhos. – exclamava-me ele atónito, e preocupado, não por si.

Toda a gente sabia como ele era uma pessoa muito séria, do seu valor, coragem e capacidade de comando no terreno. Se o dizia tão desassombradamente era porque era mesmo verdade.

Que é que nós podemos fazer contra tamanha força ali existente, de fonte segura. Nem um batalhão, quanto mais, três pelotões, armados só de G3, bazucas e morteiros. Sem apoio aéreo ou de artilharia. Era um golpe de mão.

Era melhor ser um único pelotão. Por exemplo o meu…continuava ele espumando de raiva.  Eu era o comandante da operação. Pelo facto de ser mais antigo que o comandante do 3º pelotão, o alferes Gonçalves.

 Conferenciei com ele. Logo se veria o que faríamos. Quando já estávamos a pisar terreno de alto perigo, muito próximo da entrada na mata onde ficava o quartel inimigo, apareceu no céu, muito alta, uma avioneta que transportava o autor da operação.

Entrou em contacto comigo via rádio. Informou que estávamos perto do objetivo . Que estava a chegar um bombardeiro de Bissau para metralhar a mata. De seguida e à sua ordem  deveríamos entrar mata dentro.
 - Entendido, nosso alferes?  -  Não respondi logo.

[Foto à direita: pista de Catió, janeiro de
1968. Autoria: Victor Condeço, 1943-2010]


O raio do rádio tinha de avariar naquele preciso momento…
 - Está-me a ouvir ou não? – gritava lá do alto.

Nunca eu sentira tamanha responsabilidade às minhas costas. Sempre pensei que apenas iria cumprir , mas integrado na companhia, à responsabilidade do comandante.

As palavras do J. Bacar Jaló badalavam-me insistentes na cabeça.
- Não. Não vou pôr , tão ingloriamente, em risco a minha e as vidas dos meus soldados. Aconteça o que acontecer. – pensei para mim.

Recusei responder-lhe, a tudo quanto ouvia, simulando uma avaria nas transmissões. O comandante gritava mais e mais.
 - Ó nosso alferes, está desobedecer-me. Vai ser preso quando chegar ao quartel. Por desobediência em teatro de guerra. Por que, de certeza,  me está a ouvir.

E estava mesmo. O Gonçalves disse que eu é que era o comandante. Fazia o que eu dissesse. O J. Bacar Jaló mantinha tudo o que dissera:
 - Vamos morrer todos, nosso alferes!

Não vamos. Decidi. Ficamos ali parados no meio da bolanha.

Às tantas apareceu lá longe o tal bombardeiro. Deu umas voltas em redor e,  subitamente,  orientou-se na nossa direção, picou sobre nós.  Roncando assustador, como uma terrível fera. Ensurdecedoramente.
 - Vamos ser bombardeados, por engano. – Gritei.

[Foto à esquerda, vista aérea de Catió, janeiro de 1968. Autoria: Victor Condeço, 1943-2010]


Não foi preciso mandá-los. Logo uma série de soldados se despiu as camisas para lá de cima verem que éramos nós… e acenavam-nas desesperados,  mirradinhos de medo.

Por momentos, pensei e todos nós que muitos iriam ficar ali para sempre. Foi tudo muito rápido. Assim como picou em direção a nós assim se elevou, sem nada acontecer.

Passados mais uns momentos, começámos a ser atingidos por granadas de morteiro e bazuca vindas da orla da mata. Respondemos como pudemos. O resto foi o bombardeiro quem resolveu. Metralhando ferozmente toda a mata e a orla donde vinha o fogo.

A famigerada avioneta tinha desaparecido há muito nos céus. Que estávamos nós lá a fazer? Mandei regressar.

 No dia seguinte, fui chamado à sala do comando. A tal onde se explicavam as operações.  Estavam todos os oficiais do batalhão e da minha companhia.   Solenemente, o comandante chamou pelo meu nome. Pus-me em sentido.
- Nosso alferes Mendes Gomes, ontem o senhor negou-se a cumprir as minhas ordens.
- Que ordens, meu comandante?
 - Não me diga que não ouvia o que eu lhe disse pelo rádio.
 - Eu não ouvi nada, meu comandante. Está aqui o comandante do 2º pelotão e o alferes J. Bacar Jaló que estavam à minha beira para testemunharem se foi ou não verdade.


[ Foto à esquerda, da autoria de benito Neves Catió > 1967 > Lagoa entre Catió e Príame].


O rosto do comandante toldou-se, não sei se de raiva se de gozo voraz. Iria apanhar-me de certeza- pensou para consigo.
- Nosso alferes Gonçalves, é verdade o que ouviu da boca do nosso alferes Mendes Gomes?
- Sim. É verdade. O rádio não transmitiu nada.
 - Alferes João Bacar Jaló, que me tem a dizer?
- É tudo verdade o que foi dito pelos nossos alferes.

O comandante ficou embatocado. Nunca esperou ouvir o que ouvira.  Parecia que estava tudo combinado. Mas não. As reações dos meus camaradas foram espontâneas. Em total solidariedade. Aquela operação era um suicídio…

Perante tão claros e peremptórios testemunhos, que provas tinha ele do contrário?  Absolutamente nenhuma.  Mesmo assim, já estava tudo decidido.
Mandou ler a repreensão agravada que já vinha preparadinha…

 Uma vez lida, a magna reunião tão solenemente como começou assim terminou.  Respirei de alívio.
 - Quero lá saber da repreensão…- pensei.

Bem temi que iria parar à prisão militar.

[Continua]

______________

Nota do editor



Guiné 63/74 – P9884: Convívios (433): 7º Encontro da CCAÇ 1426, 7 de Julho de 2012, em Vila Amélia (Fernando Chapouto)


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, com pedido de divulgação, o seguinte programa da festa da sua Companhia.

VII ENCONTRO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1426 – GUINÉ 1965/67
07 DE JULHO DE 2012 (SÁBADO)

Camaradas, 

Venho informar que o nosso encontro se realiza em VILA AMELIA, junto à FABRICA DA COCA-COLA, no CAFÉ RESTAURANTE “A QUINTINHA”. 

Contamos com a vossa presença, no:

CAFÉ RESTAURANTE “A QUINTINHA

EMENTA

Entradas: Pão, azeitonas, manteigas, queijo e Linguicinhas
Sopa: Creme de Cenoura
Pratos Quentes: Bacalhau à casa frito com molho de cebolada e Carne de porco à alentejana
Bebidas: Vinho a jarro, sumos, cerveja, águas e sangria
Sobremesas: Diversas
Mais: Bolo de Aniversário com champanhe, café e digestivo

Contactos
António Sequeira Gomes: Telef: 212880260, TMN: 969073463
Fernando Chapouto: Telef: 210838708, TMN: 965114882

Programa:
11h30 - Concentração junto ao restaurante
13h00 - Almoço convívio

Inscreve-te até 10JUN2012, vem participar no nosso/vosso convívio.
Não faltes, esperamos por ti, nós estaremos lá.

Preços:
Adultos: 25.00 €
Crianças: Até aos 10 anos não pagam.

ITINERÁRIO: 


Coordenadas GPS: 38.557529 – 8.987091
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9882: Convívios (250): Almoço anual da CART 2479 - CART 11 (CCAÇ 11), dias 26 e 27 de Maio de 2012, em Coruche (Abílio Duarte)


quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9883: Da Suécia com saudade (36): Quando os mortos choram os vivos (José Belo)

 
1. Mensagem do nosso camarada José Belo (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70), Cap Inf Ref a viver na Suécia:

Caro Amigo e Camarada
A propósito da fotografia do cemitério de Bissau, junta ao poste de Tiago Teixeira, que é um verdadeiro "Grito em Silêncio".

José Belo



Cemitério de Bissau

Foto: © Tiago Teixeira (2012). Direitos reservados


Quando os mortos choram os vivos

Nós, os que voltámos, nunca iremos esquecer o sabor acre daquela poeira vermelha
que comungámos em rebentamentos de minas...

Nós, os que voltámos, ainda hoje sentimos o calor da terra que abraçámos,
e contra a qual nos comprimíamos em desespero de emboscadas....

Nós, os que voltámos ainda ouvimos o ruído miraculoso das chuvas na mata...
os odores variantes da terra molhada...
os trovões na noite tropical....

Nós, os que voltámos,
 recordamos o bater matinal dos pilöes em tranquila Tabanca...

Nós, os que voltámos!

A terra vermelha lá está...
abraçando-os.

As chuvas caem,
misturando-se com invisíveis lágrimas de saudade.
gritos abafados de "näo haverem sido"...

Os relâmpagos iluminam as lages, ano após ano...

Ver-se-ão nomes?
Datas?
Referências militares?....

Ou, simplesmente...
um soldado de Portugal?...
Esquecido.

Um abraço do
José Belo
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9855: Ser solidário (126): Da mesma maneira que muitos dos ex-combatentes sentem aquela pulsão de regressar, eu também a sinto (Tiago Teixeira)

Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9479: Da Suécia com saudade (35): Humildade cristã e....diálogos provocadores (José Belo)

Guiné 63/74 – P9882: Convívios (432): Almoço anual da CART 2479 - CART 11 (CCAÇ 11), dias 26 e 27 de Maio de 2012, em Coruche (Abílio Duarte)




CONVÍVIO 2012

DA
COMP. ARTILHARIA 2479
GUINÉ 1969 A 1971

Coruche 26 e 27 de Maio de 2012 

Amigos Combatentes na Guiné:

Vamos realizar mais um indispensável almoço-convívio desta vez em CORUCHE, terra do nosso amigo MALTA.

E de tão perto que está de Lisboa, queremos ver aquelas caras que não aparecem há muito tempo ou mesmo que nunca apareceram e que todos gostaríamos de rever. Pelas fantásticas experiências dos anos anteriores, pela camaradagem, pela emoção, pela memória, VALE A PENA.

As inscrições para o almoço deverão ser feitas para o Malta ou para o Leonel até 23 de Maio.

Em anexo vão as indicações para o local do restaurante e a respectiva ementa que é de comer e chorar por mais…

O alojamento é muito variado pelo que juntamos uma lista para cada um fazer as suas marcações. Através da Internet encontrarão mais hotéis (Sug: Google – “Hotéis em Coruche”).

Aqueles que vão do Norte deverão encontrar-se na Estação de Serviço de Sto Ovídio, Gaia, na A1 pelas 9 Horas.

ABRAÇOS E ATÉ SÁBADO, DIA 26 de MAIO

V N Gaia, 20 de Abril de 2012
(M. Pina Cabral)

Contactos:   

MALTA ........ 914599113 (Presidente Organizador 2012)
LEONEL ....... 912848724 (Secretário Permanente) 

__________
Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

9 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9872: Convívios (249): Pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 28 de Abril de 2012 em Cascais (José Manuel M. Dinis) 


Guiné 63/74 - P9881: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (23): Manifesto das ONG guineenses sobre a situação atual...

A. Por força do estatuto editorial do nosso blogue,  não nos é permitido abordar a atualidade política da Guiné-Bissau (nem a do nosso próprio país). Mas isso não nos impede de dar notícias dos nossos amigos e parceiros da Guiné-Bissau, como é o caso mais concreto do pessoal que trabalha na ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, alguns dos quais são membros da nossa Tabanca Grande.  


Temos, de resto, apoiado material e simbolicamente várias das suas iniciativas e projetos, individualmente ou em grupo, ou através de outras ONG  e associações humanitárias portuguesas que integram camaradas nossos (Ajuda Amiga, Tabanca Pequena, Memórias e Gentes, etc.). 


O que se passa na Guiné-Bissau não nos pode deixar indiferentes,  quedos, mudos, surdos e cegos... Temos um dever de solidariedade para com todo o povo da Guiné-Bissau, incluindo todos os nossos amigos que lá vivem e trabalham... 


Não confundimos o povo da Guiné-Bissau com a sua elite dirigente. Temos razões para temer pela  vida dos nossos amigos, pela sua segurança, pela sua saúde, pela sua liberdade, pelo futuro dos seus projetos... Por outro lado,  orgulhamo-nos do trabalho que eles têm feito, em prol  do desenvolvimento integrado e sustentável da Guiné-Bissau, orgulhamo-nos também  da sua coerência, verticalidade, frontalidade, lucidez, capacidade de intervenção cívica, coragem moral e física neste momento difícil para a Guiné-Bissau, o seu povo e os seus amigos.


Sabemos que as telecomunicações (e portanto a Internet) estão péssimas em Bissau. Mesmo assim, vamos estando em contacto com os nossos amigos para quem só podemos, à distância,  transmitir um voto de confiança, de esperança e de solidariedade. Deles, acabámos de receber, ao  fim da tarde, este documento que vamos reproduzir, no nosso blogue... 


Amigos, o Mundo é Pequeno, a nossa Tabanca... é Grande, e vocês cabem nela, por inteiro. Na nossa Tabanca, nos/as nossos(as) (c)orações...


Luís Graça. 




B.  Manifesto de ONG Guineenses sobre o impacto do Golpe de Estado de 12 de Abril junto das comunidades 


Reunidos no dia 9 de Maio de 2012 com o objetivo de avaliar a situação das comunidades mais vulneráveis volvidos já cerca de um mês depois do Golpe de Estado ocorrido a 12 de Abril e atendendo as dificuldades constatadas no estabelecimento de soluções duráveis entre os diferentes atores nacionais e da Comunidade Internacional envolvidos, que conduzam à retoma efetiva da legalidade constitucional e restauração de um clima de paz, segurança e respeito dos direitos cívicos e políticos dos cidadãos, as Organizações Não Governamentais signatárias consideram o seguinte: 


1. O não funcionamento do aparelho do Estado e das instituições públicas em particular, o não pagamento dos salários aos servidores do Estado, os entraves colocados à campanha da castanha de caju, principal fonte de receita do país e da maioria dos camponeses, a suspensão de projetos importantes apoiados pelas instituições internacionais do desenvolvimento (BM, FMI, BAD) e a paragem quase que completa da vida económica, está a provocar uma situação de aumento acentuado dos níveis de pobreza e vulnerabilidade das populações do mundo rural e dos bairros da capital; 

2. A paralisia das escolas públicas agravadas pelo Golpe de Estado assim como da generalidade dos estabelecimentos de ensino, compromete seriamente o presente ano letivo consubstanciado na sua provável anulação; 

3. A ocorrência do golpe de estado no início da campanha do caju e nas vésperas da preparação do ano agrícola, compromete gravemente a segurança alimentar, a situação sanitária e a economia das populações no mundo rural, agravados pela fuga das populações da capital para o interior, que se traduz pela diminuição dos bens alimentares já escassos nesta época no interior do país, pelo aumento da pressão sobre os recursos naturais e as reservas de água nos poços e ainda pelo risco de propagação de epidemias (cólera) já existentes nos países vizinhos; 

4. A subida exponencial dos preços dos produtos de primeira necessidade devido à paralisia nos circuitos económicos, aos obstáculos na circulação e no abastecimento destes bens, à escassez do dinheiro no mercado e à consequente tendência para a especulação própria deste tipo de situação, vem-se traduzindo num aumento insuportável das privações das famílias mais vulneráveis e no crescimento da revolta e da contestação da camada juvenil, ainda pouco visível pela interdição de manifestações, o que pressupõe a existência de sementes de violência de impactos devastadores; 

5. A ausência do poder de Estado em todo o país consequente ao Golpe de Estado, está a favorecer a pilhagem crescente dos nossos recursos, pela maior permeabilidade das fronteiras, pela paragem da fiscalização das nossas águas territoriais, e está, sobretudo, a contribuir para a intensificação de negócios ilícitos como o narcotráfico;

 6. A ocorrência de perseguições políticas, de privação dos direitos cívicos e políticos dos guineenses, entre os quais o direito à informação, à expressão e manifestação gera um clima de suspeição e de medo que entrava a união dos guineenses e inviabiliza a busca de soluções efetivas aos problemas com que a Nação se depara; 

7. O recurso a arquiteturas políticas visando protelar e contornar o retorno à legalidade constitucional exigida pelos guineenses, a nível interno e na diáspora, e pela comunidade internacional, levam a um prolongamento da situação de impasse que afeta a paz, a segurança e a democracia na Guiné-Bissau; 

8. Este contexto de ferozes disputas de interesses intestinos acarreta o risco de ver a Guiné-Bissau transformar-se num campo de batalha de influências económicas e geoestratégicas que se sobrepõem e anulam os verdadeiros interesses nacionais e levam a Guiné-Bissau a servir de terra de ninguém onde outros promovem e realizam negócios interditos nos seus países. 

9. As razões invocadas para mais este golpe de Estado acabaram por se revelar sem fundamento, pois nenhuma prova credível foi tornada pública, constatando-se que os que estão direta e indiretamente envolvidos no Golpe de Estado são os principais interlocutores negociais, sendo excluídos do processo as personalidades e instâncias legitimadas pela Lei e pelas urnas em expressão da única vontade que deveria contar e ser sagrada para todos: a vontade popular.

 As ONG guineenses signatárias alertam para a necessidade de: 

1. Garantir a restauração da ordem constitucional e reinstalação do Governo eleito democraticamente e do Presidente da Republica interino;

 2. Assegurar a retoma do processo eleitoral presidencial interrompido, como recomenda o Conselho de Segurança das Nações Unidas; 

3. Devolver a liberdade de expressão e manifestação das populações em condições de segurança; 

4. Recolocar o processo de diálogo conjunto com as autoridades democraticamente eleitas, as instituições legítimas do Estado, todas as organizações internacionais envolvidas (CEDEAO, CPLP, UA, ONU), os partidos políticos e a sociedade civil. 

As ONG signatárias assumem o compromisso de: 

1. Reforçar o trabalho de responsabilização das comunidades locais, para que elas assumam um maior protagonismo na definição das suas posições, na defesa dos seus interesses e direitos cívicos, no fortalecimento da sua capacidade produtiva, económica e social pelos quais as ONG signatárias pugnam com determinação; 

2. Promover debates ao nível local, envolvendo especialmente as comunidades, os agrupamentos e associações, na perspetiva de contribuir para maior informação, conscientização e implicação das populações, para o fortalecimento da coesão social e para a salvaguarda da paz social e do bem comum;  

3. Reforçar a capacidade de análise crítica e de proposta das populações locais no que concerne ao seu posicionamento face à situação atual que o país vive e seu engajamento na procura de soluções duráveis, que pressupõe a reconquista do seu direito legítimo e democrático de opinião e manifestação; 

4. Desenvolver ações de informação e comunicação junto aos seus parceiros e da comunidade internacional, com particular atenção ao nível regional, fazendo levar as preocupações, pontos de vista e propostas das populações locais; 

5. Promover um amplo debate nacional sobre a necessidade e o papel das Forças Armadas no futuro da Guiné-Bissau em pleno gozo do estado de direito e democrático. 

Bissau, 10 de Maio de 2012,


As organizações signatárias: 

AD - Ação para o Desenvolvimento 

AIFA/PALOP – Associação de Investigação e Formação Orientada de Ação de Natureza Participativa nos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa 

ALTERNAG – Associação Guineense para Estudos e Alternativas Federação Camponesa

 KAFO – Autopromoção Comunitária e Desenvolvimento Rural Durável 

TINIGUENA – Associação de Promoção do Desenvolvimento Participativo na Base e Gestão Durável dos Recursos Naturais 

RENARC – Rede Nacional das Rádios Comunitárias

 LGDH – Liga Guineense dos Direitos Humanos 

NADEL - Association Nationale pour le Développement Local et Urbain (Guinea-Bissau)

Guiné 63/74 - P9880: In Memoriam (118): A sã camaradagem e a vil emboscada, morreu o camarada Vasco Almeida (Vasco da Gama)



1. O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", Cumbijã, 1972/74, dirigiu-nos a seguinte mensagem.

A SÃ CAMARADAGEM E A VIL EMBOSCADA

Há dezasseis consecutivos anos que a minha C.Cav. 8351 se vem reunindo sempre com grande entusiasmo e enorme alegria. Desta feita tínhamos razões acrescidas para festejar com mais ânimo, pois o organizador conseguira para cima de cem inscrições entre militares, cerca de cinquenta, e familiares a rondarem os setenta!

Proibido de conduzir sozinho, aguardei, impaciente, a boleia de dois camaradas meus o Adérito Neto, ex alferes e o também ex-alferes Mário Castelhano, comandante do pelotão de obuses no Cumbijã, já na fase final da guerra.


Foi bonita a recepção que a malta me dispensou e sorri com gratidão às manifestações de carinho de toda a gente!

Maior alegria tive quando vi o nosso Camarigo JERO, esse companheirão de Alcobaça e membro distinto da nossa Tabanca Grande! Apareceu, tirou umas fotografias e abalou para junto da família, não almoçando, como era o meu desejo, com a tropa.

O organizador, Augusto Covas, sentou-me à sua mesa com os meus companheiros de viagem, com o Machado, o Azambuja, o Barbosa, o Vasco Almeida e o senhor padre!

Outra grande alegria tive da parte da tarde com a chegada do Miguel Pessoa e da Giselda Pessoa. Sabe sempre bem abraçar esta gente! O Miguel tirou inúmeras fotografias que aqui me escuso a publicar.

Abrirei excepção a uma fotografia para exprimir a afinidade das coisas com o sentir!

Correu tudo bem, para o ano há mais, dia 27 em Sever do Vouga e em 2014 em Portalegre!

Regressei feliz a casa e dormi sem sobressaltos!

O nosso camarada Vasquinho Almeida

Segunda-feira, logo pela manhã, o meu camarada Covas telefona-me e a chorar diz-me de supetão: Capitão, morreu o Vasco Almeida!

A viver sozinho, o Vasco Almeida era seguido de muito perto pelos seus filhos que todos os dias lhe telefonavam!

No dia seguinte ao nosso convívio morreu!

O filho encontrou-o deitado, sem vida!

Andava triste, pois perdera a mulher, vítima de grave doença, e manifestava uma tristeza própria de quem perdera o entusiasmo de viver.

Terá tido uma morte serena e resignada!

Despedira-se da malta com o premonitório “este é o último convívio”…

Juntámos dez Camaradas no seu funeral em Lisboa!

Eu reajo sempre mal, muito mal mesmo a estas situações, como aliás o fazia na Guiné!

Um dos meus camaradas presentes, ao ver-me chorar copiosamente, disse-me, ciciando na sua rouquidão, e na sabedoria de quem já sofreu e venceu um cancro na garganta: Capitão quem me dera morrer assim, sem sofrer mais…

A morte atacou uma vez mais silenciosa e traiçoeira…

Do pessoal que “controlamos” vinte e três já partiram…

Só hoje ganhei coragem para escrever estas atabalhoadas palavras, mas o Vasquinho Almeida merecia este abraço solidário meu e de todos os meus Camaradas!

Aqui deixo a sua fotografia no Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, digno repositório dos Combatentes da Guiné!
____________

Nota de MR: