domingo, 28 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10587: Memórias de Manuel Joaquim (8): Bissau, 1965: Pourri avant d’être mûri

1. Mensagem de Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 25 de Outubro de 2012:

Meus caros editor e coeditores, esforçados trabalhadores do blogue a quem agradeço toda a vossa dedicação:
Aqui vai para "postar" mais um naco das minhas memórias de combatente.
O assunto poderá ter um cariz muito pessoal e ter reduzido interesse para a maioria dos habitantes e outros frequentadores desta Tabanca Grande. Falo por mim, que gosto dele.
Ao vosso critério.

Um grande abraço do
Manuel Joaquim


Bissau, 1965: Pourri avant d’être mûri
[Apodrecido antes de ficar maduro]

A razão de Henry Miller ser para aqui chamado com o seu “Trópico de Capricórnio” assenta num cantinho bem vivo das minhas memórias de Bissau.

Começo por apresentar o livro com uma transcrição:

«Estou-me tornando eu mesmo? Penso que não. Sou uma pessoa desgraçada, desconsolada, miserável. Pareço ter perdido tudo. De facto, mal sou uma pessoa, assemelho-me mais a um animal. (…) Não tenho pensamentos, nem sonhos, nem desejos. Sou completamente sadio e vazio. Sou uma nulidade. Sou tão vivo e sadio que me assemelho ao fruto suculento e enganador que pende das árvores (…). Mais um raio de sol e estarei podre. “Pourri avant d’être mûri! ». Henry Miller, “Trópico de Capricórnio”

Não foram estas frases, foi o livro de onde saíram que me levou a gostar (muito) de Henry Miller, escritor norte-americano muitas vezes atirado abusivamente para o lote de autores de literatura pornográfica. Considerado “maldito” no seu país durante a primeira metade do séc. XX, é hoje tido por muitos como um dos seus grandes escritores.

A escrita de Miller abala os alicerces da hipocrisia humana (moral, social e política), como disse um crítico. Um dos seus livros, a que estive (e estou) muito ligado, é o “Trópico de Capricórnio”, o qual tenho como referência obrigatória na minha formação. Dele disse a revista Time que poderia ter sido escrito por Harpo Marx e Hieronimus Bosch, juntos. Obra de 1939, não tem perdido atualidade e a sua “Companhia Telegráfica Cosmodemoníaca” ( “figura” com peso neste livro) tem réplicas atuais bem vivas.

Na capa do exemplar que tenho (acima reproduzida) diz o editor que H. Miller povoa N.York “com aqueles fabulosos personagens, turbulentamente engraçados, chocantemente grosseiros, totalmente diferentes de todos os personagens da literatura bem educada e assim espantosamente verdadeiros e reais”. Concordo plenamente. Ainda hoje, quando preciso de me pôr bem com a vida, pode acontecer uma visita às suas páginas para procurar juventude de espírito, energia e boa disposição naquele caos literário e imagético, classificado por um outro crítico como “um grandioso hino de louvor a tudo quanto é ainda alegre, sadio, feliz e afirmativo”.

Então, vamos agora ao tema.

Setembro/1965, e foi assim:

À partida de Lisboa (31/julho/65) diziam-nos que Cabedú, no sul da Guiné, seria provavelmente o destino da CCaç 1419, a minha companhia. Se assim era para ser, alguém alterou o programa e demos por nós, felizardos, colocados em Bissau enquanto as outras companhias do BCaç 1857, a 1420 e a 1421, cuja malta tinha lamentado a nossa “sorte”, batiam duramente com os costados em Fulacunda e Mansabá, respectivamente.

“Pronto cá estou. A viagem correu perfeitamente e Bissau apareceu-me airosa, muito mais bonita do que eu a imaginava. O clima está bastante razoável. Menos quente do que aí, quando estive em S.ta Margarida. Fiquei e estou instalado num quartel aqui em Bissau, estadia esta que se prolongará durante uns tempos. Bom ambiente, em que parece não se pensar em guerra leva-nos a encarar isto com optimismo”. (Primeiras palavras da 1ª carta que enviei da Guiné, no dia 07/08/65).


Pormenor da marginal do porto de Bissau. Foto/postal do final da década de 1960, retirada de http://images,forum-auto.com/

Aquartelados no chamado “600” em S.ta Luzia, lá íamos passando o tempo entre o prazer da descoberta da cidade e suas vivências, a monotonia dos serviços de segurança na zona e uma ou outra saída esporádica p’rás bandas de Mansoa, quase sempre só a cheirar a guerra.

Ora, a um dado momento, comecei a ler o “Trópico de Capricórnio” de Henry Miller, emprestado por um furriel dos “escritórios” do QG ou coisa parecida, meu camarada do tempo de recruta em Tavira. Éramos amigos. Digo “éramos” porque aconteceu eu sair de Bissau rumo a Bissorã sem ter tido hipóteses de dele me despedir. E nunca mais nos encontrámos.

É que a 19 de outubro, pouco tempo antes dessa saída, regressei a Bissau após uma ausência de 10 dias em serviço de segurança, “armado em marinheiro de guerra” a bordo de um pequeno barco no percurso Bissau-Farim-Bissau (que belas imagens do rio Cacheu me ficaram desta viagem!). Tinha ido acompanhar dois batelões com abastecimentos para Bigene, Binta e Farim. Ao voltar, fui apanhado de surpresa com a deslocalização da CCaç.1419 para Bissorã e, perante a urgência de “emalar a trouxa e marchar”, nem tive tempo de o procurar.

Nunca mais vi este furriel (*) e há muito tempo que esqueci o seu nome. A imagem que dele tenho nem é a de Bissau mas a de Tavira dos tempos de incorporação militar e onde, perante as exigências dos exercícios físicos, as “passas do Algarve” lhe custaram a passar mais a ele do que a quase todos os outros seus camaradas de recruta. É que o rapaz tinha os chamados “pés chatos” a um nível extremo, se assim se pode dizer, o que lhe dificultava muito o movimento. Talvez esteja a exagerar mas digo que, para melhor se equilibrar, ele andava “à Charlot” mas sem a ligeireza deste. Melhor dizendo, era bastante lento no andar e avançava com os pés afastados um do outro e virados para fora alguns 40 graus em relação ao eixo de progressão. Aguentou estoicamente e até ficou com uma especialidade compatível com as suas capacidades físicas. Penso que era da zona de Rio Maior mas nem sei se esta ideia tem fundamento.

E então lá fui para Bissorã com o “Trópico …” num bonito saco de viagem azul, com a intenção de mais cedo ou mais tarde o fazer voltar às mãos do seu dono. Mas, deficiente que estava a “ponte” sobre o rio Braia (estrada Mansoa-Bissorã), houve as trocas e baldrocas de bagagens entre as viaturas idas de Bissau e as vindas de Bissorã. Na confusão gerada, e na minha distração, o saco atraiu as mãos de alguém, nunca mais lhe pus a vista em cima. Um desastre.
Com o saco lá se foram o livro e as minhas coisas mais queridas (carteira com dinheiro e todos os documentos pessoais, um isqueiro de prata dado pela namorada no meu recente aniversário, correspondência entretanto recebida, fotos, etc.). Tudo levou sumiço. Apesar de na minha vida ter sido “n” vezes vítima da não devolução de livros emprestados, ficou-me esta mágoa de não me ter sido possível devolver este.

Mas voltemos atrás, ao porquê desta historieta. Voltemos a Bissau, aí para meados de Setembro, quando nos apareceu na camarata uma figura interessante chegada lá do sul, Cabedú (**), à procura de uma cama vaga. O furriel Vieira Lopes (**) foi muito bem recebido e rapidamente se integrou, com a sua “velhice”, naquele ambiente. Aparecia-nos vindo das terras do nosso antes temido “futuro prometido e imaginado” e nós bebíamos as suas palavras com um misto de curiosidade, aprendizagem e alegria por nos estarmos a ver livres daqueles ambientes funestos que nos descrevia. Calculo até, pela minha experiência adquirida posteriormente, que algum exagero pairaria nas suas “histórias”. Mas na altura bebíamos aquilo com uma grande e temerosa excitação!

Como já disse, o livro de que falo tem diversas passagens onde a linguagem usada poderá ser considerada pornográfica por alguém mais puritano. Será difícil nos tempos de hoje encontrar esse alguém entre militares mas, há 40 e tal anos, imagine-se a excitação que tal tipo de literatura causava naquele ambiente de caserna, era enorme! Estas passagens eram lidas em voz alta e alvo dos mais diversos comentários cheios de galhofaria de teor sexual bem “hardcore”. Está-se mesmo a ver que o livro era vítima de rápidas leituras “em diagonal”, que é como quem diz, saltava-se de página em página à procura das partes mais “picantes”, as quais até passaram a ser sublinhadas a lápis. E eram muitas.

Talvez que a primeira pessoa a pegar a sério no livro tenha sido o “velhinho” furriel vindo do sul e ali aboletado no nosso dormitório. E foi assim que ele, um dia, deitado na cama e com a voz grossa que o caracterizava, rompeu o silêncio casual com uma bem sonora explosão vocal: pourri avant d’être mûri!

O inesperado da situação levou toda a gente a fixar o Vieira Lopes, talvez à espera de mais qualquer coisa, o mais provável à espera de saber o que é que o tipo queria dizer com aquilo e o porquê daquela explosão de palavras em francês. Ele compreendeu e com ar calmo, solene, teatral, pespega-nos com a leitura em voz alta do parágrafo acima transcrito, no início deste texto, acabando a gritar: pourri avant d’être mûri! E como que traduzindo: “estou podre antes de amadurecer, ca..lho!”

Acredito que para a maior parte dos assistentes o que lhe ficou na memória, e por pouco tempo, foi este grito, uma atitude um pouco diferente do normal, se calhar de mais um “cacimbado” que por ali andava. Aquilo de ele estar podre antes de amadurecer não tinha sentido, só poderia sair de cabeça desarranjada! O tempo de Guiné ainda era mínimo para nós mas já tínhamos dado por uns disparatados comportamentos vindos de personagens bem patuscas, por vezes divertidas, uns tipos “passados” de todo que cirandavam pelo bar e pela messe. Dizia-se até que alguns deles eram bons encenadores. Se o eram, sabiam bem do ofício. Mas um ou outro, coitado, parecia mesmo estar “pourri avant d’être mûri”. A mim, este grito do Vieira Lopes marcou-me como se tivesse levado um soco e levou-me ao livro para uma leitura a sério, a olhar aquela escrita com outros “olhos”.

Revejo nitidamente esta cena e o seu protagonista e pergunto-me como é possível lembrar-me, hoje, do seu nome (será este?) e ter esquecido o nome do camarada com quem confraternizava e que era o dono do livro! Lembrar-me bem disto e não me lembrar da maior parte do que fiz em Bissau durante os dois meses e meio que lá passei indica que o facto me marcou bem fundo. Talvez algumas referências escritas que conservei sirvam para o explicar.


Eis algumas, datadas de Bissau, Setembro/1965:

«Como Miller no seu livro também eu poderei estar a apodrecer aqui, neste trópico que não é o de Capricórnio mas o de Câncer? 
No fim disto tudo, o que restará daquilo que fui até este momento, nada? 
Irei por aqui cair aos pedaços, apodrecido, antes de eu e os meus projectos amadurecermos? 
Oh sorte, por onde andas? 
Estarei condenado a apodrecer aqui?

Fui expulso da minha terra para uma outra cheia de água e lama, de mosquitos animais que muito incomodam e de moscardos mecânicos que matam, simplesmente matam sem a maior parte de nós perguntar porquê! 
Cá estou, sei que tenho medo mas ainda não sei quanto, devo estar anestesiado com o que me aconteceu. 
Cá estou, desterrado, numa missão cujo sentido me passa ao lado, eu conheço-o mas não gosto dele. 
É um sentido sem sentido. 

Preciso de me dar a volta. Olho para os outros e sinto, vejo, que não posso ficar sozinho a cozinhar angústias nesta solidão de alma. 
Tenho de encontrar a melhor maneira de viver neste ambiente, tenho de me construir com o que de bom por aqui encontrar. 

Pourri avant d’être mûri? Não, não posso permitir que tal me aconteça. Não posso apodrecer, a vida espera-me e ainda me faltarão muitos anos para ficar maduro. Deixem-me amadurecer primeiro. Deixem-me escolher quem me há-de provar quando estiver maduro. Não quero alimentar facínoras e seus capangas, os que aqui me meteram. 
Quero viver, para poder ser um fruto maduro, lindo e apetitoso, que dê prazer a quem o provar, prazer esse que também será meu. Até ao fim do que de mim restar, aquele que é inevitável pelas leis da natureza, até à dissolução no universo infinito.»

Imagem do percurso perfeito. Foto retirada de http://taicashewnut.com/

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NOTA FINAL: 

Gostei de encontrar estas minhas reflexões de juventude, sinto-me muito bem por me rever naquele jovem que as escreveu, ainda por cima com alguma qualidade literária e com um cunho ideológico que me continua a agradar.

Estes tempos que agora vivo (vivemos) são tempos nebulosos, espúrios, irritantes, incertos, difíceis de viver e onde a esperança é uma figura fugitiva.

Socialmente, lembram-me o tempo da minha juventude. Dou por mim a compará-los, a comparar a situação dos jovens de hoje com a dos jovens desse meu tempo: o horizonte fechado, a incerteza do futuro, os problemas de subsistência, a dificuldade em “respirar”, a sensação de que algo tem de estoirar e o mais depressa possível …

Estou com 71 anos, tive sorte e julgo ter ultrapassado saudavelmente as dores daquela guerra da Guiné, fiquei maduro, tentei e tento ser “apetitoso” para o meu semelhante, continuo a dar-me a provar e a não prescindir de escolher alguns dos provadores, aqueles que penso serem sérios na apreciação, gostem ou não do que provam.

Levei, é verdade, e não me livro de continuar a levar algumas dentadas mais agressivas. Tenho conseguido superar o incómodo ou mesmo a dor. Em contrapartida, felizmente, tenho sido e sou sujeito de muitas dentadinhas deliciosas que me fazem crer ter sido cumprido o meu desejo, expresso há 47 anos, e que era o de ficar maduro e apetitoso.

E ainda não apodreci. Parece-me!…

(*) Por onde andará este camarada e amigo furriel? Haverá por aqui gente do meu tempo de Tavira (janeiro-junho de 1964) ou do tempo de Bissau (1965-1967) e que dele tenha referências? Será ele leitor deste blog? Se o for e não estiver interessado no contacto, sempre ficará a saber que o seu “Trópico de Capricórnio” seguiu um outro percurso que não o que ele pensa e deve ter “iluminado” e excitado outra gente que não o Manuel Joaquim e os seus “compinchas” da CCaç 1419. Estejas onde estiveres, meu amigo de outros e velhos tempos, aqui vai um grande abraço.

(**) Apesar de estar convencido da verdade destes nomes, já não garanto nada, já não acredito muito na minha memória. O que me tem ajudado muitas vezes são as referências escritas que possuo mas elas também são limitadas. Assim é neste caso.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10105: Memórias de Manuel Joaquim (7): Miserere

Guiné 63/74 - P10586: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte II: uma sardinhada em Cacilhas (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)













Lisboa > Travessa do Ferragial, nº 1 > Lisboa, o Cais do Sodré, o Tejo, Cacilhas... Um dos mais surpreendentes, deslumbrantes e... inesperados miradouros de Lisboa... O último piso do prédio nº 1 da Travessa do Ferragial onde funciona o ACISJF - Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina que "serve almoços", de segunda a sexta-feira, das 12h00 às 15h00, em regime de self-service, aberto a todo o mundo... Menu: preços desde 2 € (!)... Buffet (mínimo 10 pessoas e menu a combinar) por pessoa: 12 €... Um dia temos que lá levar uma representação da  Tabanca Grande!... Fotos tiradas em 30 de setembro de 2011, num belo dia de outono em que lá fui almoçar com a Alice e a sua tertúlia...

O Mário Sasso, se fosse vivo,  teria gostado de conhecer este miradouro (um dos muitos que fazem desta cidade um sitío estranho, maravilhoso e fascinante  aos olhos dos turistas que nos visitam, e que muitas vezes estão melhor informados sobre os segredos de  Lisboa do que muitos lisboetas...).

Fotos: © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados...


A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à direita].

[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -, nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].




B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os cheiros de Lisboa > 4.2. Uma sardinhada em Cacilhas

por J.L. Mendes Gomes [foto acima, assinalado com um círculo a vermelho, Catió, c. 1965; foto do autor]


As férias escolares ainda não tinham acabado. Mas, o Mário ainda tinha de vencer o exame de admissão à faculdade. E não era p’ra brincadeiras. Alínea de filosóficas. O mundo das ideias e a sua evolução, através dos tempos, a visão dos povos pelo mundo fora, acerca dos mesmos temas, exercia sobre ele um fascínio insaciável.

Com a ajuda do primo, mais velho, o Virgílio, que passara para o segundo ano de medicina, todas as complicações da inscrição, e tudo o mais, foi fácil. As provas de latim e filosofia, seriam na primeira semana de Outubro.

Toda a gente se entregou às respectivas tarefas, com sentido de responsabilidade. Fruto da disciplina que reinava na casa laboriosa do tio Diógenes.

Durante o dia, havia silêncio, lá em casa. A atenta, tia Judite, ocupava-se, com esmero e dedicação, de todas as lides da casa e da cozinha. Que perfumes… naquela cozinha divinal! Por isso, quando chegou o primeiro sábado, a ideia lançada pelo tio Diógenes de irem para uma sardinhada, no lado de lá do Tejo, caiu, mesmo a matar...

De eléctrico amarelo e ronceiro até ao Cais do Sodré; atravessava-se, depois, o rio largo, nos largos Cacilheiros, achatados, onde tudo cabia, desde as pessoas às bestas aparelhadas, às carroças, aos poucos automóveis que então havia, tudo seguia sobre o terreiro de ripas de madeira, rentinho às águas do Tejo.

Parecia impossível, como tudo não ia ao fundo!… Eram giros os eléctricos, de bancos de madeira envernizada. Muito airosos, por causa das janelas altas, sobre a rua e os passeios da cidade.

De Algés ao centro de Lisboa, a viagem seguia por entre casas afidalgadas e palacetes, alamedas de árvores, em cada lado. As linhas de ferro cintilante seguiam no meio da rua, à vontade.
O guarda-freio, garboso no seu papel e na farda cinzenta, com botões amarelos, a luzir, ia dando sinal com toques secos e repicados de campainha, com o pé no pedal.

Barato. Um tostão, por pessoa. Por cinco tostões ia-se ao fim de cada linha, nos troços mais longos que havia: a Moscavide, à Ameixoeira e Lumiar e o circuito, longo, do Príncipe Real …por Alfama, pelo Castelo.

Como era linda e sossegada a cidade de Lisboa. Tão asseada, nas ruas e passeios, bem lavados, com calçadas de desenhos em pedra florida. As varandas e janelas, engalanadas de vasos de barro com sardinheiras, begónias e outras flores de cores garridas.

As escadas a subir, lentas, por entre o casario aconchegado nos bairros de Alcântara e dos fundos da Bica, pelas encostas, até ao Chiado, da fidalguia e das igrejas sumptuosas, de outros tempos. O elevador da Bica, que pacto lindo, de amizade, no sobe e desce permanente, entre os vizinhos da Ribeira, de São Paulo e os fadistas castiços do Bairro Alto.

Finalmente, o Largo do Cais do Sodré, ali estava. Com muitas árvores, de rica sombra; muitas pombas a voarem buliçosas, no céu à volta da estátuaaltiva, do Mouzinho da Silveira, erguida ao centro. As derivações p’ra o Chiado, para a zona traseira, com muitos bares e cabarets, restaurantes e tascas castiças, com vinho ao copo de três e petiscos…igrejas e casas fartas de comércio, de todo o tipo.

À beira das escadas suaves da formosa e moderna estação do comboio de Cascais, vendia-se flores e fruta, em barracas, toscas, cobertas por toldos de pano crú, muito velho, havia cauteleiros a seduzirem os inúmeros passageiros que, em formigueiro, iam ou vinham para o comboio e os barcos de Cacilhas.

Lá ao fundo, junto ao molhe do rio, ficava o cais de atracar dos tão famosos cacilheiros, pesados, de ferro. Era neles que todos iriam, para Cacilhas. Dos bilhetes tratou o tio Diógenes. A rapaziada subiu as escadas que dão para o topo do barco. Queriam ver tudo, ali à frente…

O Mário sentia que estava, finalmente, numa das zonas mais castiças da lendária Lisboa. Dali do meio do Tejo, imponente, iria poder ver a cidade toda, em painel vivo e ao natural e a fervilhar: o castelo, a esbordar de verdura, a Sé e a Igreja majestosa de São Vicente de Fora, lá no alto, os bairros de Alfama e da Mouraria, o Terreiro do Paço, com a estátua do D. José, a cúpula da Basílica da Estrela, a mata de Monsanto e a encosta fidalga da Ajuda.

Que manancial de surpresas e de encanto a explorar nos tempos mais próximos!

Voltado p’ràs bandas de Cacilhas, o espectáculo também era encantador. As encostas de Almada, misteriosa, com um castelo altaneiro, lá ao cimo, e as escarpas descarnadas sobre o Tejo; à borda d’água, numa nesga de terra, onde parecia nada caber, havia vários pavilhões de fábricas a trabalhar; o casario de Cacilhas, à vista, e a torre saliente e escura da igreja, tudo era desordenado e pobre. As docas negras da Margueira, ali ao pé. O resto seria para ver depois.

Ali estavam elas, as sardinhas, frescas e molhadas de água do mar, em largos açafates, sobre mochos de pau enegrecido, ao pé da porta exterior dos restaurantes fundos, na ruela de Cacilhas, que vai rente à igreja.

O tio Diógenes e a família já eram fregueses bem conhecidos na casa das sardinhadas. Desde a idade do biberão, transitavam aos poucos para os bancos corridos das mesas compridas .
- Ah!. hoje, vem gente nova. - Exclamou o sr Isidro lá ao fundo, quando contou, num relance toda a família e lhe sobrava um.
- É o namorado da menina?…- Avançou a rebentar de curiosidade.
- É um sobrinho que trouxemos de Moçambique. Vem para cá, estudar.
- È bem da pinta do sr. Diógenes. É ou não é? Eu para tirar parecenças ninguém me bate. Oh este nariz grosso e comprido; os lábios gordos; os olhos grandes e saídos; só o cabelo é que não. É escorrido e comprido.
- É verdade, isso vem da mãe dele. Chama-se Mário tem 17 anos. Vai estudar filosofia.
- Ah, está muito adiantado, p’rà idade.!…
- Lá em Moçambique, não havia nada para o distrair, de modo que era só estudar – adiantou o tio.
- É verdade. Aqui em Lisboa, as coisa não são bem assim, pois não, ? Há muita coisa a puxar noutro sentido. Se bem que os filhos do sr. Diógenes não têm deixado mal os pais, pois não?
- Não. De modo nenhum. Aqui o Pedro está no 3º ano de Medicina, com 20 anos. E se é difícil a medicina; a Isabel, com 19, está em farmácia, passou ao 2º ano.
- É bonito ver filhos assim, nos tempos que correm… Aqueles beatles, guedelhudos e desafinados estão a escavacar tudo! Se. fossem meus filhos…Os seus, aqui ao pé dos pais, é maravilhoso. Vamos ver como se porta o primo…
- Ah, não temos dúvidas de que não vai deixar-nos ficar mal. Também, era só ir à bilheteira, comprar-lhe o bilhete de volta às terras de Moçambique.

Meio a sério, meio a brincar, o aviso estava feito. O Mário registou.
- Bom , sr. Isidro. Vamos ao que nos trouxe aqui.
- São uma especialidade, sr. Diógenes. Fresquíssimas. Chegaram esta manhã.
- Sim. De facto não enganam.

Sentaram-se todos em duas mesas. À maneira de sempre. O pai, no topo e a mãe ao seu lado direito. A  Isabel, ao lado da mãe e os dois primos, frente a frente. A mulher do sr. isidro fora-se adiantando, enquanto o homem da casa se entendia com os clientes já familiares.

Uma volumosa caneca de vidro, cheia de sangria,  foi a luz vermelha que se abriu primeiro, naquela mesa. De fresca, até o vidro embaciara e começava a escorrer. Depressa os copos ficaram cheios com a primeira rodada servida pela tia, sempre atenta ao seu papel.

Uma cesta de fatias de broa e pães do forno, tudo da terra do sr. Isidro, a Malveira. Uma travessa grande a esbordar de salada mista, com pedaços de pimentos verdes e fatias de tomate e cebola, espalhadas sobre um mar de alfaces verdinhas, fizeram disparar o apetite a toda a volta da mesa.

Só faltavam as sardinhas. O cheiro já chegara, cada vez mais apurado e perfumado, como só acontece com este delicioso petisco. Toda a família era perdida por sardinhas assadas. Vamos lá a ver como funciona o Mário.

Este estava desconfiado de que não deveria gostar. Por isso, sentia um certo embaraço. Fingir não era com ele. Se não gostasse, não gostava e pronto. O tio já dera a entender que não seria o fim do mundo. O sr. Isidro arranjaria logo umas febras de porco, para salvar a situação. E se eram boas, aquelas fêveras…não ficavam atrás. Mas se era p’rà sardinha, era p’rà sardinha que tinham vindo.

A srª Isasbel , uma senhora avantajada, mas de luzidias faces papudas, com os olhos a brilhar, avançou com primeira rodada de sardinhas: uma dúzia e meia. Bem tostadinhas e gordas quanto baste. Rescendiam vida na pele reluzente e tisnada pelas brasas.

A srª Judite fez a distribuição pelos pratos que se foram abeirando. Três pra cada, para já. Com batata cozida, para quem quis. Ali, era permitido pegar-lhe à mão. O tio apressou-se a dar o exemplo, para que não houvesse dúvidas.

Fez-se silêncio e a voragem desceu, sobre a mesa. Num instante, só espinhas ficaram e bem aparadas, em todos os pratos. Incluindo o do Mário de Moçambique. Depois de provar foi ele o primeiro a devorar as três desditosas... que lhe tocaram.

Uma gargalhada geral cobriu a alegria da mesa. Não havia dúvidas. Tinham ali um parceiro, de respeito O Mário, via-se bem, naqueles beiços grossos, lambuzados, como se fosse já um aficionado inveterado…

Os olhos bugalhudos estralejavam-lhe, de satisfação…e os da família não lhe ficavam atrás…
- A esta hora, estão os teus pais a deleitar-se com um açafate de ostras, lá na Beira. - disse o tio Diógenes, limpando os dedos a um guardanapo branquinho como a neve. Até deu pena vê-lo como ficou…
- Não tenho inveja nenhuma .- atalhou logo o Mário, sem se dar conta, no primeiro instante, do que custou aos pais terem-no deixado vir. Filho único...

A tia pareceu adivinhar o que se passava na cabeça do sobrinho que sentiu ter metido água.
- Já tens saudades dos pais, não tens, Mário?

Os olhos, reluzentes, responderam por si, bem afirmativos, mas resposta não houve.
- P’rò ano, vêm cá eles passar as férias.

Sentiu que a ideia, de todo, não lhe desagradou, apesar de só terem passado umas semanas. Daqui por um ano…nem se fala.

Os pais até são uns companheiraços, para ele.

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de outubro de 2012 >



Guiné 63/74 - P10585: Parabéns a você (487): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Luís Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10551: Parabéns a você (486): Manuel Moreira de Castro, ex-Soldado da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968/69)

sábado, 27 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10584: Estórias do Juvenal Amado (45): A cachaça do senhor Pereira de Lima

1. Em mensagem do dia 25 de Outubro de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872,Galomaro, 1971/74), enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO (45)

A CACHAÇA DO SENHOR PEREIRA DE LIMA

Comecei a sentir-me estranho nessa tarde.
Não era nada que não passasse com umas cervejas, ou quem sabe um ou dois whisky, dizia o meu camarada Ivo, que nunca tinha tido uma constipação que não curasse com umas cachaça feita pelo seu pai, que vivia para os lados de Santa Maria da Feira. Ele dava esse nome à aguardente extraída do engaço de uvas, que ele cultivava em latadas. Daí resultava um vinho fraco com alguma acidez, que tingia tudo onde caía, mas que era bebido nunca menos de uma garrafa por pessoa para começar. Era desse mesmo vinho que saía uma aguardente fortíssima, que o sr Pereira de Lima produzia se encarregava de enviar ao filho sempre que tinha portador.

Nesse tempo não era difícil arranjar portador, pois a solidariedade falava mais alto e no saco da TAP que nos era permitido transportar gratuitamente algumas coisas, havia sempre lugar para os agrados que familiares queriam fazer aos seus que combatiam na Guiné.

“Oh Ivo como é que consegues beber isso?”

E dizia logo ele a rir:
- Já não tenho fígado, os intestinos puxo-os para o lado, por isso é sempre a direito.

E assim lá experimentei todas essas “mesinhas”, desde cerveja à quase intragável aguardente, que sendo tão forte me queimou todo por dentro. Como era de esperar, zonzo não tardei a ter que me deitar e que me tapar com tudo o que era manta. Eu sou pouco resistente à febre e o frio logo deu lugar a um calor intenso, que me começou a provocar alucinações onde qualquer imperfeição da parede, se tornavam em imagens fantasmagóricas e logo a seguir pensava estar noutro lugar. Passava de delírio para delírio.

Quando dei por mim estava na enfermaria, com um violento ataque de paludismo e mal grado as injeções bastante dolorosas por sinal, a febre manteve-se durante praticamente três dias, deixando-me numa prostração de tal ordem, que nem tugia nem mugia. Ainda me apercebi dos olhares de preocupação do Dr. Pereira Coelho e do Catroga. Só vim a saber mais tarde que a minha evacuação quase esteve marcada. Finalmente graças aos cuidados do doutor bem como o resto do pessoal de saúde, a febre acabou por ceder e recuperação foi rápida a partir do momento que me consegui pôr de pé, mas antes de sair da enfermaria assisti à chegada do meu camarada Ivo, também ele com violento ataque de paludismo, que o apanhou no mato e só chegou ao sítio onde uma viatura o foi buscar graças a umas “bombas,” que o André “russo” lhe deu. Estava assim provado que afinal a cachaça era muito boa, mas não servia de nada contra o paludismo.

O Ivo é um dos camaradas com quem mantive estreitas relações de amizade e por diversas vezes visitei. Quando me casei fiz uma viagem pelo o Norte de Portugal na velhinha 4L de três velocidades do meu pai. Visitei o Silva nos Carvalhos, o Passos em Matosinhos, e como não podia deixar de ser, lá fui a S. João de Ver visitar a esposa e os pais do meu amigo Ivo. Ele não estava pois tinha emigrado para a Venezuela. Ficámos lá em casa onde privei com os irmãos e irmãs dele. Lembro-me bem que era altura das vindimas, já estavam a fazer o tal vinho e tinham instalado um pequeno pipo ao alto sem tampa, donde tirávamos grandes canecas e bebíamos sem olhar à quantidade. Chamavam-lhe o vinho doce pois era o sumo da uva esmagada antes de começar a fermentar e só durava aquele dia.

A seguir ao jantar entre estórias e recordações onde o Ivo foi figura central, lá bebemos da tal cachaça que até dava vida aos mortos, nas palavras do senhor Pereira de Lima que ria com francas gargalhadas.

A saudade é isto, são as coisas boas e as pessoas que nos marcaram. O pai e a mãe do Ivo são pessoas que recordo hoje com carinho, como se fossem também da minha família.

Descansem em paz.

À esquerda está o Caramba, nosso tabanqueiro, e à direita o Ivo Pereira de Lima.

De pé: Correia, Catroga, Fur Graça, Dr. Vieira Coelho e André. De cócoras: auxiliar milicia, meninos, sendo um deles o que ficou gravemento queimado no ataque a Campata, e Santos.

Em pé: Passos, Ivo, Catroga, Sertã e Estufa. Em baixa: Cabo Silva, Ferreira, Romão e Silva

A partir da esquerda: Dr. P. Coelho, Alf Vasconcelos, Veiga e Parente
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10363: Estórias do Juvenal Amado (44): O nosso Tenente Raposo

Guiné 63/74 - P10583: Ciganos, meus camaradas (2): Arménio Santos, ex-combatente do 4.º Pelotão/CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Carlos Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva (ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), com data de 24 de Outubro de 2012, com um trabalho subordinado ao tema Ciganos, meus camaradas*:

Amigos
Aqui vai ao vivo a minha história sobre o relacionamento com o meu amigo e camarada Arménio Santos que podem publicar.

Um abraço
Calos Silva


Militares de Etnia Cigana

Os cidadãos portugueses quer sejam minhotos, trasmontanos, durienses, beirões, ribatejanos, alentejanos, algarvios, açorianos, madeirenses e na altura naturais das ex-províncias ultramarinas ou de etnia cigana, eram/são todos iguais perante a lei e sujeitos a deveres e titulares de direitos, donde os nossos concidadãos da etnia referida tinham o dever de cumprir o serviço militar com todas as consequências inerentes.

Na minha CCaç 2548 tive/tenho um camarada de etnia cigana que era do meu 4.º pelotão e da minha secção. Convivi com ele 2 anos e nunca soube que era cigano, mas também nunca lhe perguntei, apesar de alguns camaradas terem conhecimento de tal facto e de por vezes o chamarem de cigano, sem que ele suscitasse qualquer problema. Para mim era um transmontano/cigano de 4 costados, valentão, arrojado e bom camarada, amigo e respeitado por todos nós.

Região do Oio>Sector O2 Farim>Jumbembem Abril 1970 > Construção das novas tabancas no âmbito do reordenamento implementado pelo General Spinola "Por uma Guiné Melhor" > O Arménio Santos é o 1.º da esquerda, de pé, e Carlos Silva sentado à direita

Regressámos nos finais de Junho de 1971 à Metrópole e não vi o Arménio durante anos. Como faço milhares de quilómetros para visitar camaradas do Batalhão, Companhia e principalmente os meus camaradas do pelotão vai daí, fiz uma viagem pelo Norte à procura de vários deles.

No mês de Agosto de 1990, eu e o meu amigo e camarada Galo, também furriel do meu pelotão, lá fomos à procura do Arménio para o concelho de Vinhais com a indicação por outro camarada que ele vivia em Sobreiró. Ali chegados, dirigimo-nos a um café junto a uma capela, ao lado da estrada nacional Chaves – Bragança, perguntámos às pessoas ali presentes se conheciam um indivíduo de nome Arménio Santos que tinha estado na Guiné connosco em 1969/71, que era um individuo forte, que fazia feiras e festas, etc, etc, pois indicaram-nos que residia na zona.

Apresentadas as características responderam em uníssono:
- Eh pá, só pode ser o CIGANO

Retorqui, qual cigano qual carapuça, o rapaz não é cigano… Estamos a ouvir isso pela primeira vez...
- Olhe que é… Contudo dirija-se ali à frente, 100 metros de distância e pergunte por esse nome, pois deve ser o vosso amigo que continua bem forte, levemente nutrido…

Lá fomos e qual o nosso espanto e o dele em ver-nos …. Era o Arménio em carne e osso, o cigano….

Abraços para aqui e para acolá e regressámos ao café para deitar mais umas “bazookas” abaixo pois se fazia calor.

Com naturalidade lá fomos conversando e esclarecendo o Arménio de que não conhecíamos a sua origem e que ficámos a saber nessa altura através dos seus vizinhos.

Calmamente e sem hesitação lá nos esclareceu que a rapaziada do 4.º pelotão sabia mas que nunca se proporcionou a ter de invocar perante nós a sua origem, pois era um cidadão como outro qualquer e claro que sim, o que nunca foi posto em causa e nem sequer o permitiríamos.

Sobreiró de Cima, Agosto/1990 o Arménio entre os antigos camaradas que nunca o esqueceram.

Depois desta visita outras se sucederam e a última, depois de chegar a casa dele sou informado de que estava na festa de Curópos que ficava distante uns 7 a 10 Kms e lá fui eu a procura do Arménio.

Sobreiró de Cima, 26-08-2006 - Carlos Silva entre o Casal Santos

Nesta visita fui presenteado com duas garrafas de vinho do Porto e dizia-me o Arménio que já não podia acompanhar-me numas “bazookas” pois já andava com problemas de saúde e estava proibido de beber álcool, dado que a sua caldeira inox de outros tempos já não era a mesma coisa.

Curópos Agosto de 2007 – O Arménio na feira, fotografado de surpresa

Curópos Agosto de 2007 – O Arménio dá um pulo de alegria quando se apercebe que estou a fotografá-lo.

Abraços e mais abraços e depois da fase eufórica, entristecido lá me vai contando que a Senhora dele já não fazia parte dos vivos e que agora a sua vida de futuro seria muito diferente sem a sua companheira apesar dos seus filhos serem bons amigos.

Aqui estamos nós em frente da barraca ou stand dos brinquedos de um dos filhos, pois ele para se entreter vai confeccionando pipocas com a sua máquina para ver se ganha algum para garantir a sua subsistência.

Eis a vida do meu amigo e camarada Arménio, o CIGANO, que para mim nunca foi, pois é um cidadão como outro qualquer.

Com um abraço amigo
Carlos Silva
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10566: Ciganos, meus camaradas (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)

Guiné 63/74 - P10582: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (9): Ainda a curta estadia em Cacine, a caminho de Cufar, em dez 69 e jan 70


Guiné > Região de Tombali > Cacine > Dezembro de 1969 > Local do nosso desembarque em Cacine, talvez no dia seguinte, com LDM e uma AML [Junto à AML, o alf mil Armindo Batata, comandante do Pel Caç Nat 51].


1. Mensagem de Armindo Batata, a quem pedi para completar as legendas do poste P10487 (*)

Data: 12 de Outubro de 2012 22:50

Assunto: Re: [Luís Graça & Camaradas da Guiné] Guiné 63/74 - P10487: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (6): Cacine e o Rio Cacine, deslumbrantes (dezembro de 1969)


Caro Luís

Vamos lá então puxar pelas memórias.

Os Pel Caç Nat 51 e 67, este de comando do Alf  Mil Esteves, passaram por Cacine em Dezembro 1969/Janeiro 1970, em trânsito para Cufar. O Pel Caç Nat 67 tinha guarnecido o destacamento do Mejo até à evacuação desta posição em Janeiro de 1969.

O deslocamento de Guileje para Cufar teve um primeiro troço em coluna de Guileje para Gadamael Porto. Prosseguiu em LDM para Cacine onde aguardámos a formação de um comboio fluvial. Chegámos a Cacine já a noite tinha caído. Desembarcámos na praia, (v. foto anexa, s/nº) a jusante da ponte cais, com 1 ou 2 AML  a fazerem a segurança e iluminados por viaturas.

Os militares nativos "espalharam-se" com as familias e haveres pelas tabancas de acordo com as respectivas etnias. Nessa noite dormi num quarto com aspecto de quarto, que até tinha mesa de cabeceira e, paredes meias, uma casa de banho que, para meu grande espanto, tinha um autoclismo, daqueles de puxar uma corrente; que maravilha tecnológica!.

Ficámos uns dias, não me lembro quantos, mas deu para eu ir  a Cameconde,  numa das colunas que se efectuavam diariamente(?). Tenho de Cameconde a imagem de uma fortaleza em betão, daquelas fortalezas dos livros da escola, a que só faltavam as ameias. Quem por lá andou me corrija por favor esta imagem, se for caso disso.

Deu também para umas passeatas no rio Cacine. Mas só na preia-mar, quando era um rio azul digno de um qualquer cartaz turístico daqueles locais chamados de sonho. Depois vinha a baixa-mar e o cartaz turístico ficava cinzento. E naquele tempo era quase sempre baixa-mar.

Num fim de tarde, as marés a isso obrigaram, embarcámos nas LDM  e ficámos fundeados a meio do rio Cacine em companhia do NRP Alvor,  que nos iria comboiar até Catió. O 2º tenente da RN, comandante do NRP Alvor, convidou-nos, a mim e ao alferes Esteves, para bordo e entre umas (muitas) cervejas e não menos ostras, passámos a noite. A hospitalidade habitual da Marinha.

As embarcações suspenderam o ferro com o nascer do sol (exigências da maré) e lá seguimos para Catió. No último troço da viagem,  já o rio era mais estreito, portanto já não era o Cacine, fomos acompanhados por T6 no ar e fuzileiros em zebros a vasculharem o rio, já que tinha havido, recentemente, um qualquer "conflito" entre uma embarcação e uma mina. Nada se passou, e o fogo de reconhecimento para as margens, a partir das LDM, não teve resposta.

Não houve incidente algum portanto, mas a  viagem foi um bocado complicada, em termos logísticos. Um pelotão de nativos integra as familias dos militares, os seus haveres e animais domésticos. Família, haveres e animais domésticos que afinal eram o triplo ou quádruplo do inicialmente inventariado.  Nos animais domésticos estão incluídos os porcos dos não islamizados, que terão que viajar separados dos islamizados. E a aguardente de cana. E o ... e a mulher do ... e o "alferes desculpa mas não pode ser". Em coluna auto lá se arranjam, mas em LDM não foi fácil. Valeu a paciência dos furrieis, um deles de nome Neves e do 2º sargento (... ?).

Catió tinha uma estação de correios com telefone para a metrópole, um restaurante daqueles em que se come e no fim se pede a conta e se paga. E pessoas brancas sem serem militares. Um espanto!

O plano inicial era os dois pelotões deslocarem-se por estrada de Catio para Cufar. Esse percurso já não era utilizado ha bastante tempo (meses?) e foi considerado de risco muito elevado. Não me lembro dos argumentos avançados, mas acabámos por ir para Cufar por rio (LDM com desembarque em Impugueda no rio Cumbijã ou sintex/zebro com desembarque em Cantone?  - não tenho a certeza, pode ser que alguém de mais fresca memória se lembre).

Vamos agora ás legendas das fotografias:


Foto nº 49 > Rio Cacine imediatamente a jusante da ponte cais de Cacine




Foto nº 55 > Cacine - A ponte cais ao fundo e a messe (ou bar?) de sargentos à direita. A messe, bar e alojamentos dos oficiais era do lado opsto,  donde tirei a fotografia.O acesso à ponte cais, era uma agradável avenida ladeada de palmeiras.





Fotos nºs 53 e 54 > A mesma ponte cais, com os batelões a seco (baixa mar). Ao fundo o Cantanhez.




Fotos nºs 47, 48 e 51 > Comboio fluvial no rio Cacine a caminho de Catió



Foto nº 50 > O NRP Alvor, que escoltou o comboio fluvial.



Foto nº 52 > Cacine - Praia a jusante da ponte cais onde desembarcámos das LDMs, durante a noite, vindos de Gadamael Porto


Foto anexa [, vd acima] >  Local do nosso desembarque em Cacine, talvez no dia seguinte, com LDM e uma AML


Espero que não haja para aqui nenhum erro. Estou convicto que não.


Abraço, Armindo Batata


Fotos: © Armindo Batata (2007-2012). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd poste de  6 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10487: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (6): Cacine e o Rio Cacine, deslumbrantes (dezembro de 1969)


(**) Último poste da série > 11 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II)

Guiné 63/74 - P10581: Agenda cultural (226): A banda musical portuguesa Melech Mechaya no 20º Festival Sete Sóis Sete Luas: seis concertos em quatro ilhas de Cabo Verde, 6-11 de novembro de 2012 (João Graça)







1. Do nosso grã-tabanqueiro João Graça, médico, interno de psiquiatria e músico, membro da banda de música portuguesa Melech Mechaya, recebemos a seguinte informação:

Daqui a uma semana entramos nós no avião em direcção a Cabo Verde! Vai ser uma aventura, 6 concertos em 4 ilhas diferentes, entre barcos e aviões e carrinhas! Fiquem com as datas:

- 4 Novembro - São Filipe [, Ilha do Fogo]

- 6 Novembro - Ilha Brava

- 8 Novembro - Praia [, Ilha de Santiago]

- 9 Novembro - Ribeira Grande [, Ilha de Santo Antão]

- 10 Novembro - Tarrafal [, Ilha de Santiago]

- 11 Novembro - Cidade Velha [, Ilha de Santiago]


Abraço! João

[Ouvir aqui um dos temas mais populares da banda, o Buglar de Odessa, a cidade onde nasceu a avó materna do nosso querido Pepito, cuja mãe, Clara Schwarz, nascida em Lisboa, de pai judeu polaco - e que é a decana da nossa Tabanca Grande ! - iria casar com um homem de origem caboverdiana e guineense, Artur Augusto Silva, nascido na Ilha da Brava...]


2. Festival Sete Sóis Sete Luas em Novembro distribuído por quatro ilhas

A edição de 2012 do Festival Sete Sóis Sete Luas vai decorrer de 6 a 11 de Novembro em cinco cidades de Cabo Verde, na presença de grupos musicais e teatrais de Portugal, Brasil, Espanha e Itália.

Numa nota à imprensa, os promotores do evento adiantam que a novidade para a edição deste ano passa pela aceitação do presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, do convite que lhe foi formulado, já aceite, para se tornar "presidente honorário" do certame, sucedendo ao escritor português José Saramago, já falecido.

O festival, lê-se na nota, vai decorrer em cinco cidades de quatro ilhas - Ribeira Grande de Santiago (também conhecida por "Cidade Velha") e Tarrafal (ambas em Santiago), Ribeira Grande (Santo Antão), São Filipe (Fogo) e Nova Sintra (Brava).

O Sete Sóis Sete Luas é um festival de música popular e arte contemporânea, que abrange 30 cidades de 11 países espalhados pela bacia Mediterrânica e mundo lusófono, nomeadamente no Brasil, Cabo Verde, Croácia, Espanha, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Roménia e Portugal.

Segundo a nota, a organização do Festival Sete Sóis Sete Luas tem "uma relação especial com Cabo Verde", por ser o primeiro país extra europeu a entrar na grande Rede SSSL em 1998.

"Desde essa altura", lê-se no documento, "o Festival Sete Sóis Sete Luas trabalhou para valorizar a cultura cabo-verdiana no mundo e levou para a Europa, na maioria das vezes em estreia nacional, muitos grandes artistas" cabo-verdianos. São os casos, nomeadamente, de Cesária Évora, Bana, Tito Paris, Mayra Andrade, Teté Alhinho, Mário Lúcio, Tcheka, Mariana Ramos, Voz de Cabo Verde, Hermínia, Ildo Lobo, Tchalê Figueira e Bento Oliveira, entre outros.

Fonte: Expresso das Ilhas (Com a devida vénia)

3. O que é o Festival Sete Sóis, Sete Luas (Excertos do sítio oficial)

(i) Como nasceu:

Pela curiosidade e audácia de um grupo de estudantes da Toscana [, Itália,] e o apoio de um escritor português [, Jorge Saramago,] nasce a experiência do Festival Sete Sóis Sete Luas. 

Jovens sonhadores, com uma grande paixão pelo teatro, fundam o Gruppo Teatrale Immagini (Grupo Teatral Imagens) em 1987. Ansiosos por atravessar a fronteira italiana, em 1991, voam até ao Alentejo. Aqui apresentam vários espectáculos, com muito sucesso, e entram em contacto com José Saramago, convidando-o a visitar Pontedera. O escritor português não só aceita o convite, como também lhes oferece os direitos de autor em Itália do seu livro “O ano de 1993”. Em 1993 nasce o Festival Sete Sóis Sete Luas, dirigido por Marco Abbondanza desde a sua primeira edição, e começa o original e rico intercâmbio cultural entre Itália e Portugal que, ao longo dos seus 20 anos (1993-2012), já viu aderir muitos outros países: Grécia (1993), Espanha (1997), Cabo Verde (1998), França e Marrocos (2005), Israel (2006), Croácia (2008), Brasil (2009), Roménia (2012) privilegiando sempre as localidades periféricas e não os grandes centros.

(ii) Objetivos e projetos:

  • É uma Rede cultural de 30 cidades de 11 Países - Brasil, Cabo Verde, Croácia, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Portugal, Espanha e Roménia - que privilegia relações vivas e directas com os pequenos centros e os artistas; 
  • É uma viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono: uma viagem feita de encontros. Viajam os artistas, os operadores culturais e os espectadores;
  • É um Festival que vai ao encontro das pessoas, não das praças e dos monumentos;
  • Projectos de música popular contemporânea e arte figurativa do mundo mediterrâneo e lusófono; 
  • Promotor de turismo cultural: o público pode seguir o Festival nas várias paragens da sua viagem pelo mundo lusófono e mediterrneo;
  • Experiências directas de música, arte e sabores através da promoção dos produtos de excelência de cada país.
(iii) José Saramago: "um presidente honorário militante e um símbolo iluminista"

José Saramago deu ao Festival SSSL os instrumentos, filosóficos e práticos, para começar esta fantástica viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono. O Festival inspira-se nos valores presentes na sua obra “Memorial do Convento”, cujas personagens são sonhadores de alma visionária, que vivem numa Europa medieval, oprimidos por uma intolerante e tenebrosa Inquisição. Baltazar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas, acompanhados pelo padre Bartolomeu de Gusmão, criam a “passarola”, uma máquina voadora, que é o símbolo do Festival pelo seu poder evocativo e simbólico, representando a metáfora do sonho e da liberdade utópica.

O Festival serve-se da capacidade da arte, da música e da literatura de ver para além da realidade do nosso tempo. Neste contexto compreende-se como o espectáculo, o concerto, a exposição – momentos de visibilidade deste projecto cultural – representam os seus instrumentos e não o seu fim. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10567: Agenda cultural (225): Doclisboa'12, de 18-28 de outubro de 2012: Um filme a não perder: "Terra de ninguém", de Salomé Lamas (estreia mundial absoluta, a 24, na Culturgest; repetição a 26, no cinema São Jorge, 16h)

Guiné 63/74 - P10580: Memória dos lugares (193): O inferno de São Domingos, em março de 1972, ao tempo da CCAV 3365 / BCAV 3846, Os Quixotes (Bernardino Parreira / Plácido Teixeira)








Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Meados de 1972 > CCAV 3365, Os Quixotes (Domingos,1971/1973) > Testemunhos do "inferno" que se viveu em São Domingos, em resultado de vários dias de ataques do PAIGC

Fotos : © Plácido Teixeira / Bernardino Parreira  (2012). Todos os direitos reservados



Bernardino Parreira
1. Mensagem do nosso camarada Bernardino Parreira, na sequência do poste P10525, de que lhe enviei uma cópia (*)


Data: 16 de Outubro de 2012 14:31

Assunto:  Guiné 63/74 - P10525: Um história do artilheiro de Gadamael, Vasco Pires (...) 

Caro amigo, Luís Graça

Aí envio essas fotografias de meados de 1972, que me foram facultadas pelo meu camarada e amigo Plácido Teixeira, que cumpriu toda a comissão em S. Domingos,[na CCAV 3365,]  desde Maio de 1971 a Março de 1973, e que ilustram bem o estado em que ficou o aquartelamento de S. Domingos após mais um ataque ao quartel que durou alguns dias. 

Conforme consta num relato efectuado pelo meu camarada e amigo Plácido Teixeira, que já vos facultei, em que o mesmo manifestava agradecimento ao General Spinola pela visita que fez àquele aquartelamento na sequência desses episódios.(**)

Refiro ainda que à data já não me encontrava lá, em virtude de no princípio de 1972 ter sido destacado para a companhia africana, CCaç 16, sediada no Bachile -Teixeira Pinto, onde acabei a comissão. Mas recordo-me de muitos ataques ao quartel enquanto lá estive, tendo sentido grande alivio quando saí de lá, e parti preocupado com os camaradas que lá deixei a ferro e fogo.


Enquanto estive em S. Domingos vi e vivi situações de guerra e nunca me senti num "resort". No período que lá estive, os Furrieis dos Obuses eram os meus amigos Pimenta e Rebelo. Tudo isto pode ser testemunhado pelos meus camaradas da CCAV 3365 [, Os Quixotes].

No entanto, regozijo-me que a situação estivesse calma no período em que o Alferes Vasco Pires lá esteve. Ainda acrescento ter conhecimento que, depois da minha saída de S. Domingos, o meu amigo Furriel Pimenta, dos Obuses, ficou gravemente ferido numa operação no mato, tendo sido evacuado para Lisboa.

Um abraço

Bernardino Parreira

2. Mensagem do Vasco Pires (*):


Caro Luís,

Muito obrigado pelo informe. Li o depoimento do nobre camarada Bernardino Parreira, e conclui que devemos ter estado lá em datas diferentes, pois não tenho memória de nenhuma flagelação, tão pouco me lembro de ter havido um disparo dos nossos obuses. A única hipotética acção seria uma pretensa operação perto da fronteira, para onde o Major de Operações pretendia levar os obuses. Ora a ordem do Comando do GAC 7 era de que os obuses não deveriam sair nunca do aquartelamento, se o Comando da unidade a que estávamos adidos insistisse na saída, deveria ser dada ordem por escrito, e, quando eu solicitei essa ordem, ficou por isso mesmo. Creia-me,  caro Luis, que na minha memória, a palavra "resort", não é exagero, excepto, que a essa data, por direito, já devia estar em casa. abraço, VP

3. Comentário do L.G.:

Meu caro Bernardo, gostaria que transmitisses ao teu amigo e nosso camarada Plácido Teixeira o meu desejo de o ver mais perto de nós, sentado sob o poilão mágico e fraterno da nossa Tabanca Grande. No caso dele, basta-lhe mandar as duas fotos da praxe, uma do antigamente e outro do agora. Fazes isso por todos nós ?... Um abração. LG (***)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Um história do artilheiro de Gadamael, Vasco Pires, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos... (Vasco Pires, Brasil)



Plácido Teixeira (Cortesia do blogue Luar da Meia Noite)


(**) Reproduz-se, de novo aqui, o texto escrito por Plácido Teixeira, da CCAV 3365 / BCAV 3846, colocado em S. Domingos,1971/1973, e que vive atualmente nos EUA, em Boston. [O  BCAV 3846, 1971/73,  era composto pelas CCAV 3364 (Ingoré), CCAV 3365 (S.Domingos) e CCAV 3366 (Suzana)].

(..:) Senhor Spínola... sim, Senhor, porque outros tempos vão longe! Mas,  Senhor Spínola, com muito respeito eu digo e escrevo o seguinte:

Muito obrigado pelas palavras que proferiu uma vez em S. Domingos, para uma Companhia abusada, e maltratada e deitada ao abandono. Lembro-me que uma vez, num horrível mês, do ano de 1972, a nossa Companhia foi um alvo, uma carreira de tiro. Sim, uma carreira de tiro e nós o alvo!!! Era bombardeamento diário. Não havia comida, não havia bebida ou até luz.

Lembro-me que andava a passar uma ronda e fomos apanhados no meio do campo de futebol. Todos saltámos do Jeep, uns para a direita, outros para a esquerda. Como fomos apanhados no meio do campo de futebol, a vala e os abrigos estava muito longe. Corri e cheguei finalmente a vala, sem arma, sem sapatos e sem oculos! Bonito para a minha defesa. Mais uma vez a ideia era sobreviver. Havia fumo por todo o lado. Como tinha chovido, na vala era só lama. Não havia luz e com o fumo nada se via para fora da vala. Era até impossível por a cabeça de fora. O tiroteio do outro lado do arame era intenso. Constou que estávamos a ser atacados com bombas de fumo e que até já tinham entrado para dentro do "quartel".

Ficámos toda a noite nos abrigos. Mesmo após o tiroteio ter parado, estava tudo cansado e desmoralizado, sabe-se lá até com que ideias... Sabíamos que do lado de fora do arame, o ataque estava bem organizado e como tal para sobreviver não havia que dar chances ou oportunidades.

Na manhã seguinte com a luz do dia só se via destruição. Poucos foram os que se aventuraram para fora dos abrigos. No entanto como era normal principiaram os boatos... o Jeep está destruído... o bar está acabado... ha dois mortos... há inúmeros feridos... na enfermaria só há sangue etc. etc.

Foi bombardeamento diário durante muitos dias. Era afinal S. Domingos. Era a razão pela qual a sede do Batalhão foi para lugar seguro. Foi assim o nosso pesadelo!

Durante os ataques e certas vezes podia-se ouvir o outro lado, sabiamos portanto que eles não estavam longe, e que afinal eram seres humanos como nós, só que defendiam a sua terra a qual não nos pertencia. Eles tinham razão. Nós éramos invasores, éramos seres humanos como eles, com pais e irmãos, alguns casados e com filhos. Ficámos esgotados e sem energia para sobreviver, água não havia a não ser a da chuva, comer não havia, e munições também estavam a esgotar rápido.

A lama acabou por secar e as pernas foram ficando presas como no cimento. As armas, muitas não trabalhavam de sujidade. Estávamos deitados ao abandono e à mercê da sorte ou do destino.

Não veio ajuda... nem do ar, nem por terra, nem tão pouco por água. Esperávamos somente ajuda, mas do Céu. Mais um dia e seríamos todos mortos ou prisioneiros tal foi essa semana maldita.

Os aviões não podiam vir, pois eles estavam tão perto, corriam o risco de ser também feridos ou mortos. Helicópteros não vinham mandar mantimentos, medicamentos e o necessário, pois seriam alvejados... estes foram os boatos!.

Finalmente ao fim de uma semana, fomos ajudados. Talvez tenha sido por Deus... Como ratos saímos das valas. A cara estava amarela, a barba enorme as roupas rasgadas, e havia lama por todo o lado e até ao cabelo.

O choque final foi saber quem ficou ferido, quem morreu etc.

Ficou tudo destruído. Gerador, frigoríficos, fogões até as panelas ficaram como um assador de castanhas! Água não havia. Passamos a beber água amarela dos "poços" da tabanca. Estávamos portanto sujeitos a malária etc.

Era uma Companhia desmoralizada, sem energia sem sono! Uns choravam com o stress de Guerra, outros não falavam, outros ficaram sem o sorriso da juventude.

Finalmente. um dia, um helicóptero!

Foi tudo reunido para ouvir o Governador da Guiné. Senhor Spínola,  eu agradeço imenso e esteja onde estiver, esteja em paz, como em paz nos deixou! Agradeço as palavras, não de um General mas palavras de um amigo, palavras de reconhecimento. Agradeço ter compreendido estes jovens que foram deixados a mercê das armas e da sorte.

Senhor Spínola... muito e muito obrigado por ter dito a todos nós, em frente do Comandante da Companhia que... a culpa não foi nossa... que: "a culpa foi do vosso Comandante que deixou que o vosso quartel fosse uma carreira de tiro..."!

Resta-me portanto dizer que fomos bombardeados diariamente, que sofremos porque gente sem escrúpulos, sem dignidade, gente agarrada à
s ideias fascistas e de poder, orgulhosos de uma farda e de peso nos ombros famintos por medalhas ao peito, nunca pediu ajuda! Esse Comandante não teve dignidade humana...

Senhor Spínola, muito obrigado é verdade... aquele senhor desumano, realmente deixou fazer do nosso quartel uma carreira de tiro, onde todos nós fomos o alvo.

Bem-haja.
Plácido Teixeira (...) 



(***) Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10523: Memória dos lugares (192): Cufar (Mário Fitas, 1965/67; Eduardo Campos, 1972)

Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

1. Em mensagem do dia 24 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos o 6.º episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

6.º episódio - Pela primeira vez o quartel foi atacado

Perdão peço pela expressão com que terminei a última crónica, aquela do BOLAS... BOLAS... BOLAS.

As palavras usadas foram outras e bem mais provocadoras para as mães dos sacanóides que me estragaram o frango assado na brasa e muito bem temperado com jindungo.
Não me julguem um malcriadão, pois o que sou, é um GRANDE malcriadão.
............

Recapitulemos: "Pela primeira vez o quartel é atacado.........."

Organizei-me, procurei a arma adequada para responder a tal situação e lá descobri o meu caro morteiro 60 e um cunhete com 6 poderosas granadas.
Fiz o reconhecimento da zona para onde as enviaria acompanhadas que seriam com os meus cumprimentos, raiva e votos de festas felizes e DISPAREI.

Não deviam ter conhecimento da letalidade da coisa... acabaram com a flagelação... e ouviram-se gritos de foge... foge.
Em boa verdade, até eu, o municiador e apontador, fiquei deslumbrado com tanta luz.
É que as granadas atrás citadas, em vez de explosivas como convém para casos idênticos, saíram iluminantes, mas que os fez tremer e "cavar", lá isso fez.

Ainda hoje não devem ter percebido porque foi que a negra noite se transformou num ápice, em luminoso dia.

Tínhamos um ligeiro ferido nas nossa hostes, que apanhara de raspão com uma bala no... na anca, o que lhe causava algumas dores.
Não havendo enfermeiro, fiz disso e administrei-lhe uma injecção de morfina, resultando daí que cinco minutos depois, ele quis iniciar uma perseguição na mata, para se vingar.
..............

Partimos dali ao nascer do dia, picando a estrada... no pressuposto de que e como era habitual, iríamos detectar minas.

Em Bissau recolhemos alguns haveres e lá vamos para Mansabá onde nessa mesma noite, participámos numa operação (de triste memória) na região de Manhau.

Localização de Manhau, a Leste de Mansabá. Carta de Farim

Marchámos depois, em coluna militar protegida do ar pelos velhinhos T6 e fomos tomar conta do ainda não terminado de construir, K3 e só então e finalmente, voltámos a estar juntos (a CCAÇ 1422).

Eram bem bons os quartos... dormíamos debaixo do chão... e havia umas frestas viradas para a floresta, através das quais ripostávamos ao fogo inimigo, se por acaso se atrevessem a fazê-lo.

 Vista aérea de Saliquinhedim (K3). Foto © Carlos Silva (2008). Direitos reservados

E então não é que se atreveram mesmo ???

Só que e com a ajuda dos canhões de Farim e por vezes até com os de Mansabá quando os tipos eram mais teimosos, sempre acabavam por abalar de mãos a abanar e menos.

Chatos do caraças.... tal qual as melgas que eram mais que muitas e não nos deixavam sossegar, obrigando-nos a estar, como que embrulhados nos mosquiteiros, uma espécie de rede com buraquinhos onde só devia entrar e sair o ar, mas que deixavam passar aqueles nojentos insectos, que tanta comichão produziam na nossa pobre mas bem cuidada cútis.

Volto às instalações, para referir que alguns chamavam-lhes abrigos, mas que para nós eram suites e de luxo.

Estavam protegidos por cima, com duas camadas de troncos do coqueiro, árvore alta, que para além do líquido aquoso e fresco dos seus arredondados, grandes e duros frutos, também costumava ser a casa preferida duma cobra verde, a cuspideira, de quem os nossos ajudantes autóctones fugiam que nem o diabo do inferno.

Dizia-se que o veneno cuspido por tais najas, matava que se fartava.

Em Portugal Continental, é um rastejante comum, da família das víboras e conhecido por, SOGRAS.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

Guiné 63/74 - P10578: Do Ninho D'Águia até África (21): O Tabaco, para alguns (Tony Borié)

1. Mais um episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (21)

O Tabaco, para alguns

Já foi dito mais que uma vez que se vivia com alguma angústia e desespero em cenário de guerra, alguns militares pensavam que para atenuar estes factos, o cigarro ajudava, como tal quase todos os militares fumavam em cenário de guerra. Isto já era um hábito. Diziam que dava uma certa auto estima, ajudava a passar as horas e mantinha o militar, um pouco mais ocupado. Talvez, mais distraído.

Não sabiam como explicar, mas talvez fizesse a pessoa mais importante puxar pelo seu cigarro, batê-lo na palma da mão e acendê-lo com o seu isqueiro. Os que tinham vindo da cidade faziam esta operação com uma ligeireza e habilidade de espantar. Os da província, como era o caso do Cifra, aprendiam e depois também se vangloriavam com certas habilidades. Enchiam a boca e os pulmões com fumo, por algum tempo, depois faziam círculos, com esse mesmo fumo, alguns mais habilidosos, colocavam o fumo dentro de um copo, que depois largavam, com destreza tal, que faziam uma coluna de fumo, com várias curvas, em cima de uma mesa, feita com o tampão de um barril de vinho vazio.

Ao acenderem o isqueiro, produziam uma série de malabarismos, uns mais habilidosos que outros. Para o final do mês, alguns andavam “à crava”, que era o que se dizia na gíria, quando alguém não tinha tabaco e pedia a um colega, mas nesse aspecto, havia um pacto entre militares, de nunca deixar um colega sem tabaco.

As marcas que se usavam eram, “Três Vintes”, “Paris” e “High Life”, todos sem filtro, da companhia tabaqueira portuguesa, e “Marlboro”, com filtro, americano, que era só para dias de festa, pois a embalagem, tinha “manga de ronco”, ou seja muita classe, e quando um militar se vestia com roupa lavada, colocava a embalagem de “Marlboro”, no bolso da camisa, às vezes cheia de cigarros “Três Vintes”, de modo a que se pudesse ver, pois era um luxo e dava mais estilo.

O “Marlboro” custava um pouco mais. Depois havia os cigarros que se faziam e que circulavam entre alguns militares, pelo menos os que já se conheciam e estavam ali estacionados há bastante tempo, e às vezes não só, normalmente com o nome de “especiais”. Era um mistura de ervas, um pouco maiores que o tabaco normal, que se amassava com os dedos, fazendo pequenas partículas, que por vezes se misturava com o tabaco normal, outras vezes se faziam os cigarros só com essas ervas.

Esta mistura de ervas vinha em embrulhos pequenos, num papel amarelado, amarrado com um fio, tipo onça de tabaco, mas um pouco maior, que depois se faziam os cigarros com uma mortalha de papel. Quase sempre vinham do norte da província, ou talvez do país vizinho, das terras mais secas. Tinham um aroma delicioso, e quando se fumavam tirava a dor de dentes, relaxava e parecia que não havia guerrilheiros no mundo, custava quase o mesmo preço de um maço de tabaco “Marlboro”, pouco mais, mas tinham que se fazer os cigarros, era mais difícil arranjar as mortalhas de papel, do que própriamente a mistura de ervas, pois só quando passava uma coluna militar, vinda do norte, é que abastecia o pessoal.

Havia um africano que vivia na tal aldeia, com casas cobertas de colmo, próximo do aquartelamento, que fazia estes cigarros, enrolados em folhas de tabaco seco, eram uns charutos pequenos e finos, um pouco maiores que um cigarro normal, esse homem não chegava para as encomendas, mas só vendia aos conhecidos e não cobrava mais caro, por cada cigarro, algumas vezes não queria dinheiro, queria um embrulho de ervas, que depois fazia o preço. Ele dizia mais ou menos isto:
- Antes do pessoal branco, eu ter sempre erva, agora não tenho, pessoal leva tudo. Antes, ia na mata e apanhava erva, agora, vem “homem mau” e leva pessoal.

Com toda a certeza, quando dizia “homem mau”, se referia aos guerrilheiros. Este homem passava o dia deitado na rede, mascando cola, debaixo de uma espécie de alpendre, na frente de sua “morança”, com um rádio portátil ligado com uns fios a uma bateria que o Cifra lhe arranjou de um Unimog que tinha sido quase destruído por um fornilho, e ouvindo música e orações numa língua em que parecia que estavam a chorar, e as suas quatro mulheres trabalhavam na “bolanha”, juntamente com os filhos e as filhas. Só se levantava da rede, para entrar na “morança” e dar continuidade a um pequenino fogo que existia a um canto do principal compartimento, onde ardiam madeira e folhas de cheiro, que ele dizia ser por causa dos mosquitos, mas quase todos sabiam que esse não era o motivo, pois quando se entrava naquele compartimento, havia um odor agradável e ficava-se tonto e a cambalear.

Muitas vezes o Cifra via esse homem na vila, talvez distribuindo o seu produto por alguns residentes, descalço, trajando uma vestimenta branca que o cobria até aos pés, um gorro de lã na cabeça, com cores que iam do amarelo ao preto, o rádio portátil seguro com uma das mãos, no ombro, e com os fios ligados à tal bateria que o Cifra lhe tinha dado, que uma das suas mulheres caminhando atrás de si, carregava à cabeça.

Só se fumava esta mistura de ervas quando alguém não recebia correio, ou se recebia, as notícias não eram as melhores, como por exemplo a namorada ter ido ao baile da paróquia com o vizinho e já não gostar dele como no princípio, ou ter que sair ao outro dia para determinada operação ou andava com dores em qualquer parte do corpo.

Quando se desejava um cigarro destes, com toda a naturalidade se dizia:
- Estou com fortes dores neste maldito dente, tens aí um “especial”?

Às vezes era melhor um cigarro destes do que ir ver o “Pastilhas”, o tal cabo enfermeiro.
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Nota de CV:

Vd. últimos 10 postes da série de:

22 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)

26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)

29 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10454: Do Ninho D'Águia até África (13): O Bóia (Tony Borié)

2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10467: Do Ninho D'Águia até África (14): O herói "Curvas" (Tony Borié)

6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10488: Do Ninho D'Águia até África (15): O "Caneta" (Tony Borié)

9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10504: Do Ninho D'Águia até África (16): As notícias (Tony Borié)

13 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)

16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)
e
23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10559: Do Ninho D'Águia até África (20): Ida à capital da Província (Tony Borié)