sábado, 9 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11217: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (10): Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte X) (*) [, Foto à direita; créditos fotográficos: JERO]


24 de Fevereiro de 2012

Nos últimos dois dias tivemos cá dois grupos de turistas.

Um dos grupos, de 11 pessoas, veio via Mali. Era constituído por 5 homens (americanos e ingleses) e 6 casais, dos quais 2 italianos. Vinham acompanhados de um guia do Mali e de outro guineense e já vinham do arquipélago dos Bijagós.

O outro grupo era um casal francês com 3 filhos, o mais pequeno dos quais tinha 5 anos. Vinham também acompanhados de um guia francês que trabalha para uma operadora no arquipélago. Fiquei a pensar que o meu João já cá pode vir, afinal os perigos não são assim tantos.

Pela primeira vez foi servida uma sopa no restaurante da Satu e adoraram a tarte de coco e banana, o bolo de laranja, as laranjas da Rosinda, os doces de limão e laranja, além do mel daqui e dos pratos tradicionais da Satu.

 Um dos pratos favoritos é a galinha ou cabrito à cafreal que é bem diferente do cafreal de Moçambique. Aqui, depois de grelhar a carne, é feito o tal molho onde a carne é metida. O molho tem 3 vantagens: torna a carne mais macia – mesmo as galinhas aparentemente pequenas têm a carne muito dura, permite manter a comida mais tempo quente e é o tempero do arroz que é só cozido em água e sal. 

Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias mas, na verdade, sabe muito bem. Não sei explicar como e nem porquê mas que sabe bem, isso sabe. Como dizem aqui as pessoas “muito sabe”. Outra expressão muito curiosa que usam quando uma comida é boa é dizer que pica. Um dia dei um bolo a provar à Pónu e ela começou a dizer-me “pica, pica”. Eu fiquei espantada e disse-lhe “mas eu não pus malagueta no bolo”. Então lá percebi que a expressão não tem nada a ver com picante mas que só quer dizer que é bom.

[Foto à esquerda: Anabela Pires, Catesse, janeiro de 2012. Foto de Pepito]


29 de Fevereiro de 2012

Hoje o Pepito vem cá. Foi bom de ver a Duturna cheia de pica ontem a fazer as limpezas! Ainda não consegui perceber bem o que muitas destas pessoas sentem pelo Pepito mas é um misto de respeito, de admiração, de medo? Mas de um medo bom, de um medo, creio, de o aborrecer, de o desiludir.

Ainda não terminámos as grandes limpezas, talvez seja hoje! Tem sido difícil convencer as mulheres a limpar paredes e a esfregar as junções dos ladrilhos. A sensação que tenho neste momento é que sempre que virei costas aldrabaram o trabalho, mas no final de Março faremos outra vez limpezas gerais e vou ter de estar sempre presente.

No Domingo voltei a ir à pesca mas só o Sambajuma apanhou uma raia. Mas foi um dia e tanto. Mudámos 3 vezes de piroga, fomos até ao “mar grande”, sempre em contra corrente e a partir de determinada altura só com um remo. Bem, uma maluquice do timoneiro! Passámos mais tempo a andar de piroga do que à pesca e o Sambajuma e o Alfa (irmão do Gassimo com 24 anos) “apanharam uma canseira” daquelas! Logo na mudança da 1ª piroga, quando olhei, estava tudo cheio de água, bem salgada, por sinal. Conclusão, entrou água para dentro da caixa onde ia o molho de galinha, para dentro do saco onde levava bolo que tinha feito de manhã …. Só comi meio “cuduro” com ovo mexido mas eles comeram tudo o resto. 

Já fizemos parte do caminho de noite, cansadíssimos e sem peixe! Como é costume, eu é que preparo e pago tudo, desde a comida, ao material de pesca, ao isco, e no fim ainda dou uma gorjeta a cada um. Ainda assim é muito mais barato ir à pesca aqui do que em Portugal. Compro isco para todos por menos de 50 cêntimos, as gorjetas são de 1,5€ por homem e não gastamos gasolina. Tenho de mandar vir material de pesca pois assim o que trouxe não me vai chegar para os 6 meses. Apesar de ter sido um dia louco foi muito saboroso pois a paisagem é muito bonita e repousante.

A bateria do PC está a finar-se e tenho mesmo de ficar por aqui. Ontem à noite o gerador só pegou às 21.30 e foi um bocado doloroso não ter luz logo às 19 horas. Coisas que acontecem!

[Foto acima: pescadores do Rio Geba, região de Bafatá, dezembro de 2009. Foto de João Graça]
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11189: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (9): O batizado muçulmano da Aminata, a filha do padeiro

sexta-feira, 8 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11216: Tabanca Grande (389): Joaquim Nunes Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67), grã-tabanqueiro nº 608

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Joaquim Nunes Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447, Guiné, 1965/67:

Primeiro uma explicação, o aerograma foi para ver se há mais companheiros que tenham outros pois até hoje só vi este que guardo religiosamente e que me foi enviado por um conterrâneo da Força Aérea que já não está entre nós.

A outra foto é em Belém no 10 de Junho de 2009 onde já vou pela 20.ª vez consecutiva, levando o Guião da Liga dos Combatentes - Núcleo de Sintra. Será recorde.
Quem está comigo é o General Tomé Pinto da CCAÇ 675 - Binta, onde estive algum tempo, onde estavam também os camaradas Belmiro Tavares e o J.E.R.Oliveira e tantos outros que nos encontramos há vários anos no almoço da Companhia, a Gloriosa 675 - "Que Nunca Cederá" que tem no emblema uma corrente. Sendo eu da ferrugem, não mais os larguei.

- Joaquim Nunes Sequeira - "O Sintra da Guiné"
- Data de Nascimento - 11/03/1944
- 1.º Cabo Canalizador N.º 8/65 C.M.E
- Batalhão de Engenharia 447
- Guiné, 17/12/1965 a 22/11/1967

Segue em anexo foto actual e mais duas da Guiné. Logo que tenha oportunidade mando a primeira história da praxe e depois irão mais, seguindo mais ou menos as voltas que dei pela Guiné.

Passagem por: Pelundo, Nhacra, Mansoa, Cutia, Mansabá, K3, Farim, Binta, Lamel, Jumbembem, Canjambari, Bambadinca, Cuntima, Bafatá, Nova Lamego, São João, Bolama, Jabadá, Tite, Enxudé, Fulacunda, Ilha das Galinhas, Ilha das Cobras, Nova Sintra, Olossato, e Bissorã...

Por agora é tudo, até sempre.
Um abraço Amigo

Antes de terminar, não sei qual o meu número de Tabamqueiro se antes, se depois do 600.
Antecipadamente um obrigado por me aceitarem a fazer parte da Familia mais Nummmmmmmmerosa de PORTUGAL.

O SINTRA DA GUINÉ
1.º CABO Nº 8/65
BENG 447

Nova Sintra > Bagabaga

S. João, 1966


2. Comentário de CV:

Caro Sintra da Guiné, bem-vindo à Tabanca Grande.
Deste-me cá uma trabalheira para decifrar a tua mensagem que nem te conto. Eram estrelas por tudo quanto era sítio e o texto todo misturado. Para a próxima escreve a mensagem de dia, evitas assim as "estrelas", e confere se o que escreveste está perceptível. Desta vez desenrasquei-me.

Desculpa por ter brincado agora mesmo contigo, precisas, talvez, de um pouco mais de treino.

Já vi que tens bons amigos, a perceber pela amostra. O JERO e o Belmiro Tavares são nossos amigos particulares e tertulianos activos. Não tenho o prazer de conhecer pessoalmente o senhor General Tomé Pinto, mas o seu passado fala por si.

Para os nossos leitores perceberem a tua introdução, vou fazer um link para o teu primeiro poste* já publicado e apresentar de novo as fotos que referes.



Belém, 10 de Junho de 2009 > Joaquim Nunes Sequeira, porta-bandeira do Núcleo de Sintra da Ligados Combatentes, falando com o Gen Tomé Pinto.

Caro Sequeira, estás então apresentado à tertúlia.
Quando quiseres envia as tuas fotos, com as legendas à parte, porque as que enviaste traziam umas etiquetas que tive de retirar pois não são muito funcionais em termos de edição. Podes dar um número a cada foto, e à parte, escreves as respectivas legendas.

Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
 O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10881: O nosso livro de visitas (154): Joaquim Nunes Sequeira, ex-combatente da Guiné

Vd. último poste da série de 4 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11192: Tabanca Grande (388): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apontador de Artilharia Pesada do 5.º Pel Art (Cabedu, 1971/72)

Guiné 63/74 - P11215: Blogpoesia (327): In Memoriam: A professora de Samba Culo, morta em 7/7/1967, de Kalash na mão (A. Marques Lopes)



Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento >  O orgulho de saber escrever > Foi "foto da semana" na página oficial desta ONG >  Data de Publicação > 7 de Fevereiro de 2010; Data da foto > 20 de Maio de 2008; Palavras-chave > Alfabetização.

Legenda: "É com muito orgulho que Bissam Galissa escreve o seu nome, materializando o sonho de toda a sua vida: ser alguém na sociedade, saber assinar e concitar o respeito de todos os membros da sua comunidade. No passado ela era obrigada a colocar a sua impressão digital em documentos e cartas, o que lhe provocava um grande mal-estar social no relacionamento com as outras pessoas. Hoje, ela sabe que tem todo o respeito do marido e dos filhos porque, como eles sabe ler uma carta sem ajuda de outros, não precisando de partilhar assuntos pessoais com mais ninguém e fazendo as próprias contas da sua actividade económica, a horticultura".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2010). Todos os direitos reservados



1. Amigos e camaradas: 

Hoje faz anos o grã-tabanqueiro, da primeira hora,  A. Marques Lopes. É, além disso, dia internacional da mulher. Temos aqui falado, embora com discrição, sobre o papel da mulher, na Guiné e na nossa terra, no tempo da guerra do ultramar, para uns, guerra colonial para outros ou de libertação, para terceiros (1961/74). 

Houve mulheres que lutaram e morreram nesta guerra. Por danos colaterais ou de armas na mão. Em geral, em missões nobres, como as da saúde e da educação. No nosso caso, não podemos deixar de evocar hoje o papel pioneiro das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas, para quem temos uma dívida  de gratidão.  (Sem esquecer as outras, que ficaram na nossa retaguarda). No caso do PAIGC, não podemos deixar de lembrar aquelas que  foram não só enfermeiras, como também professoras e até combatentes. 

Lembrei-me hoje da história da professora de Samba Culo. Essa história comoveu-me, na altura.  O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes em 7 de Julho de 1967, estava no sítio errado, em Samba Culo (*). Tal como a jovem professora, que morreu, aos 18 anos. Ou talvez não: cada um estava, na hora e no sítio que lhe foram predestinados pela História.  

A morte da professora marcou-o, ao Marques Lopes,  para o resto da vida. Em 2006 ele voltou lá, a Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari,  para fazer contas com os fantasmas do passado. É uma história de sangue e lágrimas. É sobretudo reveladora da grandeza de alma de um português, ex-alferes miliciano da CART 1690, sediada em Geba

No 9º aniversário do nosso blogue, esta história  está entre as melhores que já aqui publicamos, na I Série, mas que a grande maioria dos nossos leitores, por ter chegado mais tarde,  nunca a leu. Vou hoje republicá-la, mantendo o seu conteúdo mas modificando-lhe a forma. Em homenagem a dois grandes  seres humanos, um, felizmente ainda vivo, o nosso camarada A. Marques Lopes;  e outro, uma mulher, guineense, que morreu anónima, na luta por um ideal, a professora de Samba Culo. (LG).


2. A professor de Samba Culo (**)



por A. Marques Lopes  [, foto à esquerda, Geba, 1967]

Ali estava ela, jovem e bela 
como a conheci há trinta anos,
mas agora com um olhar calmo 
e um sorriso nos lábios,
vi-a na expectativa do meu abraço.
E abracei-a... e chorei.

Professora, este jovem é o Cinco, 
que me trouxe de jeep até aqui,
e este é o Blétch Intéte, 
filho da siguê (i) dos balantas de Barro.
O outro teu patrício, homem-grande, é o Cacuto Seidi, 
chefe da tabanca de Barro.
Foi ele que me disse que o Blétch Intéte tem irã (ii)
e que só ele podia fazer com que eu te encontrasse.

A minha chegada aqui, há trinta anos, foi muito diferente, 
como deves calcular,
e não me refiro, evidentemente, 
às razões de cada uma das viagens.
Desta vez, assim que pisei o aeroporto Osvaldo Vieira,
tive de levar as mãos ao peito 
para que o coração não me abandonasse.
Por mais esforços, por mais conversas apaziguadoras,
durante as quatro horas que durou a viagem,
não consegui acalmá-lo 
nem convencê-lo de que era preciso dominar a ansiedade 
e moderar os desejos de ti.
Perdido, cego de alegria e paixão, 
chegara a hora da realização do sonho de vários anos,
depois de desvanecidos todos os fantasmas, é claro,
porque, quando saí daqui a primeira vez, 
evacuado para o hospital,
este coração estava enraivecido com vocês todos,
que me tinham ferido e matado amigos meus. 

Passados nove meses, aqui voltei, 
para continuar na guerra, é verdade,
ainda confuso mas já sem ódio 
e desejoso de entender o que se passava.
Foi nessa minha fase, Professora, que nos conhecemos,
quando dei contigo na tua escola de Samba Culo, 
naquela manhã de 7 de Julho (iii).

Da segunda vez que abandonei a Guiné e deixei a guerra,
a minha vontade e empenho foi esquecê-la,
varrer-vos a todos da minha memória,
lavar as marcas do sangue dos meus amigos, 
do meu próprio, 
e também do vosso,
banir o medo e o cansaço que se me entranharam na alma
ao percorrer as matas deste chão
que, agora, vê lá!, reguei com lágrimas 
de alegria e de saudade consolada.

Para aqui chegar, frequentei bares e prostitutas,
acumulei sessões contínuas no Olímpia (iv),
fui estudante mas nunca acabei cursos,
percorri a Europa: 
estive em Paris, no Quartier Latin das minhas leituras;
Londres, vi a Royal Guard e a rainha;
Roma, não vi o Papa porque estava de férias em Castelgandolfo;
e vê lá que me atrevi a passar a cortina de ferro, 
em Praga, 
Moscovo
— onde namorei uma soviética na Praça Vermelha, 
a tchetchena Aniuska — ,
Leninegrado e Kiev; 
fui activista sindical e militante político,
participei em primeiros de Maio,
fiz trabalhos clandestinos
e levei porrada da polícia,
dormi em esquadras,
casei-me, fiz filhos e apanhei bebedeiras,
bati nos filhos e descasei-me,
conheci muitas mulheres,
fiz amor por todo o lado,
levei muitas negas e passei noites de solidão,
dormi em bancos de jardim e debaixo de árvores,
mas nunca te esqueci,
não houve prazer-anfetamina 
que cauterizasse esta memória em carne viva
nem bebida que a afogasse;
cansei-me da vida,
como me cansara antes para não morrer,
e pensei em matar-me.
Mas, olha, não consegui, 
não por causa de Deus,
pois nesse período nunca fui à missa 
e nunca me confessei;
não o fiz porque tinha começado a amar-te
e não queria morrer sem voltar a ver-te, 
sem deixar de to dizer.

Está a ficar noite e tenho três horas para chegar a Bissau.
— Cinq, prépare le jeep, 
nous en allons tout de suite! (v)

Sabes, professora, 
porque é que o meu condutor se chama Cinco?
Nasceu no dia 5 de Maio
e é o quinto filho de sua mãe, 
que decidiu dar-lhe esse nome tão significativo.
Não, não te preocupes 
que ele não percebeu nada da nossa conversa,
além do crioulo só sabe francês,
pois frequentou apenas uma escola em Dakar.
É que, professora, nasceu há 23 anos,
muito depois daquele dia 
em que tive de te abrir o ventre com uma rajada de G3
por te ver empunhar a kalash 
que tinhas pendurada no quadro da escola.
Ele não estava aqui entre os teus meninos.
Se tivesse estado, 
saberia falar e escrever português, com certeza.
Sei que foste uma boa professora.
Vi que escrevias no quadro as palavras 
com o desenho correspondente
para os teus alunos identificarem bem em português 
os objectos do seu dia-a-dia.
Vi os livros por onde aprendiam a ler,
vi os cadernos de redacção e de cópias.
Está descansada, 
não matei nenhum deles, garanto-te.
Devem estar por aí, cidadãos do teu país.

Tenho de partir, de voltar a Portugal.
Gostei muito de falar contigo, 
tinha mesmo necessidade de o fazer,
já que, naquele dia 
em que nos encontrámos pela primeira vez,
só eu te disse “firma lá!”
e tu não me disseste nada.
Percebo que nem me quisesses ouvir...
E nunca mais dormi descansado até agora.
Quero pedir-te uma última coisa,
que desculpes aquele meu soldado 
que tentou violar-te quando estavas agonizante.
Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso.
Perdoa-lhe, era bom rapaz,
um camponês minhoto que para aqui foi lançado
e, sabes, é fácil perder a cabeça 
numa guerra de inimigos fabricados.
Talvez o encontres por aí, 
o teu camarada Gazela matou-o em Jobel
e o corpo dele por cá ficou.
Deve andar, como tu, 
no meio desta floresta do Óio.
Fala com ele agora.
___________

Notas de AML

(i) Feiticeira tribal

(ii)  Irã, entre os balantas, que são animistas, é qualquer ser da natureza, árvore ou animal, ou qualquer objecto a que é atribuído poder mágico. «Tem irã» significa ter poder sobrenatural que é preciso respeitar e temer.

(iii)  vd. I Série, poste de A. Marques Lopes, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II :

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, [....]   (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida". (...)

(iv) Cinema popular na Rua dos Condes, em Lisboa.

(v) Cinco, prepara o jipe, vamos arrancar de imediato.




Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Uma escola do PAIGC.  Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. Tudo indica que tenha sido tirada na Guiné-Conacri, numa base de retaguarda do PAIGC, ou mesmo em Conacri, onde havia desde Março de 1965 uma escola-internato para os filhos dos guerrilheiros.

Trata-se de um estrutura física sólida, que só poderia existir em meio urbano. No interior, nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, e porque eram difíceis os caminhos que levavam às bases de retaguarda, tanto no Senegal como na Guiné-Conacri. Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida tanto das populações controladas pelo PAIGC como dos próprios guerrilheiros... A propaganda para consumo externo, naturalmente, contava outra história... Tanto a propaganda do PAIGC como das autoridades portuguesas da época.

Fonte: Nordic Africa Institute / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)



Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escla 1/50 mil) >Detalhe >  Posição relativa de Samba Culo, na margem esquerda do Rio Geba, a sudoeste de Canjambari. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

(...) "6. Op Inquietar II. 4 a 7 de Julho de 1967"

"Situação particular: Há notícias que o IN tem un acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. Tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

"Missão: Executar uma acção em força sobre o acampanento IN de Canjambari em coordenação com forças do AGRP 1976.

"Força executante: Dest A - CCAÇ 1685; 1 Gr Comb CART 1690; 1 Secção CMIL 3; Dest B - CART 1689: 1PEL.(-) /CMIL 3; Dest C - 1 PEL EREC 1578.

"Desenrolara da acção:


05JUL67

Pelas 00H00 iniciaram o movimento em direcção a Samba Culo, seguindo o itinerário Banjara-Gendo-Tambicó-Samba Culo. Pelas 07H00 atingiram Gendo. Um pouco à frente desta antiga tabanca, pelas 08H00 foi detectado um grupo IN o qual tentaram cercar e capturar, só não o conseguindo por alguns elementos da Milícia na testa da coluna, que não entenderam a manobra, terem aberto fogo, pondo-os em fuga.

Entretanto foram avistadas 2 casas de mato, que foram destruídas bem como diversos utensílios domésticos. Retomado a progressão e cerca das 11HOO foi detectado um núcleo de 10 casas de mato, incluindo uma escola com vinte carteiras, tendo sido totalmente destruídas pelo fogo. Retomado a progressão e ainda perto deste último acampamento, as NT emboscaram um grupo IN não estimado, do qual foi capturado um elemento portador de uma faca de mato.

Reiniciado a progressão, Tambicó (Base de patrulhas) foi atingida às 14H00. Junto a base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT.

Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do R Canjambari e regressou sem contacto. Pelas 15H20 um grupo IN estimado em 30 a 40 elementos atacou a base de patrulhas com mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, durante 15 minutos sem consequências.

Os T6 que nessa altura sobrevoavam a base de patrulhas para protegerem o heli na evacuação do ferido, fizeram umas rajadas sobre o grupo IN. Nessa altura foi evacuado em HELI para o HM 241 o soldado ferido na acção IN anterior.

Pelas 17H00 saiu um outro grupo de combate para fazer o reconhecimento do itinerário Tambico - Samba Culo. Percorridas apenas algumas dezenas de metros, foi emboscado por um grupo IN de cerca de 60 elementos armados de mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, tendo ferido 2 soldados, evacuados mais tarde para o HM 241, por heli.

Juntamente com a emboscada o IN flagelou a base de patrulhas com 2 granadas de mort 60. Perante a reacção das NT o IN furtou-se ao contacto com baixas prováveis.

06JUL67

Cerca das 11H20, orientado pelo PCV iniciou-se a progressão em direcção ao acampamento de Samba Culo, tendo atingido pelas 15H20. O IN, que estava instalado do lado Sul do acampamento e que tinha reagido fortemente impedindo o Dest B de entrar no acampamento, reagiu à manobra de envolvimento e assalto ao acampamento com Mort 60 e PM, tendo ferido dois soldados, evacuados posteriormente para o HM 241 por heli.

O IN, apercebendo-se do cerco que se preparava, furtou-se ao contacto tendo as NT assaltado e destruído o acampamento composto por 30 casas de mato, sendo algumas cobertas a zinco. Foram destruídos também alguns utensílios domésticos.

Já no regresso o guia conduziu as NT a uma arrecadação de material, que o Dest B conquistou tendo capturado todo o armamento lá existente. Capturado o material foi destruída a arrecadação ouvindo-se então fortes rebentamentos de cartuchos e granadas que se prolongaram por 50 minutos.

Retomado a progressão de regresso para Banjara as NT por alturas de Farim 8H8-44, accionaram uma armadilha tendo ficado ferido um elemento do Dest B.

07JUL67

As NT atingiram Banjara pelas 05H00 após o que regressaram a quartéis. A operação terminou às l6H530.

"Resultados obtidos:

-Foi capturado armamento IN;
-Foram mortos, feridos e feitos prisioneiros elementos IN;
-Foi destruído diverso material e utensílios doméstico;
-Foram destruídos cerca de 10.000 munições e diverso material explosivo algum do qual se supõe encontrar-se enterrado, dado a violência das detonações". (...)


 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. I Série, 29 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P11214: Blogpoesia (326): No dia Internacional da Mulher, que deveria ser todos os dias... um poema (António Eduardo Ferreira)



1. Em mensagem de hoje, 8 de Março de 2013, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos este poema subordinado à data hoje se comemora, o Dia Internacional da Mulher:


O dia da mulher deveria ser todos os dias, mas como isso por enquanto ainda não é possível que haja pelo menos um...

Ela era assim,
Mulher que soube sofrer em silêncio,
Mulher que sabia ouvir,
Escutava, mesmo que fosse apenas ruído…
Nunca dizia não, quando alguém necessitava de ajuda,
Exigente, apenas para consigo,
Sabia sorrir, mesmo quando o seu coração chorava;
Na maternidade com o filho, viu o esposo partir,
Enviava correspondência sem lamentos…
Mulher que não sabia como era África.
Mulher que de guerra pouco ouvia falar,
Tinham medo os que dela falavam…
Mulher que sofreu com a ausência,
Mulher a quem o filho perguntava pelo pai
E a resposta tantas vezes era uma lágrima apenas.
Por favor, guerra nunca mais,
As mulheres não merecem a guerra.

António Eduardo Ferreira
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 8 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11212: Blogpoesia (325): No dia Internacional da Mulher, um poema dedicado à minha irmã, à mulher africana e a todas as mulheres do mundo (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P11213: Memória dos lugares (222): Olossato, anos 60, no princípio era assim (7) (José Augusto Ribeiro)

1. Sétima série de fotos do Olossato que o nosso camarada José Augusto Ribeiro (ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 196464) e Guiné (Olossato) (Julho de 1964 a Outubro de 1965), nos enviou em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013.


MEMÓRIA DOS LUGARES

OLOSSATO - O princípio (7)



Olossato > Crianças refugiadas

Olossato > duas bajudas locais

Olossato > Lavadeira

Mulher no seu trabalho nos arredores do Olossato

Passagem por uma tabanca no mato

Algures no mato da Guiné

Olossato > Grupo de bajudas

Olossato > Um passeio pela tabanca dos refugiados

Uma lavadeira dos militares

CART 566 - Compahia completa

Fotografia aérea de uma tabanca

Olossato > Ceia de Natal de 1964

A Tróia de que todos gostavam

Regresso de uma operação, acompanhados de bons bifes

Fotos: © José Augusto Ribeiro (2013). Direitos reservados
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 28 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11171: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (6) (José Augusto Ribeiro)

Vd. último poste da série de 4 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11191: Memória dos lugares (221): Gandembel: fotos de 1968 (Idálio Reis), 2008 (Luís Graça) e 2011 (Carlos Afeitos) (Parte II)

Guiné 63/74 - P11212: Blogpoesia (325): No dia Internacional da Mulher, um poema dedicado à minha irmã, à mulher africana e a todas as mulheres do mundo (Cherno Baldé)

1. Mensagem do nosso irmão guineense Cherno Baldé, com data de 8 de Março de 2013:

Caros amigos Luís e Carlos Vinhal,
Com os mais respeitosos cumprimentos a todos os Editores e Grã-Tabanqueiros da nossa bela e hospitaleira Tabanca Grande, envio algum material tirado do baú do meu tempo de estudante que pomposamente intitulei de poemas de juventude.

Claro que não custa muito adivinhar d´onde vem a inspiração.

Por ocasião do dia 8 de Março que será celebrado amanhã em todo o mundo, num dos ficheiros poderão encontrar um poema dedicado à minha irmã, à mulher africana e, de certa forma, à todas as mulheres do mundo que trabalham e lutam diariamente para um mundo mais justo e equilibrado e onde o respeito pela dignidade humana de todos os membros da sociedade não será um simples slogan politico.

Também aproveito esta abertura para vos enviar outros poemas que poderão sempre publicar quando houver disponibilidade e interesse em o fazer.

Um grande abraço,
Cherno Baldé



DOS POEMAS DE JUVENTUDE DE CHERNO BALDÉ:


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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 7 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11209: Blogpoesia (324): Sinopse Lúdico-Histórica da CCAÇ 2444 (João Rebola)

Guiné 63/74 - P11211: Notas de leitura (463): Lilison di Kinara, um artista de quem aqui não se fala; Liberdade ou Evasão de António Lobato (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Mestre Braima Galissá pediu-me colaboração na elaboração de uma brochura sobre o korá.
Dentro da bibliografia que pôs à minha disposição, vem este belíssimo atlas, de que eu nunca tinha ouvido falar, é uma preciosidade, estou certo que a sua divulgação junto dos guineenses de Bissau e os que aqui vivem seria um excelente estimulante que levasse à constituição de grupos musicais com base nos instrumentos tradicionais, como o balafon e bombolom.
A Casa da Guiné tem procurado dar o seu contributo, mas falta o dinheiro.
Este livro merecia ser reeditado como instrumento exemplar da multiculturalidade.

Um abraço do
Mário


Um artista de quem aqui não se fala: Lilison di Kinara

Beja Santos

Numa tentativa de encontrar mais elementos sobre o korá, fui até à biblioteca da Gulbenkian, mexi em muitos ficheiros, quase que fiz perder a paciência a vários funcionários, nada de korá mas duas surpresas me foram oferecidas: saber que existe um artista guineense polivalente, Lilison di Kinara, e andei às voltas com um livro magnífico, “Escultores e Objetos Decorados da Guiné Portuguesa no Museu de Etnologia do Ultramar”, por Fernando Galhano, edição da Junta de Investigações do Ultramar, 1971.

Lilison di Kinara aparece numa coletiva lusófona na Galeria Municipal Gymnásio, 2003. A sua ficha curricular é motivo de assombro. Nasceu em Bolama, de 1977 a 1980 cursou grafismo, fotografia, serigrafia, xilogravura e escultura em Bissau; bolseiro da UNICEF, foi para Turim, em 1984; outro curso em Montreal, no Canadá onde também estagiou em televisão; bolseiro do Québec, realizou um seminário para jovens artistas plásticos guineenses, em Bissau, a partir daí o seu nome aparece sempre ligado a Montreal. Tem exposições individuais em Portugal, Guiné-Bissau e Canadá.

O seu nome verdadeiro é Januário Cordeiro, é músico e cantor. A sua música está inspirada nos ritmos locais da Guiné-Bissau. No Canadá dá espetáculos e edita em disco, acompanhado por guitarra. Os interessados encontrarão muitos elementos sobre Lilison de Kinara na internet. Chama-se particularmente a atenção para o visionamento do site: http://www.roymaj.com/pages/sectionphoto/artiste_lilison_dikinara.html bem como se reproduz um desenho de uma obra patente na exposição de Lisboa de Agosto de 2003.

O livro de Fernando Galhano é uma preciosidade gráfica, os objetos escultóricos são desenhados com esmero, reproduzem-se uma máscara da VACA BRUTO, obra plástica de artista bijagó, trata-se de uma cabeça de vaca, de madeira, pintada a preto, branco e vermelho. É de notar a parte que representa o cachaço ligado à cabeça por amarrações de fibras vegetais. E temos a escultura cultual Nhinte-Kamachol, talvez a obra mais requintada da arte Nalu, foi com muita satisfação que reproduzi na capa do meu livro “Mulher Grande”, uma escultura deste pássaro que afugenta os maus espíritos. O acervo do Museu Nacional de Etnologia alberga peças belíssimas da arte guineense, tal como a Sociedade de Geografia de Lisboa.




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Liberdade ou evasão: 
O mais longo cativeiro da guerra do Ultramar

Beja Santos

A seu tempo se fez uma recensão sobre um livro que tem conhecido notoriedade. A DG Edições publicou em 2011 a 4ª edição, aumentada, do livro de memórias de António Lobato, cujo avião se despenhou na região de Tombali em 22 de Maio de 1963, foi capturado, ferido e levado para a prisão de Kindia, na República da Guiné Conacri. Para além da importância de um depoimento de alguém que se recusou trair a Pátria, o texto do então sargento Lobato é de importância obrigatória para quem estuda a guerra da Guiné. Nele encontramos observações sobre a criação da Base Aérea nº 12, os primeiros seis meses de operações com aviões e o estado da evolução da guerrilha logo nos primeiros meses do conflito armado.

Libertado em Novembro de 1970, António Lobato reingressou na Força Aérea em 1971, tendo sido promovido por distinção. Entre 1971 e 1980 concluiu o curso de Estado-Maior na Escola Superior da Força Aérea. Passou à situação de reserva em 1981. O post-scriptum desta edição passa em revista o trabalho de António Lobato em Cabo Verde, a sua participação no 25 de Novembro e a sua visita à Guiné em 1999 e o seu encontro com Nino a quem ele muito provavelmente deve a vida, como ele escreve: “Apesar de ser do conhecimento público que o exercício do poder pelo ex-Presidente se caraterizou por uma certa violência, não pude evitar o sentimento de uma espécie de solidariedade para com ele – afinal, só estou vivo porque o chefe guerrilheiro “Kabi Nafantchamna” assim o quis há cerca de 47 anos. Ao ler uma das suas primeiras entrevistas à imprensa portuguesa, já exilado, não posso evitar uma reação espontânea de emotividade: Nino Vieira inclui-me na sua lista de amigos em Portugal”.

Caso não encontre o livro nas livrarias, sugere-se o contacto com a DG Edições ao cuidado de Daniel Gouveia, 933573704, email: daniel.gouveia2@gmail.com ou o site: danielgouveia.com.sapo.pt.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11200: Notas de leitura (462): Rosa no Pais das Flores da Luta, por Maria do Céu Mascarenhas (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P11210: Parabéns a você (543): António Marques Lopes, Coronel DFA Reformado, ex-Alf Mil da CCAÇ 1690 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11161: Parabéns a você (542): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sap da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

quinta-feira, 7 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11209: Blogpoesia (324): Sinopse Lúdico-Histórica da CCAÇ 2444 (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2013:

Olá, Carlos Vinhal
O doc. que te envio para publicação foi escrito 25 anos depois de termos chegado da Guiné.
Na altura, ainda éramos muitos, só graduados e alguns elementos (poucos) da CCS, já que os operacionais, todos açorianos, ficaram em S. Miguel.
Neste momento, já se contam pelos dedos das mãos!
Estas quadras, dirigidas aos homens da 2444, mas que sofreram alguns retoques, vão também para todos aqueles que passaram pela Guiné e principalmente aos que estiveram nos locais, nelas referidos.
"Não se vive para recordar, mas só recorda quem vive"
Se for possível a publicação integral do mesmo, agradeço.

Aceita "manga de mantenhas".
João Rebola




SINOPSE LÚDICO-HISTÓRICA DA CÇAÇ 2444

Quando em Abril de 68
Para os Açores embarcámos,
Sem de nada sabermos
Já estávamos tramados.

Pouco tempo durou o sonho
De aí cumprirmos a comissão,
Já que a O.S. 107 de 8 de Maio
Desvaneceu a nossa ilusão.

Depois de 4 meses de boa estada
Com uma vivência assaz querida,
Aquelas lindas terras deixámos
Em direcção a Stª. Margarida

Aqui fizemos o I A O
De dia, em instrução,
À noite, em fados e bebedeiras
Que bom, aquelas brincadeiras.

Assim fomos queimando as horas
Esperando a dolorosa partida.
E a 9 de Novembro, pela calada da noite
Deixámos o quartel de Stª. Margarida.

Ao cais do Conde d’Óbidos chegámos
Numa viagem afadigada mas triunfante,
Com o Uíge, por nós esperando
Para nos levar a terras do Infante.

Eis chegado o momento do adeus
Para sempre, talvez, até breve, pensámos.
Fez-se ao mar o monstro de madeira
E de nossos olhos, lágrimas brotámos.

Foi linda a viagem, mas de alegria contida
Pois o bom nunca se espera, só o mau.
E ao fim de 6 dias, escalando ainda o Funchal
À Guiné chegámos, ao porto de Bissau.

Para o cais fomos levados
E muito saudados pelos de lá.
Mas rapidamente se apressaram
A transportarem-nos para Brá.

Ali permanecemos algum tempo
Depois para os Adidos enviados.
Com o futuro, ainda desconhecido
E dia a dia cada vez mais chateados.

Tinha-se o sono apoderado de nós
Quando, de súbito, fomos acordados.
Depressa nos vestimos e aprontámos
E para Bula fomos levados.

Ali começámos a preparação bélica
Com os “velhinhos” do batalhão.
Patrulhando de dia, à noite, emboscando
Mas que destino agora nos darão?

Có, palavra terrível
Pela estrada do Vietnam, assim conhecida
Para lá seguimos com o coração nas mãos
Pedindo protecção à Virgem, mãe querida.

Durante 2 meses ali permanecemos,
Dormindo em tendas e abrigos escavando.
Mas, por ironia, após a nossa saída
O Vargas Cardoso logo os foi tapando

Apenas num dia de desmatação
Perto de nós, morteiradas caíram.
Mas os bravos da 2444
Entreolharam-se e até sorriram.

Estava o Janeiro a terminar
Para o Cacheu fomos transferidos.
Continuámos a nossa epopeia
Com mortos e muitos feridos.

Dia 6, data fatídica, mês de Fevereiro,
Aziago e de muita má lembrança,
Que retirou do mundo algumas vidas
Plenas de vida e esperança.

Recordem, amigos, do local o seu nome
Que, de repente, desfez sonhos e não só
Deixando para sempre tristeza, luto e dor
Aquela operação insidiosa, em Capó

Mas a esperança iria renascer
Com a ida para Bissorã, bela localidade
E assim esquecemos um pouco o mato
Ou não estivéssemos numa “ cidade”

Mas ao longo de 14 meses lá passados
Nem tudo foi bom ou de alegria
Já que além de mais feridos
Em Encheia, mais alguém jazia

Recordo, nostálgico, aquela “cidade”
De fulas, mandingas e balantas
Dos passeios de mota, cinema, petiscos e fados
E bailes com belas “bajudas” até às tantas

Aproximava-se o fim da comissão
Ao Olossato fomos “parar”
Para grande operação no Morés
E a boa disposição iria acabar

Regressados a Bissorã, 2 semanas depois
Cansados de tanto emboscar
Para nosso grande espanto
A Binar, fomos “esbarrar”

Nunca soubemos bem o porquê
Mas lá partimos para outro “terreiro”
Deixando em Bissorã imensas saudades
Mas sem saudades do Polidoro Monteiro

Finalmente abandonámos o mato
Já era tempo de a Bissau regressar
Aguardando a vinda do Carvalho Araújo
Para Portugal embarcar

A 20 de Agosto de 70
Para os Açores começámos a navegar
Passando ainda por Cabo Verde
Para mais tropa transportar

Eis-nos chegados a Ponta Delgada
Que com palmas e lágrimas nos recebeu
Marchando por ruas entapetadas com flores
Pois foi assim que a população nos acolheu

Aqui permanecemos 3 dias
Antes de nos fazermos ao mar
E a 3 de Setembro de 70
A Lisboa estávamos a chegar

Não esqueço os companheiros
Que as balas fizeram tombar
Em mim permanecerão sempre vivos
Enquanto viver e sonhar

Meus amigos, a vida é mesmo assim
A morte não escolhe nomes nem idades
Tudo o que aqui escrevi e lerdes
Não são mentiras, são verdades.

João Rebola
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11183: Blogpoesia (323): É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P11208: Álbum fotográfico de Abílio Pimentel (ex-fur mil, CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje, Pirada e Guileje, 1969/71) (Parte I)




Foto nº 128 > "O marco do correio"


Foto nº 127 - S/l


Foto s/nº - A bela... Fatumata




Foto s/ nº - "Fora do quartel1"



Foto s/ nº - "Fora do quartel4"



Foto s/ nº - "População 2"




Foto s/ nº - "População 4"... O Abílio Pimentel com um belo exemplar de um felino, um leopardo (panthera pardus), possivelmente abatido por uma caçador local.  Não confundir com a onça, que é um felino sul-americano...


Foto: Leopardo, Parque Nacional do  Serengeti, Tanzânia, 2007-02-13 18:08. Dimensões: 1536×2048×8 (711868 bytes). Autor: Jan Erkamp. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.


Guine > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971..  O elemento que aparece em todas as fotos é o Abílio Pimentel, ex-fur mil... Estas fotos fazem parte do seu álbum (cerca de 35 imagens, a cores e a preto e branco, disponibilizadas pelo autor, ou alguém por ele,  ao nosso amigo Pepito, no âmbito do projeto  Núcleo Museológico Memória de Guiledje; sem legendas ou fracamente legendadas).

O nome completo do nome é Abílio Alberto Pimentel Assunção. Sei que vive (ou vivia no Seixal), mas não tenho nenhum contacto dele. Espero que nos leia e nos dê notícias. O único "magriço do Guileje" que faz parte da nossa Tabanca Grande é o José Crisóstomo Lucas, ex-af mil op esp.

Fotos: © Abílio Pimentel (2006) / AD - Acção para o Desenvolvimento. Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

Esta companhia passou por Pirada, na zona leste, antes de ser colocada em Guileje. As unidades sediadas em Guilele, por ordem cronológica (1964/73) (com o respectivo elemento de ligação à ONG AD, do nosso amigo Pepito, foram as seguintes: 

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (contacto: Nuno Rubim )
CAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto) [infelizmente já desaparecido, José Neto, 1929-2007]
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617, Os Magriços (Mar 1970/Fev 1971) (contacto: Abílio Pimentel)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho);
CCAÇ 3477, Os Gringos de Guileje  (Nov 1971 / Dez 1972)  (contacto: Amaro Munhoz Samúdio);
CCAV 8350, os Piratas de Guileje  (Dez 1972/Mai 1973) (contacto: José Casimiro Carvalho )

Guiné 63/74 - P11207: (In)citações (50): "A Voz da População", um filme dos nossos amigos da AD-Bissau, sobre a experiência pioneira das rádios comunitárias... Com a Rádio Voz Quelelé à cabeça, são já 30, cobrindo praticamente todo o país

+

Vídeo (26' 23''): "A Voz da População"

© AD - Acção para o Desenvolvimento (2012). Todos os direitos reservados [Cortesia da Margas Filmes]

1. Os nossos amigos e parceiros da ONG  AD -Acção para o Desenvolvimento,  com sede em Bissau (#), no bairro do Quelelé,  estão de parabéns: acabam de lançar um filme sobre a história e o desenvolvimento das “Rádios Comunitárias da Guiné-Bissau”, sob o título "A "Voz da População".(##)

O filme, com a duração de 26 minutos foi financiado pela OXFAM NOVIB. Tem argumento e texto de Lucia van den Bergh e realização e imagem de Andrzej Kowalski. Nele participaram jovens das três televisões comunitárias da AD, lideradas por Demba Sanhá, relatando a evolução deste meio de comunicação comunitário, desde o tempo em que se deu a abertura politica na Guiné-Bissau, até à sua instalação em quase todos os setores administrativos  do país. Cerca de 3 dezenas de rádios comunitárias cobrem hoje praticamente todo o país, desde Bissau ao Boé e do Cacheu ao Tombali  (*)

A Rádio Voz de Quelélé foi a primeira a ser criada, justamente em 4 de Fevereiro de 1994, pela Associação dos Moradores do Bairro de Quelélé, com o apoio da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, cujo diretor executivo é o nosso amigo Pepito (Eng agr Carlos Schwarz). (**)

No sítio da AD, na Internet, pode ler-se: " Para nós, guineenses, é uma enorme alegria poder estar na liderança deste processo em todos os países africanos com os quais fizemos o percurso para a independência nacional. Este filme está disponivel em 3 idiomas: português, francês e inglês. Convidamos todos a aceder a qualquer destas versões e a dá-la a conhecer nos respectivos países".

(#) Contacto: ONG AD – Acção Para o Desenvolvimento
Caixa Postal 606
Bairro de Quelelé
Bissau
República da Guiné-Bissau
Email: adbissau.ad@gmail.com
URL: http://www.adbissau.org/
FB: https://www.facebook.com/adbissau

(##) Ficha técnica:

Realização: Andrzej Kowalsk
Argumento e texto: Lucia van den Bergh
Locução: José H. Neto
Imagem:  Andrzej Kowalsk
Assistente de câmara:
Demba Sanhá
Inácio Mamadu Mané
Edição: Luís Margalhau
Tradução: J. H. Neto
Posprodução: Margas Filmes

Agradecimentos:

Rádio Voz Quelelé (, bairro do Quelelé, Bissau]
Rádio Kassumai [, São Domingos, região do Cacheu]
Rádio Balafom [, Ingoré, região do Cacheu]
Rádio Lamparam [, Iemberém, região de Tombali]
TVK - Televisão Comunitária do Quelelé
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11202: (In)citações (49): Quando os vencidos é que fazem a história... Ou, como lá diz o provérbio, "dunu di boka más dunu de mala" [, mais vale ter uma grande boca do que uma grande mala] (Cherno Baldé)

(**) Um caso de sucesso, a Rádio Voz Quelelé (RVQ) no combate contra o surto de epidemia de cólera (Bissau, 1994):

(...) Por iniciativa particular de José Henriques, então técnico da ICAO a dar assistência técnica à Guiné-Bissau e que dedicou toda a sua vida, entusiasmo e competência à promoção de novas e modernas tecnologias de comunicação adaptadas ao desenvolvimento do país, a ONG Acção para o Desenvolvimento (AD) envolveu-se na criação desta primeira rádio comunitária que veio trazer ao bairro uma dinâmica de auto confiança e identidade que se está a transformar num instrumento útil de desenvolvimento colectivo.

Foi nesse ano que se dava então início à experiência daquela que passou a ser a primeira rádio comunitária de Guiné-Bissau, a partir de um pequeno equipamento de base; uma consola e uma antena as emissões cobriam um raio de cerca de 4km. Atingindo o bairro de Quelelé, com cerca de 10.000 habitantes, bem como alguns bairros limítrofes como Cumtum, Bairro Militar, Bor e Bra.

A adesão e entusiasmo criado nos habitantes do bairro, particularmente nos jovens que foram os primeiros a aderirem em força, aliados ao facto de se estar em vésperas de eleições presidenciais e legislativas levaram o poder político a interditar o funcionamento da rádio Voz de Quelelé e ordenar o seu enceramento, pretextando o não cumprimento das leis do país.

Com o surgimento de epidemia de cólera em outubro de 1994 e do pânico generalizado que se viveu, a rádio Voz de Quelelé decidiu recomeçar as suas emissões. Se no princípio do ano a rádio Voz de Quelele funcionava apenas aos fim de semana, nas manhãs de sábado e domingo, já nesta fase as emissões passaram a ser diárias, apenas no período da tarde.

O maior sucesso da rádio Voz de Quelele foi sem dúvida o combate à cólera, uma actividade que se baseou em duas vertentes: a) Organização da população para limpeza do bairro, remoção do lixo desinfecção do poços, evacuação dos doentes para o hospital (a AD teve um veículo sempre à disposição), desinfecção em casa dos doentes, visitas diárias dos membros do comité dos moradores a cada residência a fim de detectar casos de cólera; b) Sensibilização da população para uma maior higiene doméstica, para um maior e reforçado acompanhamento das crianças, para a explicação da origem e formas de propagação da doença.

Toda a campanha utilizou fundamentalmente a rádio Voz de Quelelé, onde regularmente vinham médicos da AD que respondiam às questões pertinentes colocadas diariamente pela população em mensagens adaptadas a uma linguagem directa e passadas nas várias línguas das etnias do bairro.

Segundo informações de que se dispõe, o bairro de Quelelé tera sido o menos atingido de Bissau por esta doença, com apenas seis casos confirmados de cólera, um dos quais mortal. (...)