sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13474: Notas de leitura (620): “Direitos Civil e Penal dos Mandingas e dos Felupes da Guiné-Bissau”, por Artur Augusto da Silva (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2014:

Queridos amigos,
Era timbre de todos os trabalhos de Artur Augusto da Silva explicar o homem no meio, a sua identidade, a sua consciência cultural. Sempre pedindo aos curiosos e estudiosos que procurassem ver o africano sem o olhar redutor do europeu, a modos do “civilizado” que busca interpretar o pobre aborígene, de tanga e descalço, um troglodita que precisa de ser trazido para o asfalto.
Desta feita, o objeto de estudo são os Mandingas e os Felupes.
O autor possuía uma curiosidade insaciável, a Guiné foi a suprema doação do seu trabalho.
Homem sensível, escreve na dedicatória deste livro: “À Clara, a melhor das companheiras, lembrando-lhe que tudo quanto faço a ela o devo”.
Trata-se de Clara Schwarz, aqui tão saudada no blogue.

Um abraço do
Mário


Direitos civil e penal dos Mandingas e dos Felupes da Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

Artur Augusto da Silva foi um conceituado jurista que deixou vasta bibliografia nos campos jurídico, literário, artístico, etnológico e etnográfico, nomeadamente os seus trabalhos sobre etnias da Guiné-Bissau continuam a ser um ponto de partida para curiosos e estudiosos. É o caso de “Direitos Civil e Penal dos Mandingas e dos Felupes da Guiné-Bissau”, 4.ª edição, DEDILD, Bissau, 1983.

Comecemos pelos Mandingas, um povo sempre viveu em regiões de savana, abertas ao ataque dos inimigos, cujos reis possuíram riqueza porque exploravam minas de ouro, chegando a possuir na corte um numeroso exército. O autor dá-nos um esquisso sobre a história dos Mandingas e a sua interceção com os diferentes grandes impérios africanos. Por exemplo, o reino dos Mandingas era tributário do Império Ganês, e no tempo de Sundiata Queita, aproveitando-se da fraqueza do suserano, atacou Gana, destruindo-a em 1240. Observa também o autor: “A capital do reino do Mali, dos Mandingas ou dos Malinqués, porque por estes três nomes é designado, parece ter sido a atual povoação de Cangaba, junto à nascente Baoulé, afluente do Senegal. Não longe desta povoação, existe a de Niani, na margem do Sankarani, afluente do Níger, e que também é apontada como a primeira capital do Império Mandinga”. Enfim, os Mandingas aparecem como portadores de uma civilização brilhante, dominaram os Estados vizinhos até ao Atlântico, o seu declínio começa em 1473 e no século XVI as invasões árabes dos Beni-Hassan, de Marrocos, levaram ao desmembramento do império. Praticamente os grandes escritores dos Descobrimentos falam dos Mandingas, caso de Duarte Pacheco, Valentim Fernandes, João de Barros e Álvares de Almada.

A progressão dos Fulas levou ao declínio dos Mandingas. No século XIX os Mandingas ocupavam as regiões de Farim e Gabu, em 19 de maio de 1867 os Fulas atacaram os Mandingas em Gan-Salá (também conhecida por Kansala), vencendo-os na batalha conhecida por Tura-bã. Passou o Gabu a ser uma dependência do reino Fula de Labé e os Mandingas aceitaram os novos senhores.

A expansão islâmica teve consequências de grande peso: a conquista de regiões que se muçulmanizaram e a fuga, para as costas oceânicas, das populações que não se queriam submeter. No Futa-Djalon, os Fulas desalojaram os Sossos, empurrando-os para a costa; estes, por sua vez, entraram em luta com os Nalus, obrigando-os a procurar refúgio na região costeira. Em confronto com o cristianismo, percebe-se porque é que os africanos aceitaram com maior facilidade o islamismo: permitia-lhes o casamento com mais de uma mulher e não hostilizava frontalmente as crenças ancestrais.

O Mandinga nos bilhetes-postais da Guiné portuguesa

Escreve o autor: “O comportamento islâmico não conhece qualquer separação entre aquilo que para um cristão é moral civil, direito e religião. Na estrutura teocrática desta religião, todos os elementos estão incindivelmente ligados enquanto nas sociedades ocidentais os princípios do bem e do mal foram definidos pelos teólogos, a responsabilidade e as sanções das obrigações laicas são objeto reservado aos juristas. Entre os muçulmanos, todo o comportamento humano é julgado, punido ou premiado unicamente pela religião (…) os povos animistas baseiam todo o comportamento humano no exemplo legado pelos antepassados. O direito nasce na comunidade e tem como fundamento a vontade daqueles que já morreram (…) Para os Mandingas islamizados, porque vivem numa simbiose das duas crenças, a lei é a vontade de Alá e aquilo que os nossos pais sempre fizeram, enquanto para os animistas a lei é somente aquilo que os nossos pais sempre fizeram".

Tece o autor considerações sobre classes sociais e castas e lança-se na organização familiar Mandinga. A família elementar é composta pelo marido, sua mulher e os filhos que desta tivera; a família composta compreende o marido, as suas diversas mulheres e os filhos destas e finalmente a família extensa que comporta todos os que estão ligados por laços de sangue e os que estão sujeitos ao mesmo chefe. Uma família Mandinga reconhece-se pelo uso de apelidos: Mané, Camará, Tchamo, Cassamá, Turé, Fati, entre outros. Quando o Mandinga fala na família tem em mente todas as pessoas que portadoras do mesmo sangue vivem sob a autoridade do chefe da morança (…) Os graus de parentesco não coincidem com os do direito Ocidental pois que todos os familiares da mesma geração se consideram irmãos, embora existam gradações diferentes entre os do mesmo pai, os dos mesmos pais e os de pais diferentes. Analisa sucessivamente o casamento e a sua dissolução, as interdições, obrigações, questões relacionadas com a compra e venda, o assalariamento, prova das obrigações, direitos reais, as diferentes formas de aquisição da propriedade, sucessões e Direito Criminal. Neste campo do Direito, passa em revista o homicídio, a resistência e revolta, a desobediência, elenca os crimes contra as pessoas (parricídio, infanticídio, homicídio, envenenamentos, assalto, violação e rapto…) e crimes contra a propriedade. Ao longo do estudo, Artur Augusto da Silva examina sucessivamente no campo das obrigações o que é permitido e interdito, a natureza dos contratos, os mecanismos da sucessão, os direitos reais.

Na apreciação que faz à propriedade, o autor recorda que quando uma família Mandinga abandona uma região para se ir fixar noutra e se apropria de um solo livre, procede-se a uma invocação dos espíritos do antepassados e só depois é que se iniciam as construções. A tal respeito, Artur Augusto da Silva deixa uma curiosa nota de rodapé: “Quando uma família Mandinga pretende fixar-se num local, procede à cerimónia denominada baco-mutó, que significa agarrar a terra, há que consultar a vontade dos donos do chão, o chefe da família ou da povoação pede licença ao dono do chão para se ficar ali, semeia a vagem de uma planta semelhante ao feijão que é regada todos os dias, durante sete dias. Se o feijão germinar, é sinal que o dono do chão não se opõe à ocupação". A propriedade foi sempre coletiva entre os Mandingas, mas observa o autor que hoje não há nenhum agregado Mandinga que respeite na sua pureza o conceito tradicional de propriedade.

Como sempre nos habituou nos seus trabalhos, Artur Augusto da Silva começa por tecer o pano de fundo, mostrar os homens no espaço e no lugar, confronta-o com a religião, as hierarquias, as estruturas sociais e as atividades produtivas e só depois desta contextualização socioeconómica e cultural é que se trava de razões com o direito, sempre numa perspetiva de que o europeu muitas vezes ilude as características primaciais do africano, daí o pano de fundo e daí a leitura se tornar tão atrativa e luminosa. Não terá sido por acaso que o livro abre com um provérbio Mandinga: “Quanto mais souberes, melhor compreenderás que nada é inútil”.

(Continua)

Um dos primeiros grandes trabalhos de António Carreira, historiador maior da Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13461: Notas de leitura (619): Revista África - Literatura e Cultura - “Três provérbios em crioulo, uma aproximação à universalidade dos ditos” da autoria de Teresa Montenegro e Carlos Morais (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13473: Parabéns a você (767): Henrique Martins de Castro, ex-Sold Cond Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13460: Parabéns a você (766): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e Rui Alexandrino Ferreira, TCor Reformado (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13472: Efemérides (170): João Augusto Ferreira de Almeida - o único português fuzilado na I Grande Guerra (Benjamim Durães)

Tropas portuguesas desembarcam em Brest, França (1917).


1. Em mensagem do dia 3 de Agosto de 2014, o nosso Camarada Benjamim Durães (ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917, Bambadinca, 1970/72), Presidente do Núcleo de Setúbal da Liga dos Comabatentes, enviou-nos este texto relatando a situação em que foi julgado e condenado, o único português fuzilado na I Grande Guerra.


JOÃO AUGUSTO FERREIRA DE ALMEIDA
O único Português fuzilado

JOÃO AUGUSTO FERREIRA DE ALMEIDA, solteiro, nascido a 03 de Abril de 1894, na Rua Alto da Vila, freguesia de Foz do Douro, concelho do Porto, filho de José Ferreira Almeida e de Angelina Augusta que trabalhava como chauffeur para um cidadão alemão de nome Höfle radicado na Foz do Douro – Porto conservando do patrão óptimas recordações, facto que porventura teria influenciado o seu comportamento de rebeldia e posteriormente a resolução que viria a tomar de se passar para o campo do inimigo.

Mobilizado como Soldado chauffeur n.º 956 pela Secção Automóvel de Transporte de Água da Unidade Territorial do 1.º Grupo de Companhias de Administração Militar.

É integrado no Regimento de Infantaria n.º 14 do Corpo Expedicionário Português (CEP), que embarca para França, por via marítima, dado que a Espanha não autorizava a passagem de militares pelo seu território por ser neutral, em 16 de Março de 1917 e desembarca em Brest – França em 21 de Março de 1917, que combateria na I Grande Guerra ao lado do XI Corpo do Exército Inglês.

Em Julho de 1917 é punido com 60 dias de pena correccional por mau comportamento, sendo transferido compulsivamente para a 1.ª Companhia do Regimento de Infantaria 23 para cumprir o mesmo na primeira linha.

No dia 29 de Julho de 1917 pelas 11 horas, e ao fim de 7 semanas na linha da frente, no sector de Neuchapelle, não muito longe da fronteira com a Bélgica e junto às trincheiras com os militares alemães a escassos metros, manifesta o seu descontentamento com a punição que estava cumprir, aos soldados Adelino Alves, de Pomares - Arganil, António Rei, de Vale de Pedra - Soure, e Francisco Alves Carneiro, de Álvares - Góis, todos do Regimento de Infantaria n.º 23, que não tenciona cumprir o castigo até ao fim e que só não desertara para os alemães por não conhecer o caminho até eles.

Armado com uma pistola “Savage”, que mostrou, abriu e exibiu os mapas que lhe viriam a ser apreendidos. E apontou-lhes a localização de pontos estratégicos, o Quartel-General, depósitos de munições, de gasolina, batalhões de infantaria, fortes de artilharia.

Nessa mesma noite de 29 de Julho, o soldado João Augusto Ferreira de Almeida abordou mais nove soldados, em separado, solicitando de novo, e com promessas de dinheiro, oferece entre 60 e 100 francos franceses, a quem lhe apontasse a direcção em que ficavam as trincheiras inimigas, exibindo na ocasião e de novo a pistola e os mapas do sector.

Quanto ao valor exacto variam, mas, embora se tratasse de uma verba considerável para quem cumpria o serviço militar – uma galinha adquirida aos camponeses franceses para fugir à ração de combate atingia os seis francos.

A 30 de Julho de 1917 foram levadas ao conhecimento dos superiores pelo soldado António Rei as declarações estranhas e altamente graves do soldado João Augusto Ferreira de Almeida, acrescentando que, quando se encontrava no sector de Neuchapelle, o companheiro o abordara a pedir indicações acerca do caminho que conduzia às linhas alemãs.

Nesse mesmo dia, o Capitão Mousinho de Albuquerque mandou apresentar o soldado António Rei no Batalhão de Infantaria n.º 23 por este ter prestado declarações de excepcional gravidade contra o soldado João Augusto Ferreira de Almeida e organizar de imediato o processo-crime, tendo sido inquirido o soldado António Rei e mais nove testemunhas, 7 soldados e 2 sargentos, pelo Tenente Artur Barros Basto em processo de averiguações.

O processo foi rapidamente organizado com os dados fornecidos pelas testemunhas e remetido em 07 de Agosto de 1917 ao Juiz Auditor Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, a fim de que este emitisse parecer nos termos do artigo 337.º do Código do Processo Criminal Militar. (aprovado por Lei de 13 de Maio de 1916).

O Juiz Auditor Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, concluiu que o arguido (soldado João Augusto Ferreira de Almeida) tentara passar para o inimigo, achando-se por isso incurso na caução do n.º 1 do art.º 54.º do Código da Justiça Militar e a quem, pelo art.º 1.º do Decreto n.º 2867 de 30 de Novembro de 1916, publicado no Diário do Governo n.º 243 da I Série, cabia a pena de morte. Por isso, parecia ao Juiz auditor que o arguido poderia ser julgado sumariamente como dispunha o art.º 337.º do Código do Processo Criminal Militar.

Com base nos elementos apurados, o Comandante do Corpo Expedicionário Português, General Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, despachou para processo disciplinar com intuito de que o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, respondesse perante o Tribunal de Guerra a fim de ali lhe ser feita a respectiva aplicação da lei militar.
Para tal atendia a que soldado João Augusto Ferreira de Almeida, cometera os seguintes factos criminosos:
1.º - Tentara passar para o inimigo, para o que perguntara a várias praças o caminho a seguir, chegando até a oferecer dinheiro com o fim de obter essa informação; e,
2.º - Quereria indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constando em duas cartas itinerárias de que a praça era portadora.

Ultimadas as diligências necessárias, foi marcado o Conselho de Guerra para as 14 horas do dia 15 de Agosto de 1917, em Roquetoise, o julgamento do soldado João Augusto Ferreira de Almeida.

CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
Presidente – Coronel de Infantaria, António Luís Serrão de Carvalho;
Juiz Auditor - Dr. Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira;
Secretário - Tenente José Rosário Ferreira
Promotor - Capitão Herculano Jorge Ferreira.

Júri
- Major Joaquim Freire Ruas
- Capitão Adriano Augusto Pires
- Capitão David José Gonçalves Magno
- Alferes Joaquim António Bernardino, e
- Alferes Arnaldo Armindo Martins

Defensor Oficioso - Capitão Joaquim Baptista Leone Júnior

Feita a chamada dos jurados e das testemunhas, lidas as principais peças do processo, identificado o réu e feitos os interrogatórios e alegações, o Juiz auditor ditou os seguintes quesitos:

1.º - O facto de o arguido em 29 de Julho, encontrando-se na primeira linha, tentar passar para o inimigo perguntando a várias praças o caminho e oferecendo a um dinheiro para que lhe prestasse essa informação;
2.º - O facto de o arguido querer indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constantes de duas cartas itinerárias de que era portador;
3.º - O mau comportamento do réu;
4.º - O crime ser cometido em tempo de guerra;
5.º - O réu ter cometido o crime com premeditação;
6.º - O crime ter sido cometido, tendo o agente a obrigação especial de o não cometer; e,
7.º - O estar ou não provado o imperfeito conhecimento do mal do crime.

O acusado, soldado João Augusto Ferreira de Almeida, negou o crime e apresentou como atenuante o imperfeito conhecimento do mal que do facto poderia resultar.

Sobre os sete quesitos, o Júri pronunciou-se do seguinte modo:

1.º - Provado por maioria (viria a decidir a condenação) com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
2.º - Provado por maioria;
3.º - Provado por unanimidade;
4.º - Provado por unanimidade;
5.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
6.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
7.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins.

Tendo considerado provadas as circunstâncias agravantes, o promotor de justiça conclui:
- “Julgo, pois, procedente e provada a acusação e nos termos do artigo 1º do decreto de 30 de Novembro de 1916 condeno o réu à morte com exautoração”.

Na audiência o Defensor Oficioso - Capitão Joaquim Baptista Leone Júnior - recorreu da sentença proferida para o General Comandante do CEP, Fernando Tamagnini de Abreu e Silva porquanto a pena acessória de exautoração militar em que o réu havia sido condenado desaparecera da nova legislação, em virtude do que dispunha o artigo 5.º do decreto de 16 de Março de 1911

Sobre o recurso formulado, pronunciou-se o Auditor Geral do CEP, Dr. António Augusto de Almeida Azevedo, concluindo que "a lei de 30 de Novembro de 1916, n.º 2867, decretou no artigo 1.º que fosse condenado à morte o militar que praticar qualquer dos crimes a que corresponda esta pena nos termos dos artigos 52.º, 53.º, 54.º e outros do Código de Justiça Militar, mas não preceitua a condenação à morte com exautoração”.
Foi por isso opinião do Auditor Geral que se desse provimento ao recurso, devendo ser proferida nova sentença por outro Auditor.

Em face deste parecer, o presidente do Tribunal marcou novo julgamento para 12 de Setembro, com novo Juiz Auditor Dr. José Maria de Magalhães Pais Pinheiro, não sem que um dia antes o Defensor Oficioso tenha solicitado a junção ao processo de um novo requerimento, decerto com a intenção de obrigar ao adiamento da audiência. Este requerimento baseava-se em que o soldado Ferreira de Almeida era filho de um doido (facto que, segundo o recurso, podia ser provado pelo Juiz Auditor do Tribunal de Guerra); tinha dado indícios de alienação mental, pelo menos depois da sua condenação e teria mesmo dado tais indícios antes desse facto. Tais circunstâncias tinham sido referidas em público pelo próprio chefe do Serviço de Saúde, Tenente-Coronel Médico, Dr. José Gomes Ribeiro, pelo que o requerente solicitava que fosse feito exame médico-legal às faculdades mentais do soldado João Augusto Ferreira de Almeida.

Assim, no próprio dia 12 de Setembro o General-Comandante do CEP solicita por despacho ao Auditor Geral uma informação sobre o assunto do requerimento. E este, de imediato, refere que “não juntou o requerente documento comprovativo do facto de dar indícios de alienação mental após a sua condenação, o que leva a concluir que é menos exacta semelhante alegação” e que, tendo o pedido “manifestamente por fim protelar a resolução de um crime gravíssimo”, era seu entender que deveria ser indeferido.

Não foi o julgamento assim adiado. E o novo Auditor Dr. José Maria de Magalhães Pais Pinheiro, articulando a sentença de forma semelhante à anterior, concluiu:
“Julgo procedente e provada a acusação e, consequentemente, condeno o réu à morte, com expulsão”.

Quatro dias depois, a 16 de Setembro, pelas 07 horas e 45 minutos, cumpria-se a sentença na localidade de Picantin, próximo de Levantie..

Foi difícil encontrar um oficial que se prestasse a comandar o pelotão de fuzilamento, pois todos se esquivaram a isso, sob diversos pretextos.

O soldado João Augusto Ferreira de Almeida, alimentou até à última hora a esperança de não ser executado, pois muitos oficiais lhe garantiam que não o seria. Talvez por isto, a sua atitude foi de arrogância e zombaria até ao último momento, pois estava convencido que não seria executado. Quando viu que a sua execução era inevitável demorou-a quanto pôde, agarrando-se ao Capelão Joaquim Batista de Aguiar, que era Pároco nas Oficinas de São José, no Porto, e que se ofereceu como Capelão voluntário em 12 de Março de 1917, e embarcou para França em Junho de 1917, que o acompanhava e que persistia em não se retirar do seu lado, e tirando constantemente a venda que lhe tinham posto sobre os olhos. Isto levou cinco minutos.

A sentença foi executada por 3 Sargentos (entre eles o Sargento Teófilo Antunes Saraiva), quatro 1.ºs Cabos e 4 Soldados, sob o comando do Major Horácio Severo de Morais Ferreira.

No final do fuzilamento e de acordo com os regulamentos, procedia-se à revista do armamento. Precisamente a arma do sargento Teófilo Saraiva não tinha sido disparada - o que configurava um procedimento muito grave - sujeito a Conselho de Guerra. Felizmente para o Sargento provou-se que o facto foi devido "à deficiente colocação do fecho de segurança da espingarda" - o que o ilibou.

Momentos depois, no cemitério de guerra de Lavantie, próximo do lugar do fuzilamento, do lado de lá da Estrada de Bacquerot, num campo de cultura, cercado de arame farpado, descia à cova o cadáver do Soldado João Augusto Ferreira de Almeida, que a justiça condenara a morrer sob a infamante acusação de traidor à Pátria.

Inicialmente foi sepultado no coval n.º 18, sendo posteriormente transferido para o Cemitério de Richebourg, Talhão B, Fila 6, Coval 19, onde ainda se encontra.

Um abraço
Benjamim Durães
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13462: Efemérides (169): A primeira guerra total 1914-18, Revista do Expresso 12-07-2014: tiive o privilégio de ser um dos entrevistados, e de falar do meu tio avô, ten-cor Manuel Carmona Gonçalves, que esteve em África (Luís Gonçalves Vaz)

Guiné 63/74 - P13471: Blogpoesia (385): É preciso libertar o homem (José Teixira, ex-1.º Cabo Aux Enf)



1. Em mensagem do dia 5 de Agosto de 2014, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos este belíssimo poema:


É preciso libertar o homem

Numa manhã de sol radioso. Esperança.
Olhava o futuro pela janela da vida,
E, ansioso, esperava as palavras do Profeta.
Ainda acreditava num jardim de paz e de bonança,
Quando os senhores do mundo tiraram a espoleta.

Para-me de repente o pensamento,
E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente,
Caminhando no trilho, em fuga. Sem lamento.
Vejo o inferno vomitando chamas
De enxofre enegrecido pelo tempo.
São as armas a troar continuamente.
Vejo corpos desfeitos e sem vida.

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E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente,

Vejo homens e mulheres. Faces rugosas,
Sentados na relva do jardim, o olhar perdido,
Vejo velhos, mãos trémulas, ansiosas.
Vejo crianças chorando os pais – vidas
Violentamente ceifadas
Pelo mortífero sopro das granadas.

Vejo corpos cansados e em sofrimento.
Perdidos nas ruas de Alexandria e da Panfília,
Trazem réstias de vida, saudades da família,
E lágrimas do tormento.
Fundem-se com as paredes frias e sombrias da cidade,
Bebem as migalhas do pão, avidamente,
Que lhe dão por caridade.

******

E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente.

Não posso, indolentemente, ficar assim parado.
A vida está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar.
E lutar por um mundo bem diferente.

É preciso libertar o homem da crisálida, doce embalo
Onde o meteram os meios de comunicação social,
Para o tornarem seu vassalo.

É preciso libertar o homem da mortalha do poder económico,
Que lhe abafa a razão, o sentimento,
Impedindo a mente do livre discernimento.

É preciso quebrar a redoma em que abafam o medo e o silêncio.
Libertar o silêncio e gritar ao som do vento a verdade.

É preciso mudar as correntes do pensamento,
Antes que o cosmos fique moribundo.

É preciso saber conjugar o verbo Ser em vez do Ter,
Porque SER pessoa é mais importante que possuir o mundo.

É preciso encontrar a alegria, na alegria dos outros. Rica herança,
E conquistar de novo o sorriso da esperança.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13374: Blogpoesia (384): Recriação do mundo (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13470: Fotos à procura de... uma legenda (32): A arte xávega... que está a morrer (Luís Graça)


Vídeo: Uma barco da arte xávega.... 


Foto nº 1

Foto nº 2

Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

Foto nº 6

Foto nº 7

´
Foto nº 8


Foto nº 9

Há ainda um velho Portugal por (re)descobrir... São cenas antiiquíssimas, estas, agora com um toque de modernidade... Os tratores substituiram as juntas de bois e a força de braço de homens, mulheres, crianças e velhos (que outrora puxavam as redes, ou melhor o saco, o xalavar,  que é largado a centenas de metros da praia)... Os barcos, com a sua típica proa fenícia,  são motorizados, já não puxados a remos, e são mais compridos... Os homens são  os mesmos, gente brava, que a crise está  a atirar novamente para o mar onde nasceram... Filhos e netos de homens que fizeram a guerra colonial, e que são descendentes de outros que foram (e continuam a ser!)  atores da nossa imensa história trágico-marítima... Aqui mesmo morreram, há mais de cem anos, em 1909, 13 pescadores, leio numa pedra que serve de monumento funerário a esses bravos que o mar engoliu...

 São fotos datadas de 15 de junho de 2014. Não é difícil adivinhar onde forma tiradas... A arte xávega está a morrer, e apenas subsiste em meia de dúzia de sítios da nossa costa, da Costa da Caparica para cima.. Ou melhor: estão a matá-la: (i) os "tubarões" da pesca de arrasto;  (ii) Bruxelas, a toda poderosa capital da Eurolândia e dos seus tecnocratas sem rosto nem alma; (iii) os donos deste país, ou aqueles que julgam que mandam neste país, ou que ainda mandam, ou que julgam que sempre mandaram.... Sem esquecer a ASAE,  e todas as nossas patéticas e diligentes polícias que são fortes com os fracos e fracas com os fortes... Os "fascistas sanitários", por exemplo,  reprimem a venda direta ao público, em nome da sacrossanta "saúde pública" que tem as costas largas... Como dizia o povo antigamente, gemendo e chorando, sob a canga dos poderosos, "livrai-nos, senhor, da fome, da peste e da guerra... e do bispo da nossa terra!"... LG. 

Fotos e vídeo: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13426: Fotos à procura... de uma legenda (31): O mosteiro e o quartel da Serra do Pilar (onde esteve, no tempo da guerra colonial, o famoso RAP 2) vistos de um dos melhores (mas menos conhecidos) miradouros do Porto... Adivinhem qual?...O Jorge Portojo sabe mas não vai responder... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P13469: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (5) - Reportagens da Época (1967): Guidaje

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 4 de Agosto de 2014:

Prezado Luís Graça:
Em primeiro lugar, votos de boas férias, e de bom repouso, no sossego da Lourinhã.
Depois, procedo ao envio de mais umas dicas, - relato do que aconteceu em Guidage, à distância de, precisamente, 47 anos -, que se o entender conveniente, poderá publicitar.

Um abraço amigo para todos os navegantes do blogue,
Domingos Gonçalves



MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967) 
- REPORTAGENS DA ÉPOCA


5 - GUIDAJE 1967

Mês de Agosto
Dia 5

O tempo continua muito chuvoso. O destacamento não passa de um autêntico lamaçal.
Os abrigos transformaram-se em verdadeiras covas escuras, húmidas e insalubres.
As valas que fazem a ligação entre esses abrigos são verdadeiros pântanos. A água aparece em todos os lados e coloca em perigo todas as construções que por aqui se foram fazendo... Os tipos que substituíram a Engenharia Militar para fazer isto, ou que orientaram quem aqui trabalhou, estão todos chumbados... Não passam de uns incompetentes... Autênticos nabos.


Dia 6

Às seis horas e meia da manhã levantei-me. Às sete, como aliás quase todos os dias, peguei na caçadeira e fui às rolas.
Pelas oito, o Patron (nosso interprete) foi procurar-me nas imediações do arame farpado, para me dizer que durante a noite Guidage esteve cercada por mais de duzentos turras.

Fiquei incrédulo. Custou-me a acreditar. Como é que isso podia ser! O pessoal do destacamento nunca os tinha incomodado! Depois, como podia ser possível que um grupo tão numeroso, carregado de armas e munições, tivesse cercado Guidage, instalado as armas e, de seguida, sem disparar um tiro, tivesse ido embora? Não. Aquilo não podia ser verdade. Mas, como o Patron insistiu, ainda cheio de muitas dúvidas, entrei no aquartelamento, troquei a caçadeira pela G3, e acompanhado por dois soldados fui confirmar o que se tinha passado.

Efectivamente, verifiquei-o com os meus próprios olhos, a informação era verdadeira. Durante a noite, três grupos de turras, provenientes da área do Dungal, de Cumbamory e de Samboyá, tinham cercado Guidage. Pelos vestígios que deixaram calculei que, efectivamente, deveria tratar-se de um grupo constituído por cerca de 150 a 200 homens. A aproximação que fizeram tinha sido perfeita. Pelos vestígios que deixaram no terreno, capim e culturas calcadas, verifiquei que nos tinham feito um cerco perfeito, em meia lua, com o intuito de dirigir o fogo directamente sobre o aquartelamento, no sentido da linha de fronteira.

Regressei ao aquartelamento, e com mais pessoal e armamento, fui seguir-lhes o rasto. Confirmei que retiraram pela estrada que leva a Samoje e Facã, por onde, parte deles, tinham feito a aproximação a Guidage. O grupo que veio do Dungal retirou também para o mesmo lado.
O território do Senegal foi o destino que escolheram após terem desistido de nos atacar.
A cerca de dois quilómetros, já do outro lado da bolanha, na estrada que segue para Bigene, encontrei uma granada de morteiro 82mm, abandonada pelos gajos durante a retirada.

Todos os vestígios que recolhi indicavam que eles retiraram calmamente, sem qualquer precipitação. Em rigor, não efectuaram um ataque em força porque não quiseram. Poderiam, se tivessem atacado, ter destruído outra vez Guidage, ter queimado tudo e, quem sabe, ter mandado alguns de nós para o outro lado da vida. Mas não o fizeram. Não nos atacaram. Retiraram ordeiramente, sem quaisquer problemas, quando quiseram e como quiseram. E tudo isto aconteceu ali mesmo, a cerca de 400 metros do arame farpado, precisamente no local onde os holofotes da iluminação externa já não iluminam nada. Estiveram ali, nas nossas barbas, sem que as sentinelas se apercebessem do que se estava a passar. Tudo tinha sido feito discretamente, com todo o rigor táctico, dentro do cumprimento quase perfeito dos ensinamentos que a gente estudou nos manuais da guerrilha. Estes turras estudaram mesmo numa boa escola!

Apenas há uma coisa que não consigo entender:
- Qual a razão que os terá levado a retirar, sem terem disparado um único tiro sobre o meu reino?

É um mistério que me vai acompanhar para sempre. Efectivamente, só uma razão muito forte pode estar na origem desta desistência de última hora, e desta retirada ordeira sem uma razão aparente. Mas, felizes de nós pela decisão acertada que eles tomaram. Que nos cerquem quando muito bem entenderem, desde que, depois, calmamente, se retirem.

Antes de regressar ao aquartelamento, na área da referida estrada, mas do outro lado da bolanha, coloquei, por precaução, três potentes armadilhas (minas). Tanto podiam ser úteis, como não servir para nada. Que eles voltariam, não me restavam dúvidas. O local por onde iriam fazer a aproximação é que eu não poderia adivinhar. Como, regra geral, a partir do entardecer ficamos quase sempre confinados aos limites estreitos do arame farpado, eles podem aproximar-se sem qualquer receio, escolhendo o local que lhes parecer mais seguro. A noite é praticamente deles. Quando nos atacam dentro dos aquartelamentos fazem-no quase sempre de madrugada, para lhes restar tempo para se retirarem ainda a coberto da noite.

Ao fim da manhã, vindo do Senegal, chegou um informador a dizer que os tipos, durante a retirada, tinham passado por Secunaya e Corumbo, e que não concretizaram o ataque pelo facto de não ter chegado um outro grupo que também deveria participar na festa que desejavam fazer em Guidage.
É uma razão.
Mas eles já dispunham de tanta gente à nossa volta! Tinham da parte deles o efeito surpresa e a escuridão da noite, um grupo numeroso de combatentes e sei lá quantas armas. E não quiseram aproveitar nada disso...

Durante o dia nada mais aconteceu de anormal. A população trabalhou serenamente a terra, e a tropa permaneceu mergulhada na doce estupidez de cada dia.
À noite recomendei a todos, soldados e população, que se mantivessem junto dos abrigos e que ficassem atentos. O perigo não tinha passado. Tínhamos de ser prudentes e cautelosos.

Pelas dez horas da noite, sensivelmente, explodiu uma das armadilhas que deixei do outro lado da bolanha, precisamente a que tinha mais potência. A explosão teve lugar a cerca de dois quilómetros, mas pareceu-nos que aconteceu mesmo ao lado do arame farpado. Efectivamente, para além da carga normal, eu coloquei ao lado da armadilha bastantes granadas velhas e garrafas de cerveja cheias de munições de G3, já fora de uso. Daí que o rebentamento, de todos aqueles explosivos, tenha causado um barulho terrível Mesmo brutal...
As casas dos nativos estremeceram e as paredes largaram caliça. Foi um barulho enorme. Medonho...
Depois, disparei para o local algumas granadas de morteiro 81mm, os soldados e a população mantiveram-se nos abrigos, armas em punho, tudo pronto a abrir fogo ao mais pequeno sinal, à espera que o pior acontecesse.

E um silêncio profundo dominou a tabanca e o aquartelamento durante algumas longas horas, feitas de stress e angustiosa expectativa. Aquela foi para todos uma longa noite, em que o tempo dava a sensação de estar parado. Mas nada de anormal aconteceu. Mesmo nada. Foi mais uma noite igual a tantas outras. Mantivemo-nos é certo, mais atentos, à espera, mas não fomos minimamente incomodados. Apenas o medo nos incomodou... O medo que obriga as pessoas a estar despertas, sempre à espera, o medo que nos rouba o sono e que faz todos os homens corajosos e heróis.
Heróis que só desejam vivamente que não aconteça nada daquilo que se é obrigado a esperar indefinidamente ao longo destas intermináveis noites.
Heróis que apenas desejam que permaneça sempre longe a oportunidade de praticar actos irracionais, capazes de fazer deles esses homens invulgares que as páginas da história vão registando.
É que, ninguém deseja ser herói, nem mesmo aqueles que de facto o foram. O herói é um produto do acaso, ou talvez da irracionalidade da vida.

Já de madrugada, antes de adormecer, eu apenas me interrogava:
- Será que foi um bicho a detonar a armadilha? Será que foram os tipos que vinham de novo com a boa intenção de fazer uma festa nas imediações de Guidage?

E o meu pensamento, ou a minha imaginação, ficaram-se por esta dúvida, na expectativa, aguardando que algo de pior pudesse ainda acontecer.
E, apesar de tudo, ainda dormi um sono, não muito longo, mas suficientemente repousante.


Dia 7

Pela manhã, levando comigo mais de metade dos homens de que dispunha, bem armados e municiados, fui verificar a causa do rebentamento da armadilha. Efectivamente tinha sido accionada pelos turras que, outra vez, e por certo a sério, se dirigiam para Guidage, no intuito de efectuar um ataque.

A explosão da armadilha deixou no chão um buraco enorme. Ao lado, por entre o capim calcado, havia muito sangue, pedaços de vestuário e vestígios da presença de muitos feridos, ou mortos. Perto do local da explosão, encontrámos um ferido abandonado. Tratava-se de um rapaz novo, que não teria mais de 15 anos. Encontrava-se totalmente nu. Era, por certo, um dos muitos carregadores utilizados no transporte das armas e das munições. Pensando que estava mesmo morto, deixaram-no abandonado entre o capim, absolutamente despido, sem qualquer elemento que o pudesse identificar.

No meio de todo aquele ambiente pesado, ouviu-se a voz de um soldado que, mesmo a meu lado, satisfeito, dizia:
- “Os filhos da puta vinham cá para nos foder, mas eles é que foram pró caralho.”

E, mais baixinho, outros soldados foram murmurando:
- Sim... desta vez eles é que foram pró caralho. Esses caragos, bem que nos podiam deixar em paz. Mas, desta vez quem lerpou foram eles.

Levámos para o aquartelamento o rapaz que os tipos abandonaram e tratámo-lo o melhor possível. Depois, pediu-se uma evacuação para o Hospital Militar, que não chegou a concretizar-se porque, entretanto, ele morreu.
Aparentemente ele tinha apenas algumas escoriações. Devia, no entanto, ter algum traumatismo interno a cujas consequências não resistiu. Deve ter sido projectado pelo sopro causado pela explosão da armadilha e, ao embater no chão, os órgãos internos devem ter ficado muito afectados.
A população quando nos viu chegar com o prisioneiro ficou satisfeitíssima.
Fizeram festa. Bateram palmas. Afinal, ele era dos que vinham atacar e destruir as suas casas, matar pessoas e destruir bens.

Enterraram-no.
Verifiquei com tristeza que a população efectuou o funeral sem qualquer cerimónia, com desprezo e ódio, como que se de um simples animal se tratasse. Intimamente senti-me chocado com toda aquela frieza.
O que ali estava era o cadáver de um homem ainda muito jovem, obrigado, por certo, a colaborar com a guerrilha. Um jovem a quem a guerra acabava de destruir...

De tarde voltei à estrada de Samoje e coloquei novas armadilhas. Na estrada de Binta fiz a mesma coisa. Eu sei que mais dia menos dia os tipos vão tentar de novo... Temos que estar sempre atentos...

O objectivo deles, é dar cabo de nós.
O nosso objetivo, é dar cabo deles.
Somos todos loucos.
Era preferível acabar de vez com isto, com esta guerra que não vai levar a lado nenhum.

Domingos Gonçalves
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13444: Memórias da CCAÇ 1546 (1966) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (4): A morte do Furriel Moreira

Guiné 63/74 - P13468: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (2): "Poesia africana di rivolta!", por Giuseppe Tavani - Poesia de revolta dos tempos anticoloniais, em português

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
A poesia foi o género literário de eleição dos intelectuais independentistas africanos.
Lendo desapaixonadamente hoje este acervo, não é difícil concluir que esta poesia engajada, na sua maior parte, não tem assento na posteridade. Por ironia, bebe da tradição lírica portuguesa, na maior parte dos casos.
A propaganda tentou endeusar nomes como o de Agostinho Neto, mas não passam de poetas menores, aquele estro poético teve o seu espaço e o seu tempo, cumpriu a função e depois evaporou-se. Não é drama nenhum, contam-se com os dedos das mãos os bons poemas de Amílcar Cabral, quanto ao mais foram bonitos exercícios escolares quase parnasianos.
Mas o registo histórico desta poesia é obrigatório.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (2)

Poesia de revolta dos tempos anticoloniais, em português

Beja Santos

Trata-se de uma edição italiana para revelar, no fim dos anos de 1960, uma panorâmica da poesia africana escrita em português exaltando a negritude, protestando contra o trabalho-escravo e a repressão, e, sobretudo, exultando uma visão independentista.
Uma antologia onde constam Agostinho Neto, Costa Andrade, José Craveirinha, Kaoberdiano Dambará, Alda do Espírito Santo, Aguinaldo Fonseca, Mário Fonseca, Armando Guebusa, António Jacinto, Marcelino dos Santos, Gabriel Mariano, Ovídio Martins, e mais outros.
Giuseppe Tavani prefacia, falando do colonialismo e da revolta poética. Contextualiza o que está subjacente a esta poesia de revolta, de âmbito socioeconómico e cultural: racismo social, situação dos assimilados, papel do colonialismo externo em contraposição à ocupação direta; distingue Angola e Moçambique dos pequenos territórios da Guiné, Cabo Verde e São Tomé.

De seguida, qualifica o nacionalismo africano, como se expressa o tímido protesto poético ao nível metropolitano e depois espraia-se sobre a produção poética das elites negras e mestiças, por um lado integradas na cultura europeia e, por outro, à procura de identidade comunicando em português e em crioulo. Releva a incipiência do fenómeno literário em termos de autonomia local, chamando à atenção para os trabalhos de Deolinda Rodrigues em quimbundo, de Costa Andrade em umbundo, de Tomás Medeiros e Kaoberdiano Dambará em crioulo, respetivamente de São Tomé e Cabo Verde.

Nunca se fala em nenhum poeta guineense a não ser para dizer que o canto da guerrilha se exprime em crioulo. Estranha-se a observação e as omissões, Giuseppe Tavani consultou Mário de Andrade, neste tempo ainda era desconhecida a poesia de Vasco Cabral, mas era conhecida a poesia de Amílcar Cabral. Coisas incompreensíveis.

A África-mãe é invocada com bastante persistência, e o protesto anticolonial é dado pelo negro na luta, é nessa luta que todo o projeto colonial se tornará matéria comburente, é esta a mensagem daquele que será, porventura, o grande poema desta antologia, da autoria de José Craveirinha, hoje Prémio Camões,

“Grito negro”

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tu a mina, patrão.

Eu sou carvão
e tu acendes-me patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.

Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão.

Eu sou carvão
tenho que arder na exploração
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão
tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão

Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!

Giuseppe Tavani recorda que alguns destes poetas assumem o peso da tradição portuguesa, no tratamento dos temas do amor, há mesmo sonetos na tradição de Petrarca, sobressai a relação homem-mulher e os seus tormentos. Poderá mesmo falar-se poetas africanos de língua portuguesa há procura de espaço próprio na sua exaltação da negritude e totalmente identificados com o sonho independentista.

Mário de Andrade, em apêndice, discorre sobre a evolução e tendências atuais desta poesia africana de expressão portuguesa, também ele enfatiza os temas da reconquista da soberania nacional e destaca a originalidade da poesia de Francisco-José Tenreiro. Indo mais atrás, observa a escola jornalista angolana que começou a dar os seus primeiros passos a partir de 1880, com o estudo das línguas autóctones, fala mesmo do grupo de intelectuais que publicaram “A voz de Angola clamando no deserto” publicado em 1901.

Dá-nos igualmente uma visão do particularismo regionalista de Cabo Verde e a importância que teve a revista “Claridade”, a partir de 1936. Mas o fulcro da sua atenção está centrado nos acontecimentos políticos da independência do continente africano, o termo da II Guerra Mundial.
Este ensaio escrito em Argel, em Dezembro de 1967, Mário de Andrade fala dos novos nomes de poetas oriundos das colónias em revolta e termina dizendo que a poesia africana de expressão portuguesa, fiel ao próprio húmus, anuncia já um mundo novo da libertação do homem.

Andrade destaca Francisco Tenreiro, um são-tomense que morreu em Lisboa em 1963 e que era do centro universitário como uma das vozes de eleição dessa originalidade da poesia de revolta e por isso publica-lhe a

Canção do “Obô”

O sol golpeia as costas do negro
e rios do suor ficam correndo.

Ardor!

O machim golpeia o pau
e rios de seiva correndo.

Ardor!

Os olhos do branco
como chicotes
ferem o mato que está gritando…

Só a água sussurrantemente calma
corre p’ra o mar

tal qual a alma da terra!
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 30 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13449: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (1): Francisco Marques Geraldes, um herói militar português na Guiné

Guiné 63/74 - P13467: Tabanca Grande (442): Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/71)

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, com data de 31 de Julho de 2014:

Luís Graça,
Primeiro deixe que me apresente.
Sou Fernando de Jesus Sousa, nascido a 24 de Dezembro de 1948, ex-1.º Cabo n.º 18954869.

Embarquei para a Guiné no navio Niassa em 20 de Maio de 1970.

Regressei, creio que em Novembro de 1971, evacuado para o HMP de Lisboa, por ter sido gravemente ferido, onde estive internado até Abril de 1973.

Fiz a minha comissão de serviço em Bedanda, integrado na CCAÇ 6.

Luís Graça, já nos encontrámos numa sardinhada em Peniche, promovida por um grande Bedandense e bom amigo Belmiro da Silva Pereira. Logo ali prometi-lhe que me iria associar a este fantástico grupo.

Acredite que foi por causa deste blogue que tudo fiz para aprender um pouco de internete, a fim de poder acompanhar tudo o que dissesse respeito à Guiné. Só eu sei, as emoções que sentia, com as vossas imagens e questões ligadas àquela terra, fotos e comentários de amigos em comum.

Por tudo isto obrigado.

Quero também anunciar-lhe que já acabei a escrita do meu livro, que irá ser publicado em Novembro.
Logo após isso irei enviar-lhe alguns enxertos de textos sobre a Guiné, que escrevi, onde abordo muitas questões pertinentes e falo abertamente do acidente de que fui vítima.

Fernando Sousa


CCAÇ 6 - Bedanda - Guiné - 1970/1972 - Trabalho do camarada José Carvalho publicado no Youtube


2. Comentário do editor:

Caro camarada Fernando Sousa,
Muito bem-vindo à Tabanca Grande.
É para um nós um orgulho saber que somos lidos por muitos camaradas. Pena que a maioria não se manifeste e não se dê a conhecer, tal como tu fizeste agora.
Pede-me o Luís para te dizer que aqui na Tabanca nos tratamos todos por tu, independentemente dos antigos (e actuais) postos, da nossa idade, da nossa formação académica, profissão, etc.
Une-nos aquele pedaço de África que nos marcou para sempre.

Pelo que nos dizes, és deficiente das Forças Armadas resultado do acidente de que nos falarás um dia. É um dos assuntos que só o próprio sabe como e quando aflorar. A nossa página pretende, entre outras coisas, ser um meio de catarse, pelo que estamos ao teu dispor.

Dizes que irás publicar um livro onde relatas episódios da tua comissão na Guiné, e que o mesmo será apresentado em Novembro. Fica desde já o nosso Blogue ao teu dispor para dar notícia desse evento. Quando quiseres, manda-nos por mail um convite digitalizado, assim como a capa do livro para publicarmos em devido tempo.

Posto isto, resta-me enviar-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores que esperam muitos textos e fotos teus para publicação.

Ao teu dispor, o camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13383: Tabanca Grande (441): Mário Jorge Figueiredo Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Binar, Pete, Bula, Ponta Consolação e Capunga, 1969/71)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13466: História da CCAÇ 2679 (68): Flagelação muito concentrada e certeira (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 4 de Agosto de 2014:

Viva Carlos!
Tem paciência, aguenta lá com esta!

Um grande abraço
JD




HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

68 - FLAGELAÇÃO MUITO CONCENTRADA E CERTEIRA

Aconteceram muitas e variadas situações inopinadas durante a guerra que travámos na Guiné.
Não me lembro de todas em que participei, ou de alguma maneira fui envolvido; ainda não contei todas de que retenho memória, e julgo que algumas não contarei, por constituírem testemunhos merecedores do maior repúdio social, e já antes, por breves abordagens aos insondáveis desígnios humanos, recebi reparos de leitores que se sentiram ofendidos, na crença de que vivíamos na melhor das civilizações, apesar de nem terem sido beliscados nos conteúdos que subscrevi.
Somos assim, e eu não tenho a veleidade de mudar o mundo, mas se pudesse... ah! com certeza.

O que me proponho agora trazer a público, não tem nenhuma revelação estrénua, nem de cobardia, nem ofensiva da moral e dos bons costumes, apesar do insólito, e da atrapalhação gerada. E todos se salvaram, conforme o nosso propósito ao embarcarmos com destino à Guiné.

 Como se recordam, pelas dezoito horas, nas lonjuras de Bajocunda, o sol mergulhava nos confins do ocidente até se diluir no escuro da noite, que um bocado depois começava a evidenciar o estrelar faiscante do firmamento, numa profusão de riquezas diamantinas, que nos deixava de olhares sequiosos como quem espera ser compensado por tão longa deslocação.
Se uns se regalavam naquela contemplação, outros entregavam-se a Morfeu, e alguns ainda liam, escreviam, ou faziam lerpas batoteiras, antes de pregar olho.

Certa noite, provavelmente habitada por inúmeras recordações da juventude, por projectos de futuro, por requisição de momentos passados, ou inquietações perenes, sei lá por quê, dois furriéis que tinham frequentado o mesmo colégio, e cimentado entre si uma cumplicidade maluca, ficaram à conversa sem se darem conta da passagem do tempo.
Por alguma razão, que não vem ao caso, deram-se conta de que os restantes já dormiam a bom dormir. Cá para mim, devem ter imaginado os diferentes comportamentos quando desaba uma flagelação inimiga, que é uma coisa que ninguém aprecia, sobretudo, quando está a viver tal género de acontecimento. Algum deve ter imaginado confrontar a hipótese com a realidade e, de outro ângulo, apreciarem as reacções. Não acuso, especulo.

A fonte de luz lunar deve tê-los inspirado daquelas estórias fantasmagóricas, com sombras reflectidas na penumbra, sons suspeitos na passagem de cada porta, medo na travessia da escuridão e dos encontrões precipitados, entre os ingredientes do humor negro que já firmou autores de renome mundial que, ainda não é desta, não me proponho a alcançar. Essas reacções de medo, cagaço, incerteza, sangue, dor, e outras consequências drásticas, devassavam o cortex de muitos combatentes, que preferiam estar aninhados junto com as namoradas, já que ali não se conheciam adeptos de outro género.

Fez-se um plano de acção.
Estavam tão lúcidos os dois furriéis, que nem carecia de revisão, ia resultar em cheio.
Um deles foi buscar um rolo de corda à oficina, que se mostrava necessidade premente para temperar a situação de ficção em realidade. O outro abordou-se do local onde se juntava o lixo de garrafas vazias, que também constituía outra necessidade essencial no conjunto dos ingredientes para a acção, e reuniu algumas delas, que colocou em lugar estratégico. Entraram dentro do edifício com três quartos onde os restantes chonavam, e àqueles que se mostravam mais profundamente desligados da realidade perigosa, ataram os pés aos pés da cama, com um nó simples mas desencadeador de todos os cagaços. Depois, deram execução ao plano.

Enquanto no exterior, um deles bombardeava o telhado de zinco com tanta cadência de garrafas quanto possível, o outro andava pelos quartos aos berros que anunciavam ataque do IN, e já identificava um morto. Gerou-se uma atrapalhação, com gajos a imaginarem o céu a cair-lhes em cima, e outros que saltavam desajeitadamente sobre os atingidos, tudo num lapso de tempo escuro, que evidenciou o perigo da malta se deitar sem lembrança de quartos de sentinela.

Sucederam-se uns minutos impróprios de relatar aqui, mas pouco depois as inconscientes vítimas, empregavam novamente a roncar de profundo sono.

P.S. - Por respeito à vontade dos provocadores, omito as suas identidades.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12942: História da CCAÇ 2679 (67): Requerimento, talvez inédito (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P13465: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (35): Pepito (1949-2014): rei morto, rei (de)posto ?...



Carlos Schwarz da Silva, Pepito (1949-2014). Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública, 2007. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados.

1. Não temos sabido notícias dos nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, de que o saudoso Pepito (1949-2014) foi um dos cofundadores,  "alma mater", lider, figura de proa e seu diretor executivo até à hora da sua morte, inesperada, em Lisboa, ... Poi isso deixámos, em 18 de julho passado, na página do Facebook da AD, a seguinte mensagem;

Tabanca Grande Luís Graça 18/7 às 16:31

Os amigos de Portugal estão preocupados, mais do que isso, inquietos, e ainda mais do que isso, angustiados, com o silêncio dos nossos amigos da AD!... Queremos continuar a apoiar, através da AD, os nossos muitos amigos que contamos na Guiné-Bissau, de norte a sul, de leste a oeste. Não deixemos morrer o sonho de um grande visionário, líder e ser humano que pertenceu (e continua a pertencer) aos nossos dois mundos... Refiro-me ao Pepito!... Mantenhas para todos/as. Luis Graça

Resposta da ONG Acção para o Desenvolvimento

Obrigado, caros amigos e parceiros, a AD continua e as sua ações continuam mesmo. A publicação no site e no facebook parou por causa de problemas técnicos de edição, mas vamos retomar. Há  muitas atividades feitas durante este ano tais como: Forum de Cacheu, Encontro das Rádios e TV comunitárias, encerramento de cursos profissionais na EAO (Escola de Artes e Oficios), recepção e distribuicao de livros sobre plantas medicinais etc... Nós todos vamos lutar para que o sonho de Pepito seja realizado. [Negrito e realce a amarelo,. nosso, LG]


2.  Uma semana depois recebemos a seguinte mensagem da filha mais nova do Pepito e da Isabel, a Catarina Schwarz:

Data: 25 Jul 2014 17:36:41 +0100
Assunto: Desabafo e protesto


Aos meus amigos, e a outros muito poucos, que não o são, mas que tinham de ser colocados na lista,

Muitas vezes sentimo-nos injustiçados sem saber o que fazer... O sentimento de impotência destrói os pedacinhos de esperança que tínhamos de reserva...

O meu pai, o meu conselheiro, o meu amigo já cá não está... Mas deu-me, juntamente com a minha mãe, uma educação que muitas vezes aqui em Bissau é confundida com falta de educação... Sou mulher, tenho voz e voto na matéria, tenho dignidade e devo manifestar-me contra tudo o que para mim for entendido como injustiça... Paciência para quem não goste.

Estamos habituados a esconder as nossas intenções e opiniões para não nos sair o tiro pela culatra ou para ganharmos vantagem...

Não há muito que os outros possam fazer porque como sempre cá em Bissau, o MEDO (perder o trabalho, ser vítima de macumbas, levar uma tareia, ser posto de lado, etc.) é grande demais para se  pôr a boca no trombone.

Hoje, em jeito de protesto e de desabafo, partilho convosco algo aparentemente insignificante, que descobrimos...

Um abraço,

Catarina



3. Comentário de L.G.:


Li com esperança e alegria a promessa da ONG AD, pós-Pepito, de que nós todos vamos lutar para que o sonho de Pepito seja realizado... A resposta ao meu comentário na página do Facebook não vem assinada por nenhum dos atuais dirigentes da AD, mas é tomo-a como autênctica, válida e sincera.

Sei que até às próximas eleições o diretor executivo interino é o eng agr Tomané Camará, ex-tesoureiro, e que os restantes órgãos de gestão continuam em funções, Se não erro, a Isabel Miranda ("Beloca") é a presidente da direção (, aliás, já o era), sendo o Nelson Dias o presidente do Conselho Fiscal. A Isabel e o Nelson são cofundadores da AD. Conheci em 2008 estas três pessoas, o Tomané Camará, a Isabel Miranda e o Nelson Dias, apresentadas pelo Pepito, juntamente com o falecido Roberto Quessangue, como elementos do "núcleo duro" da AD, seus próximos colaboradores, vixinhos, camaradas de luta, visitas de casa e amigos do peito... Fiquei, de todos eles, uma impressão, mas não são pessoas das minhas relações, nem sequer tenho um contacto (email, telemóvel...) deles

Não posos, à partida, fazer qualquer juízo de intenções e pensar que estão a trair a memória do Pepito e a destruir o seu legado... Tenho por norma, por formação pessoal e deformação profissional (como sociólogo), ouvir e tentar compreender todas as partes envolvidas num conflito... E, de resto, só poderei ajudar os contendores se conseguir perceber: (i) o problema; (ii) o que está em jogo; (iii) o contexto; e (iv) os atores e as suas estratégias de poder... Também não tenho por hábito meter-me em conflitos intestinos. Mas estou disponível para ajudar, no que puder, na resolução pacífica de eventuais problemas que possam degenerar em conflito e que envolvam pessoas de quem gosto, como o são "os nossos amigos da AD . Bissau".

Dito isto, fico muito triste, magoado e indignado pelo tratamento a que foram votados os pertences do Pepito, encaixotados e remetidos para um canto... O Pepito é mais do que a AD, foi meu amigo pessoal, foi amigo de muitos de nós, foi (e continuará a ser) membro da nossa Tabanca Grande. A AD, por sua vez, é (e espero que continue a ser) parceira da nossa Tabanca Grande e vice-versa.

Pessoalmenmte gostaria de ouvir (ou de ler), da boca de um ou mais dos atuais dirigentes da AD, um comentário, uma explicação e eventualmente uma justificação sobre a forma, aparentemente menos digna, com que o legado e a memória do Pepito estão a ser tratados em Bissau, no edifício-sede da ONG AD, no bairro do Quelelé. Espero bem que o subtítulo que pus neste poste não corresponda, de todo. à verdade: rei morto, rei (de)posto...

Para os sues amigos de Portugal, e seguramente para os seus amigos da Guiné-Bissau, e de todo o mundo, Pepito ca mori... Será sempre bom lembrar que foi um privilégio conhecê-lo e sobretudo-lo como amigo e parceiro da nossa Tabanca Grande. Como todos os seres humanos, também tinha os seus defeitos... Mas vii nele uma qualidade que lhe dava uma grande nobreza, e que eu estimo particularmente, a gratidão... Pepito era, entre muitas outras qualidades humanas, um homem de gratidão... Saibamos imitá-lo e tentar igualá-lo. (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12849: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (34): Homenagem nacional e internacional ao Pepito, organizada pelos seus amigos e colaboradores, um mês depois da sua morte: 3ª feira, 18 de março, em Bissau, no Quelelé, no seu "chão"... Seguramente que ele não quereria um "choro" à moda tradicional, mas sim uma festa onde os seus valores, os seus sonhos, os seus projetos e a sua equipa fossem celebrados como um legado vivo, fecundo e proativo... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P13464: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte V: Junho de 1972: Tentativa frustrad de golpe de mão do Xitole, por parte do IN... Por sua vez, o gen Spínola preside á cermónia de encerramento do 2º turnmo de instrução de milícias...

1. Continuação da publicação da história da unidade - BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). Cópia digitalizada gentilmente disponibilizada pelo António Duarte.

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74; foi voluntário para a CCAÇ 12 (em 1973/74); economista, bancário reformado, foto atual à esquerda].

Destaque, no mês de junho de 1972,  para:

(i) início da estação das chuvas; (ii) tentativa frustrada de um golpe de mão, em preparação, pelo PAIGC, ao aquartelamento do Xitole; (iii) conclusão da capinagem do troço Mansambo-Candamã; (iv) o Xime, pela sua posição estratégica no setor L1,  continuava a ser o principal alvo dos ataques e flagelações do PAIGC; (v) desserção de população balanta sob controlo do PAIGC: apresentação de 4 elementos pop em Mero, outros tantos em Enxalé (na margem esquerda do Rio Geba, frente ao Xime) e 5 em Nhabijões (um dos maiores reordenamentos do CTIG, com c. 300 moranças); (vi) Bambadinca era cada vez mais um importante centro de formação de milícias; (vii)  o gen Spínola presidia á cermónia de encerramento do 2º turno de instrução de milícias; (viii) "na guerra, construindo a paz"  era  o lema do BART 3873, batralão a que perteNceream diversos membros da nossa Tabanca Grande... LG


A nova força africana... O major Fabião, na altura (1971/73)  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias (em Bambadinca ?... Não tenho a certeza...) (LG)

Foto reproduzida com a devida vénia,. Fonte: Afonso, A., e  Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angol,a Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autor da foto: desconhecido.
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Guiné 63/74 - P13463: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XIX: A guerra dos colchões em que também esteve envolvido o Carlos Simôes, ex-fur mil op esp



Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71) >  O ex-1º cabo cripto Luís Nascimento, em Farim, à noite, na cama, lendo uma revista, possivelmente a Flama... Cada militar tinha direito a um colchão... de espuma, fbricado na metrópole, e que era "frio no inverno e quente no verão"... Alguém deve ter ganho, no tempo da guerra,  uma pipa de massa com estes colchões  "ecológicos antes da letra",,,

Foto : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legenagem: L.G.]


1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte XIX (Carlos Simões, ex.fur mil op esp, 1º pelotão):
Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Desta vez, o Carlos Simões dá-nos a sua versão da guerra dos colchões em que ele, regressado de férias, esteve envolvido... Quem, de nós, não travou também  guerras destas ? No final da minha comissão, em março de 1971, recordo-me de me terem cobrado um colchão que faltava... Camarada de coração de manteiga, requisitei um colchão para um amigo de passagem por Bambadinca... O colchão deve ter levado sumiço... No final da guerra, tive que acertar as contas com o quarteleiro... LG

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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13462: Efemérides (169): A primeira guerra total 1914-18, Revista do Expresso 12-07-2014: tiive o privilégio de ser um dos entrevistados, e de falar do meu tio avô, ten-cor Manuel Carmona Gonçalves, que esteve em África (Luís Gonçalves Vaz)

1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Luís Vaz:
Data: 12 de Julho de 2014 às 16:05

Assunto: A primeira guerra total 1914-18 > Revista do Expresso 12-07-2014

Olá,  Luís:

Nesta Revista do Expresso (12/07/2014), e na página 54, inicia-se o artigo ´"África", da autoria do jornalista/escritor Ricardo Marques, onde fala sobre a "Frente menos conhecida", a de África, através dos relatos dos familiares de ex-combatentes. 

Eu tive o privilégio de ser um dos entrevistados, onde falei do meu tio avô (Tenente-coronel Manuel Carmona Gonçalves). A espada que empunho na fotografia era do Tio Manuel Carmona Gonçalves.

Boas leituras. Abraço

Luís Gonçalves Vaz
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13461: Notas de leitura (619): Revista África - Literatura e Cultura - “Três provérbios em crioulo, uma aproximação à universalidade dos ditos” da autoria de Teresa Montenegro e Carlos Morais (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
É inteiramente impossível estudar a cultura crioula, penetrar na sua filosofia, sem atender à riqueza dos seus provérbios.
O erudito e padre Marcelino Marques de Barros, o guineense que primeiro estudou o crioulo e repertoriou o seu dicionário elementar, recorreu frequentemente aos provérbios. Na sua tese de doutoramento na Sorbonne, Benjamim Pinto Bull também se apoiou na riqueza dos provérbios. E os estudiosos portugueses, como o divulgador Manuel Belchior, também se sentiu atraído por esta memória das experiências que confluem para a tradição oral e que são o espelho da experiência, dos valores e dos princípios de um poderoso compromisso cultural das etnias que deixam fundir a sua história e transmiti-la na língua veicular, o crioulo.

Um abraço do
Mário


A riqueza dos provérbios guineenses

Beja Santos

A saudosa revista “África”, um acontecimento cultural de grande significado entre os anos 1970 e 1978, dirigida pelo escritor Manuel Ferreira, publicou com regularidade alguns materiais da cultura guineense. No seu número 11, de janeiro a junho de 1978, apareceu um artigo intitulado “Três provérbios em crioulo, uma aproximação à universalidade dos ditos” da autoria de Teresa Montenegro e Carlos Morais, que vale a pena aqui enunciar.

Em primeiro lugar, os autores debruçam-se sobre a sapiência da cultura crioula a partir da tradição oral. É do conhecimento geral que a tradição oral é uma das pedras angulares de qualquer cultura africana. Os autores referem o facto de em 1941, Amadeu Uadé, um letrado de Dogam, no Senegal, ditou em wolof uma crónica do reino do Oualo com uma lista de 52 soberanos que permitia uma reconstituição até às origens dos wolofos, no princípio do século XIII, versão esta que permitiu o seu confronto com os relatos da viagem de Cadamosto, no século XV.

Passando aos três provérbios, temos que no primeiro a mensagem é a seguinte: “Por muito velho que sejas, não assististe à juventude da tua mãe”. O que obriga também a uma explicação. Uma pessoa pode ser mais velha do que o “pai” – recorde-se que é costume designar-se por “pai” o marido da mãe, que pode ser mais novo que os filhos desta – mas não pode ser mais velho do que o seu irmão mais velho. Uma pessoa velha presenciou muita coisa, os muitos mais anos dão hipóteses de assistir a muitos acontecimentos. Mas há coisas que são manifestamente impossíveis, é o caso de alguém ter assistido a acontecimentos que precederam a sua própria existência – a juventude da sua própria mãe, a “bajudeza” de quem nos dá a vida. Procurando interpretar o provérbio, observam os autores: não tens experiência que chegue para afirmares o que afirmas ou para provar o que dizes; eu, que te conheço, sei que isso para ti é tão impossível como teres assistido à “bajudeza” da tua mãe. É frequente usar-se este provérbio quando se trata de sobrelevar a nossa experiência em qualquer campo, tem a vertente moralizante de pôr termo à prosápia de quem procura dar-se ares de eficiente e sabedor.

Reza o segundo provérbio: “Os gafanhotos a arder dão pontapés uns aos outros”, o que tem subjacente um dado elementar, que os autores comentam. Quando se queimam gafanhotos (dentro ou fora da panela) ressalta o movimento das suas patas. É como se estivessem continuamente a dar pontapés uns aos outros até morrerem. Os gafanhotos andam sempre juntos e pega-se-lhes fogo para proteger as culturas dos estragos provocados pelas pragas. Ardem do mesmo modo quando se faz uma queimada num sítio onde haja gafanhotos. Temos agora a aplicação do provérbio à sabedoria guineense.

Indissociável de grande parte das coisas que comemos, a panela é um dos nossos lugares mais comuns. O mundo é igualmente o lugar onde todos temos que comer. E quando acontece o caldeirão aquecer e nós estamos lá dentro, a situação afeta-nos a todos por igual. Reagir como os gafanhotos, agredindo-nos mutuamente, não será a forma mais indicada de melhorar a situação: não é dando pontapés uns aos outros que conseguimos apagar o fogo ou sair da panela. O provérbio ilustra uma situação condenável, se bem que corrente, que consiste em reagirmos a uma violência de qualquer tipo de que somos vítimas com agressividades laterais e desviadas da sua verdadeira origem. Moral da história: quando partilhamos a mesma má sorte o melhor é encontrarmos juntos a melhor saída.

E passamos para o terceiro provérbio: “A galinha ao colo não se apercebe da distância nem das agruras do caminho”. Recorde-se que as galinhas são uma riqueza, uma moeda. Nos Bijagós o preço de uma vaca era há pouco tempo 100 galinhas e o de uma cabra apenas 10. Na viagem, as galinhas são transportadas dentro de uma gaiola feita de tara. Se as gaiolas foram mais do que uma, podem ir atadas nos extremos de um pau, e este carregado ao ombro. Em qualquer dos casos, a galinha percorre o caminho sempre pendurada. É este o contexto para se perceber a moralidade implícita. Quem não percorre o caminho pelos seus próprios pés, como é o caso das galinhas, não se cansa porque não despende esforço nenhum, e não tem ideia das canseiras que uma longa viagem representa. É como as pessoas quando fruem benefícios de certas situações para as quais não tiveram que contribuir, limitaram-se a receber e não têm ideia dos custos. Estão a leste das dificuldades e nunca sabem o trabalho que cada coisa pode exigir porque a eles não lhes custa nada.

Os autores debruçam-se sobre o crioulo guineense encarando-o como produto da interação secular de diferentes grupos culturais, a língua espelha a diversidade da origem dos sinais e a sua originalidade, é, pois, o espaço síntese de comunidades culturais que não deixaram de existir e faz com que nem tudo o que se exprime em português, Mandinga, Fula, Manjaco, Balanta, etc. encontre a sua formulação correspondente em crioulo. A língua crioula acolhe e fixa o que há de mais fértil nesse encontro.

Se quisermos partir de referentes culturais portugueses, não será arriscado supor que um provérbio transmontano do estilo “em tempo nevado um alho vale um cavalo” não tivesse grandes hipóteses de se fixar em crioulo formulado em termos idênticos. O proverbio crioulo é isso mesmo: instrumento de comunicação dos diversos grupos culturais que têm este aspeto surpreendente de que um proverbio longínquo que na aparência nos é alheio – e o é de facto, na forma – é objeto de reconhecimento profundo, porque o tema somos nós, sabemos que é de nós próprios que também se pode estar a falar.

Usamos duas xilogravuras do artista guineense Uri Sissé, de rara beleza.


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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13453: Notas de leitura (618): “Guiné-Bissau - Páginas de História Política, Rumos da Democracia", por F. Delfim da Silva (2) (Mário Beja Santos)