quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15216: O nosso querido mês de férias (18): Viagem Bissau-Lisboa-Porto-Lisboa-Bissau paga a prestações porque o patacão não transbordava das algibeiras (António Tavares)

1. Ainda a propósito das nossa férias, recebemos esta mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 4 de Outubro de 2015:

Camarigos,

Ao ler o P15178, do tema “O nosso querido mês de férias”, recordo:

- Em 03Agosto1971 paguei, na Agência Correia, Bissau, CTIGuiné, o total de 6 430$80 pela viagem: BISSAU - LISBOA - PORTO - LISBOA - BISSAU.
- Voei na TAP e tive direito a um Saco de Pernoita, que ainda possuo.
- Viajei na modalidade: VIAJE AGORA PAGUE DEPOIS.
- Em três prestações paguei a importância total, que não ganhava, como explico: 4.430$80 em 03-08-71; 500$00 em 22-09-71 e finalmente 1.500$00 em 21-10-1971.

Se repararem na cópia do bilhete consta uma taxa de 110$80. O ZÉ pagante teve sempre Taxas e Selos à perna. O pagamento foi em Pesos.
- O Escudo era trocado com uma agiotagem de 10%.
- A viagem foi no dia 04 de Agosto de 1971 e regressei no dia 07 de Setembro de 1971.


Os camaradas mais atentos verificarão que acabei de pagar a totalidade das prestações depois da minha chegada de regresso ao CTIGuiné. Porque o “patacão” não transbordava das algibeiras tinha de aproveitar todas as facilidades de pagamento autorizadas.

Com um abraço,
António Tavares
Foz do Douro,
Domingo 04 de Outubro de 2015
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 Nota do editor

 Último poste da série de 7 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

Guiné 63/74 - P15215: Fotos à procura de... uma legenda (63): Bajudas de Bambadinca, fevereiro de 1970: um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional (Cherno Baldé, Bissau)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) > Fevereiro de 1970 > "Eu com um belo conjunto de bajudas junto à capela"..

Foto (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Mensagem de hoje do nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé, que vive hoje em Bissau, respondendo pronta e amavelmente a um pedido do editor LG para completar a legenda da foto (*):

Caro amigo Luis Graça,

Antes de mais aproveito para felicitar o Jaime  Machado (ex-alferes), pelas imagens do tempo que passou (e bem) em Bambadinca (*), o que mostra o seu elevado nível de cultura, já naquela época, muito acima da média daquilo a que a tropa em geral nos tinha habituado.

E em jeito de resposta àquestão do Luís Graça (**), na minha opinião, acho que as imagens retratam um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional. Por força da islamização, as festas desta etnia são quase todas de natureza religiosa. [Em inglês, "age set",conceito socioantropológico; vd. Enciclopaedia Britannica]

A postura e o olhar algo envergonhados, a indumentária, os penteados e os enfeites na cabeça e no corpo, dizem isso mesmo.

Ainda seriam solteiras mas, nesta idade estariam todas comprometidas (com casamentos arranjados entre os pais) e aproveitam os últimos meses de liberdade antes do casamento.

A presença de elementos ou símbolos estranhos usados como adornos pode ser explicada por razões de urbanização e da crescente mistura/influência de outros hábitos e culturas em Bambadinca (centro urbano e importante elo de ligação ao resto do país) e arredores, devido à guerra e ao movimento das populações.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

PS - A expressao "islamizado/a"  não é  correcta, seria mais correcto dizer "islâmico/a",  pois já nasceram dentro de uma familia, meio e cultura islâmicas, mesmo que superficial. Islamizados seriam os seus bisavos que, de facto foram coagidos (de forma voluntária ou não) a uma conversão, muitas vezes forçaada, nos sec. XVIII/XIX.

Guiné 63/74 - P15214: Convívios (715): Almoço de Confraternização do pessoal da CART 1659 – ZORBA, levado a efeito no Concelho da Batalha, no passado dia 26 de Setembro de 2015 (Mário Vitorino Gaspar)

1. Em mensagem do dia 3 de Outubro de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) enviou-nos o rescaldo do Convívio da sua Unidade levado a efeito no passado dia 26 de Setembro,  na Batalha.


Almoço de Confraternização da CART 1659 – ZORBA
Restaurante Pérola do Fetal
Reguengos do Fetal – Concelho da Batalha
26 de Setembro de 2015

No dia 26 de Setembro, após Encontro de Amigos – abraços e risos, barriga de uns e cabelo branco, ou liso de todo de outros – recordações, também colocada a questão: – Estou a conhecer-te mas não sei quem és… Passaram 47 anos. Tudo passado junto ao lindo Mosteiro da Batalha. As aranhas tecem teias e as tecedeiras tecem linho e o homem teceu pedra e fez o Mosteiro.

Guiné bem longe – Gadamael Porto e Ganturé.

Depois de um primeiro encontro, uma ou outra surpresa, para além do envelhecimento, via-se em cada um o jovem que fora. Recordados momentos. Não vi sinais de se reviverem os maus momentos, muito embora me viessem à memória, ao olhar um a um cada rosto. Confundi-me, não tinha a certeza. Quando não sabia, não tive problemas em perguntar.

Recordei os mortos da Companhia: Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana e do Soldado António Lopes da Costa a 12 de Outubro de 1967, vítimas de uma armadilha, e em 26 de Março de 1968 atingido de morte o Soldado Manuel Ferreira da Silva num ataque ao destacamento de Ganturé. Eles marcaram presença no almoço.

Seguimos para o Restaurante “Pérola do Fetal” – Reguengos do Fetal ficando na Serra de Aire, pertence ao concelho da Batalha.

Seguiu-se o almoço e a cavaqueira. Relembrámos aqueles que não tinham aparecido. Num ou outro caso faleceram, outros que desconhecíamos os motivos da falta. Confraternizámos, o alvo principal, nosso Capitão Miliciano e de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, agora Advogado.


À esquerda: eu, o Jorge e atrás o Pedreiro e à frente – o terceiro a contar da esquerda o Justo – Guerreiro Justo. De blusão e camisa azul o Capitão Mansilha e do lado direito, à frente e de casaco – a surpresa Alferes Miliciano Júlio César Sousa Alves Moreira (um dos cinco Comandantes de Pelotão que tive) No fundo o Alves, Biga, Vitorino à esquerda de Mansilha o Pereira


Agora com as esposas e filhos de alguns. É difícil, mas a espreitar no lado direito, Pereira no seu lado direito o Barreira (1.º Sargento e à sua esquerda a sua esposa). O Alves está agachado, à sua direita o filho do Batista, o homem da bazuca da minha Secção


Ainda tenho a sopa de peixe no prato, e à direita o Maia de MA – foi ferido e o Pereira (Sargento)

As entradas e a sopa de peixe. Estive com a sopa mais de meia hora, já todos tinham comodo. Conversa com os Amigos. O Maia a meu lado esquerdo e a seguir o Pereira a quem roubei três galinhas e matei com uma fisga, a primeira não morreu com as fisgadas e matei-a com a faca de mato. Todos comeram galinha. E o Pereira dizia mais tarde: – Quem foi o filho da… que me roubou as galinhas? Anos depois contei-lhe.

Os meus velhos Amigos Jorge, Pedreiro e sua esposa e mais Amigos. Não os esquecerei
 

O Capitão, tendo à sua esquerda e em pé o Batista
 

É pena que não tenham ido ao Almoço mais Amigos Camaradas

O Biga faz contas à vida e na mesa atrás, o Capitão ao lado do filho. No lado direito está o Sargento Barreira e ao lado a esposa

Conversei com o Barreira e ainda se recorda, até foi ele mesmo que recordou as partidas que eu fazia ao Justo. Armadilhava-lhe a cama, dormia ao meu lado. Apanhava cada susto mas recuperava bem, ficando preparado para outra. Desafiava-me: – Já não me enganas!

Mas logo de seguida lá ia outra: ou na almofada; no rádio; num caixote, nos sapatos em qualquer que menos esperava.

Recordámos um episódio que foi na altura confortável. A minha mãe aproveitava os jornais desportivos que me enviava, para colocar entre eles uma posta de bacalhau alta. Penso que vinha de via aérea como jornais, mais barato. Eu quando tinha 2/3 postas, por vezes enviava de uma vez, pedia ao magríssimo Cozinheiro Lima que com tomate fizesse com o bacalhau desfiado e cru. Todos comiam e o 1.º Barreira dizia-me no fim: – A tua mãe continua a enviar-te bom bacalhau!

Um dia ao passar pelo armário – que era um caixote improvisado, como tudo – estava aberto e tinha postas de bacalhau que a mulher enviava. Espreitei e tirei talvez três boas postas que dei ao Lima. Todos comiam, fosse muito ou pouco. O Barreira depois de saborear o petisco diz: – A tua mãe continua a enviar bom bacalhau!

Respondi:
– Desta vez não foi a minha mãe, mas a sua mulher!

Era uma brincadeira, não se tratava de roubar fosse o que fosse, todos compreendiam. E riam.


O Alves à esquerda e no centro o Justo – engordou muito. A mesa ao fundo é a minha
 

E o bolo, uma beleza – não falta o lema da ZORBA - “Os Homens Não Morrem”
 

Passámos ao período do bolo, tragar uma fatia e comemorar este encontro. Um dia bem passado, recordando o tempo que ficou para trás. Honra para os mortos e os vivos que recordem: “OS HOMENS NÃO MORREM”

Discursou o Capitão Mansilha, depois de ter falado nestas quadras que lhe enviaram, disse ser curioso a Comemoração dos 50 Anos. Se forem da partida será Janeiro de 2017 e se for a chegada será em Novembro de 2018.

Propus que nesse dia o Almoço fosse em local em que fosse possível deixar uma marca. Talvez a colocação de uma Placa Alusiva ao facto. Será algo para pensar.

O Capitão Miliciano e de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, leu as quadras que lhe enviaram em 2011 pelo Natal

Feliz Natal

Bem certo que o tempo passa…
Já nos vai pesando o pé!
Mas não há nada que faça…
Esquecermos a Guiné!

Algures em Gadamael…
Os outros em Ganturé.
Fulas, mandingas, papel
Sobe o rio com a maré.

Tempos difíceis, claro.
Sei que se foi cimentando.
A amizade. Um dom raro.
Que estamos comemorando.

Caro Mendes, Cabo Cripto.
Que que decifravas a mensagem.
Magro como um eucalipto.
Sempre com fé e coragem.

Vale a pena acreditar.
Que há mar e os rios correm.
O que nos fez regressar?!
Foi porque “OS HOMENS NÃO MORREM”.

Feliz Natal para si e
Para toda a Família
Natal de 2011

Terminámos este dia que ficará gravado na memória de todos. Voltaremos.

Texto do Ex Furriel Miliciano Mário Vitorino Gaspar
Fotos: Eduardo Mansilha e Fidelino Valada
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15193: Convívios (714): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh SR 2199, a realizar no próximo dia 10 de Outubro de 2015, em Fátima (Luís de Sousa)

Guiné 63/74 - P15213: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XV: fotos de despedida, em fevereiro de 1970, com as beldades locais


Foto nº 1


Foto nº 1 A 



Foto nº 1 B


Foto nº 1 C


Foto nº 2


 Foto nº 2 A 


Foto nº 2 B


Foto nº 2 C




Foto nº 3


Foto nº 3 A


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) >   Fevereiro de 1970 > "Eu com um belo conjunto de bajudas junto à capela"...Não, não é foto de despedida, embora dias mais tarde, finda a comissão, em fevereiro de 1970, o Pel Rec Daimler 2046, comandado pelo Jaime Machado, partisse  para Bissau donde regressaria à metrópole, no T/T Niassa, em abril de 1970.

Fotos (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Continuação da publicação do belíssimo álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852) (*).




[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; sua avó paterna era moçambicana; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



2. Comentário do editor:

Ao tempo do BART 2917 (1970/72), que o Jaime já não conheceu, havia só no regulado de Badora (que incluía, Bambadinca, o principal núcleo populacional com c. de 1500 habitantes), uma população total (recenseada e controlada pelas NT) de c. de 12 mil, metade dos quais de etnia fula.

Os restantes eram mandingas (20%), balantas (20%) e outros (10%), onde se incluíam mansoanques, manjacos e alguns caboverdianos e metropolitanos, cristãos.

No conjunto  do setor L1 (que incluia ainda os regulados do Xime, Corubal, Enxalé e Cuor), o total da população sob o nosso controlo não ia além dos 15200. Segundo a  mesma fonte (a história do BART 2917), a população sob controlo do IN, andaria à volta das "5400 pessoas, na sua maioria de etnia Balanta, Beafada ou Mandinga" (nos regulados do Corubal, Xime, Enxalé e Cuor).

Perguntei ao Jaime Machado o que é que estas beldades, bem arranjadas, "bem produzidas" (como se diz no norte),  fariam aqui, junto à capela de Bambadinca,  em fevereiro de 1970 ? Era dia de festa ?  Era domingo ? Seriam cristãs ? Seriam mandingas ?

Apesar da sua "memória de elefante", o Jaime confessou que não se recorda de mais pormenores: não, elas não vieram despedir-se do "alfero", nenhum delas era sua conhecida, estavam em grupo, por ali, junto à capela (que ficava em frente ao edifíico de comando, quartos e messes de oficiais e sargentos) e o fotógrafo, oportuno, zás!, tirou-lhes uma chapa...

O outro militar que aparece no grupo  (fotos nº 2, 2 A, 2 B) pertencia à CCS/BCAÇ 2852 e não ao Pel Rec Daimler 2046... O Jaime admite que elas fossem cristãs, estavam com ar domimngueiro, bem vestidas e calçadas. (De facto, não há nenhuma descalça...).

Quanto a mim, seriam mandingas, a avaliar pelas feições, pelo vestuário e pelos adornos... Embora houvesse de facto uma pequena comunidade cristã em Bambadinca, não vejo crucifixos ao peito, mas sim colares, e numa delas com um amuleto (talvez em prata, uma figa, que é de origem europeia,  etrusca e romana, e não africana, estando associada originalmente ao erotismo e à fertiliddae, e hoje à proteção contra o mau olhado) (foto nº 2 B)... Mas,  vendo bem, a bajuda do lado direito, na foto nº 2 C, parece trazer ao peito um colar com um crucifixo... E a do lado esquerdo, traz um medalhinha...  a do meio usa sutião ("corpinho"), o que é um hábito ocidental... Se calhar, neste grupo todas já usavam "corpinho"...

Por outro lado, a porta da capela está fechada... Fica a dúvida: seriam bajudas cristãs ouu mandingas, islamizadas ? Um certeza: para estas lindas, amorosas, bajudas, era um "dia de ronco", talvez elas fossem, frescas, alegres e divertidas,  para algum casamento, ali em Bambadinca ou em Bambadincazinho.  (LG)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Crianças cristãs, em dia de primeira comunhão, ao tempo da CCS/BCAÇ 2952 (1968/70). Foto do álbum do ex-fur mil rebastecimentos José Carlos Lopes, nosso grã-tabanqueiro nº 604.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)

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Guiné 63/74 - P15212: Os nossos seres, saberes e lazeres (118): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
O pretexto era uma estadia folgada em Antuérpia, mas ao chegar e o regressar, o viandante não gosta de tempos mortos e tem gente muito afável e que o estima por aquelas paragens.
Este é o relatório do primeiro dia, a partir da chegada à Portela, nem sete da manhã eram. O dia rendeu, foi um verdadeiro regresso ao local do crime, o tempo ajudou, amanhã já não será assim. Não escondo o fascínio que estes lugares me provocam, por alguma coisa eram conhecidos pelo nome de Países Baixos Meridionais. Estava excitado, há um ror de tempo que não visitava Antuérpia e mal conhecia as Ardenas, suspirava por conhecer aquela floresta que foi palco da última grande batalha ocidental da II Guerra Mundial.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (1)

Beja Santos

Volto ao local do crime, Bruxelas, mesmo que o mesmo destino principal seja Antuérpia. Viajei no primeiro voo da manhã, um grande amigo vai-me buscar a Zavantem, o aeroporto, poucos dão por isso mas está em território flamengo. Quinze minutos depois, em linha reta, chego a Watermael-Boitsfort, a minha guarida. Despachei uma sopa e um pão, aparentemente está um dia radioso, temperatura suave, é uma questão de apanhar o metro, atiro-me para o centro da cidade. Ando com saudades de entrar na igreja de S. Nicolau, a poucos metros da Grand-Place, deve a sua imponência ao facto do Santo ser o padroeiro de padeiros, comerciantes e navegantes. É um tempo que entusiasma pois tem adossado às paredes laterais edifícios civis, hoje é uma igreja barroca, toda aquela pompa me deixa indiferente mas há detalhes de uma forte atração. Logo o esplendoroso relicário dos mártires de Gorkum, tem a ver com as guerras entre católicos e protestantes, é um trabalho assombroso. Como se contempla com ternura a imagem de Nossa Senhora da Paz, que vem do século XVI, o quadro atribuído a Rubens, a Virgem com o Menino Jesus, e deixo para o fim o Cristo Espanhol do século XVI.






Finda a visita a este edifício que vem dos séculos XI e XII, que foi severamente destruído pelos canhões do marechal de Villeroy, a mandado de Luís XIV, em 1695, atiro-me para os bulevares, estou esfaimado por ver livros. Por aqui andei, vi títulos sobre África a rodos, as edições que vendem prende-se sobretudo com o Norte de África, mas deixei de me deliciar uma obra espantosa sobre a arte dos Nalus e dos Bagas, já da Guiné-Conacri, mas com imensas semelhanças à arte genial que podemos visitar no Museu Nacional da Etnologia ou na Sociedade de Geografia de Lisboa. É apaziguador ver um dos focos mais criativos da arte africana admirado sem reservas.


Faço inversão de marcha, é altura de uma confidência. Nos primeiros anos em que calcorreei Bruxelas, fiquei num hotel baratucho que tinha um nome ofuscante, George V. Passava obrigatoriamente por um espaço que me intrigava, belo mas fechado. Anos depois abriu, fui logo lá espreitar. Chama-se os Halles de Saint Géry, era o antigo mercado do peixe no centro de Bruxelas. Criaram ali um espaço de lazer, a autarquia abriu serviços relacionados com a preservação ambiental e a proteção do património, e há exposições. Vejam um caso de sucesso na reabilitação de um mercado que parecia sem préstimo.



Não, esta imagem não é para encher, é para tentar dizer aos leitores que é relativamente fácil ver numa quase amálgama quatro estilos arquitetónicos distintos nesta cidade que já foi esplendorosa, em 1900 a Bélgica era a quinta potência industrial mundial e a fortuna do rei Leopoldo, o proprietário do Congo, era tão desmesurada que deu para imitar Paris. Punha-se pois o imperativo de adaptar, fazer novo junto do velho. E o resultado nem sempre é feliz.




Estava patente uma exposição de fotografia artística, procurei abocanhar tudo, está por aqui muita investigação, muita apuro técnico, para mim é uma fotografia que se aproxima do grafismo da banda desenhada, talvez quem estude publicidade e desenho não concorde comigo, mas que me fascina, fascina.





Aproveito a boa luz do fim de tarde para cirandar à volta dos grandes bulevares, o meu último trabalho de turista até regressar a casa é vascular num espaço familiar, a livraria Pêle-Mêle (significa desordem, bagunça), a ver se encontro livros e cds apetitosos, pelo caminho depara-se-me esta esplêndida porta, depois um prédio ferro-de-engomar, logo a seguir um falso gótico (é do século XIX, ainda do tempo de grande religiosidade) da Igreja de Santa Catarina e esta torre ficou-me no goto, será vestígio de uma igreja destruída durante a I Guerra Mundial? Seja o que for, tem muita beleza. Agora vou trabalhar à volta do papel e da música que me leva às estrelas. A viagem prossegue amanhã.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15179: Os nossos seres, saberes e lazeres (117): Un viaggio nel sud Italia (8): Roma, addio

Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)


O João Sacôto, em 1965, vinha de Catió para fazer férias de verão na metrópole. Embarcou em Bissau num Super Constellation L1049. Muito longe de imaginar que, em 1970, viria a pertencer aos quadros da TAP como Piloto de Linha Aérea.

Fotos: © João Sacôto (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes [, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66): comandante da TAP, reformado]

Assunto - O meu querido mês de férias

Vim de férias à Metropole uma vez, no verão de 1965. Coincidiu com uma carga de paludismo intensa, mas, com tudo já planeado há meses, e a ansiedade de umas férias com a família (meus pais, mulher e filha com 3 anos) não quis alterar nada. 

Embarquei em Bissau num Super Constellation L1049 da TAP.

Nessa altura estava bem longe de imaginar que, mais tarde, em 1970, viria a pertencer aos quadros da empresa com a profissão de Piloto de Linha Aérea. Já não voei o Super Constellation L1049 mas antes o saudoso Caravelle da Sud Aviation, o Boeing 707, o Lokeed Treestar, o Boeing 737 e finalmente o Airbus 310.

Durante a viagem para Lisboa ia causando, involuntariamente, um incêndio a bordo. Após a refeição e, como na altura fumava viciadamente e era permitido fumar a bordo, ainda antes de me tirarem da frente o tabuleiro da refeição, que, na altura era encaixado nos braços da cadeira, acendi o meu cigarro que devido ao meu estado palúdico, me soube tão mal, que logo o quis apagar. O facto de o cinzeiro se encontrar implantado no braço da cadeira, portanto de difícil acesso devido à colocação do tabuleiro da refeição e provavelmente, também aos meus tremores, a beata acabou por se introduzir entre o braço da cadeira e a antepara do avião.

Apesar dos meus esforços para o recuperar, isso não me foi possível e a solução foi chamar uma hospedeira, mais tarde designada por assistente de bordo, que, munida de uma cafeteira, despejou alguma água no sítio para onde tinha caído a ponta do cigarro. 

Chegado a Lisboa, matei as saudades e curei o paludismo assim como uma anemia que se associou ao meu estado de saúde. Passado um mês, acabaram as férias e regressei à Guiné e à minha unidade em Catió a CCaç 617.

Sobre a TAP e sua História, posso acrescentar que em 1974 e, após a nacionalização, a Companhia entrou numa recessão, que durou cerca de dez anos.

Foram vendidos à PIA (Pakistan International Airway) os 3 Boeing 747 e o pessoal deixou de receber os tão apreciados dividendos no fim de cada ano (foram, para não mais voltar).
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Nota do editor:

Último poste da série 6 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P15210: Parabéns a você (970): Jorge Rosales, ex-Alf Mil Inf da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor:

Último poste da série: 4 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15196: Parabéns a você (969): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Ap AP da CART 2732 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 3 de Outubro de 2015:

Camaradas,
Aí vai o meu contributo para a temática férias durante o serviço militar.

Eu também gozei férias, mas na Guiné, duas vezes, já que os meus pais naquela altura não tinham posses para que o seu filho viajasse para a Metrópole e vice-versa, para usufruir de um merecido descanso.

As primeiras foram gozadas no mês de Março de 1968, a primeira semana em Nova Lamego, que me deu a oportunidade de apreciar a azáfama dos meus camaradas do Batalhão ao qual a minha companhia estava adstrita, vendo entrar e sair viaturas em constante movimento, pessoas se cruzavam na sua luta diária pela sobrevivência e, que ainda não me tinha apercebido de tal facto.

Parti de Nova Lamego à boleia numa coluna militar rumo a Bambadinca, local onde embarquei numa LDG rumo a Bissau, destino dos meus restantes dias de férias, que aproveitei ao máximo.

Aquando da minha apresentação no quartel dos Adidos, aconteceu um caso caricato, o oficial de dia ainda sem ler a documentação de que era portador, escalou-me logo para fazer serviço, tendo eu, perante tal situação, chamado atenção do senhor Alferes para o facto de eu estar ali em gozo de férias e não para qualquer atividade militar. Lendo então os documentos que lhe apresentei e, eis a exclamação do homem: ainda sou periquito - o que há socapa deu para rir.


Nesta foto, Abel Santos à esquerda

A segunda vez que gozei férias na Guiné, (a 1742 já se encontrava em Buruntuma) juntei o útil ao agradável, mas desta vez fiquei hospedado numa residencial junto das instalações da PIDE, foi entre Janeiro e Fevereiro de 1969. Viajei para Bissau num avião Dakota ido de Nova Lamego, no qual apanhei alguns sustos, principalmente quando sobrevoávamos a zona de Farim, devido aos poços de ar, ainda hoje me recordo dos estalidos na carlinga, que mais parecia parafusos a partirem-se, foi a primeira vez que voei e fiquei a gostar, já que no dia do meu batismo de voo o medo inicial logo se dissipou.

Férias propriamente não gozei, a minha missão era outra, tirar a carta de condução de pesados profissional, que obtive com distinção. Fui instruendo na Escola de Condução S. Cristóvão que ficava junto ao estádio de futebol. Fiz exame no dia 07 de Fevereiro de 1969 e durante o exame de mecânica fui massacrado, pelo engenheiro examinador, com perguntas sobre o tema. E porquê? Porque um cavalheiro de cor, que estava perfilado antes de mim, a poucas ou nenhumas perguntas respondeu acertadamente. Tive de responder por ele e por mim, mas lá consegui o que pretendia.

Foi um dia especial para mim, que hoje recordo com satisfação e orgulho, pois éramos 12 instruendos e só 3 passámos em todas as provas.

A tarde foi passada com grande euforia por todos nós, juntamente com o instrutor, e com a tal bazuca (cerveja) presente, acompanhando o marisco e não só.

E assim passei os meus dias de férias a que tive direito.
Para todos os camaradas da tabanca e não só, aquele abraço.

Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15205: O nosso querido mês de férias (15): em agosto de 1971, entre a praia da Nazaré e as tertúlias de Vila Franca de Xira... enquanto em Lisboa, tudo na mesma, isto é, a vida corria... (Hélder Sousa)