terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15375: Inquérito 'on line' (17): Um maioria relativa (n=13) admite que se fazia batota com as causas das nossas baixas (combate, acidente ou doença)... Num total de 25 respostas, há 10 que respondem não saber ou ter opinião... O prazo termina 5ª feira, 19, ao meio dia.

I. A questão, pertinente e oportuna, foi levantada pelo António Duarte, a propósito das baixas do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (*)...


[Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate: julgamos tratar-se do cap pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto de heli AL III, morto em Moçambique, em 7 de Março de 1974. Foto da rodagem do filme "Quem vai à guerra", de Marta Pessoa, Portugal, 2011. Cortesia da realizadora. Vd. poste P8288].


Na CCAÇ 12, por exemplo, também se chegou a usar o truque de "mascarar" erros ou desastres nossos para "limpar" a honra da caserna ou escamotear a responsabilidade de graduados... O primeiro morto que teve a CCAÇ 12, "em combate", foi o sold Iero Jaló, no decurso da Op Pato Rufia, em 8/9/1969... No relatório da operação, lê-se em síntese o seguinte:

(...) quando o Dest A [, CCAÇ 12,] tinha iniciava a progressão en linha em direção ao acampamento IN, foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme, começando as NT a ser batidas imeditamente por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente. Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (...) e o Soldado Iero Jaló (...) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (...) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime]. (...)

Técnica e legalmente, esta baixa foi "em combate". Mas a  causa (material) da morte do Iero Jaló (e dos ferimentos graves no prisioneiro Malan Mané) foi o nosso dilagrama e não o fogo IN... E o que o relatório não diz é que, quem empunhava o dilagrama, não era o seu habitual apontador, mas um graduado...

Prafraseando o ditado popular, "erros de médico e calceteiro, a terra os cobre"... Neste caso, com a ajuda do cronista que fez a história da CCAÇ 12...

Achamos que, em geral, não manipulávamos os números das baixas... Das "nossas" baixas... Era preciso ter lata de mais para esconder mortos e feridos... Já quanto ao número das baixas infligidas ao IN (guerrilheiros e elementos pop), aí podia haver alguma fanfarronice e arbitrariedade... Havia a distinção entre baixas (mortos e feridos) "confirmadas" e "estimadas"... Exageravam-se os "indícios"...

O PAIGC, por seu turno, também usava e abusava dos números... Em qualquer guerra, todos os comandantes querem ficar bem na fotografia... O capitão quer chegar a major, o major a tenente coronel, o tenente coronel a coronel... E havia milicianos também a fazer "batota", quando se substituíam ao capitão...

Já na contabilidade dos feridos (graves ou ligeiros), podia também haver alguma "batota"... A apreciação da gravidade podia ser sujetiva, não havendo a maior parte das vezes um médico ali ao lado. De um modo geral, um ferido grave tinha de ser evacuado para o HM 241, em Bissau. De heli, evacuação Ypsilon...

Por outro lado ainda, havia a tropa de primeira e a de segunda (classe)... Um milícia nosso ou do PAIGC não era a mesma coisa para efeitos de contabilidade final... Ou um assalariado civil, utilizado pelas NT (carregadores, guias, etc.).

Mas o problema, nalguns relatórios de operações e histórias de unidades, são as causas das baixas: casos de presumível suicídio e homicídio eram sempre tratados como "acidentes com arma de fogo"... Era preciso salvar a honra (e o moral) da tropa...

A doença, por seu turno, não tem nada a ver com a guerra... A doença é sempre "por causas naturais"... Tal como o acidente, que tende a ser  visto de maneira redutora: "falha técnica" ou "erro humano"...

Julgamos que os critérios eram ambíguos nos outros casos: o que era um morto ou ferido em combate ?... E os desaparecidos ? E os "retidos" pelo IN ?

Percebe-se que a questão levantada pelo António Duarte, e já aqui debatida por alguns camaradas, dá "pano para mangas"... Mas temos que ser cautelosos: nada de generalizações abusivas... Como em tudo, houve casos e casos...

II. Há um camarada que só assina por Mendes, e que pode ter pertencido à FAP, que escreveu o seguinte comentário ao poste do António Duarte (*):

(...) Estava legislado que: "Morte em Combate" é a que ocorre por acção directa ou indirecta do inimigo. Vamos a exemplos concretos:

- acidente de viatura deslocando-se ou não para zona de operações: morte por acidente;

- morte ao manipular a arma individual: morte por acidente;

- morte ao montar uma mina: morte por acidente;

- morte ao levantar mina IN: morte em combate;

- afogamento no decurso ou não de uma operação: morte por acidente:

- morte provocada por fogo directo ou indirecto IN, independentemente do lugar onde se registou: morte em combate;

- morte provocada por fogo amigo reagindo a contacto IN: morte em combate (...)


Era bom  tentares saber qual era essa legislação, meu caro Mendes...


III. A resposta ao inquérito de opinião pode ser dada, pelos nossos camaradas, até 5ª feira, dia 19, até ao meio dia.. Podem responder, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, antes de irem ao almocinho da Tabanca da Linha, que é nesse dia... 

Esperamos que se tenham inscrito a tempo... os de Lisboa e arredores, incluindo o Juvenal Amado que agora vem mais vezes à capital: neste caso, para tratar e começar a falar do seu livro, a ser apresentado oficialmente em 23/1/2016 (tem por sugestívo título "A tropa vai fazer de ti um homem", e vai ser publicado pela Chiado Editora).

Um abraço fraterno para todos/as.

Os editores, Luís Graça e Carlos Vinhal


IV. Seleção de mais dois comentários ao poste P15355 (*):


(i) António J. Pereira da Costa:

(...) A História do BArt 38753, ao qual pertenci, está escrita com certa fantasia. Há várias imprecisões entre as quais a data da minha apresentação no Xime que surge dois meses depois de ser ter efectivado. Não será importante, mas dá uma ideia da "ligeireza" com que foi escrita. 

Não sei quem "escreveu" a História da Unidade, mas sei que, às vezes, não havia intenção de branquear nada, mas antes o querer despachar "aquele dever" chato e sem interesse. No fundo quem viesse atrás que fechasse a porta que nós embarcamos para a semana. No fundo, que importava se o tipo morreu em combate ou por acidente. Morreu e pronto. 

Lembro que a CArt 3494 teve um morto em combate e três por acidente no Rio Geba. Tenho ideia que ninguém morreu, por doença, mas que houve vários feridos ligeiros na emboscada na Ponta Coli, em abril de 72.

Morreu, além disso,  um milícia no Enxalé, em combate, durante um ataque com armas pesadas. (...)

(iii) José Marcelino Martins:

Sobre a guerra, a morte e as suas causas, muito há, ainda, para contar.Infelizmente.

V. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"

1/2.Sempre ou quase sempre / Muitas vezes  > 9 (36,0%)

3. Algumas vezes  > 4 (16,0%)

4/5. Poucas vezes /5. Nunca ou raramente > 2 (8,0%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 10 (40,0%)

Votos apurados: 25 

Encerramento: 5ª feira, dia 19, às 12h25

____________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 12  de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 387 3, e CCAÇ 12, 
1971/74)

(...) Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia..... Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate. (...)

(...) da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas. (...)  O alf António Jorge Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano, foi "varrido" com uma rajada de G3. (...). Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano, de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia. 

Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).

Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese, arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente. Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço. (...)

(**) Último poste da série> 7 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15374: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (4): aberto um crédito especial de 250 contos, em 27/2/1908 (escassas semanas depois do regicídio), para fazer face às despesaas com operações militares na "província da Guiné", ao tempo do governador Oliveira Muzanty, 1º tenente da armada


Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura >  1908 > "Bissau: Soldados em grupo dentro da fortaleza"... Foto proveniente do Arquivo Histórico Militar.  Ainda hoje a fortaleza está coberta de poilões centenários como este, seguramente contemporâneos das "campanhas de pacificação" da Guiné e do capitão Teixeira Pinto (1913-1915) (LG).


1. 

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS DA MARINHA E DO ULTRAMAR

Direcção Geral do Ultramar



Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > PORTARIA, 14 DE AGOSTO DE 1900 > Portaria (ministerio da marinha e Ultramar — Diario do governo n.° 210, de 18 de setembro) determinando que as duas companhias de infanteria da guarnição da provincia da Guiné formem uma unidade administrativa com a designação de «grupo de companhias de infanteria da Guiné»
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1900.




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 29 DE AGOSTO DE 1901 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.º 213, de 23 de setembro) approvando a reorganização do pessoal das officinas da esquadrilha da Guiné e seus vencimentos
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1901.





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 25 DE AGOSTO DE 1903 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 19, de 26 de janeiro de 1904) determinando que os dois pelotões independentes de dragões da provincia da Guiné Portuguesa sejam substituidos por um esquadrão de dragões indigenas conformo o quadro annexo
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1903.





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 22 DE FEVEREIRO DE 1908 > Decreto (Ministerio da Guerra — Diario do Governo, n.° 56, de 10 março) pondo á disposição do Ministerio da Marinha e Ultramar um corpo expedicionario de tropas para a provincia da Guiné
MINISTÉRIO DA GUERRA, Livro 1908




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 27 DE FEVEREIRO DE 1908 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 49, de 29 de fevereiro) determinando a abertura de um credito especial destinado ás despesas a fazer com as operações militares da Guiné
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1908.


PROPOSTA DE ORÇAMENTO DE ESTADO PARA O ANO DE 1908-09




Proposta de orçamento geral do Estado para o ano de 1908-1909: o total das receitas era de cerca 70,5  mil contos e o total de despesas de 71,8 mil contos: Défice; mais de 1,3 mil contos. No final da monarquia, em 1910, o nosso PIB (Produto Interno Bruto) andava por volta de 1 milhão de contos (1.000.000.000$000), sendo 1 conto igual a 1.000$000 (equivalente à importância de mil réis - 1$000 - multiplicada por mil,  ou seja,  1 milhão de réis). Com a República, em 1910, o real foi substituído pelo escudo ($) e, em 2002, pelo euro (€).


Discriminação das despesas (ordinárias e extraordinárias) do Direção Geral do Ultramar: 150 contos é a verba originalmente proposta para custear o envio de coluna militar para o sul de Angola...

Fonte: Portugal. Ministério das Finanças - Orçamento Geral e proposta de lei das receitas e despesas ordinárias e extraordinárias do Estado na Metrópole para o ano económico de ... Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1884 - 1925. [Consult em 14 de novembro de 2015]. Disponível em
http://purl.sgmf.pt/OE-1908/1/




Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1970 > Parque da cidade com a estátua de Oliveira Muzanty e,  ao fundo, a Casa Gouveia, dois símbolos do colonialismo... A estátua foi apeada depois da independência da Guiné-Bissau. 


Foto: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Para melhor se entender estas peças, soltas, da legislação régia, datadas da primeira década do século XX, é preciso recordar que a "campanha de pacificação" (sic) da Guiné é um longo e sangrento processo que vai da década de 80 do séc. XIX até aos anos 30 do séc. XX... E nesse processo tiverem particular dois grandes militares portugueses, Oliveira Muzantey 8em 1907-08) e Teixeira Pinto (1913-1915)... Foram 70 anos a fazer a ocupação, "efetiva", do interior da Guiné... 

Este período tem de ser entendido à luz do processo de "partilha" de África pelas potências coloniais europeias, na sequência da Conferência de Berlim de 1884/85... O que se passava em 1908, o ano do regicídio (que ocorreu em 1/2/1908, na Praça do Comércio, em Lisboa, na cabeça do império) ?

Escassas semanas depois da trágica morte do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe, o Governo do almirante Ferreira do Amaral  aprova,  em 27/2/1908, a abertura de um crédito especial de 250 contos para fazer face às despesas com operações militares na "província da Guiné" (, nesta época, o legislador nunca usa o termo "colónia" para designar os territrórios ultramarinos portugueses; "colónias" são as britãnicas)... Convenhamos que 250 contos (250 milhões de réis= 1000 x 1000 x 1$000) na época era muito dinheiro, que o tesouro não tinha...

Deslocava 1757 t, tinha de comprimento  73,8 m, 4 mil cv de
propulsão (2 máquinas a vapor,  com 4 caldeiras alimentadas a
carvão).  Velocidade: 18 nós. Tripulação: 208 elementos.
O seu primeiro comandante foi o capitão de mar e guerra
Ferreira  do Amaral,  Participou,  na I Grande Guerra,
em operações 
militares  contra os alemães no norte
de  Moçambique.  Foi abatido ao efetivo em 1934

Fonte: Wikipedia.
Como termo de comparação, cite-se o custo do cruzador Adamastor: cerca de 382 contos, em 1897 (equivalente a 8 milhões de euros em valores atuais). Construído nos estaleiros navais de Livorno, Itália, em 1896, e lançado à água em 1897, foi financiado por uma patriótica subscrição pública, organizada em resposta ao ultimato inglês de 1890.

Estava então à frente dos destinos da província o governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909),  1º tenente da Marinha.  Sobre as campanhas de Oliveira Muzanty, nos anos de 1907-08, vd., aqui texto do José Martins.

Recorde-se também as campanhas militares de Oliveira Muzanty foram acompanhadas pelo primeiro fotógrafo de guerra português, José Henriques de Mello.

E acrescente-se também este pequeno trabalho de historiografia, que nos vem do Brasil (e que merece uma leitura mais atenta):


“A campanha da Guiné é um diário de guerra escrito pelo tenente de artilharia da marinha portuguesa Luiz Nunes da Ponte, onde ele narra a sua primeira experiência em uma guerra [Luiz Nunes da Ponte, A campanha da Guiné 1908, Porto, typographia a vapor da Empresa Guedes,108 pags.]. 

"O diário é de recordação pessoal, que foi impresso, em março de 1909, em numero limitado e presenteado a amigos militares próximos. O tenente Nunes inicia o seu diário relatando a noticia que leu no jornal O Século, do dia 05 de dezembro de 1907, que dizia: 'pelo Ministério da Marinha foi feita ao Ministério da Guerra requisição de forças para uma expedição á Guiné', nesse mesmo mês chegou a Portugal D. José relatando horrores da colônia, a sua missão na metrópole era conseguir uma expedição para a 'pacificação' da Guiné, de imediato não foi atendido, mas com a mudança no comando do ministério da Guerra mais uma vez ele solicitou essa expedição o que conseguiu para o mês de março de 1908. 

"O contexto da produção deste diário encontra-se nos desdobramentos da partilha e colonização do continente africano pela Europa no final do século XIX, apesar de que Portugal já se encontrava em partes do que hoje é a Guiné antes da partilha, nessa nova fase do contato português com os reis da região da Guiné muitos se levantam para repelir essa 'dominação'. 

"Quais seriam as causas dessas reações? O que verdadeiramente mudou na relação entre Portugal e os reis da região após 1880? Com um novo desenho espacial da região, o que isso afetou nessa relação? São questões que estão aqui postas para reflexão e que junto com o diário, publicações periódicas e leitura de texto,s serão desenvolvidas a partir deste trabalho” (…).

Fonte: Barreto, F. e Carvalho, J. - A Campanha da Guiné 1908. [Em linha] Anais Electrónicos. VI Encontro Estadual de História. Associação Nacional de História, Seção Bahía [ANPUH/BA]. 2013. [Consult em 15 nov 2015]. Disponível em http://anpuhba.org/wp-content/uploads/2013/12/Fabio-Barreto.pdf

Guiné 63/74 - P15373: Notas de leitura (776): Reler Álvaro Guerra: “O Capitão Nemo e Eu” (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
O melhor é estar sempre disponível para um achado precioso, encontrar um livro que vale a pena reler sempre, num caixote de saldos, e numa livraria que nos marca a existência, a Assírio e Alvim, na Rua Passos Manuel, em Lisboa.
Não é uma narrativa fulgurante, arrebatadora, mas tem lá, a páginas 84, a grande frase de literatura da guerra, aquela começa assim: "Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me da fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical...".
Obrigado Álvaro Guerra por nos teres incluídos a todos nós.

Um abraço do
Mário


Reler Álvaro Guerra: O Capitão Nemo e Eu

Beja Santos

Li e reli esta soberba narrativa de Álvaro Guerra sempre em cópia, nunca tivera acesso ao livro. Eis que num caixote de saldos na Livraria Assírio e Alvim encontro-o, logo em primeira edição, mesmo um pouco esmurrado e sujo. E que prazer, voltar a um livro de 1973, devidamente encriptado para que a censura não lhe metesse a gadanha, tendo no arranque uma citação de “20 mil léguas submarinas”, de Júlio Verne: “Portanto, à pergunta feita, há seis mil anos pelo Eclesiastes – Quem pôde jamais sondar as profundezas do abismo – dois homens têm agora o direito de responder. O capitão Nemo e eu”.

O livro dispara com uma das melhores páginas de Álvaro Guerra:  
“Que perdi a memória – dizem. E logo dão o nome a esta imunidade que pretendem retirar-me. Dizem isso com precaução e manha como se quisessem disfarçar o despeito. Defendo-me. Só agora, na metade do tempo em que a droga do sono se esgota e sei que é meu o que me circula nas veias, só agora me visito: primeiro, o estojo duro e branco que esconde o grande golpe na coxa direita, as ligaduras que encontro ao passar a mão pela testa. Também procuro os resíduos invisíveis das anestesias e só me revelo um estranho gosto na boca”.

Álvaro Guerra combateu na Guiné logo no início da guerra, regressou ferido e foi estudar para Paris. O conjunto das suas obras até este livro de 1973, mesmo que esparsamente, reflete sempre as vivências do território onde combateu. Não foi por acaso que toda esta seção do romance ele lhe chama sono, sonos, há mesmo delírios, vultos mal definidos, sons híbridos. Está hospitalizado, e regista o que lhe vai entre a memória e o clarear do real, na estrita dependência em que se encontra: “Devo sujeitar-me aos horários dos remédios, às injeções, a ser colocado sob as placas de vidro dos aparelhos de radiografia e ao emaranhado de fios presos à cabeça através dos quais é possível ler o meu cérebro…
… sentado junto do Cherno e dos homens grandes da tabanca, à volta da fogueira, mascando cola, rodeado por todas a estrelas e astros conhecidos e desconhecidos, no planeta Terra, mais ou menos a 12º de longitude norte e 17º de latitude oeste, olhando as chamas e dizendo – tanaala? nobadeá? A quem se chegava ao nosso fogo e, enquanto ouvia a litania das respostas – djam tu, djam tu, djam tu – murmurava ‘kodé dadi’, que é uma forma de pensar que as estrelas são livres, se apenas delas o brilho existe. As crianças, acocoradas à nossa frente, ventres inchados entre pernas cruzadas, começavam a recitar versículos do Corão, verdade que, segundo Mohamed-al-Ghazali, está apenas no centro de Deus sem ter sido alterada pela passagem ao espírito dos homens”.

O autor, ao tempo, era um praticante incondicional do Nouveau Roman, que tinha como sumo-sacerdote Alain Robbe-Grillet, o que se traduzia por uma escrita fragmentária, um puzzle de textos relativamente curtos, e muito exigentes da atenção do leitor. E por isso ele viaja entre hospitalização e Paris, entre leituras e recordações familiares, os tratamentos prosseguem, começa a convalescença: “Já passeio de muleta, no jardim, à sombra de castanheiros e chorões, pelas áleas ensaibradas metidas entre os canteiros das dálias a quem o sol dá e tira cores que ardem, se consomem e renascem. Sento-me na curva do S verde, no terceiro banco, quase sempre vazio. Os outros doentes preferem o caramanchão, escondendo o escarro, a mazela, cavaqueando, negligentes, sobre males crónicos ou agudos, trepanações, enxertos, visitas, altas e baixas, enfermeiras e senhores doutores, punções, clisteres, anestesias”. De novo recordações do passado longínquo, há quintas, touros, casas imponentes, e a memória desliza até ao sul da Guiné e depois afunda-se no sono. Prossegue a viagem, onde não faltam ilhas e pântanos, estamos de novo na Guiné. E é exatamente aqui, na página 84, que Álvaro Guerra escreve o parágrafo de ouro de toda a literatura da guerra da Guiné, até prova em contrário: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar”.

A recordação mais pungente é de Safi, uma fula, mas aquele branco sabe que não está no seu lugar, a sua presença é de mera passagem e vem-lhe à memória Nautilus, o doente chega a ter pesadelos: “Nuvens de grandes escaravelhos negros voltam a atacar-me, de noite. Alguns chocam violentamente contra o meu rosto húmido e não sei como defender-me desta praga e do zumbido de milhares de asas agitadas com incrível velocidade. Quando começam a entontecer-me e os meus braços se cansam de abrir caminho através dessas inúmeras carapaças que desesperadamente se abatem sobre o meu corpo, acordo”. É um romance feérico, aqueles sonos são contributivos dos quadros mágicos que se misturam com as recordações da guerra. Dentro em breve acabar-se-á a convalescença e o doente sempre pesar, viajou muito por vários continentes, assentou em muitas moradas, desceu aos abismos com o capitão Nemo, chegou mesmo a visitar a Atlântida, foi visitado pelo anjo branco. E o autor despede-se, chegara ao termo a noite. Cambaleante, sentou-se à secretária, começou um texto: “Perdi a memória – dizem. E logo dão um nome a esta imunidade que pretende retirar-me. Dizem isso com precaução e manha como se quisessem disfarçar o despeito. Defendo-me”.

Não chegou ao fim da página. Substituiu o papel na máquina e escreveu: “O capitão Nemo e eu”. Acendeu um cigarro. Olhou pela janela as nuvens brancas que viajavam do norte para o sul. Entre parêntesis acrescentou: “Crónica das horas aparentes”.

E Álvaro Guerra não mais voltou à Guiné, a sua vida seguiu outro curso, depois do 25 de Abril, pôs a imaginação e o talento noutros serviços, mas deixou-nos aquele parágrafo imorredoiro, a páginas 84, maior declaração de fé não conheço, mais amor entranhado de um combatente não existe, entre o amor e a morte, como deve ser.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15359: Notas de leitura (775): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15372: Parabéns a você (988): José António Viegas, ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54 (Guiné, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15368: Parabéns a você (987): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reabast Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Pacífico dos Reis, Coronel Cav Ref, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

domingo, 15 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15371: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (1): Eu e o meu pelotão em Cantacunda (Parte I)


Foto nº 1 > O Alf mil Alfredo Reis




Foto nº 2


Foto nº 3 > P Alf mil Alfredo Reis, ao centro


Foto nº 4  > O régulo e uma das esposas. [Julgo que o regulado era o de Manganã, 



Foto nº 5



Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8



Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1.  As fotos são do ex-Alf Mil Alfredo Reis que, tal como o António Moreira, o Domingos Maçarico e o A. Marques Lopes, era da CART 1690.

Os quatro figuram na lista dos membros da nossa Tabanca Grande. O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém.

As fotos chegaram-nos por intermédio do A. Marques Lopes. (Não é claro, para os editores, quem é autor das legendas, mas esperamos que o A. Marques Lopes ou o Alfredo Reis nos esclareçam posteriormente).

Além da sede (Geba), o Alfredo Reis esteve nos destacamentos, alguns dos quais, como Banjara e Cantacunda, eram os piores "buracos" do CTIG na época.  (LG)





Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita. Com os quatro juntos, a CART 1690 faz o pleno em matéria de alferes milicianos... (LG)


Foto: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.


(,,,) Mensagem, de Janeiro de 2008, do nosso querido camarigo A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1967/69) (*):

(...) Tenho-vos falado muitas vezes da CART 1690, sobre a qual há alguns postes no blogue da Tabanca Grande. Já fiz também referência aos alferes que por ela passaram. Mas quero, agora, falar-vos mais em pormenor destes gloriosos alferes, que é como nós próprios nos designamos, porque a nossa glória é continuarmos juntos. É bom que os conheçam pessoalmente. Aqui estão eles, num jantar do Natal de 2007, em Lisboa:

(i) O Domingos Maçarico (ainda um parente afastado do Luís Graça...), nascido na Praia de Mira, é engenheiro agrónomo e membro da Administração do Grupo Espírito Santo;

(ii) o Alfredo Reis, de Santarém, é veterinário e está reformado (embora pratique ainda);

(iii) o António Moreira, de Idanha-a-Nova, é advogado em Torres Vedras e [fez parte, no triénio de 2008/2010] do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;

(iv) o A. Marques Lopes é, como sabem, coronel reformado [, fazendo parte dos primeiros cinco primeiros membros da nossa tertúlia, hoje Tabanca Grande: eu, o Sousa de Castro, o Humberto Reis, o A. Marques Lopes e o David Guimarães, por esta ordem cronológica]...

Como todos, também temos a nossa história.

Jovens e estudantes - o Domingos Maçarico no, então, Instituto de Agronomia de Lisboa (conheceu lá o Pepito), o Alfredo Reis no Instituto de Veterinária de Lisboa, também assim chamado então, o António Moreira na Faculdade de Direito de Lisboa e o A. Marques Lopes na Faculdade de Letras de Lisboa - fomos apanhados para frequentar, em Janeiro de 1966, o Curso de Oficiais Milicianos, em Mafra.

De lá saímos, em Julho desse ano, como Atiradores de Infantaria. Andanças por vários lados, a seguir (Lamego, Amadora...), e tornámos a encontrar-nos no RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), que nos mobilizou para a Guiné, a 4 de Dezembro de 1966.

De 6 de Dezembro deste ano a 23 de Fevereiro de 1967 estivemos no GAGA2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 2) a dar a especialidade aos soldados da que foi designada CART 1690, e que foram connosco para a Guiné.

Passámos, depois, pelo RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, Carregueira, IAO... e embarcámos em 8 de Abril. Mas, antes, grandes patuscadas e farras tivemos juntos nos bares e baiúcas de Lisboa, acompanhados pelo capitão da companhia, o Guimarães [morto aos 29 na estrada de Geba-Banjara ...] Nessa fase cimentou-se a nossa amizade.

Desembarcados do Ana Mafalda para LDG, começou a Guiné, rio Geba acima. E ficámos em Geba. Eu fiquei na sede da companhia, às ordens do capitão e do Comando do Agrupamento. Eles foram distribuídos pelos destacamentos, por onde também passei, mas por pouco tempo. Já há coisas no blogue sobre Geba.

Em 21 de Agosto de 1967, fui ferido na estrada de Geba para Banjara e fui, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. O Domingos Maçarico foi ferido em 21 de Setembro de 1967, sendo igualmente evacuado para o HMP. O Alfredo Reis foi ferido na mesma altura, mas esteve apenas vários dias no hospital em Bissau. O António Moreira nunca foi ferido. Ele e o Reis estiveram sempre na companhia, em Geba e destacamentos, até Outubro de 1968.

O Maçarico não voltou à Guiné. Eu voltei em Maio de 1968, mas fui colocado na CCAÇ 3, em Barro.

Depois da minha evacuação para o HMP, fui substituído na companhia pelo alferes Fernando da Costa Fernandes, que foi dado como desaparecido em campanha em 19 de Dezembro de 1967, durante a operação Invisível em Sinchã Jobel: O alferes Fernandes foi, depois, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, que foi morto em 8 de Setembro de 1968, durante um ataque ao destacamento de Sare Banda.

O Domingos Maçarico, depois de evacuado, foi substituído pelo alferes Orlando Joé Ribeiro Lourenço. Este voltou à metrópole são e salvo, mas nunca alinhou, nem nos encontros da companhia.

Somos nós os quatro, os sobreviventes, como também dizemos, que nos mantemos unidos entre nós e com os elementos da companhia. Com alguns intervalos, e eu explico a seguir.

Entre 1969 e 1974, os meus amigos e camaradas que estão comigo na fotografia, dedicaram-se a acabar os seus cursos e, depois, à vida pofissional, mantendo, embora, contactos entre si. Mas eu estive afastado deles durante esses anos (...).

(...) Há cerca de trinta anos que estes quatro ex-alferes, camaradas e amigos na Guiné, e antes dela, se encontram pelo menos quatro vezes por ano, além dos encontros da companhia. Temos ideias muito diferentes sobre certas coisas, cada um disparando, agora, para seu lado, mas a amizade cimentada na juventude e na guerra mantém-se e está acima de tudo. (...)

Guiné 63/74 - P15370: Libertando-me (Tony Borié) (43): Pois, se não viste, vê!

Quadragésimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 10 de Novembro de 2015.




...Pois se não viste, vê! 

Já lá vão mais de trinta anos, muito perto dos quarenta, recebemos uma mensagem daí de Portugal, a dizer que o pai Tónio estava doente, depressa fizemos tudo para o ir ver, sobretudo, mostrá-lo ao nosso filho, pois em todas as conversas que tínhamos sobre ele, sempre falávamos dele como um “heroi”, não sabia ler ou escrever, assinava de cruz, mais tarde, desenhava o seu nome, criou a sua família, alimentando-a à base de uma agricultura artesanal, deixou os filhos irem à escola do Adro, em Águeda, tinha coragem para ser do “contra”, fazia favores aos vizinhos, por vezes dava o último bocado de broa a um cigano ou qualquer pobre que por lá passava, sempre com um sorriso naquele rosto com a pele morena e encorrilhada, do sol ou chuva que recebia, pegando numa enxada o dia inteiro, onde aquela boina preta, que encobria um olhar de sofrimento, lhe dava um ar de pessoa honesta e amargurada, sobrevivendo numa sociedade complicada, sempre contrariado quando descia à vila de Águeda, onde alguns invejavam a sua coragem e outros o desprezavam, porque eram beneficiados pelo tal sistema e viam naquela simples personagem, uma negação às benesses com que eram contemplados.

Portanto, depois de tudo o que lhe dizíamos, no pensamento do nosso filho, ele, o pai Tónio, era um “herói”. Na nossa viajem “à pressa”, levámos o nosso filho a ver o avô Tónio, o seu “herói”, fomos os dois, ia pela nossa mão, desembarcámos em Lisboa, tomámos um táxi para a estação de Santa Apolónia, trajecto que conhecíamos do serviço militar, lá indo no comboio rumo ao norte, era depois da Revolução do 25 de Abril, em todo o lugar por onde passávamos viam-se cartazes retratando um militar com uma multidão a apoiá-lo, ao ponto de o nosso filho nos questionar se a figura representada no cartaz, era o avô Tónio, o seu “heroi”. Em Águeda, além da família, convivemos com muitas pessoas e um companheiro que tinha sido nosso amigo, mas agora era “representante do povo”. Ao ver-nos, sabendo que éramos emigrantes nos EUA, logo nos questionou:
- Então, estás nos Estados Unidos, de lá, no sul, existe algum local onde se pode ver a ilha de Cuba?

E, com uma expressão que não enganava, pois era mesmo provocativa, rematou:
- Tu já viste, pois se não viste, vê, é lá, naquela ilha, naquele líder que está o futuro.

Nós ouvimos, lembrámo-nos de que não respondemos, pensando que aquelas palavras, vindo da boca de um amigo, que naquele momento, parecia se ter tornado num inimigo feroz, valiam o que podiam valer, no entanto muitos anos passaram, quis o destino que viéssemos viver aqui para a Flórida, portanto, talvez seguindo a recomendação do nosso amigo, que parecia ser nosso inimigo, “representante do povo” e, segundo viemos a saber, não exerceu por muito tempo a tal “representação”, pois pouco tempo depois abandonou o mandato, emigrando “a salto” para França, talvez desolado por todas as manhãs ao sair de casa ver que a sua rua continuava com o mesmo aspecto. Disse-nos mais tarde a mãe Joana que queria exercer o tal poder, mas em seu benefício, pois das primeiras decisões que quis tomar, após a sua eleição, foi querer alargar a rua em frente à sua casa, roubando o terreno dos seus vizinhos, alargando e beneficiando a frente da sua casa, o que não conseguiu, pois o tal “seu povo”, não concordou.
Enfim, pequenas “coisas da revolução” que podem ser consideradas normais, em qualquer revolução, em qualquer país, mas vamos em frente, contando coisas daqui.

Como dizíamos, talvez seguindo a sua “recomendação”, um dia pela madrugada, um pequeno farnel na caixa frigorífica, eis-nos na estrada rápida número 95, no sentido sul, em direcção à área das “Florida Keys”, que é um conjunto de ilhas ligadas por pontes, algumas com quilómetros de extensão, que começa na ilha de Key Largo, passando por muitas outras mais pequenas, onde as principais são as ilhas de Islamorada e de Marathon, terminando na de Key West.

Levámos as canas de pesca, fomos parando aqui e ali, vendo vestígios de tempestades, em alguns locais o mar parecendo um rio, em outros, correntes fortes saindo Golfo, levando areia e ramagem em direcção ao sul, até que chegando ao nosso destino, parámos na ponta final, na ilha de Key West, onde além de muitas outras atracções existe um marco histórico identificando o local como que estando a 90 milhas, (140 Km) de Cuba, onde alguns naturais dizem que com o tempo limpo, com o auxílio de uns potentes binóculos se pode ver uma nuvem, que é a ilha de Cuba.

Mas Key West é uma ilha cujas dimensões têm mais ou menos 6,5 Km de comprimento por 1,5 de largura, onde a Duval Street é a típica “main street”, ou seja a rua principal, com quase 2 quilómetros, atravessando 14 pequenas ruas que vêm do Golfo, onde a água é calma e quente, até ao oceano Atlântico, onde a água se caracteriza pela sua cor azul, com muitas zonas onde existe vegetação submarina, com algas a saírem à superfície, desprendendo-se do fundo do oceano, vindo dar à praia.


Nestas 14 pequenas ruas, assim como na avenida principal, existe todo o tipo de atracções, desde as casas de personagens famosos que por aqui viveram em determinado momento da sua vida, como os antigos presidentes dos USA, Harry Truman, Franklin D. Rosevelt, Dwight D. Eisenhover ou John F. Kennedy. Um lugar bastante visitado é o que foi a residência de Ernest Hemingway, onde viveu e escreveu o famoso livro “Farewell to Arms”, onde contam as mais mirabolantes histórias deste famoso escritor que adorava visitar o bar da esquina, que ainda se chama ”Sloppy Joe’s Bar”, onde ainda se serve uma bebida composta de rum e coca-cola, ou seja a união do continente USA com as Caraíbas! O pôr-do-sol é muito apreciado nesta área, proporcionando excelentes fotos, onde as palmeiras e outras ramagens tropicais servem de fundo, em contraste com com a cor avermelhada do horizonte, principalmente para o lado da ilha de Cuba. Também por aqui existe um razoável porto de mar, onde o primeiro navio de cruzeiro, que se chamava “Sunward”, aqui atracou no ano 1969 e onde hoje fazem regular visita as companhias de cruzeiros: Royal Caribbean, Magesty of the Seas ou a Carnival Fascination.

O local mais visitado, e onde se tiram mais fotos, onde em alguns dias a fila se prolonga por algum tempo, principalmente quando chegam barcos de cruzeiro, é o marco histórico assinalando as 90 milhas de Cuba, erguido em 1983, pintado com cores distintas e com os dizeres já famosos, que são: “Southernmost Point Continental USA”, ou seja, ponto mais ao sul do território do Estados Unidos. Outras atrações podem-se considerar única e simplesmente admirar as casas, os seus telhados, no histórico distrito, onde as estruturas de casas de madeira, com um ou um e meio andares, com datas de 1886, se distinguem por serem construídas sobre estacas de tronco de árvores, sobre a água, com varandas e passeios em frente das casas, que nos fazem lembrar um quadro pintado.

Embora indo um pouco longe na dimensão do texto, não queremos terminar o mesmo sem vos dizer que esta ilha em tempos pré-colombianos, era habitada pelo povo “Calusa”, que foi um povo que entrou no que é hoje a Florida há alguns milhares de anos, onde o clima tinha alcançado as condições actuais e o mar tinha subido para perto do que é hoje o seu nível actual e as pessoas começaram a viver em aldeias perto de zonas húmidas, locais favorecidos, que provavelmente foram ocupados por várias gerações, onde as pessoas apreciavam viver, ocupando ambas as zonas húmidas, mas com água doce e salgada, onde por séculos, a sua dieta ficou dependente, principalmente de peixe, marisco ou aves, vivendo em grandes aldeias, com montes de terraplanagem, construídos de propósito, às vezes formando pequenas ilhas, onde além de outras ocupações, começaram a criar a cerâmica queimada no fogo, onde se foi desenvolvendo uma cultura regional muito distinta.

Tudo isto até que por aqui chegou a primeiro europeu, que foi Juan Ponce de Leon, por volta do ano de 1521, tornando-se imediatamente num território espanhol, como uma aldeia de pescadores e de salvamento, com uma pequena guarnição para sua defesa. “Cayo Hueso” foi o seu nome original em espanhol e as pessoas de língua espanhola ainda hoje usam este termo para se referir à ilha de Key West. Este nome significa literalmente “ilhota óssea”, mas na verdade é uma ilha baixa, com alguns recifes, dizendo-se hoje que a ilha estava coberta com os restos de ossos de habitantes nativos anteriores, que usavam a ilha como um cemitério comunal. Um pormenor importante é que esta ilha, naquele tempo, foi por muitos anos a Key (em inglês chave), portanto a chave ocidental, como um suprimento confiável de água.

Em 1763, quando a Grã-Bretanha assumiu o controle da Florida, a comunidade de espanhóis e nativos americanos que aqui viviam, foram transferidos para a aldeia ou porto de Havana, na ilha de Cuba, mas a Flórida retornou ao controle Espanhol 20 anos mais tarde, no entanto já não houve reassentamento oficial da ilha, pois informalmente esta foi usada pelos pescadores de Cuba, Britânicos e mais tarde os USA, após a sua independência, o que quer dizer que enquanto reivindicada a sua soberania pela Espanha, nenhuma outra nação exerceu o controlo sobre esta comunidade, por algum tempo.

Voltando ao tempo de hoje, também existe a parte moderna, já com centros comerciais, restaurantes e hotéis “temáticos”, onde nós, na nossa infinita ignorância, perguntámos o preço de uma dormida e, talvez por ser à última hora, sem marcação prévia, nos disseram que estavam superlotados, mas por sermos seniores e talvez “boas pessoas”, nos arranjariam um confortável quarto, pagando somente à volta quatro centenas de dólares por uma noite.

Companheiros, depois de terem a pachorra de lerem tudo isto, talvez já se estivessem esquecido se o pai Tónio sobreviveu, sim, sobreviveu e mais tarde veio aqui ver-nos, andou por Nova Iorque com a mesma boina na cabeça, viu a Broadway, foi ao cimo das torres gémeas, tirou fotos na Manhattan Bridge, comparou o rio Hudson ao rio Águeda, queria descalçar as botas, pois estava muito calor e queria refrescar-se. Entrando no lago que existe no Central Park, e apesar de levarmos as canas de pesca, não tivemos lá muita sorte na “pescaria”, e claro, da próxima vez que pensarmos em ir a Key West, vamos levar a caravana, pois derivado ao elevado preço que se pratica lá, viemos dormir à cidade de Miami, por os normais $69.99, com direito ao pequeno almoço.

Até qualquer dia, de novo em viagem.
Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15340: Libertando-me (Tony Borié) (42): As Regras da Escola

Guiné 63/74 - P15369: Agenda cultural (436): 124.ª Tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro de 2015, no Centro de Apoio Social - Oeiras (IASF), durante a qual serão apresentados dois livros e inaugurada uma exposição de fotografias sobre Timor (Manuel Barão da Cunha)

Em mensagem de hoje, 15 de Novembro de 2015, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos conta da próxima tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito já no próximo dia 18 de Novembro, no Centro de Apoio Social - Oeiras (IASF), durante a qual serão apresentados dois livros, um de sua autoria e outro da autoria do 1.º Sargento Tadeu de Almeida. 
Será ainda inaugurada uma exposição de fotografias de Vítor Cordeiro, sobre Timor, intitulada Expressões Lorosae.



14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

124.ª Tertúlia

Centro de Apoio Social - Oeiras (IASF)

Dia 17 de Novembro de 2015

1 - Lançamentos de 20.º livro Fim do Império, "Radiografia Militar e os Quatro DDDD?", de M. Barão da Cunha, com autor e Presidente da CMO (a confirmar);


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2 - Lançamento do 21.º livro, "Na Fronteira de Timor", do 1.º Sargento Tadeu de Almeida, com Coronel José Aparício e autor.


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3 - Inauguração da exposição fotográfica sobre Timor, de Eng. Vítor Cordeiro.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15353: Agenda cultural (435): Lançamento do livro "O Fedelho Exuberante", da autoria do Mário Beja Santos, dia 18 de Novembro, pelas 18 horas, no Auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha, n.º 1, ao Calhariz, em Lisboa

Guiné 63/74 - P15368: Parabéns a você (987): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reabast Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Pacífico dos Reis, Coronel Cav Ref, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15364: Parabéns a você (986): Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/70); César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71) e Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74)

sábado, 14 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15367: (De)caras (25): Fui, na manhã de 11/4/1968, de Sara Ganá em socorro a Cantacunda, com a minha secção do pelotão de morteiros e um pelotão da CART 1699... Quando chegámos, não havia nada nem ninguém, apenas o cadáver (mutilado) do bravo João Alves Aguiar, natural de Ponte de Lima, que tentou resistir ao ataque IN, de armas na mão (Carlos Valente, ex-1º cabo, Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)


Foto nº 1



Foto nº 2


 Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Abril de 2006 > Regresso a Cantacunda: tabanca atual (foto nº 1), antigas instalações do pelotão (foto nº 2), estrada atual para Cantacunda (fotos nºs 3 e 4)


Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem do Carlos Valente, o nosso mais recente membro da Tabanca Grande (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)

Assunto: ataque a Catacunda

Amigo Luís e Carlos, este recorte da notícia da fuga de Conacri...foi tirada do Primeiro de Janeiro, no dia a seguir que a notícia estalou na RTP e o sargento Lobato (piloto aviador) prestou declarações na TV (não me lembro quando foi isso, mas penso que se pode averiguar).




Título de caixa alta do Primeiro de Janeiro, de 29 ou 30 de novembro de 1970.
Cortesia do  Carlos Valente


Continuando com o tema do ataque a Catacunda [, de 10 para 11 de abril de 1968] (*) ...

Do nosso destacamento de Sare Gana, já bem entrada a noite, podíamos ouvir as explosões em Cantacunda, o qual indicava que a coisa estava séria. Com não podíamos abandonar o nosso destacamento de Sare Gana para dar apoio, saímos de manhã cedo para fazer um reconhecimento. 

Uma secção do meu Pelotão de Morteiros 2005, acompanhada por um pelotão da CART 1690, uns 45 homens, fomos os primeiros a chegar ao destacamento de Cantacunda. Quando chegamos, não havia ninguém, nem armamento nenhum. 

Demos uma volta ao destacamento, sem saber o que tinha acontecido ali, e encontramos a seguir o nosso camarada [João] Aguiar morto. Parece que ele durante o ataque foi um dos poucos que ofereceu resistência com metralhadora e com G3 desde o abrigo subterrâneo. Foi atingido por uma granada de mão atirada para dentro do abrigo. Mesmo ferido, o nosso camarada parece ter saído do subterrâneo. Foi então capturado e esfaqueado duas vezes dum lado, por baixo do braço. Queimaram-lhe a pera (barba) numa fogueira que os turras fizeram. Foi assim neste estado, com uma garrafa de cerveja na boca, que o encontramos. 

Mais tarde falava-se que dois dos nossos camaradas da CART 1690 foram levados feridos pelos turras e morreram pelo caminho.

Tomamos conta do destacamento e preparámo-nos para o pior, ate chegarem reforços. Aí ficamos instalados por duas semanas. Estávamos muito tensos e nervosos. Não pregávamos o olho durante toda a noite na expectativa de outro ataque, sem estarmos bem armados, sem morteiros e sem armamento pesado, só com G3. Finalmente, depois de duas semanas, chegou um pelotão de periquitos para tomar conta de Cantacunda.

Como e que que os "turras" conseguiram entrar no destacamento e levarem a malta?  (**) 

Comentava-se muita coisa, uma delas era que no dia do ataque a CART 1690 celebrava o primeiro aniversário de Guiné e tinha-se celebrado com umas cervejas. O pessoal estava descontraído e foram apanhados todos na caserna, sem terem tempo ou até nem estarem em condições para reagir ao ataque. Os turras estavam bem informados de tudo que se passava em todos os destacamentos, e os ataques em dias de celebrações era já um costume. Diz-se que o alferes do destacamento de Cantacunda não estava nessa noite. Que casualidade!

Dadas as precárias condições de quase todos os destacamentos (sem abrigos, alguns sem trincheiras, armamento pouco e pobre), por sorte ou destino, não ficamos lá todos porque o inimigo não quis. Sobrevivemos para contar o que passou.

Amigos, eu escrevo o que vi, ouvi e vivi, vocês vejam o que se pode e deve pô no blogue, cortem e corrijam o que vocês virem necessário. Tenho mais histórias, anedotas e fotos para outro dia.

Agradeço muito a vossa amabilidade e amizade, bem hajam. Parabéns pelo vosso trabalho. Nem que seja só em honra dos que ficaram nessas terras, dando a sua vida por uma causa justa ou não, vale a pena o que vocês estão a fazer.

Um grande abraço,
Carlos Valente


Guiné > Mapa geral da provcíncia (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Geba, Sara Gana e Cantacunda, na zona leste

Infogravura Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14972: (De)caras (24); o meu retrato, pintado em 1970 pelo Leão Lopes, do BENG 447 (Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 18 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

(...) Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:

"No dia 10 do corrente cerca das 00h00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e [João] Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)" (..:)

Comentários [AML]:

Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

(...) O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.

(...) Militares retidos pelo IN (#)

Fur. Mil.  João N. Vaz
1º Cabo José S. Morais
1º Cabo  José M. M. Duarte
Soldado  Armindo C. Paulino (##)
Soldado  Francisco G. Silva
Soldado  Luís S.A. A. Vieira
Soldado  António A. Duarte
Soldado  José S. Teixeira
Soldado  Domingos N. Costa
Soldado  David N. G. Pedras
Soldado  Luís S. Marques (##)
Soldado  João C. Sousa

(#) O termo "retido pelo IN" era um eufemismo. O Governo Português não reconhecia o PAIGC como inimigo, face à convenção de Genebra. Oficialmente, não havia "prisioneiros".

(##) Morreram de cólera durante o cativeiro.

Guiné 63/74 - P15366: In Memoriam (239): O Rui morreu, custa a crer, é triste (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 12 de Novembro de 2015:

Morreu faz hoje um mês, subitamente, de enfarte do miocárdio.

Pais, irmãos, sobrinhos, primos, tios, amigos, colegas, clientes, vizinhos, todos ficaram incrédulos e tristes.
Centenas de pessoas estiveram presentes no seu funeral, numa homenagem, sentida e amargurada, a esse grande homem que parecia não ter defeitos que se lhe pudessem apontar. Sem defeitos de origem física, moral ou psicológica. Tinha até feito, havia pouco tempo, exames médicos que atestavam o seu bom estado de saúde.

Morte cruel, súbita, estúpida que rouba a vida de um homem de 48 anos em pleno uso de todas as suas faculdades físicas, mentais, intelectuais e profissionais. Morte bárbara e cega que ceifa a vida indiscriminadamente sem atender às qualidades humanas, de alguns que por serem seus portadores em tão grande número deviam ter direito a uma vida muito longa para as propagarem, pelo seu exemplo, entre toda a sociedade.

Amizade, altruísmo, bondade, simpatia, alegria, honra, dedicação, cordialidade, estas e outras boas qualidades, fazem parte do retrato desse amigo que partiu e que nos deixou a todos mais pobres, porque ele era o melhor de todos e fazia-nos acreditar que há homens bons e que o homem não é o lobo do homem, como disse o filósofo.

Não há um Deus único nem muitos deuses que possam justificar esta injustiça que a fragilidade da natureza humana prega mesmo aos melhores, aos mais virtuosos, aos mais santos dos homens. Um misto de incompreensão e revolta cresce no coração das mulheres e dos homens que o amaram e foram tantos.
Morre jovem aquele que os deuses amam, porquê? Será para satisfazer a sede de sangue e a crueldade dos deuses. Há homens que irradiam tal bem-estar e simpatia entre os seus semelhantes, que são como cometas que quando passam nos nossos céus derramam um halo luminoso que embora breve nos arrebata e ao mesmo tempo acalma tanto o nosso espírito. Para todos os que te choramos, resta-nos a felicidade de te termos conhecido e ter apreciado a harmonia e boa disposição que criavas com a tua presença, com o teu eterno sorriso, com a tua bonomia inata.

Muito obrigado pela lição de vida que nos deste! O respeito pelo luto e pela dor da família mais próxima obriga-me a ser discreto em divulgar dados biográficos sobre ele. Toda a família próxima ficou em estado de choque, como é de calcular. Para os pais a morte de um filho é um sofrimento enorme, talvez a maior provação humana, pois a ordem natural, comum a todos os seres vivos, que preserva os mais novos, e condena os mais velhos, é subvertida.
Numa primeira reacção todos os pais nesta situação, duvidam de todas as leis e da apregoada harmonia do universo, porque para eles a Terra começa a girar ao contrário.

Este acontecimento triste faz-nos também reflectir sobre a dor imensa que tiveram os pais dos nossos camaradas que morreram na Guiné, muitas vezes ao nosso lado. Na Ilíada, Príamo, rei de Tróia e pai de Heitor, ajoelha-se em lágrimas aos pés do grego Aquiles, seu inimigo, a reclamar o corpo do filho, morto por ele, em duelo, para lhe dar uma sepultura condigna.
Há sentimentos que são eternos e universais.

O Rui morreu num dia aziago, 9 de Outubro de 2015, e deu-se conta do perigo iminente que corria. Era um veterinário, além de bom profissional muito sensível. Sei que chorou quando há alguns meses lhe morreu um cão já muito velho. Pertencia a uma família socialmente muito respeitada pelas suas qualidades morais e humanas. O pai dele, formado em economia, foi nosso camarada, como capitão miliciano, na administração militar, em Moçambique, onde o Rui e mais dois irmãos, ainda meninos estiveram na companhia dos pais.

Deixou viúva uma jovem senhora. A palavra camarada, todos vós o sabeis, reúne em si muitos predicados, amizade, lealdade, confiança e outros.

Meus caros camaradas deixai que partilhe convosco a morte deste amigo, que para mim foi também um grande camarada.
O Rui morreu, custa a crer, é triste.
Até sempre camarada!

Um abraço.
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de agosto de 2015 Guiné 63/74 - P15057: In Memoriam (238): Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares (1947-2015), ex-1º cabo escriturário da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). O funeral é amanhã, às 10h20, em Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia... (Fernando Andrade de Sousa, Trofa / José Fernando Almeida, Óbidos)

Guiné 63/74 - P15365: Blogpoesia (424): Uma hecatombe virá... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem de hoje, 14 de Novembro, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos um poema alusivo aos trágicos acontecimentos de ontem em Paris.


Uma hecatombe virá…

A hora soou. 
Explodiu em Paris.
Arrasou a esperança na paz
Que cobria este mundo.
Uma bomba satânica,
Em nome de Alá!…
Explodiu sangrenta e mortal.
Ameaça alastrar.

Não há reflexões a fazer.
A fantasia acabou.
Agora é a valer.
O domínio total
É o que eles pretendem.
Sem bombas atómicas.

Se não se lhes fecham as portas,
Enquanto há tempo…

Ontem, Paris.
Amanhã… numa aldeia remota
No nosso País,
À beira da porta.

É hora de darmos as mãos,
Em nome da esperança e da paz!...

Berlim, 14 de Novembro de 2015
8h3m
Ouvindo “Claire de Lune”

O sol está raiar
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15326: Blogpoesia (423): E é esta a História de Portugal (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)

Guiné 63/74 - P15364: Parabéns a você (986): Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/70); César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71) e Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15358: Parabéns a você (985): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)