segunda-feira, 13 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16197: Tabanca Grande (489): José Manuel Alves, ex-Fur Mil Inf das CCAÇ 2790 e CCAÇ 16 (Bula e Bachile, 1971/73) - 719.º Grã-Tabanqueiro -

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, José Manuel Alves, ex-Fur Mil Inf das CCAÇ 2790 e CCAÇ 16 (Bula e Bachile, 1971/73), com data de 23 de Abril de 2016, onde manifesta a sua vontade de se alistar na nossa tertúlia, e poder usufruir da sombra e do convívio debaixo do nosso poilão.

Amigo Luís Graça
Como antigo combatente na Guiné, tive o grato prazer de pela primeira vez ter participado no Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) no XI Encontro Nacional da Tabanca Grande em 16 de abril de 2016.

O meu percurso militar é igual ao de tantos outros que foram meus contemporâneos.
Comecei pelas Caldas da Rainha no 2.º Turno de 1970, onde fiz a recruta, seguindo-se Tavira onde frequentei o Curso de Sargentos Milicianos.
Passei ainda por Vila Real e pelo CEMEFED em Mafra, onde fui mobilizado como Furriel Miliciano.

Fiz a viagem para a Guiné a bordo do NIASSA, onde cheguei nos primeiros dias de Abril de 1971, com destino à CCAÇ 2790 que pertencia ao Batalhão de BULA, e fui destacado para a zona de Augusto de Barros, onde se encontravam dois pelotões e o comando da Companhia (Capitão Sucena).

Fui em rendição individual em substituição de um camarada morto numa emboscada na estrada que ligava Bula a S.Vicente.

A Companhia havia sido formada em Ponta Delgada (Açores) e quando cheguei à Guiné já esta tinha seis ou sete meses de permanência no território.
Quando a Companhia terminou a comissão, por volta de Setembro de 1972, fui fazer um curso de cerca de um mês a Bolama para integrar as designadas Companhias Africanas.

Fui integrado na CCaç 16 que se encontrava sediada no Bachile, zona pertencente a Teixeira Pinto. Aí permaneci até Janeiro de 1973, altura em que terminei a comissão de serviço e regressei ao Continente.

De regresso, voltei ao meu lugar de aspirante de Finanças na minha terra Natal Miranda do Douro, e fiz toda a minha carreira nos Impostos, tendo passado por diversos locais, até que em 2003 me aposentei quando era Chefe de Finanças da Repartição da Mina-Amadora.

Actualmente resido em Meleças, um pequeno lugar perto de Sintra.
Os meus tempos livres são passados entre uma pequena aldeia do concelho de Miranda do Douro - Especiosa, naturalidade da minha esposa, pelo Carvoeiro, no Algarve, e aqui em Meleças.

Como pretendo fazer parte do grupo envio as duas fotos - uma em Bula e a actual algures no Douro.

Um abraço fraterno
José Manuel Alves

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2. Comentário do editor

Para começar, a estafada desculpa pela demora na tua apresentação formal à tertúlia, de que tu já conhecerás parte, uma vez que estiveste connosco este ano em Monte Real, segundo os meus arquivos, na mesa 14, devidamente acompanhado pela tua esposa. Espero que se tenham sentido entre amigos e que para o ano voltem.

Entretanto poderás contar-nos as memórias que ainda retenhas da tua passagem pelas CCAÇ 2790 (Bula) e CCAÇ 16 (Teixeira Pinto). Também aceitamos fotos acompanhadas das respectivas legendas.

Como só temos 45 entradas sobre a CCAÇ 2790 e 24 sobre a CCAÇ 16, poderás acrescentar ainda muito ao espólio destas Unidades.

Já agora que falei de fotografias, na próxima remessa por favor envia-as com mais resolução, as que mandaste mal deram para fazer as fotos tipo passe. Basta regulares o scanner para 200dpi. Se precisares de algum esclarecimento é só dizeres.

Posto isto, espero que te sintas bem entre nós já que aqui será o último reduto onde podemos contar e recontar aquilo que já ninguém quer ouvir. Estamos cá para isso mesmo, "ouvir" e registar para memória futura.

Recebe um abraço da tertúlia e dos editores, que ficam ao teu inteiro dispor.
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16108: Tabanca Grande (488): Conceição Alves, esposa do nosso camarada José Eduardo Alves, recentemente falecido, benemérita em favor das crianças de Mampatá/Guiné-Bissau, onde já se deslocou mais que uma vez desde 2009, nossa nova Amiga Grã-Tabanqueira de Leça da Palmeira

Guiné 63/74 - P16196: Nota de leitura (847): “Bolama, a saudosa…”, autoria e edição de António Júlio Estácio (1) (Mário Beja Santos)


Capa do livro "Bolama, a saudosa..."
do nosso grã-tabanqueiro António Estácio, edição de autor, 2016. 


Recorde-se que o autor, António [Júlio Emerenciano] Estácio, (i) é lusoguineense, nado e criado no chão de Papel, em Bissau, em 1947; formou-se como  engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago): (iii)  fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72); (iv) trabalhou  depois em Macau (de 1972 a 1998); (v) vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra;  (vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010;  (viii) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959).


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Durante um largo período encontrei-me regularmente com o confrade António Estácio na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Viu-o adoecido e acabrunhado, depois arrebitou, trocávamos algumas trivialidades, falei-lhe do que estava a escrever e ele era sempre parcimonioso: "Ando à volta com as coisas de Bolama".
É preciso ler este seu trabalho, para entender o que ele escreve em jeito de despedida: "Foi o que consegui escrever sobre Bolama, a velha e saudosa capital da Guiné Portuguesa, cuja memória é a que mais me tocou ao longo da minha vida".
É um livro de investigação, mas é um encontro com a própria história do indivíduo. Em Bolama viveu Fernanda de Castro, a mesma Bolama que enfeitiçou Maria Archer, aqui residiu o grande vulto cultural guineense da transição do século, Padre Marcelino Marques de Barros. Quando a visitei, em Novembro de 1991, fiquei preparado para as emoções que António Estácio aqui transmite, vendo em placas esmaltadas estranhamente intocadas, o nome das ruas Teófilo Braga, Manuel Arriaga, visitei as entranhas da Imprensa Nacional, uma jóia da arqueologia tipográfica.
Ver para sentir.

Um abraço do
Mário

Bolama, um indefectível amor do António Estácio (1)

por Beja Santos

O livro intitula-se “Bolama, a saudosa…”, é seu autor o nosso confrade António Júlio Emerenciano Estácio, que também edita. Obra de estudo mas essencialmente uma memória afetuosa urdida com esplêndidas recordações. Tudo começa com apontamentos avulsos sobre a chegada dos portugueses a uma região que durante séculos teve as mais desvairadas designações, fala-se num presidente norte-americano que arbitrou a questão de Bolama, em Abril de 1870, e que deu legitimidade à presença portuguesa em detrimento da britânica, salta-se para a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, há referências a uma conferência proferida pelo Conde de Ávila e Bolama em Maio de 1946 subordinada à ilha de Bolama, na Sociedade de Geografia de Lisboa, agora Bolama é a capital da colónia, segundo reza uma notícia publicada em “Occidente”, em Março de 1879, informa-se que a ilha tem de comprimento oito milhas, uma população de cerca de 3800 habitantes. “É dotada das mais favoráveis condições para a cultura do café e de todos os produtos de climas tropicais, consistindo hoje a sua riqueza especial em grandes matas virgens para a construção”. Em rigor, não sabe a origem do seu nome. O município foi criado em 1871, apresentam-se estampas alusivas, menciona-se o Centro de Saúde de Bolama e passamos para a série de motins e rebeliões que atravessam a segunda metade do século XIX, para já não falar de tudo quanto aconteceu na primeira metade desse século e que o historiador René Pélissier descreve meticulosamente.

António Estácio é imparável a carrear elementos, não nos dá descanso, é a liga guineense, as operações militares que envolveram o Capitão Teixeira Pinto que entrará em rota de colisão com negociantes e civis de Bissau e Bolama. E subitamente António Estácio põe as suas recordações na primeira pessoa: “… em conversa com o meu conterrâneo e saudoso amigo José Francisco Xavier Castro Fernandes, o Zeca, veio à baila a cidade de Bolama, que é banhada pelo rio Grande, onde convivemos na década de 50, a qual, após animada comunhão, voltámos a recordá-la, tenho constatado, no misto de surpresa e pesar, que, para além da voragem dos anos, a conseguíamos percorrer com um fim identificativo.
Assim, em vez de sermos capazes de identificar qualquer ponto da malha urbana mais determinante que, na nossa santa inocência, referenciávamos como, por exemplo, à Rua do Cinema, ao Largo da Imprensa, dos Correios ou do Mercado, à Rua da Igreja, à Casa Gouveia, ao Jardim do monumento aos italianos, sem receio algum de nos enganarmos”.

Registava a marca de água esta saudade, fala-nos de Honório Pereira Barreto e o seu tempo, a inauguração da estátua em Bissau, nessa praça, nos anos 1950, Tereza Fiori fazia sorvetes, cassatas e carapinhatas na dependência do Hotel Avenida. E cita o Comandante Avelino Teixeira da Mota a preitear Honório Pereira Barreto na Sociedade de Geografia de Lisboa, numa sucessão solene que ali decorreu em Maio de 1974: “… Falar de outros aspetos da ação de Honório Barreto na Guiné seria um nunca mais acabar. O que ele disse e o que ele fez sobre a intenção dos africanos, não esquecendo a obrigação dos filhos dos régulos, reclamando missionários, para os quais levantou novas igrejas, levando o problema comercial às esferas da metrópole, para que se promovesse a progressiva nacionalidade de tal atividade económica e conseguindo assim que duas casas de Portugal começassem a negociar com a Guiné quando até aí vinham do estrangeiro. Frequentemente, quando faltavam médicos, a tratar como podia e sabia dos doentes e fornecendo-lhes os medicamentos do seu bolso, pois muitas vezes as farmácias do Estado estavam vazias. Os seus cuidados com o arranjo, limpeza e urbanização das povoações. O seu interesse em difundir a agricultura. As muitas reformas que fez em setores da administração pública”.

Continuamos no século XIX, iremos acompanhar a prosperidade do Ilhéu do Rei, o crescimento de Bolama, já estamos na República, há uma clara referências aos estatutos do Centro Escolar Republicano, há o estatuto da Liga Guineense e novas alusões a Teixeira Pinto. Ficamos a saber quem foi António da Silva Gouveia e há uma referência a Jorge Frederico Velez Caroço, um dos mais distintos Governadores da Guiné (1921-1925), vemos a estreita relação entre a Guiné e a aviação. Há sobejas razões para deixar enaltecimento a Velez Caroço, à sua honradez, à sua capacidade de decisão, à sua intransigência com a verdade, o seu móbil pelo desenvolvimento.

Agora uma nota sobre a I Exposição Colonial Portuguesa, já largamente documentada no blogue. A Guiné teve uma importante representação. Basta pensar em Mamadu Sissé, Tenente de Segunda Linha, Régulo prestigiado. Segundo o jornal "O Século", no navio “Guiné”, vieram 63 indivíduos de ambos os sexos, das etnias Bijagós, Balantas e Fulas que se instalaram numa aldeia construída no Palácio de Cristal. Escreve o autor: “Foram apreciados por um grande surto da população, na estação de Santa Apolónia, onde a polícia instalou um cordão para que não pudessem ser incomodados. Partiram para o Porto”. É por esta data que Fausto Duarte é galardoado com o primeiro Prémio de Literatura Colonial com o seu romance “Auá”.

Temos a imprensa local, com destaque para “O Comércio da Guiné”, foi seu diretor Armando António Pereira, bolamense e advogado. Ali se registaram entrevistas, chegada de governadores, a notícia de que a rede urbana de abastecimento de luz estava para breve, fala-se da rebelião de 1931, associada à Revolta da Madeira. O Governador Leite de Magalhães foi o sucessor de Velez Caroço, teve uma ação importante mas não se pode comparar à do seu antecessor. António Estácio não perde a oportunidade para ajuntar detalhes considerados interessantes para os vindouros. Por exemplo a punição do professor Juvenal Cabral com a pena de 15 dias de suspensão e salário, seria irrelevante não se tratasse do pai de Amílcar Lopes Cabral. Estamos a chegar a uma data de enorme consternação, 19 de Dezembro de 1941, golpe terrível em que a capital é transferida para Bissau, no ano seguinte o BNU encerra a sua agência em Bolama. É o princípio do abandono e da desagregação. Lá voltaremos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Junho de 2016 Guiné 63/74 - P16188: Nota de leitura (846): “Jornada de África”, por Manuel Alegre, versão de 2003, edição conjunta da Visão e Publicações Dom Quixote (Mário Beja Santos)

domingo, 12 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16195: Blogpoesia (452): "E, se de repente..." e "Minhas articulações...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. "E, se de repente..." e "Minhas articulações...", poemas do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66).


E, se de repente…

Nada fazia prever.
A mais tórrida canícula.
Muita vida morta
E tanta, quase a morrer.

Uma chuva grossa,
Esgaçando o céu,
Inundasse o chão,
Apagando o inferno?...

E se um moribundo,
Às portas da morte,
Saltar do catre,
Corre para a estrada
Anunciando ao mundo
Que jamais morre
E adora a vida?...

E, se o mar irado,
Um leão rugindo,
Cavando a cova
Ao barco que pesca,
Com uma fartura a bordo,
Sem tirte zuarte,
Como um cordeiro,
Se queda inerte?...

Só por acaso,
Clamará o louco.
Só por milagre,
Proclamará o crente.

Dois olhares diferentes
Para a mesma sorte.
Onde a verdade?…

Berlim, 11 de Junho de 2016
8h28m

Dia de sol

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Minhas articulações...

Entorpecidas, secaram minhas articulações todas.

Varre-me a mente uma letargia,
lânguida e morna.
Me deixo ir nela amorfo.
Quase adormeço e esqueço,
afinal, quem fui.

Toda a gente amada foi.
É o deserto sombrio e frio.
Nem um só cisco seco
de carvalho ou pinho.
É a aridez em força
que me força e esmaga.

Não consigo reagir.
Como folha morta eu vou
nesta corrente morta
que não me afoga.

Surjam raios do céu azul.
Desfaçam chuva em cataratas.
Reverdeça este chão sem chão.
Volte a terra húmida
onde as ervas nascem.

Quero ver outra vez flores
bailando ao vendo
e sorrindo ao sol.

Caia forte a vida em mim.
Me aqueça em fogo
estas articulações artríticas.
Quero voltar, de novo, às maratonas...

ouvindo Maria Betânia cantado "Sinhora Aparecida"... só Ela...

Berlim, 12 de Junho de 2016
11h27m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de junho de 2016 Guiné 63/74 - P16167: Blogpoesia (451): "Cocciolo..." e "O talento...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16194: Agenda cultural (489): Os Melech Mechaya hoje em Serpa, à meia-noite, a encerrar o festival XIII Encontro de Culturas (9-12 de junho de 2016)... Celebra-se a cultura como factor de desenvolvimento e de união entre os povos. Entrada livre


O grupo musical Melech Mechaya a que pertence o nosso amigo, e membro da nossa Tabanca Grande,  João Graça, vai  atuar hoje na cidade de Serpa (*), no seu centro histórico, no Espaço Nora, à meia noite, no âmbito do festival XIII Encontro de Culturas (Serpa, 9-12 de junho de 2016). De iniciativa da Câmara Municipal de Serpa, alargado a uma rede de outros municípios  (incluindo estrangeiros), é já um  festival consolidado e de referência, tendo "como objetivo principal a promoção da cultura como fator de desenvolvimento e de união entre os povos!".

Entrada livre. Programa completo: ver aqui.  Vd. também página do Facebook. Serpa Terra Forte. (**)

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Notas do editor:

(*) E por se falar em Serpa,. cidade e concelho  do Baixo Alemtejo: recotde-se aqui os seus mortos  na "guerra do ultramar", foram 34, dos quais 6 no TO da Guiné

(**) Último poste da série >  24 de maio de 2016 >  Guiné 63/74 - P16129: Agenda cultural (481): Comemorações do Dia de África, dia 28 de Maio de 2016, na Livraria-Galeria Municipal Verney / Colecção Neves e Sousa, Oeiras

Guiné 63/74 - P16193: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte IV: algumas estórias da "kamanga"

Quarta crónica enviada a  31 de maio último, com uma nota de 2 de junho:

Meus Caros:
Aquando do envio da parte III juntei um anexo com 4 fotografias. Se acharem bem, podem servir para ilustrar a parte que anteontem [31 de maio] vos dirigi, se a quiserem publicar, cujo tema incide sobre os clandestinos ["kamanga", tráfico ilegal de diamantes (*)]. Numa, vê-se uma ponte que idealizei e mandei construir para atravessar um canal. Na outra, vê-se de viés uma formatura em marcha da tropa privativa da CDA [Diamang].

Abraços,
JD

[Nota dos editores - Certamente por erro humano ou falha técnica,  o anexo com as 4 fotografias ainda não chegou à nossa caixa de correio. Aguardamos segunda via].

[Foto acima: o José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales,  depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo; aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu o seu primeiro filho: desafiado por nós  justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas,  aceitou galhardamente o desafio e está a cumprir o prometido.] (**)


1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte IV: algumas estórias da "kamanga"

Os diamantes são eternos, título de um filme da séria James Bond, refere-se a bens não registados, mas de alto valor transaccionável, dependendo apenas do peso em quilates do material a negociar, do sistema de cristalização, da pureza do cristal, brilho, e eventual coloração, sendo que uma pedra de vinte quilates, vale mais do que o conjunto de cinco que perfaçam o mesmo peso e características.

De serem tão desejados, a carestia acentua-se conforme o produto colocado em venda é de origem legal ou clandestino. Havendo, portanto, a possibilidade de obter diamantes com menor custo, e havendo mercado paralelo, é natural que algumas pessoas procurem o mercado paralelo (kamanga, em Angola) para satisfazerem os seus desejos pelo melhor preço.

Mas a kamanga também pode ver os diamantes canalizados e negociados pelo mercado oficial, com intenção de reduzir o mercado paralelo e desincentivar o negócio clandestino. Algumas pessoas negociaram no clandestino sem conhecer os diamantes, ou o processo de os levar aos lapidadores, os profissionais que lhes fazem várias arestas e faces com o objectivo de aumentarem os brilhos reflectidos.

Tive conhecimento de várias maneiras de intervir na kamanga. Por um lado, alguns nativos, já familiarizados com a extracção promovida pela CDA, dedicavam-se à mineração rudimentar, quer em zonas de colinas com desmonte de terras e cascalho, quer pela prospecção dos aluviões com recurso a redes e ao garimpo. Teriam sempre que agir com o maior cuidado, dadas as penas a que eram sujeitos todos os indivíduos apanhados na actividade não licenciada, que era exclusiva das companhias (até ao inicio dos anos 70 era exclusivo da Diamang, logo surgiu a Condiama).

Um dos primeiros casos de que ouvi falar, foi o de um ex-empregado da CDA, que teria sido aliciado por um cunhado "próspero" industrial de camionagem, que lhe teria dado quota na organização que dominava a coberto do negócio oficial. Um dia, o ex-empregado apareceu morto com um tiro dentro do "boca de sapo", em simulação de suicídio. Nada foi provado, mas constou-se que o "industrial kamanguista" ter-se-ia apercebido de que o cunhado já negociava por conta própria na área em que fora iniciado, e deu instruções para liquidação do traidor a quem dera sociedade. Esta "estória" faz lembrar alguma coisa de "cowboiadas" e máfias representadas no cinema. Quero apenas sublinhar que o "negócio" era a sério e sem tibiezas.

Outra "estória", agora com graça, referia-se a um sujeito que chegou a Malanje com pressa para enriquecer. Terá procurado alguém que o pudesse iniciar e ajudar na compra de diamantes clandestinos. Alguém bastante compreensivo alertou-o para o risco de fazer anunciar tal intenção, pelo que o aconselhava ao princípio da discrição como alma do negócio.

Conselheiro e comprador empatizaram e, pelos vistos, o comprador dispunha de uma quantia generosa que lhe permitiria a aquisição de um "contra-mundo", um daqueles calhaus que só estão ao alcance de árabes milionários, quando querem impressionar uma nova "maria". Pelos vistos também eram clientes clandestinos. O comprador, sempre muito bem assessorado pelo súbito vendedor, passados alguns dias, foi aconselhado a encontrar-se com o mais "consagrado" dos vendedores, um homem possuidor das melhores raridades, que teria um fabuloso diamante para venda, cujo preço se enquadrava com a disponibilidade anunciada.

No encontro, simulando grande surpresa, um "avaliador independente", formulou uma avaliação que excedia o capital do comprador, mas, mediante a sugestão da grande dificuldade da venda de tão rara gema pelo preço "justo", ainda que renitente, o vendedor acedeu a fazer o necessário e substancial desconto. Não terá sido fácil, mas com uns wiskies e outras "estórias" que reforçavam a confiança entre as partes, a cabeça de galheteiro com mais umas marteladas acabou por ser negociada, numa transacção de cujo desfecho hilariante, em breve terá corrido pelas esplanadas da cidade, gerando a maior inveja entre outros "reputados" vendedores.

Uma situação insólita e verdadeira ocorreu com um empregado da Companhia que profissionalmente não tinha contacto com diamantes. Tinha um "land-rover" distribuído para as actividades que exercia, e fazia-se acompanhar de uma arma. Em dias mais ou menos certos abatia uma pacaça e dirigia-se às aldeias com intuito de a vender para alimentação local. Dessa maneira ganhava algum dinheiro suplementar, e também ganhou a estima dos nativos.

Um dia, o "ajudante" recebeu ordem para carregar de novo a caça, porque o chefe da aldeia não tinha dinheiro para a pagar. Mas logo o chefe o chamou de lado, mostrou-lhe alguma coisa, e a contra-ordem foi dada, e a pacaça novamente descarregada. Dali para o futuro, terá afirmado o "negociante", os pagamentos passariam a ser feitos naquela "espécie". E assim foi. Este empregado tinha um Ford do inicio dos anos 70 e, clandestinamente, aos fins-de-semana deslocava-se a Luanda (mais de 2000 km de ida e volta) onde residia o sogro, que era incumbido de ir ao Brasil onde se fazia venda livre de diamantes. O esquema estava montado, e ele teve tanta sorte, que ficou incólume de um acidente provocado pelo sono. Depois do golpe, no regresso forçado ao "Puto", levou uma vida de causar inveja e até hoje não consta que tenha tido que trabalhar para viver.

Seguem-se duas "estórias" um bocado engenhosas que ocorreram no âmbito do trabalho nas estações de escolha. A primeira foi no MD-5 do Luxilo, e só foi descoberta por mero acaso de alguém que passava na outra margem do rio, e achou que junto a uma drenagem estava um tipo a correr risco de vida. As estações tinham em permanência equipas de auxiliares para diferentes tarefas, indivíduos que ali ficavam durante um mês, passando mais tarde durante quinze dias. O tal que corria risco, numa dessas permanências pediu licença ao chefe para fabricar um martelo no equipamento disponível no MD-5 (acho que o torno, onde se aplicava ao martelo um cabo em tubo de aço). E foi esse instrumento que o inculpou da ilegalidade, quando quem o auxiliava a safar-se da corrente do rio alcançou o martelo pendurado dentro do tubo de descarga de águas. De facto, esse trabalhador estava pouco confiante para sair com o martelo autorizado que teria o alegado fim de ser utilizado em obras em casa, e acabou por levantar justas suspeitas pelo arrojo de o ir resgatar em condições e num local inapropriado. O cabo soldado ao martelo e fechado na extremidade, afinal, tinha um conteúdo mais valioso que muitos martelos juntos.

A Estação Central de Escolha, em Andrada, era uma espécie de pequena fortaleza, com muros altos, talvez de dois metros, sem locais de apoio para os saltar para o exterior. Além disso, havia máquinas de filmar nos corredores das portas de saída. Não havia tecto, mas havia uma rede de malha mais ou menos larga e grossa para impedir qualquer forma de ultrapassar as paredes. Uma ocasião, constatou-se que no terreno capinado anexo à estação, havia um individuo à procura de alguma coisa, o que pareceu uma atitude estranha. Verificou-se tratar-se de um trabalhador que saíra de véspera, e procurava por pequenos diamantes envoltos em papel colorido, que havia projectado para o exterior através da malha da cobertura e com o recurso de uma fisga. A ingenuidade para a recolha, voltou a denunciar outro "habitante" das estações de escolha, locais onde se concentrava a produção multi-milionária.

Eu próprio, um dia, deparei com um belo diamante num canto de um degrau de uma tremonha de rejeitado, o que só podia ter acontecido por iniciativa de alguém que o desviara do circuito da Empresa. Nada disse, e também não quis saber quem tivera aquela iniciativa. Não que sentisse medo de consequências ou represálias, mas porque se a Companhia tinha tantos meios, também podia adquirir equipamento adequado para dissuadir a kamanga.

No meu tempo em Andrada ainda ocorreu outra coisa interessante. Por qualquer razão uma senhora casada com um empregado pediu ao filho para ir ao rio buscar um balde com areia. Por acaso, notou que a areia continha diamantes, pelo que a operação repetiu-se com alguma frequência. Por qualquer motivo foi detectada e descoberta, do que resultou ter sido imediatamente expulsa da área da CDA. Foi decidido reciclar aquele rejeitado da ECE na lavaria dos ensaios, e veio a constatar-se ter sido descoberto novo "corte rico" (designação dos cortes com elevados índices de teor do material explorado) e durante alguns dias a produção oscilou entre várias centenas e mais de milhar de quilates.

Desta maneira dediquei uma parte que não esgota as "estórias" sobre a kamanga, as mais recentes das quais estão plasmadas num livro infelizmente célebre da autoria de um oposicionista ao actual regime angolano: "Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola", de Rafael Marques, editora Tinta da China, Lisboa, 2011, 240 pp. [foto da capa à direita]. (***)

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. o nosso pequeno dicionário de "angolês" > 26 de junho de 2012 >  Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que podem dar jeito integrar no nosso léxico (LuísGraça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(**) Postes anteriores da série  >

6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...

(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...)

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...

(...) Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. (...)

25 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16131: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2

(...) A mina de que me tornei responsável, e que já descrevi em pinceladas rápidas, era o Munguanhe-2, uma colina explorada sob o método clássico, com o desmonte de cascalho por padejamento, linhas para vagonetas que transportavam o cascalho para uma lavaria de "pans". Os meios mecânicos empregues eram escassos, e a rentabilidade ficava muito longe das minas mais rentáveis. Imagino que se mantinha este modelo de exploração, porque, apesar da escassa produção diamantífera, era mínimo o desperdício e não deixava de ser rentável. Agora não me ocorre o valor médio da produção diária, que talvez não excedesse os 20 quilates em pequenas gemas. (...)

(***) Sobre esta "mítica" empresa, a Diamang, ver ainda no nosso blogue as seguintes referências:


sábado, 11 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16192: Efemérides (230): O 10 de junho de 2016, em Belém: um herói vivo, cor inf cmd Raul Folques e um grupo de grã-tabanqueiros que não costumam faltar a este convívio de antigos combatentes, entre outros, António Fernando Marques, Arménio Estorninho, Carlos Silva, E. Magalhães Ribeiro, Fernando Jesus Sousa, Francisco Silva, João Carlos Silva, Joaquim Nunes Sequeira, José Nascimento, Mário Fitas, Miguel & Giselda Pessoa, e Silvério Lobo


Foto nº 1 > Um herói vivo, o cor inf comando ref Raul Folques, com os seus 76 anos, condecorado em 9/10/2015 com o Grau Oficial, com Palma, da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

Recorde-se, de acordo com o respetivo sítio Oficial, na Net,. que a "Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito é a mais importante Ordem Honorífica portuguesa", destinando-se "a galardoar méritos excecionalmente distintos no exercício das funções dos cargos supremos dos órgãos de soberania ou no comando de tropas em campanha. Da mesma forma, premeia feitos excecionais de heroísmo militar ou cívico e atos ou serviços excecionais de abnegação e sacrifício pela Pátria e pela Humanidade."


Foto  nº 2 > Mário Fitas e Raul Folques


Foto nº 3 > Raul Folques com duas crianças a quem o pai fez questão de apresentar e mostrar um "herói vivo", português, de Portugal... Na escola, já não se fala de heróis, muito menos vivos, e muito menos da "guerra do ultramar"... Temos dificuldade em lidar com o nosso passado recente em relação ao qual vai demorando o aparecimento de uma terceira via, mais suave, mais assertiva, mais despojada de emoções, entre  as duas leituras, redutoras e extremadas do "10 de junho", do nosso espectro político-ideológico, a da extrema direita (discreta nas habitualmente presente neste espaço simbólico)  e a da extrema esquerda (completamente ausente)...


Foto nº 4 >  O nosso coeditor e "ranger" Magalhães Ribeiro, membro, este ano, da organização do XXIII Encontro Nacional de Combatentes... Um dos "últimos soldados do império",  que continua a ser um combatente dedicado e generoso.


Foto nº  5 > O Magalhães Ribeiro, de Matosinhos, nunca falta ao 10 de junho em Belém... Não me lembro de nunca o ter visto nos anos anteriores, mesmo sendo eu presença irregular nestes eventos que, confesso, me deprimem, desde sempre: este ano já éramos menos, até por causa da ponte (longa, de 6ª feira a 2ª feira, em Lisboa)... 

Cada vez seremos menos, e daqui a dez anos, vamos todos em cadeira de rodas, os que tiverem o privilégio ou a sorte de lá chegar... Recordo sempre o provérbio popular que diz: "Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo"... Não foi Deus que disse que "a sorte protege os audazes". Usemos (,mas não abusemos de) a  sorte...

Entretanto, o mundo  pulou e avançou e já ninguém terá pachorra para ouvir falar da "guerra do ultramar".... Esta é que é a verdade "nua e crua"... Até lá, daqui a 10 anos, compete-nos continuar a viver, a sobreviver e a mostrar, aos mais novos, que fomos uma grande geração... que soube fazer a guerra e a paz!... Fizemos a guerra, os nossos representantes tinham que saber fazer a paz... Não a fizeram, não quiseram ou não a souberam fazer, tivemos nós, afinal,  que saber fazer a guerra e a paz... 

Quem, daqui a 100 anos, nos vai acusar de quem fomos incompetentes nos dois tabuleiros? Camaradas, não nos compete fazer parte do tribunal da história... Fomos nós que a fizemos, a história, não nos compete escrevê-la... Mas não cedamos à chantagem daqueles que nos querem calar, à esquerda, ao centro ou à direita... Acho que é isso que estas fotos querem dizer...


Foto nº 6 > O Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes, representado pelo nosso grã-tabanqueiro (nº 608)  Joaquim Nunes Sequeira... Pela 23ª vez, levando o guião do Núcleo de Sintra. A seu lado, o nosso "gandulo" Mário Fitas.


Foto nº 7 > João Carlos Silva, ex-1º cabo especialista MMA, da FAP (BA 6, Montijo, 1979/82), que nos dá a honra de se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, desde 22/2/2009.  Aqui com o  guião da AEFA - Associação dos Especialistas da Força Aérea.

Também encontrei o Victor Barata,  fundador, administrador e editor do blogue Especialistas da BA 12, Guiné 1965-74, e nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, mas infelizmente esqueci-me de tirar uma foto com ele (e o irmão)... Transmitiu-me uma ideia que fica aqui registada: as relações entre os especialistas MMA, da BA 12, Bissalanca, com os pilotos, nomeadamente dos Fiat G-91,  eram boas, mas poderiam ter sido excelentes... É uma opinião.  Mas eu poderia dizer o mesmo: a distância (social), no Exército, entre os combatentes e os seus comandantes (nomeadamente a nível de batalhão) era, em  geral, muito grande e talvez perniciosa.

 Os nossos oficiais superiores, nomeadamente no exército, nunca perceberam que essa distância podia comprometer, irremediavelmente, o desempenho operacional. Com a exceção de Spínola, ao nível dos generais, e talvez das tropas especiais (BCP 12, fuzileiros, etc.), ninguém, percebeu ou estava interessado em perceber isso; que um líder é aquele que vai à frente, mostrando o caminho...

Nunca tive um comandante de batalhão que me mostrasse o caminho, e a única vez em que um tenente coronel alinhou ao meu lado, no mato, fui eu, fomos nós, que lhe mostrámos o caminho. Esse oficial superior chamava-se Polidoro Monteiro, mas contavam-se pelos dedos os líderes militares, os grandes comandantes operacionais, como o Raul Folques, o Alpoim Calvão ou o capitão Comando graduado Bacar Jaló ou o ten cor pqdt Araújo e Sá...  Ao nível dos graduados subalternos, milicianos (oficiais e sargentos), a seleção e a formação não terão sido menos desastrosas... Em suma, fomos todos entregues aos bichos... Ou melhor, e para não ser tão radical: às vezes, eu tive a sensação de que estávamos entregues aos bichos...


Foto nº 8 > A banda da GNR - Guarda Nacional Repúblicana, que abrilhantou a cerimónia


Foto nº 9 > Aspeto parcial dos participantes e do Monumento aos Combatentes do Ultramar


Foto nº 10 > O casal mais "strelado" do mundo: o Miguel e a Giselda Pessoa (atrás, de óculos)


Foto nº 11 > Da direita para a esquerda; o Francisco Silva, o "nosso" cirurgião ortopedista, o algravio Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70),  mais outro camarada que veio com ele. e que esteve em Porto Gole com o Jorge Rosales (lamentavelmente, não fixámos o seu nome)


Foto nº 12 > Ao centro o Mário Fitas, nas pontas o José Nascimento (CART 2520) e o Arménio Estorninho (CCAÇ  2381)




Foto  nº 13 > O Silvério Lobo, mais um camarada da sua companhia (de quem também não fixei o nome mas que, segundo o Hèlder Sousa, é o Lino Rei, de Pinhal Novo)


Foto nº 13 > O José do Nascimento e o Arménio Estorninho, dois camaradas  do Barlavento algarvio, mais exatamente de Lagoa, que também é a terra do António Camilo. 


Foto nº 14  > O Fernando de Jesus Sousa,  bedandense,  DFA... > Depois de uma livro aubiográfico vai lançar um de poesia proximamente, lá para novembro,,,


Foto nº 15 > Carlos Silva e António Fernando Marques



Foto nº 16 > Luís Graça e António Fernando Marques, dois velhos camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)


Foto nº 17 > O guião da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã


Foto nº 18 > Em primeiro plano, o António Basto, um dos dirigentes da AVECO


Foto nº 19 > Acabadas as "hostilidades", reconfortada a alma, matadas as saudades, é preciso alimentar o corpo: o piquenique da malta da AVECO.

Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso, Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXIII Encontro Nacional de Combatentes >  10 de junho de 2016 > Alguns camaradas com quem falei e a quem fotografei...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 63/74 - P16191: Efemérides (229): O 10 de junho de 2016, em Belém: diz o "alfero Cabral", sempre bendito entre as mulheres, que hoje era muito mais difícil a um homem escolher a arma e a especialidade...(Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)



Foto nº 1  > O nosso "alfero Cabral" na Marinha ...


Foto nº 2 > O nosso "alfero Cabral" no Exército ...


Foto  nº 3 > O nosso "alfero Cabral" na Força Aérea...


Foto nº 4 > O O nosso "alfero Cabral" na Milícia...


"Foto com o ex alferes de artilharia Dr. Jorge Almeida Cabral e Maldu Jaló, natural de Catió,  e que combateu comigo no sul da Guiné, fazendo parte da Milicia do João Bacar. — em Belém, Lisboa, Portugal, forte do Bom Suceeso, 10 de junho de 2016".

Fotos do Mário Fitas (ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67).


Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de junho de 2016 >  Guiné 63/74 - P16181: Efemérides (228): Programa do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, dia 10 de Junho, em Leça da Palmeira

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16190: (In)citações (92): Uma troca trágica (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

1. Mensagem de 20 Maio de 2016, do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72):


UMA TROCA TRÁGICA

Há cerca de cinco anos entrei numa confraria gastronómica, irregular, já que embora os seus associados se juntem para almoçar, todas as quartas-feiras, em restaurantes que vão variando, num raio de alguns quilómetros, com epicentro em Leça da Palmeira, não obedecem a nenhuma formalidade ou obrigação dessas confrarias existentes por esse país fora. Não há sede, não há estatutos, não há lugar ao pagamento de quotas, nem jóia de entrada, não há órgãos impostos ou eleitos, não há trajes próprios. Entra-se nela por uma porta larga, que nos abre qualquer um dos seus frequentadores, e a partir daí passamos a ter direito a frequentá-la quando quisermos e a levar os amigos que entendermos. Terá sido formada há algumas décadas por profissionais de um grande hospital, médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos e outros amigos do exterior. Todos amantes da boa comida, da boa bebida e da “jolda” que é o convívio divertido e um pouco excessivo que as mães, as irmãs, as namoradas e esposas sempre censuraram nos jovens ou nos mais velhos, porque não querem entender esse aspecto “deles” que os afasta delas, e faz parte da sua natureza irrequieta, que se prolonga pela vida fora, que os junta em folguedos, que vão variando com a idade, onde as raparigas ou as mulheres não cabem. Talvez reminiscências dos tempos pré-históricos, quando eram caçadores e longe dos povoados e das mulheres, comiam à volta da fogueira o primeiro javali que caçavam. Os “Bandalhos”, nossos ilustres camaradas da Guiné, alguns tais como eu, sócios da Tabanca de Matosinhos, outros independentes, que eu estimo, respeito e admiro celebram e encenam muito bem essas festas.

Desse grupo inicial só já restam três, um técnico, um administrativo com mais de setenta anos e um empresário com quase noventa. O último médico, um camarada com grande sensibilidade poética e totalmente integrado no espírito do grupo pelas suas vivências passadas e recentes, morreu há seis meses, quando já todos pensávamos que tinha ultrapassado uma doença grave que o tinha atacado. Os outros foram saindo, a maior parte também empurrados pela morte, que a todos nos há-de levar para o mundo das trevas e do esquecimento ou para o céu, reservado aos crentes e felizardos. Dentre os amigos que o frequentam ou por já lá passaram, identifico, entre outros, dois médicos, um arquitecto, um técnico de engenharia, dois mecânicos, um chapeiro, dois motoristas, dois comerciantes com lojas abertas na baixa do Porto, o dono de um ginásio, dois enfermeiros, seis funcionários públicos, pequenos empresários, um lavrador, um padre, um cangalheiro, um antigo jogador de futebol, africano de Angola, um polícia, dois guardas-fiscais e um pequeno empresário analfabeto. Há um camarada da Guiné que afirma que em 1966 ele e outros estiveram perto de apanhar à mão o próprio Amílcar Cabral.

Dentre todos o mais assíduo é o amigo Figueira, que também poderia ser Nogueira, Cerejeira, Oliveira, Pereira, pelos seus hábitos de poupança, que por brincadeira, alguns (eu incluído) classificam de sovinice, pois todos esses nomes podem esconder antepassados judeus. O Figueira, um dos três fundadores que restam desta tertúlia, viúvo há dez anos, foi na vida adulta Chefe de Serviços nesse grande hospital. Justiça lhe seja feita, será poupado mas não é sovina, pois a casa dele está à sempre aberta a todos para prolongar o convívio depois dos almoços e tem sempre, nozes, figos, queijinhos ou outros acepipes para acompanhar um copo de vinho que ele oferece da garrafeira dele, ou que alguém leva. Por vezes, para festejar os anos de alguém ou outro acontecimento, os almoços são mesmo feitos, por alguns “cozinheiros” do grupo, na casa dele.

Pela sua simplicidade, naturalidade, boa disposição, bonomia e amizade, que sabe repartir sabiamente com todos, é muito apreciado e estimado e dá muita coesão a esse grupo anárquico, que não tendo um dirigente se revê no carácter e nas qualidades morais desse amigo que nunca quis ser director, sargento, capitão, general ou presidente de junta.

Para além das grandes propriedades agrícolas que herdou dos pais, herdou também o sentido do dever, da honra, da palavra e a fé religiosa de um católico praticante e tradicional, cumpridor de todas as obrigações religiosas inerentes, sem nunca pôr em causa as verdades e dogmas da Igreja.

Não gosta de ler ou escrever, a televisão aborrece-o tal como a internete, tendo bastante habilidade manual, gosta de fazer alguns arranjos ou trabalhos de carpintaria, serralharia, de agricultura, em que foi criado, ou outros.

Com a idade a balançar entre os setenta e os oitenta, o que ele aprecia sobretudo é o convívio com os amigos e com as pessoas em geral, sem ser exigente em relação à riqueza ou à pobreza dos seus semelhantes, ou à condição social mais baixa ou mais elevada, é também muito tolerante em relação aos defeitos e manias de cada um. Frequenta outra confraria mais formal, que me parece reunir “os ilustres” duma grande freguesia, essa com sede, na qual mensalmente se reúnem para almoçar. É convidado ainda de uma outra confraria internacional ainda mais elitista, onde as senhoras dos importantes da sociedade gostam de mostrar os vestidos, os casacos, as carteiras e sapatos que estão na moda, e que nos passeios e banquetes que organizam, fazem uma recolha de dinheiro para ajudar os pobrezinhos de todo o mundo. Em festas anuais, S. João, Carnaval, Passagens de Ano e outras, junta-se muitas vezes com as famílias dos grandes lavradores do Porto e dos arredores, em grandes jantares de convívio.

Para além dos almoços de grupo, vou também almoçar uma vez por semana a sós com ele, pelo prazer da sua companhia e porque sei também que nessas horas sente muito a solidão em que ficou com a morte da sua companheira. Entre cinco e oito euros encontramos tascos ou restaurantes que servem uns almoços razoáveis com tudo incluído, outras vezes até cozinhamos em casa dele. Muitas vezes juntam-se ainda um ou dois amigos. Gosto de falar com ele sobre as coisas simples da vida como por exemplo os trabalhos agrícolas que fazíamos na nossa adolescência e juventude. Eu, filho de lavradores “remediados” de Trás-Os-Montes e ele filho e mais tarde genro, de lavradores abastados de duas grandes freguesias de Matosinhos.

A “Maínça” era, ainda assim se conserva, uma veiga extensa, de terra funda, onde não falta sequer um riacho que a atravessa, que além de milho, vinho, batatas, couves, feijões e outras hortaliças, produzia tantas cebolas e cenouras que ele, outro irmão e quatro trabalhadores contratados, passavam dias e dias a lavá-las e arranjá-las para serem transportadas diariamente em carros de bois para o mercado do Bolhão, no Porto, numa viagem que só na ida demorava mais de uma hora. Mais tarde a Câmara do Porto proibiu a circulação de carros de bois na cidade e o pai dele viu-se obrigado a comprar uma carrinha para fazer esse transporte.

Há algum tempo, num desses almoços, os dois a sós, falámos das andanças que ainda garotos tínhamos que fazer por terrenos distantes da povoação e os medos que isso provocava, pela solidão, por vezes agravada pelas trovoadas e outras vezes pela escuridão nocturna. Eu confessei que tive que fazer um grande esforço mental e psicológico para me adaptar a essas situações e vencer esses medos. Ele, que só raramente era sujeito a essas situações pareceu-me que nunca os conseguiu dominar razoavelmente. Talvez tenha sido por isso que eu aproveitei para lhe fazer uma pergunta que nunca lhe tinha feito sobre a tropa e a guerra do Ultramar.

Em resposta ele disse-me que no inicio de 1963 foi convocado para fazer a recruta e como não tinha dado as habilitações literárias que lhe poderiam ter dado acesso ao curso de sargentos milicianos, foi como soldado para o Regimento de Infantaria de Viana. Pela sua educação e pelo seu espírito cordato, que não terá passado despercebido aos seus superiores, depois da recruta e da especialidade foi colocado na secretaria do regimento, durante muito tempo a fazer, segundo disse, as ordens de serviço e outros trabalhos afins. Entretanto ao saber que iria ser mobilizado para Angola, falou com outro soldado do ano de 1962, que se prontificou a ir no seu lugar, a troco de cem contos que os seus pais disponibilizavam. Nesse tempo cem contos era uma grande quantia de dinheiro que daria para construir uma casa ou comprar um apartamento, portanto representavam um começo de vida aliciante para um jovem com poucos recursos. Na altura própria, os cem contos foram pagos ao seu camarada que acabou por embarcar para Angola no seu lugar.

Pelo conhecimento que tenho dele, atrevo-me a afirmar que ele teve realmente muito medo da guerra do ultramar e a sua estratégia, ao não dar as habilitações literárias, foi no sentido de conseguir, no caso de ser mobilizado, a troca mais barata, que seria sempre entre soldados, possivelmente já com o apoio dos pais. Penso ainda que só revela este facto da vida dele quando confrontado com uma pergunta directa sobre a sua vida militar, além do mais porque as consequências foram trágicas para o camarada que fez a troca. Segundo afirmou, um outro camarada disse-lhe que esse jovem que teve a ambição honesta de ganhar cem contos para um começo de vida mais desafogado, morreu numa emboscada, no território dessa Angola imensa, no norte, no leste ou no sul, não sabe precisar. Disse-me por fim que terá mesmo morrido pois, palavras dele “cheguei a escrever-lhe uma carta e nunca obtive resposta”. Conhecendo a sua religiosidade, penso que ainda hoje se continua a lembrar dele nas orações que faz ao Deus dos cristãos.

Cá ou lá, todos tivemos medo. Dos que nunca embarcaram nos cais dos lenços brancos do adeus, alguns fugiram, outros desertaram, outros pagaram para ser substituídos, como este meu amigo. Dos que partiram, ainda houve alguns que desertaram e outros que se mutilaram, outros aguentaram por vezes com os nervos à flor da pele, outros tiveram premonições de morte e morreram, outros tiveram falsas premonições de morte e regressaram, outros morreram em grande sofrimento, outros sem um ai deixaram cair a cabeça no meio do mato ou do capim e adormeceram para sempre. Eu, que estive lá, não julgo ninguém, a psicologia da guerra e dos medos é uma matéria difícil para compreensão e análise de um qualquer curioso.

Gosto muito do meu amigo Figueira e gostaria também de saber que o camarada que o substitui em Angola ainda será vivo e feliz no meio dos filhos e dos netos, na casa que tinha construído algures com cem contos. A nossa vida com o passar de alguns anos marca o início da nossa morte que se vai anunciando logo após a juventude pelo envelhecimento físico, com o aparecimento de rugas, cabelos brancos, as calvícies mais ou menos acentuadas, com entradas à frente, ao meio da cabeça (parece uma coroa de padre) como no meu caso ou carecas quase totais, os órgãos internos vão enfraquecendo com a progressão dos anos e nós vamos disfarçando essas falhas com remédios e mezinhas no silêncio sigiloso dos consultórios médicos. As marcas das nossas falhas, dos nossos êxitos, das nossas fraquezas, da nossa energia, dos nossos erros, dos nossos crimes, das nossas virtudes, dos nossos pecados, dos acontecimentos fastos e nefastos ficam registados na página branca da nossa alma e irão adoçar ou atormentar a nossa vida futura. Não sei avaliar em que medida a morte desse nosso camarada, que morreu numa emboscada em Angola, ficou registada na memória espiritual do meu amigo Figueira, mas atendendo à bondade e humanismo do seu carácter, é natural que o tenha marcado com uma cicatriz que ainda magoa.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16134: (In)citações (91): "Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial", diz Marcos Cruz, filho do Dr. Adão Cruz, um dos médicos do BCAÇ 1887 (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

Guiné 63/74 - P16189: E as nossas palmas vão para ... (12): Patrício Ribeiro, o "pai dos tugas", empresário em Bissau, português com P grande, que esperamos um dia destes ver condecorado no 10 de junho pelo presidente da República Portuguesa de todos os portugueses


Guiné-Bissau > Região do Oio  > Farim,  2014 > O Patrício Ribeiro,com o o filho, os dois rostos da empresa Impar Lda  

Fotos: © Patrício Ribeiro (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. O nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas, é daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo como aquele que acabei de ouvir em Belém, esta manhã, no XXIII Encontro Nacional de Combatentes. (Diga-se, de passagem, contrastando, no conteúdo, no espírito e na forma, com os discursos positivos, portadores de esperança no futuro e de afirmação da capacidade dos portugueses, tanto do prof João Caraça como do presidente da República, no Terreiro do Paço, nas cerimónias oficiais do 10 de junho).

O Patrício Ribeiro é um homem discreto, que cultiva o "low profile", não precisando de se pôr em bicos de pés para mostrar que é alto e grande.  A diplomacia (política e económica) portuguesa ainda não o descobriu. E se calhar ele já fez mais por Portugal e pela Guiné-Bissau do que muitos diplomatas de carreira para quem ir parar a Bissau não é uma honra, ´é antes um percalço, senão mesmo um castigo...

Desconheço se as autoridades portuguesas alguma vez reconheceram e agradeceram o seu papel (heróico!) durante a guerra civil guineense de 1998/99,  quando o Patrício se meteu numa canoa, 30 km pelo mar dentro, à procura da fragata Vasco da Gama!..,

A epopeia deste navio de guerra (e  de outros meios navais envolvidos) tem vários heróis, um deles chama-se Patrício Ribeiro e ao fim de quase duas décadas está na altura do palácio de Belém se dar conta da existência deste "obscuro" empresário português que, antes de ser um empresário, de resto, de sucesso, é um, português com P grande. (Acrescente-se que foi uma das operações mais bem sucedidas, das nossas Forças Armadas, a do resgate de cerca de 3500 refugiados, portugueses, guineenses e de outras nacionaldiades (**). Era embaixador de Portugal na Guiné-Bissau o nosso camarada e grã-tabanqueiro Francisco Henriques da Silva, que teve um papel de relevo na ligação com os militares portugueses. Esta operação faz agora 18 anos!).

Patrício, senhor futuro comendador, espero poder abraçar-te, feliz e com lágrimas, no próximo 10 de junho de 2017. A ti, e ao João Crisóstomo, o "nosso agente em Nova Iorque".


2. A história de vida deste bairradino, herdeiro dos nossos melhores de antanho, está aqui resumida numa recente reportagem da RTP Notícias, e do seu correspondente em Bissau, Luís Fonseca,  que, "na contagem decrescente para o 10 de Junho encontrou um português que ajuda a resolver os constantes problemas de falta de eletricidade", enquanto "a Guiné-Bissau vive um período de instabilidade política com consequências no dia a dia da população"-

http://www.rtp.pt/noticias/mundo/portugues-resolve-problemas-de-eletricidade-na-guine_v924011

Obrigado, Patrício, aqui ficam os teus contactos;

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guiné Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.coma
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Notas do editor:

(*) Último poset da série > 1 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15694: E as nossas palmas vão para... (11): Catarina Gomes, a nossa amiga jornalista do "Público" que venceu o Prémio Rei de Espanha, na categoria imprensa escrita, com o trabalho "Quem é o filho que António deixou na Guerra?"... (Trata-se da segunda parte de um trabalho, iniciado em 2013, sobre os "Filhos do Vento")

(**) Vd. Guiné em Tróia a ferro e fogo A operação que levou a Marinha à Guiné, em 1998, é mais do que uma memória: é um exercício militar para testar a capacidade de reacção rápida. Correio da Manhã, 18/02/2007.

Guiné 63/74 - P16188: Nota de leitura (846): “Jornada de África”, por Manuel Alegre, versão de 2003, edição conjunta da Visão e Publicações Dom Quixote (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
As incursões de Manuel Alegre pela guerra saldaram-se em poesia de primeiríssima água e neste romance histórico, documental e apologético, um frente a frente entre o épico e o ético ocupa todo o espaço, o espectro de Alcácer Quibir é omnipresente, sufocante.
Romance autobiográfico? Parece não subsistirem dúvidas. Há para ali parágrafos descomunais, um camoniano póstumo, combativo e altivo. Um brado contra a besta apocalíptica, uma explicação por ter feito uma guerra e partido depois para a denunciar, como se estivesse a preparar a libertação de Portugal e as suas colónias.

Um abraço do
Mário


Jornada de África, por Manuel Alegre

Beja Santos

Não é a primeira, e não será a última vez, que se sai deliberadamente do território da guerra da Guiné para visitar outros, às vezes a comparação é útil e não faz bem desconhecer alguns arrojos literários que têm vindo a engrandecer todo este subgénero que continua a dar provas de vida prolongada e de um envelhecimento vivacíssimo.

Manuel Alegre, reconhecido unanimemente, é autor do mais extraordinário poema até hoje publicado “Nambuangongo, meu amor”. Mas não foi só na lírica que Manuel Alegre se exprimiu sobre a guerra, há um romance histórico de que não nos podemos abstrair, “Jornada de África”, que teve a sua primeira edição em 1989, e a versão que hoje mostramos é de 2003, edição conjunta da Visão e Publicações Dom Quixote.

A dimensão épica entrecruza-se com a ética, o escritor giza todo o seu trabalho exibindo uma pauta de valores, assumindo os seus ideais, esgrimindo pelas suas damas, acalorando-se quando vê o patriotismo ameaçado. “Jornada de África” é seguramente um romance histórico, é uma viagem pelas lutas nacionalistas africanas com destaque para Angola; temos aqui um romance onde se rendilha uma elaborada ficção em muita realidade e porventura havemos de contar com dados autobiográficos, aquela Coimbra dos anos 60, aquela vida estudantil, aquela atividade oposicionista são testemunhos presenciais do autor da “Praça da Canção”.

Tudo vai ser urdido em torno de uma outra jornada em África, a de D. Sebastião e com quem ele viveu e com ele morreu no desastre de Alcácer Quibir. Esta jornada também tem nobreza, uma outra nobreza e uma outra fidalguia de sentimentos. Tudo começa em Dezembro de 1960, o chefe da PIDE em Angola foi visitar Salazar, informou-o de que está iminente uma comoção e um tumulto sociais sem precedentes, Salazar sentencia que é preciso deixar andar, impõem-se sacrifícios, o país tem que ser despertado e o Ocidente tem que se definir. O herói chama-se Sebastião e vai para a guerra, descobre Luanda na companhia de amigos, como Jorge Albuquerque Coelho. Passado e presente são obra de imisção, desembarca na Ilha de Luanda e:
“Vem-lhe à memória o ritmo de uma prosa antiga, é a Relação do Naufrágio da Nau Conceição de que era capitão Francisco Nobre, a qual se perdeu nos Baixos de Pero dos Banhos aos 22 dias do mês de Agosto de 1555”. Sendo um romance histórico, vai ilustrando factos relevantes para o desencadear da guerra, caso do ataque de 4 de Fevereiro. Sebastião vê viaturas e socorre-se de imagens poéticas: cavalos destemperados, cavalos à solta pela picada fora, tal como jipes e jipões, unimogues e GMC’s.

Estabelecem-se contactos entre oficiais, o capitão Garcia tem a lição bem estudada, explica aos neófitos os porquês daquela guerra subversiva, haverá troca conflituosa de palavras entre ele e Sebastião. Mesmo Alcácer Quibir faz parte de senha e contrassenha para encontros clandestinos, e depois a unidade de Sebastião vai fazer instrução operacional para lado dos musseques, esperava-os uma mina. Estamos em 1962, o autor procura enquadrar o que se está a passar em Angola com factos e feitos em certos pontos do globo. Somos informados da elevada tensão entre o General Venâncio Deslandes e Adriano Moreira. Lázaro Asdrúbal, o chefe da PIDE em Angola, volta à cena, fala-se em interrogatórios, torturas bestiais. Sebastião vai para a guerra, nas Sete Curvas morre-lhe um amigo, levou um tiro de quem só alveja oficiais. Os desastres repetem-se, os amigos morrem ou ficam estropiados. Os diálogos são trepidantes, as relações sexuais intensas, tal como no sonho camoniano também existe uma Bárbara que se irá apaixonar por Sebastião. E em 1 de Novembro de 1962 Sebastião escreve de Nambuangongo a Bárbara, é um mistério descortinar se estamos perante um trecho épico ou um magnífico volteio poético:
“Camões decassilaba-se em mim. Até por carta ele se assobia. Ninguém voltará a escrever o português assim. Tudo nele canta: as consoantes e as vogais, o com e o que. Na sua escrita há índias e naufrágios, o Tejo, a despedida, Portugal a partir-se em cada sílaba, infantas, putas, prisões baixas. Aquele ver quanto a vaidade em nós se encerra e nos próprios quão pouca. Tanta guerra, tanto engano. Ele peregrinou-se na vida e na palavra, de certo modo Nambuangongo já estava nele. E aquelas guerras nossas que nesta guerra desaguam. Por isso assobia em mim ao fazer desta, junto a um duro monte, porém não seco.
Há aqui uma loja onde se matam sedes, raivas, medos. Uma igreja, casernas improvisadas, ruínas, restos. Tudo cercado por arame farpado.
Nambuangongo é um lugar símbolo. Se reparares, a própria palavra soa como um dítono, um intervalo entre dois sons, o da vida e o da morte. Aqui se está suspenso e o tempo todo cabe num só tom e num só som: tiro ou mina. Em certas noites silva: então é um morteiro.
Tenho de ti um desejo que é mais do que esta dor de querer entrar em ti e não poder. Gostaria de me meter no aerograma e aterrar de repente onde tu sabes. Faz de conta que vou de corpo inteiro, a alma já está contigo”.

Estaria preparada uma sublevação de militares a favor de Venâncio Deslandes, foi descoberta, os conspiradores recambiados para outros lugares. Sebastião está debaixo de olho da PIDE. Subitamente, Sebastião passou a preocupar a hierarquia, descobriu que o Capitão Gouveia durante uma operação cometeu atrocidades, matando velhos, mulheres e crianças indefesos. Um tenente-coronel conciliador alvitra que ele vá fazer uma operação militar, terá tempo para esclarecer dentro de si se deve incriminar o Capitão Gouveia. Manuel Alegre acelera a ação, todos os personagens estão em movimento, vai num jipe a caminho de Quipedro e a seu lado alguém lhe entrega uma folha de papel onde está escrito: “Há outro Portugal, não este. E sinto que tinha que passar por aqui para o encontrar. Não sei se passado, não sei se futuro. Não sei se fim ou se princípio. Sei que sou desse país: um país que já foi, um país que ainda não é”. E eclode uma emboscada, os guerrilheiros do MPLA cercaram o grupo de Sebastião, eles lançam-se para a frente, os guerrilheiros retiram, provisoriamente. E tudo recomeça e Sebastião avança sozinho, a sua tropa está desorientada, o nosso alferes já não se vê. Nunca mais voltará a ser visto.

E assim termina este romance enigmático, uma jornada catastrófica, um homem que não quebra a espinha, que não aliena valores, um democrata que não recusou fazer a guerra e que não esconde a ninguém que aquela guerra é uma doença. E desaparece, tal como o outro Sebastião, em Alcácer Quibir.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de junho de 2016 Guiné 63/74 - P16170: Nota de leitura (845): Estudos Sobre a Economia do Ultramar, por José Fernando Nunes Barata, publicado em 1963 pela Biblioteca do Centro de Estudos Político-Sociais (Mário Beja Santos)