segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

1. Já aqui publicámos um dos textos mais notáveis do blogue, daqueles que terão, obrigatoriamente, de figurar na antologia dos 100 melhores postes da Tabanca Grande  que um dia, se houver tempo, pachorra e saúde,  ainda haveremos de organizar... Referimo-nos ao poste P3543, de 30/11/2008, do nosso camarada e grã-tabanqueiro da primeira hora  Mário Dias (1).

Mário [Roseira] Dias  [, foto de 2005, à direita, ] foi para a Guiné no início dos anos 50, ainda adolescente, tendo assistido à modernização e crescimento de Bissau, capital da Província desde 1943... Conheceu Domingos Ramos, de que se vai tornar amigo, na recruta e depois no 1º Curso de Sargentos Milicianos [CSM], que se realizou na Guiné, em 1959,


[foto à esquerda, efígie de Domingos Ramos em nota de 100 pesos, emetida em 1990, pelo Banco Centreal da Guiné-Bissau]



Como é sabido, o Domingos [Gomes Ramos tornar-se-ia um dos nomes míticos da fase inicial da guerrilha do PAIGC, sendo comnhecido pelo seu nome de guerra, "João Cá".  Este CSM  acabaria, de resto, por ser um alfobre de quadros... para o PAIGC.

Segundo o próprio Mário Dias nos conta (2), o Domingos Ramos era filho de um quadro local da administração colonial portuguesa, com o estatuto de assimilado,  ou seja, já não era um indígena.

Mário Dias sugere que ele ter-se-á alistado nas fileiras do PAIGC, em novembro de 1960, depois de ter sido vítima de uma grave injustiça enquanto 1º cabo miliciano, colocado no Centro de Instrução Militar (entretanto transferido de Bissau para Bolama).

Os dois amigos seguirão  caminhos diferentes: Mário Dias será um dos fundadores da CCmds da Guiné e é combatente no CTIG (até 1966),  seguindo depois para Angola, como sargento do quadro permanente,  não sem antes ter estado frente a frente com o seu antigo camarada e amigo, em meados de 1965, nas matas do Xitole, na zona entre Amedalai e os rápidos de Cussilinta, perto da estrada Xitole-Aldeia Formosa-Mampatá...

Vale a pena reler o segredo que o Mário guardou durante anos e revelou, em primeira mão, aqui no nosso blogue, aos seus amigos e camaradas da  Guiné (1). Um ano e poico depois o Domingos Ramos morreria, em combate, em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966 (3). A sua perda foi particularmente por Amílcar Cabral.

O Mário, grande português e um homem de invulgar nobreza,  tem palavras de grande apreço e admiração pelo Domingos Ramos. Diz ele:

"Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar".

Por tudo isto, estes dois homens merecem ser aqui lembrados: um já morreu sem ter podido partilhar  o seu segredo com o seu antigo camarada e amigo (e sobretudo confirmar a sua versão dos factos, passados em Bolama).

O que se passou, realmente, em Bolama, por volta de outubro de 1960 ? Domingos Ramos, segundo se depreende do testemunho (insuspeito) de Mário Dias,  terá sido  vítima do militarismo e do racismo de um oficial português, ao punir o 1º cabo miliciano Ramos com vários dias de prisão.


2. O segredo de... Domingos Ramos

por Mário Dias


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Centro de Instrução Civilizados (CIC) > Maio de 1959 > Recruta >  "Eu, Domingos Ramos e outros"...

 Texto e fotos: © Mário Dias (2006). Todos os direitos reservados


Manhã de 8 de Maio de 1959. Na parada do quartel da Bateria de Artilharia de Campanha [BAC] em Bissau, Santa Luzia, defronte ao que viria a ser o QG [Quartel General], mancebos agrupavam-se segundo indicações de alguns oficiais e sargentos e preparavam-se para iniciar a sua vida militar. Eu era um deles. Com receio, mas também com alguma expectativa pelo que iria acontecer.

Foi nas instalações desse quartel que funcionou pela primeira vez uma escola de recrutas seguida de um CSM [ Curso de Sargentos Milicianos ] para europeus e guineenses considerados civilizados ou assimilados, já com formação escolar de, pelo menos, o 2º ano do liceu, na época chamado 1º ciclo liceal.

Até essa data, a recruta era separada e, sendo os europeus um pequeno número que não justificava uma incorporação anual, iam ficando esperados alguns anos e, quando havia suficientes mancebos para formar um ou mais pelotões, realizava-se a recruta que tinha lugar em Bolama. Portanto, esta incorporação de 1959, foi a primeira na Guiné que juntou europeus e africanos.

Curiosamente, a unidade chamava-se Centro de Instrução de Civilizados (CIC) por se destinar a africanos considerados civilizados [ou assimilados]. O comandante era o capitão Teixeira, pai do conhecido historiador Nuno  Severiano Teixeira (4). Nos anos seguintes, talvez devido ao caricato da designação, passou a chamar-se Centro de Instrução Militar (CIM) e foi transferido para Bolama.


Foto nº 1 A

Foto nº 1 B
Aqui está o 1º pelotão do CIC da incorporação de 1959 em Bissau [Foto nº1]. Eu estou à esquerda, na 3ª fila (de óculos) [Foto nº 1 A]. Uma pequena chamada de atenção para o facto de os homens situados à esquerda do pelotão serem europeus. Tal não se deve a qualquer espécie de discriminação ou elitismo. Aconteceu que, formando-se, como sabem, por alturas, nós, os tugas, éramos os mais pequenos. Dos elementos africanos, alguns foram para o PAIGC após a passagem à disponibilidade. De entre eles, quero aqui destacar o Domingos Ramos (segundo à direita na fila de pé) [Foto nº 1 B].

O Domingos Ramos era um indivíduo bem constituído fisicamente e, sobretudo, moralmente. Aquilo que se pode chamar, um bom gigante. Desde o início da nossa vivência comum que por ele tive uma especial estima. Tornámo-nos bons amigos em todas as situações e na caserna, nas horas de descanso, trocávamos opiniões sobre os mais variados assuntos, com especial interesse da minha parte por tudo relacionado com os usos e costumes dos guineenses. Muito aprendi com ele. Recordo ainda com saudade e emoção as paródias, próprias da irreverência da nossa juventude. E da célebre água pú que ele me ensinou e a que aderi com entusiasmo.

Eu explico: Água pú era uma bebida/comida energética, fácil de fazer, fruto do desenrascanço e instinto de sobrevivência dos africanos e que eu desconhecia. Trata-se de um tigela ou caneca com água onde se dissolve açúcar, quanto mais melhor, e nessa calda se vão molhando pedaços de pão quase como se de açorda se tratasse.

Que bem que sabia! Fiquei cliente viciado desde a primeira vez que, pela mão do Domingos Ramos provei. No final da 3ª refeição, metíamos no bolso (à socapa) o casqueiro sobrante que guardávamos no armário da caserna onde, para o efeito, não faltava o respectivo açúcar. Saída para Bissau - as garotas ou bajudas estavam à espera - e, após o recolher, lá íamos repor energias com a água pú. Mal o sargento de dia dava a ordem de destroçar, era uma correria, direitos aos armários gritando com todo o entusiasmo: Água púuuuu…

Nesse ambiente de sã camaradagem se passou o tempo até ao juramento de bandeira que teve lugar em 10 de agosto de 1959, alguns dias após os célebres acontecimentos do Pidjiguiti (5). Terminada a recruta, teve início a 14 de agosto de 1959 o 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) que houve na Guiné. Nesta fase, já que os instruendos do CSM eram menos que durante a recruta (alguns foram para a Escola de Cabos e outros ficaram como soldados),  os nossos laços de amizade estreitaram-se ainda mais.


Foto nº 2

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > Instruendos do  CSM / 59  . Em baixo, a partir da esquerda, : eu [, Mário Dias, de óculos]; Domingos Ramos apontando a velha Mauser; Pinhel; Orlando; e Laurentino Pedro Gomes [que, tal como eu, após passagem à disponibilidade, regressou ao serviço como furriel do quadro, seguindo a carreira milita; segundo me disseram, faleceu num acidente de viação nas proximidades de Cacheu já depois da independência].

De pé, também a partir da esquerda, está um (não me lembro o nome) que veio a ser professor de trabalhos manuais no liceu de Bissau; a seguir o Telmo que acabou por se formar em economia e já faleceu; o Armindo Birges; depois é o alferes Vigário, um dos nossos instrutores que viria a falecer em combate em Angola; segue-se o Coelho, exímio acordeonista, sobrinho de um conhecido comerciante de Cacine e que acabou emigrando para o Brasil; finalmente o 1º cabo Cerqueira, que já pertencia ao Quadro Permanente [QP] e que fez o CSM para obter condições de promoção a furriel.


Foto nº 3

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos montando a tenda... Aqui está o Domingos Ramos nos exercícios finais do CSM (semana de campo), atarefado na montagem da barraca que era feita com 3 panos de tenda ligados entre si por botões metálicos.n Certamente que alguns tertulianos se recordam deste primitivo sistema. A fotografia não tem grande qualidade mas não deixo de mostrá-la, por se tratar de uma pessoa que muito estimei.


Foto nº 4

Guiné > Bissau > 1959 > 1º Curso de Sargentos Milicianos (CSM)> O Domingos Ramos na Semana de Campo... Aqui, como se pode ver pelos apetrechos que levam nas mãos (cantil e marmita) iam a caminho do carro que nos trazia o almoço durante a semana de campo. O Domingos Ramos é o segundo da direita.

O CSM terminou 28 de novembro [de 1959] e a 29 fomos promovidos a 1ºs cabos milicianos que era uma forma de o regime de então poupar umas massas. Fazíamos sargentos de dia, frequentávamos a messe e tínhamos as responsabilidades inerentes mas… ganhavamos como cabos.

A seguir ao CSM, tivemos que dar uma recruta como monitores. Alguns, entre os quais o Domingos Ramos, foram colocados para o efeito em Bolama, ficando outros, como eu, em Bissau. Creio que algo se passou em Bolama que o tornou permeável aos apelos do PAIGC e o levou a aderir à luta. Na verdade, enquanto com ele convivi em Bissau, nem o mais leve indício de descontentamento, nem o mais pequeno sinal de revolta ou discordância com o status quo existente demonstrou. Se algo havia na sua mente, disfarçava muito bem, o que não creio, dada a sua rectidão de carácter.

O mesmo já não se passava com outros como, por exemplo, o Rui Demba Jassi, que tinha atitudes incorrectas para com os europeus sem que houvesse razões para tal e não conseguia disfarçar animosidade contra nós. Este Rui Jassi era filho do capitão de 2ª linha Jassi que morava no lado direito da estrada de Santa Luzia, perto da capela aí existente. Era uma figura incontornável nas cerimónias e festividades às quais comparecia orgulhosamente com a sua farda branca. Quando soube que o filho tinha passado para o PAIGC, segundo constava, dizia que oferecia tudo quanto tinha a quem lhe trouxesse o seu cadáver. Talvez isto não passe de mais uma das muitas lendas que se foram gerando.

Mas, regressando ao Domingos Ramos, tema principal desta minha intervenção, creio que foi um acontecimento em Bolama que o fez mudar de ideias. Um dia, já próximo da nossa passagem à situação de licença registada, que ocorreu em outubro de 1960, seguindo-se a disponibilidade em fevereiro de 1961, o Laurentino [Pedro Gomes] mostrou-me uma espécie de memorando que o Domingos Ramos havia escrito em Bolama,  respeitante a uma tremenda injustiça por parte de um superior hierárquico que o levou à prisão durante uns dias.

Foi uma daquelas situações tão frequentes, infelizmente, na vida militar que levam a que muitos inocentes sejam punidos apenas porque a corda parte sempre pelo lado mais fraco e a máxima de que "palavra de oficial faz fé" é uma realidade. Nesse memorando, era bem patente o desgosto que ele sentia por ter sido vítima de tal injustiça e, mais do que um desgosto, notava-se o destruir das convicções que até ali o tinham norteado.

E foi isso, creio, que o levou a juntar-se ao PAIGC. Nos primeiros dias de novembro [de 1960], juntamente com o Rui Jassi, Constantino Teixeira e outros cujos nomes já não me ocorrem, partiu para Pequim, Praga, Moscovo e demais escolas de guerrilha tornando-se um dos primeiros e mais importantes chefes de guerrilha daquele movimento.

Morreu em combate num dos ataques ao quartel de Madina do Boé onde está sepultado. Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar.



Foto nº 5

Guiné > Bissau > 1959 > 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias, Domingos Ramos e outros...
 De cócoras, a partir da esquerda: Domingos Ramos; um outro cujo nome não me lembro mas que também foi para a guerrilha; e depois o Laurentino Pedro Gomes. De pé: não me recordo o nome mas também foi para a guerrilha; Garcia, filho do administrador Garcia, muito conhecido e estimado em Bissau; mais um de cujo nome não me recordo; eu [, Mário Dias]; e mais outro futuro guerrilheiro.

Foto nº 6

Guiné > Bissau > 1959 > O 1º Curso de Sargentos Milicianos foi uma alfobre de quadros para o PAIGC... Alguns dos outros que foram meus camaradas na recruta. De poucos nomes me recordo mas muitos também foram guerrilheiros. Dos dois que estão mais altos, o da direita é o Constantino Teixeira, mais conhecido por Chucho ou Axon, que foi igualmente figura importante do PAIGC. Chegou a ser ministro da segurança interna, salvo erro, no tempo imediatamente a seguir à independência. Apareceu, algum tempo depois, morto dentro do carro numa rua de Bissau. Daquele gordinho de óculos escuros que está com a mão no bolso da camisa, só me recordo da sua alcunha que era Diblondi. O porquê de tal alcunha, não sei. Peço desculpa por omitir tantos nomes, embora me lembre das pessoas. Nunca tive o cuidado de ir anotando os acontecimentos nem de escrever no verso das fotos os nomes das pessoas. Péssimo hábito de que agora me arrependo.

Foto nº 7

Guiné > Bissau > 1959  > O meu pelotão de recrutas africanos, de pé descalço...

Termino com esta foto [nº 7] dos meus primeiros recrutas porque ela constitui o testemunho de um facto que, possivelmente, muitos desconhecem e outros certamente acham impossível se apenas contado. Reparem bem nestes soldados indígenas na Guiné em 1959. É isso mesmo que estão a ver: descalços.

Era assim que faziam toda a recruta e só depois de prontos lhes eram distribuídas as botas. Dizia-se que eles preferiam andar descalços. Mesmo sendo verdade, e muitos de nós se devem lembrar que, de facto, o andar descalço era um hábito muito arreigado, não se justifica e é humilhante que soldados assim andassem. (6)

Mário Dias
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Notas do editor:

(1) vd. poste de 30 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

(...) De repente, ouvimos pessoas a conversar e o ruído característico de movimentação. Querendo observar melhor o que se estava a passar, ergui-me acima do arbusto que me ocultava. Foi então que aconteceu. Do outro lado, a cerca de vinte ou trinta metros, um vulto se ergueu também e olhou na minha direcção. Espanto dele! Espanto meu! Era o Domingos Ramos.

Ficámos ambos como petrificados. Não falámos, apenas nos limitámos a sorrir e houve como que uma espécie de telepatia. Mas, mesmo sem falar, as expressões de contentamento de ambos (espero que ele tivesse entendido que também eu estava contente com o inesperado mas feliz encontro) tornaram mágicos aqueles breves momentos que jamais esquecerei.

Mas era preciso regressar à terra. De imediato ouvi as suas ordens:
- Nó bai, nó bai -. E internou-se ainda mais, desaparecendo na densa mata. Voltei para trás, para junto do resto do grupo:
- Não há problema. Era um pequeno grupo mas já fugiram.

E continuámos a patrulha sem mais percalços. Claro que este episódio não constou do relatório. (...)


(2) Vd. 1 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P474: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

(3) Domingos Ramos,  morto em Madina do Boé em 10 de novembro de 1966, é um herói nacional da Guiné-Bissau, figurando em notas de banco (por exemplo, de 100 pesos, emissões de 1975 e 1990), nomes de ruas e instituições de ensino... Foi um dos pioneiros da luta de libertação, sob a liderança de Amílcar Cabral. Tinha também um irmão na guerrilha, Paulo Ramos.

Vd. referênciaa ao Domingos Ramos no postes:

22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - P119: Antologia (10): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (conclusão) (A. Marques Lopes)

12 de dezembro de 2007 >  Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

(4) Henrique Nuno Pires Severiano Teixeira: é um académico e político português. Professor catedrático (Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais da Universdiade NOVA de Lisboa) , é também vice-reitor da mesma instituição. Dirige o Instituto Português de Relações Internacionais. Nasceu em Bissau em 5 de novembro de 1957. Ministro da Administração Interna no XIV Governo Constitucional, dirigido por António Guterres, de 14 de setembro de 2000 a 8 de abril de 2002; e ministro da Defesa Nacional no XVII Governo Constitucional, com José Sócrates como primeiro ministro (de 12 de março de 2005 a 26 de outubro de 2009).  É autor, entre diversas obras, da Nova História Militar de Portugal, 5 Volumes (Lisboa: Círculo de Leitores, 2003-2004).

(5) Local do porto de Bissau onde, a 3 de Agosto de 1959, na sequência da repressão de um conflito laboral (uma greve de marinheiros, estivadores e outros trabalhadores portuários, reivindicando aumentos salariais e melhores condiçõs de trabalho), terá morrido um número nunca rigorosamente determinado de mortos e feridos. Estes acontecimentos foram habilmente explorados por Amílcar Cabral, passando a efeméride a ser considerada pelo PAIGC como o início (oficial ou oficioso) da luta de libertação da Guiné.

Vd. poste de 2 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4452: Controvérsias (19): O 'massacre do Pidjiguiti', em 3 de Agosto de 1959: o testemunho de Mário Dias

(6) Último poste da série > 3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

domingo, 22 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16121: Dando a mão à palmatória (29): Fundo do Baú revisado, ou a foto onde posso não estar (Vasco Pires, ex-Alf Mil do 23.º Pel Art)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 13 de Março de 2015:


FUNDO DO BAÚ REVISADO

Bom dia Padrinho(1),
Cordiais saudações.

Houve anteriormente uma "cobrança" tua, para "raspar o fundo do baú", porém, venho agora revisá-lo.

O nosso Camarada Manuel Vaz, historiador de Gadamael, nas suas intensivas pesquisas, me alertou que na foto do P11148, onde eu pensava estar atrás do Capitão Videira, posso não ser eu. Como já referi algumas vezes anteriormente, saí de Portugal no mesmo ano (1972) em que voltei da Guiné.

Fiquei "afastado" das minhas memórias Africanas durante décadas, até que durante o repouso forçado após um acidente, tive contato com o Blog, ativaram-se algumas memórias e reconstruíram-se outras.


Quando resolvi falar do Capitão Videira, encontrei uma foto já desgastada pelo tempo e a má conservação, que estava entre as poucas que restaram das minhas "andanças por aí". Por estar comigo, e por ter rapado o cabelo por essa data, pensei ser eu.

Depois do alerta, ampliando a foto digitalizada, concluí que não devo ser eu. Peço, que faças no P11148 as alterações que julgares necessárias.

Agradeço ao Camarada Manuel Vaz, a sua ajuda na reconstrução do passado.

Forte abraço.
Vasco Pires
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Notas do editor

(1) - O editor, entre os tertulianos tem alguns afilhados e até um mano.

Último poste da série de 11 de julho de 2011 Guiné 63/74 - P8539: Dando a mão à palmatória (28): Na melhor nódoa cai o pano... ou: Não basta à mulher de César ser séria, é preciso parecê-lo (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P16120: Convívios (749): Em Peroviseu, Fundão, no próximo sábado, dia 28 de Maio, CART 2479, "Os Lacraus (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Piche, Paunca, 1969/70) (Valdemar Queiroz)





Concentração em Peroviseu, Fundão, às 12h15 do dia 28 de maio de 2016, junto ao Hotel Rural / Casa da Eira... No mapa das estradas, fica na A23 (para quem vem da Guarda, é saída 30, Covilhã Sul)


1. Mensagem de hoje do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Luis Graça

Este ano os Lacraus vão para Peroviseu. Vão para a Beira Baixa. Vamos todos conviver para aqueles lados, que a grande maioria da rapaziada não conhece ou por lá nunca passou.

Foi o ex-alf mil Martins que organizou, e que julgo ser daqueles lados. Já estamos todos com setenta anos, ou talvez com um ou dois a mais que o outro.´

Eu,  já com setenta e um, era o mais velho, fora o cap Pinto, o 1.º sargento Ferreira Jr. e o 2.º sargento Almeida (O velho lacrau).

Vamos lá estar todos a recordar: "daquela vez em Piche'', "e quando embrulhámos em Canquelifá" ?!,
Vamos lá estar todos e à espera do ex-fur mil Renato Monteiro que foi da nossa Companhia [ e, depois, foi parar à CART 2520, Xime, 1970; autor, com Luís Farinha, do livro Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / Publicações D. Quixote. 1990. 307 pp].

Abraços

Valdemar Queiroz

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Guiné 63/74 - P16119: Convívios (748): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), dia 18 de Junho de 2016, em Fátima (Manuel Dias Pinheiro Gomes)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Dias Pinheiro Gomes (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM / Agrupamento de Transmissões da Guiné, Catió e Bissau, 1970/72), com data de 19 de Maio de 2016:

Boas tardes caro amigo Vinhal
Vai-se realizar mais um convívio do 2930 de Catió, pedia o favor se podes divulgar na Tabanca Grande.
Fico agradecido.
Um grande abraço
Manuel Gomes


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16110: Convívios (747): Almoço do pessoal da 3872, onde se encontraram dois grandes médicos, o Dr. Pereira Coelho e o Dr. Rui Vieira Coelho (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P16118: Blogpoesia (449): "Comboio da madrugada...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Em mensagem de hoje, 22 de Maio de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este poema intitulado "Horas amargas":


Comboio da madrugada...

Tomei o comboio nocturno,
fiz-me ao mar da madrugada,
por vales ermos, encostas
e dobrando serras.
Rumei aos longínquos monfortes
do Oriente
donde o sol nascente vem casa manhã.

Fui em busca da sapiência.
Outras terras, outras cores.
Donde o longe é o ocidente atribulado.

Vou à Manchúria e ao Tibete.
Ao fundo, a China e o Indostão.
Que tamanho mar!...
O fim do mundo.

Ao alto, o céu.
O mesmo azul e outras estrelas.
A mesma paz.

E vou adiante.
Uma sementeira d’ilhas.
Perene naufrágio.
Outro hemistério.
O mistério sul.
Tão colado ao chão
Como se fora o norte.

Já estou cansado.
Quero voltar... Não sou de cá.

Berlim, 22 de Maio de 2016
8h25m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16105: Blogpoesia (448): Gadamael Porto, eu te amo, eu te odeio (Manuel Augusto Reis, ex-alf milç cav, CCAV 8350, Guileje,Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)

Guiné 63/74 - P16117: Agenda cultural (487): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às18h00 - Resumo da obra: III e última parte


Capa do livro do António Júlio E. Estácio, "Bolama, a saudosa...". Edição de autor, 2016, 491 pp. Preço de capa: 15€.


António Estácio no no V Encontro Nacional Tabanca Grande, Monte_Real, 26 de unho de 2010. 
Foto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


Parte III (e última) do resumo do livro "Bolama, a saudosa...", da autoria do nosso amigo camarada, lusoguineense, António [Júlio] Estácio.


Vai ser lançado em Lisboa, 
no Palácio da Independência, 
largo de São Diomingos 
ao lado do Teatro de D. Maria II, 
dia 25 de maio, 4ª feira,
às 18h00.

O autor: António [Júlio Emerenciano] Estácio, lusoguineense, nado e criado no chão de papel, em Bissau, em 1947, engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72). Trabalharia depois em Macau (de 1972 a 1998). Vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra. É membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010-

Tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "mulheres grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959).


Sinopse da obra - III (e  última)  Parte 










Observ. do editor. Há gralhas no texto original,que não pudemos corrigir a tempo.
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Nota do editor:

(*) Postes antes da série

21 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16115: Agenda cultural (479): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às 18h00 - Resumo da obra: parte II

20 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16112: Agenda cultural (478): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às 18h00 - Resumo da obra: parte I

Guiné 63/74 - P16116: Parabéns a você (1083): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16111: Parabéns a você (1082): Mário Pinto, ex-Fur Mil Art da CART 2519 (Guiné, 1969/71)

sábado, 21 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16115: Agenda cultural (486): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às 18h00 - Resumo da obra: parte II


Capa do livro do António Júlio E. Estácio, "Bolama, a saudosa...". Edição de autor, 2016, 491 pp. Preço de capa: 15€.

Parte II do resumo do livro "Bolama, a saudosa...",
 da autoria do nosso amigo camarada, lusoguineense, António [Júlio] Estácio.


Vai ser lançado em Lisboa, 

no Palácio da Independência, mesmo ali ao lado 

do Teatro de D. Maria II, 

dia 25 de maio, 4ª feira,
às 18h00.


O autor:

António [Júlio Emerenciano]  Estácio, lusoguineense,
nado e criado no chão de papel, em Bissau, em 1947,
engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72). Trabalharia depois em Macau (de 1972 a 1998).

Vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra.
É membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010 (*). 
Tem-se dedicado à escrita, é autor de dois livros que narram as histórias de vida de duas "mulheres grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959). (**).


Sinopse da obra - II Parte (o início da decadência 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16114: Convívios (748): Em Oliveira de Azeméis, no passado dia 7: celebração dos 50 anos de formação do BCAÇ 1894 e dos 48 anos do regresso da CCAÇ 1589, os bravos de Béli e Madina do Boé (Manuel Coelho / António Marques Alves)


Foto nº 1 > Insígnias da CCAÇ 1589 (1966-1968)


Foto nº 2 > O António Marques Alves, organizador e também director do Núcleo da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis, depositando um ramo de flores em homenagem aos mortos do concelho na guerra do ultramar.


Foto nº 3 > Aspeto da cerimónia de homenagem aos mortos ddo concelho na guerra do ultramar


Foto nº 4 > Concentração junto ao monumento aos mortos da guerra do ultramar


Foto nº 5 > Homenagem aos mortos do concelho (2)


Foto nº 6 > Igreja de Oliveira de Azeméis


Foto nº 7 Os bravos da companhia (1)


Foto nº 8 > Os bravos da companhia (2)



Mensagem do antigo comandante da CCAÇ 1589, Henrique Perez Brandão, cap inf, lida no encontro pelo ex-alf Veleda.

************

1.  Mensagem, com data de 15 do corrente, do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms,  CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68),

Caros amigos editores, meio século não é pouco na vida humana, por isso estou a pedir-vos a publicação da notícia deste encontro da CCAÇ 1589 que é anual mas desta vez comemorámos 50 anos da formação do batalhão (BCAÇ 1894) em Tomar, e 48 anos do nosso regresso da Guiné [, em 10 de maio de 1968, com chegada a Lisboa, a 15].

Assim envio as fotos mais expressivas do evento em Oliveira de Azeméis no passado dia 7, no qual o António Marques Alves, organizador e também director do Núcleo da Liga dos Combatentes, depositou flores em homenagem aos mortos do concelho na guerra do ultramar.

Também foi celebrada missa por sufrágio pelos falecidos da nossa companhia.

Envio também cópia da mensagem do nosso comandante de companhia, o coronel e então capitão Brandão, na qual resume o que foi o nosso percurso naquele fim do mundo que se chama
região do Boé.

Um grande abraço,
Manuel Coelho
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Guiné 63/74 - P16113: Nota de leitura (840); "Outro Olhar, Guiné 1971-1973”, por Francisco Gamelas, edição de autor, 2016 (Mário Beja Santos)



Mário Beja Santos
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2016:

Queridos amigos,

É verdade que já se escreveram histórias da unidade em verso, e há muitíssimas rimas em edições de autor. Não conheço nada de tão íntimo, despojado de pompa que este testemunho de um alferes das Daimler que viveu a guerra e o amor em Teixeira Pinto e arredores, e que põe fundamentalmente em verso a sua forma de ler as fotografias do seu álbum daquele tempo.
Ele não se ilude: "A pessoa que agora as revive é diferente daquele viveu os factos a que se referem".

Mas há tesouros que não se apagam, e o ouro brilha sempre, tal como ele canta a amizade em teatro de guerra, como ele escreve com tanta singeleza:

"Hoje sou eu que ajudo./Amanhã poderei ser eu o ajudado./Só o viver as situações/nos ensina quem somos".

Que ninguém perca esta leitura, digo-vos eu.

Um abraço do
Mário


Outro olhar, Guiné 1971-1973, por Francisco Gamelas

Beja Santos

O testemunho de Francisco Gamelas [, foto atual à direita[, que comandou um pelotão Daimler em Teixeira Pinto, entre 1971 e 1973, é um documento único. Nunca saberemos o tempo que levou a congeminar esta solução original de voltar à Guiné meditando e poetando sobre fotografias pessoais. É um autor despretensioso, nada de farroncas nem de bravuras e diz abertamente: nem sempre os episódios narrados foram diretamente vividos pelo autor, soube deles por narrativas feitas na altura por quem as viveu.

É um regresso muito íntimo, na Guiné viveu atribulações mas chegou a ter ao seu lado a mulher amada. Sentiu deceções, não se deu bem no enquadramento da máquina militar, como escreve: “A qualidade humana e profissional da hierarquia era maioritariamente fraca. As massas militares não passavam de números, de estatísticas, de peças descartáveis de uma engrenagem com um dono todo-poderoso”.

 Descreve Teixeira Pinto, pelo que pude ler e ver é a Teixeira Pinto que aparece no meu livro “A Mulher Grande”, que ali viveu nos anos 50 em cuja casa recebeu Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues, somente há que adicionar o quartel. Tudo pacato no sítio, mas o PAIGC movimenta-se em áreas próximas, no Balenguerez e na Caboiana.

Exalta a Daimler (p. 27), o seu instrumento de trabalho:

Esta bizarria careca e obsoleta 
também defendia o império. 
Puseram-lhe a tampa na valeta, 
desta vez com algum critério. 

No caso de pisar uma mina, 
no provável saltar e tombar, 
ao cuspir quem a domina, 
poderia a sua vida salvar (...). 

E apresenta também em métricas rítmicas as tarefas do seu pelotão (p. 29): 

(...) Nos caminhos com tapetes de alcatrão
rumo ao Cacheu e ao Pelundo, 
por vezes até João Landim,
exibíamos o nosso vozeirão
rouco, feroz e profundo
nunca faz de conta de ínterim.

Nas visitas dos senhores do poder
às terras das redondezas
erámos presença obrigatória
não fosse chegar e não ver
o aparato a garantir certezas
de um final feliz para a sua estória. (...)

Não lhe escapam datas de festividades, o trabalho da ação psicológica, as peripécias para angariar uma comida um pouco melhor, são saborosos os seus textos sobre a caça ao leitão e o rabo dos cabritos.

E temos as lavadeiras, assim louvadas (p. 49):

Serviço público por excelência
este de nos lavar a roupa suja.
Ranchos de jovens mulheres nativas
cuidavam de manter apelativas
as roupas dos brancos, cuja
paga era de uma esmola a evidência. (...)

Não esqueceu as crianças, a sua inocência e o seu gargalhar estrídulo, as práticas de higiene no lavadouro  (p. 57):

O prazer lúdico da água a escorrer
sobre a pele nua de uma criança
exprime a aparente confiança
de uma subtil normalidade a decorrer.

Enquanto a mão, para sobreviver,
lava a roupa de militares, balança
a sorte de quem no mato se lança,
tanto para matar como para morrer.

Contudo, é reconfortante a ternura 
que sentimos na simples observação
deste quadro e pensar que perdura,
ainda, neste nosso aviltado coração,
um sentimento nobre. Pura e dura
é a loucura desta arma na nossa mão.

Não se exime ao uso da prosa para castigar o estilo da crueldade, da incompreensão do horror, aquilo que se chama a banalização do mal, é o que escreve o título com "A Queda" (P. 59):

  "Não mais de 35 anos, triste, franzino e alquebrado, um soldado armado de cada lado, mãos atadas atrás das costas. Da negrura do seu corpo sobressaia o branco das pupilas. Na sua frente, formando o bico do triângulo, o sargento de dia, que comandava o grupo. O africano tinha acabado de ser entregue pela PIDE à porta de armas. Da penumbra do seu gabinete o tenente-coronel emergiu, dirigindo-se ao grupo, que parou, na expetativa. De onde me encontrava, pareceu inquirir o africano que o encarou, humilde, embora firme e determinado no seu silêncio. Inesperadamente, uma chuva de murros e pontapés, aplicado meticulosamente, desabou, inútil, sob aquele corpo que se apequenava a caminho do chão, sem produzir um queixume. Um último e violento pontapé, no corpo em posição fetal, há muito no chão, confirmou o cansaço do comandante. Arrastou-se e foi arrastado até ao calabouço. Cedo, na manhã seguinte, um helicóptero veio por ele. Chegou vazio a Bissau. Constou que o preso caiu pelo caminho”.

Não lhe saíram da memória certos lugares e espaços: a camarata em Bissau, a vida da messe de oficiais de Bissau a Teixeira Pinto, duas crianças a conversar no Pidjiquiti, a visita do ministro da Defesa, não lhe escapa um retrato a corpo inteiro do coronel (pp. 70/71):

“Entroncado, seco, estatura meã, sempre de camuflado com a sua boina de paraquedista, parecia um atleta de pesos e alteres. Passo miúdo e saltitante, cabeça rapada e bigode apurado, já a grisalhar. Constava que tinha praticado boxe. Olhava as pessoas sempre de frente sem nunca desviar o olhar. Personalidade forte, gostava de ser obedecido com rapidez e de forma eficiente. Tinha pouca paciência para quaisquer discussões. As suas frases eram curtas e grossas. Sabia que, no final era a sua opinião que prevalecia. Era ele que mandava. Para quê perder tempo?"

E há momentos inolvidáveis: acompanhado pela mulher ocorre um encontro na bolanha, foi momento mágico, como ficará no poema e na imagem (p. 75):

No saibro da linha direita e vermelha
na nossa direção, surge a caminhar
um vulto negro, passo lento e seguro.
O que poderia ser uma mulher velha
no porte e compleição, veio a revelar
a frescura própria de um fruto maduro.

Dois pequenos ramos secos nas mãos.
Como uma coroa, cingia-lhe a cabeça
uma fita clara de pano fino enrolado.
Os brincos das orelhas eram irmãos
do colar de contas do pescoço, peça
típica de mulher com marido prendado. (...)

Nem tudo circunda à volta do estro poético, há acontecimentos duríssimos, inocentes mortos que nunca mais se esqueceram, é preciso ler com os olhos límpidos e o coração disponível um texto pungente que se intitula “Efeitos colaterais" (pp. 78/81). E há a mais extremosa das confissões de amor, até porque a Lena virá para Teixeira Pinto e será professora, foi uma decisão com muitos escolhos (pp. 99/101):

“Mesmo assim, amor, decidimos casar
e começar a nossa vida em comum
neste reino de guerra sempre latente
aproveitando os intervalos
de alguma normalidade
para nos inventarmos
como casal.
Éramos jovens.
Sentíamo-nos imortais
apesar da evidência em contrário.(...)

Foi aqui, no Canchungo,
e nestas condições que aceitámos,
que o nosso amor floriu
que nos fomos aprendendo
na partilha permanente
nas cumplicidades do presente
e nela germinou a semente
que foi crescendo
no teu ventre
sangue do nosso sangue
carne da nossa carne
até nos acrescentar
em forma de rebento
a quem demos o nome de Sara”.

E, um dia, estão todos de regresso, finda uma saudade, rasga-se uma esperança, aquele barco de nome Niassa traz gente que vai recomeçar as suas vidas (p. 127):

Agora, quem espera já não desespera.
Está iminente o retomar da dignidade.
A felicidade pode mesmo ser verdade
e a carícia que nos afaga ser sincera. (...)

Não há livro neste extenso acervo da literatura de guerra como o de Francisco Gamelas. Resolveu o autor fazer a sua própria edição com uma tiragem de 150 exemplares. Irá arrepender-se pois há muito mais gente que quer guardar para si este majestoso e enternecido olhar de dois anos numa guerra, reescritos em alguns meses de 2015. Que obra tão bonita!


Parece olhar, enviesado, a objetiva/mas, sem nesse instante se manifestar/uma intenção do fotógrafo afrontar./Será mais um efeito de perspetiva. (Foto de Francisco Gamelas, p.114)


"Lena, por favor, a máquina fotográfica./Cicio numa pressa para a minha mulher./Máquina na mão, nos lábios um sorriso, abordo, afoito, aquela negra magnífica./Mas será que ela aceitar e entender?/Sorriu para mim, e nada mais foi preciso".  (Foto de Francisco Gamelas, p.74)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16094: Nota de leitura (839): Num número da revista Africana encontrei um trabalho de certo fôlego intitulado “Guiné: o gentio perante a presença portuguesa”, da autoria da antropóloga Maria Teresa Vázquez Rocha (Mário Beja Santos)