quarta-feira, 21 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18441: Bibliografia de uma guerra (86): “África, Quatro Ases e uma Dama”, por Fernando Farinha, Daniel Gouveia, Conde Falcão, Pedro Cunha e Maria Morais; Programa Fim do Império, Âncora Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Projeto bem esgalhado, este, imagens da guerra e da paz, da extrema tensão e violência à transbordante atitude do cuidado e registo da ternura. É só de lamentar não aparecerem imagens da guerra e da paz na Guiné onde se combateu, o mais surpreendente é que imagens não faltam. E o projeto é bem coroado com aquela dama que nos explica o porquê de uma escultura em pedra para homenagear que lá longe combateu, e que podemos venerar em Oeiras.
Um acervo de imagens onde há relicários como as fotografias de Fernando Farinha ou o constante olhar deslumbrado de Daniel Gouveia.
Um livro que vale muitíssimo a pena por isso.

Um abraço do
Mário


África, quatro ases e uma dama

Beja Santos

O título do livro, tratando-se de uma coleção que se prende com testemunhos da presença portuguesa no espaço imperial português, não deixa de ser intrigante. No introito, é referido que dos quatro ases de um baralho de cartas, dois são negros, cor fria (ou ausência de cor), “espadas” e “paus”, e podem ser relacionados com violência, guerra; os outros dois são vermelhos, cor quente, “copas” e “ouros”, podendo lembrar afetos e riqueza. Terá havido de tudo isto nessa errância portuguesa; e quando à dama, acolhe-se o testemunho de uma escultora que talhou na pedra uma homenagem ao militar português. É um livro de imagens selecionadas de diferentes títulos. Logo o ás de espadas, a figura central é o grande repórter de guerra Fernando Farinha, um nome obrigatório da guerra de Angola.

Fernando Farinha, ex-sargento miliciano do Grupo de Dragões de Angola, foi jornalista e fotojornalista em Angola e Lisboa. O ás de ouros cabe por inteiro a Daniel Gouveia, que foi alferes miliciano no Norte de Angola e que publicou nesta mesma coleção dois livros primorosos, um dos quais integra um cd com 198 fotografias. Não se admirará o leitor de ver nestas imagens o feitiço africano, a comoção muitas vezes contida no encontro de culturas, no registo da solicitude ou pelo deslumbramento da natureza. O ás de paus coube ao Coronel de Cavalaria Conde Falcão, deixa-nos fundamentalmente lembranças de Nancatári, Norte de Moçambique, com ligações a Mueda e Montepuez. E se até agora tínhamos o registo da guerra, o ás de copas é atribuído a Pedro Cunha que fotografou em Moçambique e Guiné, afetos e valores no pós-guerra, são imagens que devemos associar a países independentes. A dama de copas é a escultora Maria Morais que nos irá falar e mostrar um conjunto escultórico que homenageia os combatentes que morreram em África e fala-nos demoradamente do embondeiro.
É este, em síntese, o aliciante de “África, Quatro Ases e uma Dama”, por Fernando Farinha, Daniel Gouveia, Conde Falcão, Pedro Cunha e Maria Morais, Programa Fim do Império, Âncora Editora, 2017.

O acervo de Fernando Farinha, insista-se, fala do vendaval angolano, logo uma fotografia no rio Lifune, cenário de dramática jornada integrada na operação Viriato, da reconquista de Nambuangongo, assistimos igualmente a trabalhadores bailundos a abandonarem fazendas, registos épicos das tropas a retomar posições quando a guerrilha debandou, os grupos especiais preparados para o combate, e também os Dragões de Angola e os seus cavalos.

Daniel Gouveia tem outro registo. Aliás, basta ler o que aqui escreve a preludiar as suas sugestivas imagens: “Ideias estereotipadas eram destruídas num simples relance. Por exemplo, que os nativos eram pouco asseados. Mentira. A dada altura, transplantou-se uma população de 700 almas que estava sendo incomodada pelos grupos independentistas e forçada a apoiá-los em logística e recrutamento de jovens para futuros guerrilheiros. Foram trazidos para junto do nosso quartel, até aí deserto de população civil. As instalações militares situavam-se no alto de uma colina. No fundo do vale, 200 metros abaixo, passava um ribeiro. Pois as mulheres, todas as manhãs, faziam essa viagem de ida e volta duas vezes. A primeira, para trazer água para dar banho às crianças. Só depois disso voltavam, para ir buscar água para a comida”.

Conde Falcão entremeia viaturas nas picadas, cenas de aldeamento, somos confrontados com uma árvore enorme envolvida por planta parasita, muitas crianças. Com Pedro Cunha temos testemunhos do quotidiano, é de uma enorme beleza a imagem que nos deixa de pescadores no rio Cacheu.

Monumento 'Presença do Soldado Português em África' - inaugurado em 21 de Junho de 1997 . Localizado no Jardim do Ultramar, em Oeiras.
Foto: Com a devida vénia a Maria Morais

E chegamos a Maria Morais que nos conta com enorme delicadeza a evolução do seu projeto, a sua matéria-prima foram três grandes blocos de pedra semi-rijo que vieram de uma pedreira de Porto Mós. Trabalho de fôlego, como ela descreve: “O material eleito foi a pedra; cinzelar a pedra requer, para além de força de braços, a utilização de máquinas rebarbadoras pesadas, martelos pneumáticos, retificadoras, freses diamantadas, escopros e macetas, um local sujeito ao ruído provado pelo rasgo desferido na pedra pelo movimento mecânico, assim como requeria igualmente um local arejado que permitisse evacuar as constantes de nuvens de pó que me cobriram”.
E quanto ao resultado, a escultura que hoje podemos contemplar em Oeiras, dá uma explicação: “Procurei transmutar para a escultura em pedra as memórias de África, através das minhas memórias. No fundo, este conjunto escultórico é uma colagem tridimensional dessas memórias perpetuadas naquele material nobre – a pedra. O embondeiro aparece numa atitude tutelar, pela sua grandeza, magnificência. As pedras verticais e oblíquas representam capim, tantas vezes trilhado pelos nossos homens e quem sabe se, por entre esse capim, não terá ficado para sempre o murmúrio do adeus sem regresso de muitos deles”.
Espraia-se pelo assombro com que olha o embondeiro, conhecido pelos nomes de adansónia, calabaceira, bombácea, imbondeiro e mais, e dá-nos informações úteis, vale a pena registar algumas: “Dependendo da sua idade, esta árvore pode atingir entre 5 a 25/30 metros de altura; o seu diâmetro pode alcançar até 7/11 metros. No Zimbabué existe um embondeiro cujo diâmetro corresponde ao abraço estendido de 30 homens. O tronco é oco e resistente ao fogo. Nos meses de maior pluviosidade serve de reservatório de água. Algumas espécies podem armazenar até 120 mil litros de água, constituindo assim uma fonte de subsistência rural para as povoações limítrofes. Abriga inúmeros seres vivos nos buracos dos seus longos e esguios troncos, mas é o morcego que poliniza a sua única flor anual. Uma flor de rara beleza formal, grande e pesada, com vistosos pedúnculos, pétalas brancas sedosas e com estames aglomerados esfericamente, que nas extremidades terminam num pompom de cor púrpura”.

Grupos especiais em operação

O engenho das crianças não tem limites

Netinha conduzindo a sua avó cega

O Programa Fim do Império foi coordenado até há pouco tempo pelo Coronel Manuel Barão da Cunha e teve a ele associado a Liga dos Combatentes, a Comissão Portuguesa de História Militar e a Câmara Municipal de Oeiras.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18440, Manuscrito(s) (Luís Graça) (140): No Dia Mundial da Poesia...Um conto: "Feliz Natal e Bom Ano Novo"


Feliz Natal e Bom Ano Novo

por Luís Graça



Centro de Saúde de X…, concelho de Y…, Portugal. Aqui bateu a crise à porta. E bateu forte. 


Os pobres, os velhos, as mulheres, as minorias, ciganos, cabo-verdianos, guineenses… Os jovens sem escolaridade, sem emprego, sem futuro. Os adultos desempregados. Os desempregados demasiado velhos para arranjar emprego, demasiado novos para se reformarem. Os reformados que não vão ter tempo de gozar a reforma, e fazem contas à vida e riscam os dias no calendário, que faltam para receber a pensão.  As crianças que tiveram o azar de nascer em tempo de crise ou de pré-crise. As crianças que tiveram simplesmente o azar de nascer aqui e agora. Os avós, que voltaram a acolher, em casa,  os filhos e os netos. O comércio que fechou portas. As empresas 'deslocalizadas', como agora se diz... E até as farmácias que se queixam que o negócio já teve melhores dias... Em contrapartida, vai-se o ouro dos brincos e ficam as orelhas furadas... Ou vão-se os anéis e ficam os dedos... E as tatuagens nos braços. E os grafitos nas paredes. E a cabeça, por enquanto, em cima do pescoço... E os males da alma, sobretudo esses, que não se podem extirpar como o cancro...

Aqui a vida é cruel. Simplesmente cruel: não há escala para medir a crueldade. Há só um grau: a crueldade... Não há o muito cruel, o bastante cruel o assim-assim, nem muito nem pouco, o pouco cruel, o nada cruel... 

Apesar de ainda haver médico, medicamentos genéricos, assistência. Apesar de haver psiquiatras e saúde pública e até meninas do serviço social. E um segurança à porta, sempre é bom para as estatísticas do emprego haver um segurança à porta: é um posto de trabalho a mais. 

Enfim, ainda há o SNS - Serviço Nacional de Saúde, ou o que resta dele.  Há pelo menos tabuletas, gabinetes disto e daquilo. E gente de bata branca. E portas que se abrem e fecham. E gente que espera. Também não têm mais nada que fazer nesta manhã, do primeiro dia de inverno.
 Não faltam doutoras para tratar da gente, ao menos…
− Por enquanto… Sabe o vizinho dizer-me até quando ?

− Pensam que eu não sou maluca, pá… mas eu sou mesmo!... Vou lá fora fumar um cigarrinho.

Não diz cigarro, diz cigarrinho como se um cigarrinho fizesse menos mal que um cigarro. Tem os dedos amarelos da nicotina. O cigarro mata, diz a embalagem do maço de cigarros. A Rita tem uma idade indefinida, mas alguns traços ainda jovens e finos. Envelheceu precocemente, ou já está há muito nos entas. É cliente habitual do centro de saúde, faz daqui a sua sala de estar, usa um “piercing" no sobrolho... É ou foi auxiliar de educação infantil.
 Já sou freguesa…mas nunca mais me chamam p'rá Junta Médica.

Pega no maço de “Passo Malo” (, corruptela de “Pass Mall”) e sai intempestivamente.  Um jovem casalinho, ele, com ar de deprimido, não pára na cadeira, cheio de tiques. Ela, gordita, com ar maternal, traz o marido à “doutora”. Diria que são ambos ciganos... Como se conhece um cigano ?...Não arrisco...

O delegado de propaganda médica (será?) boceja, enquanto folheia o jornal local, de distribuição gratuita. Os títulos de caixa alta falam por si… Falam da “nova pobreza”, da associação cristã em prol da juventude desvalida que anda na droga, do bairro que tem má fama e pouco proveito... "Feios, porcos e maus", não diz mas pensa muito boa gente que não é cá do bairro...
− Sou preta, portuguesa, com muita honra... Nasci aqui, não conheço a terra dos meus avós e dos meus pais, que eram do Gabu. Mas nunca fui ao Porto. Um tio-avô combateu pelo lado dos portugueses. Em Buruntuma. Fugiu para o Senegal depois da independência. Acho que era milícia ou coisa assim.

Agora faz voluntariado, a Fatumatá. 
− Fátima, é melhor chamar-me Fátima..

Trabalhava numa empresa de limpezas industriais que fechou as portas. A patroa voltou para Angola. E deixou cá dívidas e gente de braços caídos. Chamavam-lhe a "rainha do Congo". Lá na associação, a Fatumatá faz distribuição de bens de primeira necessidade, roupas e outras coisas de uso quotidiano que fazem falta aos moradores, muitos deles, os homens e jovens, que trabalhavam na construção, agora parada. Também se dá o leitinho às criancinhas.

Onde é que eu vi já este filme ? A Caritas, no meu tempo, de escola, a distribuir os restos da América rica, o queijo, a farinha, o leite em pó, as roupas usadas… Há 60 anos atrás... A história repete-se, a crise, as receitas, a caridade dos ricos, a entreajuda dos
pobres, a sopa dos pobres... Ainda comi desse queijo, e desse pão, ainda bebi desse leite, ainda vesti  essa roupa usada... E ainda hoje me sinto desconfortável: é horrível ser objeto da caridade dos outros...E, no entanto, eu devia estar grato... aos meus irmãos católicos norte-americanos.

Outro título que salta à vista do tablóide da região: “A classe média já pede ajuda”... A classe média, que raio de conceito sociológico ?!.. No guiché, as mulheres fazem confidências (ou queixas ? ou pedidos ?) à funcionária, assistente técnica (nome pomposo, para a categoria de administrativa, na nomenclatura da função pública que ainda emprega e dá estatuto e paga vencimento ao fim do mês…). 

É também confidente e parte da rede social de apoio desta pobre gente… O sofrimento, a dor, a doença, a crise... tudo o que é mau suporta-se melhor se for partilhado. Tiro o chapéu aos cuidadores que não têm quem cuide deles...

A Rita voltou com um copo de plástico de café. Gente triste, baça, deprimida… Usada e abusada, em casa, na fábrica, no bairro...
− Gentinha, somos gentinha, vizinho.
− Gentinha, parece repetir o delegado de propaganda médica (será ?), que olha para o relógio, impaciente.
− Tudo a correr bem consigo ?  − pergunta a senhora do guiché à Rita.
− Tudo numa boa, querida!... Só tou à espera da baixa.
− Tem a consulta marcada, Rita, mas há gente à frente.

Dezoito doentes (e ou acompanhantes) à espera, cinco são homens, o resto são mulheres, duas cabo-verdianas, mais a Fatumatá / Fátima, luso-guineense…
− Adeus, Paulinha.
− Tudo de bom para si!

− Ciao, querida!

Não sei se é tudo para a "doutora" ou as "doutoras" da psiquiatria. Aqui funciona também uma USF – Unidade de Saúde Familiar. Mas deve ser ao lado. O guiché em frente é o da psiquiatria. São as mulheres que alimentam a consulta, os homens, por preconceito e estigma social, não aparecem… Ou só em situações mais graves, rebocados pelas mulheres. E com problemas de alcoolismo.

Ligo, discretamente,  o gravador de som: 
− Ó dona Paula, não passaram já 20 minutos ?
− Ó senhor António, acalme-se, deixe-me trabalhar, a doutora já o chama.
− Paula, saudinha para si e para os seus. Até à próxima.
− Adeus, meu amor, as melhoras... Olhe, e Bom Natal e Feliz Ano Novo!

A Rita, de Vila Vicosa, já não quer regressar à sua terra natal, quando se reformar:
− É uma pasmaceira, a província... Saí de lá menina e moça. E aqui tenho as amigas do peito. Mas tenho que lá voltar para fazer a minha árvore ginecológica (sic)...

A Rita é uma mulher com "pergaminhos"... Um das suas fantasias é a sua hipotética pertença a gente de teres e haveres, de nobre linhagem, com raízes na Casa de Bragança... Já foi princesa ou duquesa noutra incarnação. Insiste na sua ideia obsessiva da "árvore ginecológica"...
− Genealógica, Rita...  
− emendo-lhe, com um sorriso de delicadeza, condescendência e compaixão.

Desligo e volto ligar o gravador de som... Ainda tem pilhas, como as vidas desta gente.
− A crise ?!...
− Bom, a crise... boa pergunta, sei lá quando começou… E muito menos sei quando vai parar… 

“Bom Natal e Feliz Ano Novo”: a crise é circadiana, amanhã é sábado, e o sol volta a nascer. Daqui a dias é Natal. Ainda bem que é Natal... E valha-nos ao menos a santa ilusão de que um dia vamos ser todos ser felizes... 

Natal todos os dias, Natal todos os anos. A crença de que alguém vai descobrir a pílula da felicidade (e, "by the way",  ficar muito rico)... Ou que a gente vai ganhar o Euromilhões. E que a dona Rita ainda vai a tempo de descobrir que é descendente de Dom Afonso I de Bragança. E que a malta vai durar até aos 100 anos, a menos que não morra antes de uma bactéria no hospital. Ou de Alzheimer (de que Deus nos livre!)...

E todos os anos a Paulinha e a "doutora" nunca se esquecerão de desejar aos seus utentes, por esta altura, "Bom Natal e Feliz Ano Novo!"... A fórmula é mágica e tem uma tremenda eficácia terapêutica... mesmo que simbólica!

Não sei do que seria dos doentes da "doutora", se não houvesse ao menos esta locução mágica, "Feliz Natal e Bom Ano Novo"... O que seria de nós se não houvesse, ao menos, o eterno retorno, as quatro estações, e o Natal e o Ano Novo, o nascer e o morrer ?

Este ano a "doutora" vai de novo fazer férias na neve... É a melhor altura do ano: nas próximas duas semanas, até ao fim do ano, ninguém vai estar doente... porque é Natal e logo a seguir Ano Novo!... São quinze dias em que a sua agenda tem uma página em branco. Branco como o manto de neve que ainda vai cobrindo os picos da Serra Nevada.

Luís Graça
21/12/2012. Revisto, hoje.


PS - Gosto de escrever nos consultórios médicos, nos bancos dos hospitais, nas salas de espera dos centros de saúde, e até nas camas das enfermarias ... Só nunca escrevi a bordo das ambulâncias do 112 nem no bloco operatório... Afinal, ainda são os  sítios do mundo onde  a palavra esperança faz sentido ou mais sentido...  

Em prosa ou verso, tanto faz, que hoje, 21/3/2018,  é Dia Mundial da Poesia... Este "conto" foi tirado dos "meus caderninhos", e tinha a data de 12/12/2012... Só alterei para 21 por causa da proximidade do Natal...

terça-feira, 20 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18439: (D)outro lado do combate (22): "Plano de operações na Frente Sul" (Out-dez 1969) > Ataque a Bolama em 3 de novembro de 1969 - Parte I (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Umaru Djaló e outros combatentes numa base do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43455 (2018-3-12)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > "PLANO DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL" [OUT-DEZ 1969] - ATAQUE A BOLAMA EM 3 DE NOVEMBRO DE 1969  (AO TEMPO DA CCAÇ 13 E CCAÇ 14)  (Parte I)




1. INTRODUÇÃO

Nove dias depois do ataque a Bedanda (25OUT'69 – o 2.º) e três semanas após terem realizado igual acção a Buba (12OUT'69 – o 1.º), as forças do PAIGC voltaram a concretizar nova flagelação prevista no seu "plano", a terceira, desta vez à cidade de Bolama, a 3 de Novembro de 1969, 2.ª feira, com recurso exclusivo a duas peças "GRAD", cada uma delas preparada para projectar dois foguetes 122 mm.

Recorda-se que este "plano de acções militares", num total de nove ataques, havia sido delineado para ser cumprido durante o último trimestre desse ano nas regiões de Quinara e de Tombali, situadas na zona Sul da Guiné, com recurso a uma logística considerável de equipamentos de artilharia pesada (morteiros 82 e 120; foguetes 122 "GRAD" e peças anti-aéreas "DCK") e a mobilização de um numeroso contingente de guerrilheiros, pertencentes ao "Corpo Especial do Exército", comandado por "Nino" Vieira (1939-2009).

No caso particular da cidade de Bolama, o efectivo destacado para esta missão era constituído por cerca de cento e vinte elementos comandados por Umaru Djaló, uma força menor do que as anteriores, uma vez que no "calendário" estavam programados outros ataques para os dias imediatos, como eram os casos de Cacine e Cabedú, por esta ordem, conforme se indica no quadro abaixo.




Para a elaboração da presente narrativa, como para todas as outras que fazem parte deste dossiê específico, já publicadas ou a publicar, continuaremos a utilizar o relatório "das operações militares na Frente Sul" [http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado em formato A/4, sem capa e sem referência ao seu autor [mas acreditamos ser possível identificá-lo no decurso desta pesquisa], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares.



Para além deste facto histórico a que o comandante Umaru Djaló ficou ligado [primeiro ataque a Bolama com foguetes/foguetões 122 mm], outros actos ou acontecimentos haveriam, mais tarde, de constar no seu projecto de vida, como sejam:

No pós "25 de Abril de 1974", no contexto do processo negocial com os representantes do governo português, visando a independência da Guiné-Bissau, Umaro Djaló  fez parte da delegação do PAIGC que se deslocou a Londres para participar nas sessões de trabalho de 25 e 26 de Maio de 1974. A delegação do PAIGC era constituída por Pedro Pires (chefe da missão), Umaru Djaló, José Araújo, Lúcio Soares, Júlio Semedo e Gil Fernandes.

Três meses depois, a 26 de Agosto de 1974, o acordo era finalmente assinado em Argel, ficando definido o dia 10 de Setembro como o do reconhecimento da República da Guiné-Bissau. Neste acto participaram, então, como representantes do PAIGC: Pedro Pires (1934-), Umaru Djaló (1940-2014), José Araújo (1933-1992), Otto Schacht (-1980/ass.), Lúcio Soares (1942-) e Luís Oliveira Sanca.

Depois da Independência, tomou parte do I Governo da República da Guiné-Bissau, constituído por João Bernardo "Nino" Vieira (1939-2009, assassinado.), Umaru Djaló (1914-2014), Constantino Teixeira, Carlos Correia (1933-), Paulo Correia (?-1986, assassinado), Vítor Saúde Maria (1939-1999, assassinado), Filinto Vaz Martins (1937-), João da Costa e Fidelis Cabral d'Almada [da esquerda para a direita,  na imagem abaixo]. 

Era então Presidente da República Luís Cabral (1931-2009). Aquando do "golpe militar" de Novembro de 1980, que levou "Nino" Vieira ao poder, Umaru Djaló era chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.


Citação: (1974), "Tomada de posse do I Governo da República da Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43933 (2018-3)


A 29 de Maio de 2014, Umaru Djaló travou o último combate da sua vida, vindo a falecer no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, aos 74 anos, depois de aí lhe terem sido prestados, durante alguns meses, os cuidados e a intervenção clínica especializada em função do seu "problema" de saúde.


2. DESTINATÁRIOS DO ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969:


A CCAÇ 13 (CCAÇ 2591), A CCAÇ 14 (CCAÇ 2592) E O CIM  DE BOLAMA


Certamente que a data escolhida para o ataque a Bolama [Ilha] não foi por acaso, pois é credível que a mesma tenha sido aprovada sobre informações recolhidas pela sua "secreta", aliás procedimento habitual em qualquer contexto de guerra, e mais natural seria, em função do método utilizado na guerra de guerrilha que tem no conceito "surpresa" o seu princípio estratégico.

Sendo Bolama a cidade do CIM (Centro de Intrução Militar) por excelência, onde muitas das unidades metropolitanas realizavam o seu IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), visando a adaptação ao clima e às condições da guerra, como foi o caso da minha CART 3494 (Xime) e restante contingente do BART 3873 (1971-1974) – [Bambadinca (CCS), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492)] –, um ataque bem sucedido seria visto como um "grande ronco" e, por consequência, poderia influenciar o comportamento prospectivo das NT.




Recordam-se, com vista aérea de Bolama e respectiva legenda, os espaços mais frequentados pelos militares durante a sua premanência na cidade. Imagem postada pelo camarada grã-tabanqueiro ex-Alf Mil Rui G. Santos, Bedanda e Bolama da 4.ª CCAÇ (1963/1965) – in: http://riodosbonssinais.blogspot.pt/search/label/bolama ou "Bolama… no meu tempo – Guerra do Ultramar", com a devida vénia.

Entretanto no CIM,  em finais de Outubro de 1969, estavam em fase de conclusão de formação/instrução mais duas Companhias de Caçadores,  designadas por CCAÇ 13 e CCAÇ 14, saídas da união entre praças africanas do Recrutamento Local e oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole. Os quadros metropolitanos destas novas Unidades Independentes, mobilizados pelo Regimento de Infantaria 16, de Portalegre, pretenciam à CCAÇ 2591, que deu origem à CCAÇ 13, e a CCAÇ 2592 à CCAÇ 14, respectivamente.

Sobre as emoções, sensações e experiências gravadas por todos aqueles que, ao fim daquela tarde de2.ª feira, a primeira do mês de Novembro de 1969, assistiram à explosão dos foguetões de 122 mm, recupero os testemunhos dos camaradas ex-furriéis Carlos Fortunato (CCAÇ 13/CCAÇ 2591) e Eduardo Estrela (CCAÇ 14/CCAÇ 2592), ambos membros da nossa Tabanca Grande

Carlos Fortunato refere que "no dia 3/11/1969 quando a [companhia da etnia balanta] CCAÇ 13 [CCAÇ 2591 - "Os Leões Negros"] estava no cais de Bolama, preparando-se para embarcar numa LDG [rumo a BISSORÃ], ouviu-se um longínquo 'pof' vindo da parte continental (zona de Tite). Um dos africanos disse 'saída' sorrindo, mas logo a seguir passaram sobre as nossas cabeças 3 [no relatório constam quatro] foguetões de 122 mm. Um acertou numa das pequenas vivendas que corriam ao lado da rua principal, que ligava o porto ao largo principal da cidade, apenas a uns escassos 30m do local onde estávamos. Outro caiu no largo principal um pouco mais acima, e o terceiro mais longe, já fora da zona habitacional. Corremos de imediato para o local dos impactos para prestar assistência às eventuais vítimas, mas felizmente apenas houve ferimentos muito ligeiros entre a população". […] "Os morteiros 107 mm existentes no quartel de Bolama responderam ao fogo". […] [sítio: CCAÇ 13 – Os leões Negros: Memórias da Guerra na Guiné (1969/71)]. [P9337].

Por outro lado, Eduardo Estrela, da CCAÇ 14 [companhia das 
etnias mandinga e manjaca] - [CCAÇ 2592], acrescenta que "partimos em 3 de Novembro de 1969 para a zona operacional que nos tinha sido destinada, CUNTIMA, junto à linha de fronteira do Senegal. Ainda em Bolama (…) sofremos, à hora da saída da LDG, um ataque onde o PAIGC utilizou pela primeira vez foguetões terra-terra. Ninguém sabia que tipo de armamento o PAIGC utilizara e só em Bissau, no dia seguinte, nos foi comunicado o tipo de arma". [P11365].

Na linha desta investigação daremos conta, no ponto seguinte, do que consta no relatório elaborado a propósito deste ataque.


3. O ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969… COM FOGUETES 122 MM "GRAD" LANÇADOS DA PONTA BAMBAIÃ

Objectivos da acção:

O objectivo definido para esta acção concretizou-se no dia 3 de Novembro de 1969, ao fim da tarde, com o bombardeamento da cidade de Bolama, através da utilização de quatro [testemunhas referem três] foguetes 122 mm lançados de duas peças "GRAD" colocadas na orla costeira da zona sudoeste da região de Quínara, mais precisamente na Ponta Bambaiã. Para esta missão foram mobilizadas forças de infantaria e artilharia, as primeiras só com funções de segurança e apoio ao desempenho das segundas.

Como elemento de comparação entre as logísticas dos ataques já divulgados, apresentamos o respectivo quadro.




Desenvolvimento da acção: (as forças do PAIGC)





As nossas forças estavam constituídas por 3 bi-grupos de infantaria e duas peças de GRAD sob a responsabilidade do camarada [cmdt] UMARO DJALÓ.

Saída de Botché Chance pelas 17 horas do dia 29 de Outubro [de 1969], 4.ª feira. 


A operação deveria realizar-se no dia 3 de Novembro, 2.ª feira, à caída da noite. 

Na noite de 29 para 30 de Outubro a coluna cruzou o rio em Botché Col, e na manhã do dia 30 atingiu as imediações de Gândua. 

Na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, a coluna cruzou o rio Tombali em Iangue, e na manhã do dia 1 de Novembro chegou a Bolanha Longe. 

A coluna deveria cruzar o rio na noite de 1 de Novembro, mas por falta de canoas só o pode fazer na noite de 2 de Novembro, domingo, tendo atingido Paiunco na manhã de 3 de Novembro, 2.ª feira. 

Chegada da coluna à Ponta de Bambaiã às 16 horas do dia 3 de Novembro (ponto escolhido de antemão para posição de fogo).



Na impossibilidade da elaboração de uma infogravura referente ao itinerário percorrido pelas forças do PAIGC mobilizadas para este ataque, por dificuldade em identificar os locais referidos no relatório, o que lamento, optei por utilizar a imagem de satélite abaixo.


Final da Parte I.

Na Parte II desta narrativa, serão abordados os seguintes pontos:

1 – O trabalho técnico da artilharia na posição de fogo – uso do GRAD.
2 – Reacção das NT.
3 – Resultados.
4 – Quadro de baixas da CCAÇ 13 (de 14Nov1969 a 23Abr1973).
5 – Quadro de baixas da CCAÇ 14 (de 11Nov1970 a 4Abr1974).

Obrigado pela atenção.
Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.
12MAR2018.
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Nota do editor:

Último poste ds série > 8 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18391: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - II (e última) Parte (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18438: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXV: Roncos e batuques em São Domingos, janeiro de 1969 (ii): festejos da tomada de posse do novo administrador, guineense, da circunscrição local



Foto nº 56 B


Foto nº 56 A



Foto nº 56 


Foto nº 57 D


Foto nº 57 C


Foto nº 57 B


Foto nº 58 A


Foto nº 58 B


Foto nº 54 B


Foto nº 54 A


 Foto nº 52A


Foto nº 53 A

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >Janeiro de 1969 > Festa em honra do novo administrador.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico (*)  do nosso camarada Virgílio Teixeira (ex-alf mil, SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), natural do Porto, economista e empresário,  reformado, a viver em Vila do Conde:

Tema 028 – Batuques, dança, festas e roncos da população indígena, Guiné 67/69  > Parte I: São Domingos, em janeiro de 1969

Legendas e Anotações:

Estas são algumas de dezenas de imagens sobre este tema, proporcionadas pela população indígena local, para comemorar alguma data ou acontecimento local, não completamente identificadas todas as razões ou raízes dos acontecimentos.

Legendagem:

Fotos: f52 a f58.

Este grupo de fotos, pelas roupas e vestes da população, e porque são de foto de slides, não tenho escrito o acontecimento, mas são de Janeiro de 1969, em São Domingos. 

Julgo que fazem parte da cerimónia de tomada de posse do novo Administrador  da Circunscrição  [equivalente a concelho] de São Domingos, ocorrida no final de 1968, que já foram publicadas as fotos e legendas, mas faltou as danças e batuques, e cujos festejos duraram alguns dias. (**)

Noutra oportunidade vou voltar ao tema, pois tenho muitas mais de cenas deste tipo, mas em preto e branco, de Nova Lamego e São Domingos.

Em, 19-03-2018 - Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 19 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18436: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXIV: Roncos e batuques em São Domingos, janeiro de 1969 (i): em homenagem aos nossos pais, no Dia do Pai

(**) Vd. poste de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18273: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIII: uma mudança (histórica) sob o spinolismo: em 1 de janeiro de 1969, o administrador de São Domingos, cabo-verdiano, é substituído por um guineense

segunda-feira, 19 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18437: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (53): agradecimento da nossa "neta" luso-francesa de Wattrelos, Adelise Azevedo, a todos quantos a estão a ajudar no seu trabalho escolar sobre a nossa guerra...

1. Duas mensagens, em português e francês,  da nossa "neta", luso-francesa, Adelise Azevedo, que mora em Wattrelos, na fronteira com a Bélgica (*):


(i) Data: 19 de março de 2018, 16h38

Bonjour Monsieur Luis Graça,

Je vous remercie pour vos félicitations qui me vont droit au cœur. Mes racines sont très importantes à mes yeux et je suis très fière d’être portugaise.

C’est vraiment très gentil de votre part de m’aider dans mon projet. J’espère aussi que Madame Fourrier saura apprécier mon travail et qu’elle m’attribuera une bonne note.

Encore un grand MERCI pour tout ce que vous faites pour moi.

Bisou pour vous et une bonne journée.

Adelise

Bom dia Senhor Luis Graça,

Agradeço-lhe dos seus parabéns que me vão direito ao coração.

Minhas raízes são muito importantes para mim e estou muito orgulhosa de ser portuguesa.

É realmente muito gentil da sua parte de me ajudar no meu projeto. 
Espero também que a minha professora a Sra. Fourrier apreciará o meu trabalho 
e que ela me dará uma boa nota.

Um grande OBRIGADO por tudo o que você faz para me ajudar.

Beijinhos para você e um bom dia.
Adelise

(ii) Data: 19 de março de 2018 às 17:06


Bom dia Senhor Luis Graça,

Estou muito alegre de ver que a minha ideia de trabalho é apreciada pelos antigos combatentes da Guiné.

Vou entrar em contato com o Senhor Virgilio Ferreira para pedir sua ajuda e agradecer-lhe por seu interesse do meu pedido.

Eu vou me conectar no seu blog para ver todas as fotos do Senhor Virgilio Ferreira.

Sua ideia de gravação ou filmagem é uma boa ideia, é uma boa maneira de ter uma lembrança com o meu avô. Obrigado por partilhar a ideia dos momentos que você gravou com seu pai, que também viveu um tempo terrível.

Comprei o livro de Gérard Chaliand, "La pointe du couteau",  que aconselhou-me o Senhor Mario Beja Santos. Este é um livro interessante, é o testemunho de Gerard Challiand, que passou mais de vinte anos da sua vida em 75 países da África (incluindo a Guiné), Ásia e América.

Meu avô lembra se muito bem do capitão dele, o Senhor Joaquim Evónio Vasconcelos.

Em relação a Joaquim Esteves Ferreira, meu avô já o viu diversas vezes. Meu avô esteve presente no encontro anual dos antigos combatentes em Barcelos. É sempre com grande emoção que o meu avô fala sobre o Senhor Joaquim Esteves Ferreira.

Eu vou mantê-lo informado sobre o resto do meu trabalho.

Obrigado pela sua ajuda, sem você, eu não teria tido todos esses elementos de trabalho.

Beijinhos para você e também para o Senhor Virgilio Ferreira.

Adelise

Bonjour Monsieur Luis Graça,

Ça me fait vraiment plaisir de voir que mon idée de travail est appréciée 
par les anciens combattants de Guinée.

Je vais contacter Monsieur Virgilio Ferreira pour lui demander son aide 
et le remercier de son intérêt envers ma demande.

Je vais me connecter sur votre blogue 
pour voir toutes les photos de Monsieur Virgilio Ferreira.

Votre idée d'enregistrement ou de filmer est une très bonne idée, 
c'est un bon moyen d'avoir un beau souvenir avec mon grand-père. 
Merci d'avoir partagé l'idée des moments que vous avez gravés avec votre papa, 
qui a connu aussi une période terrible. 

J'ai acheté le livre « La pointe du couteau » de Gérard Chaliand 
que m'a conseillé Monsieur Mario Beja Santos. 
C'est un livre intéressant, c'est le témoignage de Gérard Challiand 
qui a passé plus de vingt ans de sa vie 
dans 75 pays d'Afrique (dont la guinée), d'Asie et d'Amérique.

Mon grand-père se souvient très bien de son capitaine Joaquim Evónio Vasconcelos.

Concernant Monsieur Joaquim Esteves Ferreira 
mon grand-père l'a déjà rencontré plusieurs fois. 
Mon grand-père était présent à la rencontre annuelle des anciens combattants à Barcelos.

C'est toujours avec beaucoup d'émotion que mon grand-père parle 
de Monsieur Joaquim Esteves Ferreira.

Je vous tiens informé de la suite de mon travail.

Merci de votre aide, sans vous je n'aurais pas eu tous ces éléments de travail.
Bisou à vous et à également à Monsieur Virgilio Ferreira.
Adelise

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 e março de 2018 >  Guiné 61/74 - P18430: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (52): Evocação da minha guerra no Leste da Guiné, para uso da jovem luso-francesa Adelise Azevedo, pela sua dedicação à memória da saga de combatente do seu avô, José Alves Pereira, da CCaç 727 (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P18436: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXIV: Roncos e batuques em São Domingos, janeiro de 1969 (i): em homenagem aos nossos pais, no Dia do Pai


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos  > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >Janeiro de 1969 >


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de hoje, do Virgílio Teixeira (ex-alf mil, SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69):

Assunto - Roncos e batuques em São Domingos, em janeiro de 1969



Bom dia a todos os camaradas,

Um bom dia de Pai para todos que fazem parte desta grande Tabanca, porque não devemos ser esquecidos nem pelos filhos nem pelos netos, e não esquecermos também os nossos pais, que na maioria já não se encontra entre nós.

Junto meia dúzia de fotos, sobre uma festa que julgo ter sido nos dias seguintes à tomada de posse do novo administrador de circunscrição de São Domingos, cujo tema já foi editado em devido tempo, e estas fotos estavam esquecidas, e parecem que são boas imagens, para mim, que lá do alto daquela pedra, assistia a tudo, e ia tirando umas fotos. Como são de slides, não estão legendadas as datas nem acontecimentos, mas çembro-me bem que dizem respeito a este acontecimento.

São a minha participação no dia do Pai.

Um abraço,

Virgílio Teixeira
19Março2018

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18385: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXIII: As deslocações do batalhão ou "os meus cruzeiros azuis do Douro": (ii) 26 de fevereiro de 1968: Rio Geba, Bambadinca-Bissau, vindo de Nova Lamego

Guiné 61/74 - P18435: In Memoriam (311): Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938 - Lisboa, 2012): foi comandante da CCAÇ 727 (1964/66) e da CCAÇ 2316 (1968/69)...Foi também poeta e escritor.




Academia Militar > "O meu instrutor de educação física no 3º ano... Era um atleta e desportista completo... Voltaríamos a encontrarmo-nos na Guiné"...

Fotos(e legenda): © António J. Pereira da Costa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem, com data de ontem,  do nosso grã-tabanqueiro, cor art ref António J. Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt, CART 3494/BART 3873, Xime eMansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74):

Olá, Camaradas

Aqui vão duas fotos do atleta Ivónio Vasconcelos.

Creio que poderão interesse para "neta" do blog  [Adelise Azevedo, filha de Isabel Pereira, neta de José Alves Pereira, ex-militar da CCAÇ 727, família que vive no norte de França, em Wattrelos]

O Cap Ivónio Vasconcelos foi meu instrutor de educação física na 3º ano da Academia Militar.

Era um atleta e um desportista completo. De uma resistência física muito acima da média.

Voltei a encontrá-lo em Cacine em março de 1968 quando passou com a sua companhia para Mejo. Depois pisou uma mina A/P [em 28 de agosto de 1968]  e ficou inapto para a vida militar e fez-se poeta. (*)

Um Ab.

António Costa

2. Comentário do nosso editor LG:

Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938- Lisboa, 2012): antigo comandante da CCAÇ 727 (Canquelifá, out 1964/ ago 66), subunidade que teve 18 baixas em campanha.

Seria gravemente ferido em combate em 1968, na área de Mejo/Guileje, quando comandava a CCaç 2316, então responsável pelo subsetor de Guileje.

Na sequência do seu ferimento em combate, dedicou-se à poesia e à escrita. Era um grande cultor da língua portuguesa.  Em 1 de junho de 1972, foi agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distuntos com Palma, passando à situação de reserva extraordinária.

Reformou-se como coronel de infantaria. (**)

Imagem, à direita, da sua página pessoal, www.joaquimevonio.com, alojada no Sapo, e que já não está disponível. 

Sobre estas duas subunidades, mobilizadas para o CTIG, e comandandas pelo cap inf Joaquim Evónio Vascocnelhos, recorde-se  seguinte:

(i)  CCaç 727 (1964/66): foi mobilizada pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 6/10/1964 e  regressou em 7/8/66; passou por Bissau, Nova Lamego. Canquelifá, Piche; só teve um comandante, o Cap Inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos

(ii) CCaç 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Nova Lamego, 1968/69). Unidade de mobilização: RI 15. Partida: 17/1/68. Regresso: 4/12/69. Localização: Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael, Bissau.

(**) Último poste da série > 5 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18177: In Memoriam (310): Álvaro Andrade de Carvalho (Lourinhã, 14/8/1948 - Lisboa, 4/1/2018): médico, psiquiatra, gestor de saúde, meu conterrâneo, meu condiscípulo, meu amigo de infância, meu amigo para sempre... O funeral é no sábado, às 14h00, na sua terra natal (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P18434: Notas de leitura (1050): “Guiné-Bolama, História e Memórias”, por Fernando Tabanez Ribeiro; Âncora Editora, 2018 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Março de 2018:

Queridos amigos,
Não se trata de uma expetativa defraudada, se bem que o autor possui um currículo que lhe teria permitido uma obra abalançada entre as suas recordações da juventude (escritas com nostalgia e candura, adiante-se) e a sua experiência militar ao serviço da armada, entre 1971 e 1973.
Entendeu Tabanez Ribeiro tecer considerações da sua lavra mexendo (melhor, remexendo) em matéria consabida, conta-nos o que vem em dezenas e dezenas de livros, mesmo quando é agradável ouvi-lo exaltar momentos de enorme dimensão colonizadora como foi a governação do Comandante Sarmento Rodrigues. São esparsos, apesar de alguns deles muito interessantes, estruturalmente desequilibrados, basta pensar na quantidade de prosa dedicada aos pioneiros da aviação, omitindo-se a evolução das infraestruturas, por exemplo. Mas uma coisa vos digo, poucas vezes se faz uma leitura tão intensa das nossas recordações de infância como as que ele nos dá de Bolama, nem a Fernanda de Castro, que ali viveu com o pai, capitão de porto, foi tão capitosa nas suas memórias.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bolama, História e Memórias, por Fernando Tabanez Ribeiro (1) 

Beja Santos

Cada um de nós é um produto de circunstâncias e Tabanez Ribeiro teve a singularidade de fazer a escola primária e o antigo 1.º ciclo dos Liceus na modalidade de ensino particular em Teixeira Pinto e Bolama, tirou o curso de Engenharia Química em Lisboa e cumpriu o serviço militar na Armada entre 1971 e 1973, tendo sido mobilizado para a Guiné como oficial imediato de uma Lancha de Fiscalização Grande. Foi pois com a maior das curiosidades que me atirei à leitura do seu livro “Guiné-Bolama, História e Memórias”, Âncora Editora, 2018.

Começo pela exultação daquilo que considero a originalidade do seu testemunho, a Bolama da sua meninice, a descrição da cidade, a localização dos edifícios, as pessoas, o funcionalismo, os comerciantes, as figuras típicas, as brincadeiras, o cinema, a praia de Ofir, lê-se e é percetível a saudade e a ternura que perpassam por aquelas páginas, não lhe resisto a transcrever o que ele escreve com o título de “A rapaziada”:
“À tardinha, já pela fresca, por volta das cinco da tarde, chegava a hora da brincadeira e lá ia eu, porta fora. Passava em primeiro lugar pelas vendedeiras alinhadas junto ao portão do mercado, do lado da Praça do Fontanário (ou da Imprensa), a quem comprava uma ou duas medidas de mancarra, com que enchia os bolsos dos calções, e então ala, era saltar e correr a caminho do porto, ao encontro da rapaziada, saboreando os amendoins torrados.
Recordo, especialmente de entre os meus companheiros, uns vivos e outros já falecidos: o Luís Augusto R. F. Júnior e o irmão Eduardo Fernandes, o António Júlio Estácio e a irmã Guida(inha), o Jaime(inho) Cabrita e o irmão Fernando, o Júlio Vilela, o Anwar Saad e a irmã Hedla, o Hélder Barbosa e a irmã Guida, o Tozé Pinto e o irmão Rui, os manos José Francisco (Zeca) e o Carlos Eduardo Castro Fernandes (Carlitos), o Elgar do Rosário e a irmã, os manos António Fernando Almeida, João e Miguel por ordem de idades, o Jorge Rivière e as irmãs Maria Alexandra e Nani, o Vítor Alvoeiro Neves, o Cécil e o irmão Ildo, o Alexandre e os seus irmãos guinéus da família Nunes Correia, etc. Rapazolas mais velhos eram o Zezé Macedo, o Campitche, às do futebol local e ídolo da criançada miúda, o Romualdo, o Petronilho, o Lourenço Pina (Lorencinho) e muitos mais.
Havia inúmeros locais de brincadeira para além do Porto, a exemplo do Parque Infantil, dos recintos cimentados para o basquetebol na área anexa à Administração e nos Bombeiros para a patinagem, ou ainda em casa uns dos outros ou onde calhava.”

Com este percurso curricular, era esperável que o autor contrapusesse com o seu regresso à Guiné e da sua experiência militar nos desse conta, era o arco perfeito para uma narrativa sem precedentes na nossa literatura, parece-me. Mantém-se o enigma, após duas leituras que fiz ao seu documento: a que público, em que sala de conversa ele se põe para falar de uma história da Guiné aos solavancos, glosando descrições já referenciadas em inúmeras obras, tudo contado até à exaustão, tudo documentado e conhecido? Não se consegue entender.

Cada um é livre de forjar o seu auditório com as navegações atlânticas dos portugueses, com negócios dos escravos, com a existência dos “lançados”, a ação de Honório Pereira Barreto, a questão de Bolama, a Liga Guineense, as campanhas Teixeira Pinto e a colaboração de Abdul Indjai, seja. Como o autor cita na sua bibliografia que consultou obras recentes, é de questionar se não se deve relevar documentação científica abonatória do que era a Guiné quando lá chegaram os portugueses. O historiador guineense Carlos Lopes tem publicado a sua tese de doutoramento “Kaabunké – Espaço, Território e Poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance Pré-Coloniais”, editado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999, há igualmente a Guiné da literatura de viagens, logo com André Alvares de Almada, o mais primoroso de todos pelo vigor descritivo, a Guiné é muito mais do que aquilo que consta em Zurara, Donelha e Lemos Coelho, historiadores como José Silva Horta e Eduardo Costa Dias abriram janelas para a presença portuguesa na Senegâmbia a partir do século XVI, repertoriaram trocas civilizacionais de grande importância, património da historiografia luso-guineense de valor incalculável. Não se percebe igualmente por que é que surge a preocupação em voltarmos a falar no tráfico de escravos para desassombrar a colonização portuguesa não foi pioneira na escravatura. No prefácio do livro, o general Sousa Pinto vem dizer:  
“Considero muitíssimo interessante e em conformidade com o que se acaba de dizer a abordagem histórica feita sobre a escravatura na área do Golfo da Guiné onde, ao contrário do que o politicamente correto em História nos tem vindo a querer convencer, se mostra claramente que, sendo sem dúvida Portugal nesta época o pioneiro do comércio escrava entre a África, as Américas e a Europa enquanto deteve o monopólio da navegação nesta área geográfica, são atores principais e parceiros no negócio os reis, régulos e potentados locais, negócio em que logo se foi larguissimamente ultrapassado por Holandeses, Franceses, Ingleses e até mesmo por Espanhóis que forneciam e financiavam os navios para o transporte e pagavam aos negreiros portugueses e cabo-verdianos fora da lei que, em contrapartida, lhes asseguravam toda a logística e os contatos com os negociantes e angariadores no terreno”.

Há dezenas de anos, desde o trabalho incontornável de Vitorino Magalhães Godinho que se sabe tudo isto. Ainda recentemente, o historiador Arlindo Caldeira no seu livro “Escravos e Traficantes no Império Português: O Comércio Negreiro Português no Atlântico durante os Séculos XV a XIX”, Lisboa, Esfera dos Livros, 2013, descreve primorosamente o tráfico negreiro e todos os seus agentes, tanto na região da Senegâmbia como mais abaixo, no Golfo da Guiné, não se sabe de que fantasma do politicamente correto se pretende falar quando a historiografia tem vincado a natureza do tráfico em toda a sua amplitude.

Não temos qualquer narrativa sobre a comissão militar de Tabanez Ribeiro mas ele vai tecer considerações sobre a luta de libertação, o assassinato de Amílcar Cabral, tecerá vastas referências à historiografia da Guiné e da colonização, há sérios reparos a fazer-lhe.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Março de 2018 > Guiné 61/74 - P18423: Notas de leitura (1049): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (26) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18433: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 32 e 33: E as besteiras que a gente fazia ?!


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CCAÇ / BART 6520/72 (1972/74) > O autor no espaldão do Morteiro 81

José Claudino da Silva, o pai da ideia
 do "Bosque dos Avós", foi há dias à RTP1,
 ao programa "A Praça"
Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita]

Nasceu em Penafiel, em 1950, de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), foi criado pela avó materna, reside  na Lixa, Felgueiras. É vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa,, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade.

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande. No dia 24 de março, ele e um grupo de avós e netos vão começar a replantar a bela serra do Marão.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, s pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal  de Vila das Aves) vão fazendo...

2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 32 e 33

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]

32º Capítulo > UM TIRO ACIDENTAL

Aquele parvo, estúpido e destrambelhado Zé Leal. Arranjou-a bonita!

Conto isto num instante.

De vez em quando, recebíamos informações de prováveis ataques ao quartel e teríamos de estar de prevenção.

“Numa noite dessas, fomos para o posto avançado que nos estava destinado, em caso de ataque ao aquartelamento, munidos das nossas amigas G3. Inadvertidamente, o Zé Leal sem querer deu um tiro. Tendo nós, o capitão que temos, só podia correr mal e correu. O Leal apanhou 10 dias de detenção. Em troca poderia escolher participar numa operação de combate. O idiota escolheu a operação. Escrevi isto no dia 3 de Dezembro de 1972

Ele mais 90 camaradas tem de percorrer cerca de 30 km, até uma zona perigosíssima. Mais uma vez teriam de atravessar extensas bolanhas e até rios com água em alguns locais, a chegar-lhes ao pescoço, carregados com rações de combate, cantis de água potável e principalmente muito armamento, do qual em breve falarei, convenhamos que para quem passava a vida sentado na secretária, ou a receber e distribuir o correio as coisas podiam complicar-se”.


Sem grande preparação física, temia que o meu amigo não aguentasse no entanto, estoicamente, suportou tudo e aí está ele a residir na Vila das Aves, mais parvo do que nunca pois, apesar de reformado, continua a trabalhar.

No dia anterior, em 02/12/1972,disse:

“Gostei de ir fazer o reabastecimento de hoje. A encomenda que a minha querida avó mandou deu-me uma enorme alegria que nem sei explicar bem ao dizer o que sinto, foi a primeira encomenda que recebi vinda da Metrópole e confesso que nunca supus que ia ficar tão alegre. Não há duvida que a minha avó é a melhor avó do mundo. Como gostaria de lhe dar agora um abraço mas chegarei a abraça-la novamente e então pagar-lhe-ei todo o bem que ela me faz”.

Não sei se já te disse que no reabastecimento anterior, piramo-nos depressa do rio que já era tarde. O burro do telegrafista veio na primeira Berliet e o condutor da última Berliet carregada, não conseguiu arrancar, foi preciso vir um colega nosso a pé buscar ajuda ao quartel. Com a pressa ninguém se lembrou dos outros e não tinham rádio. Tive de ir eu outra vez ao rio, foi comigo o furriel Plácido e mais um rapaz de Lamego. Já era noite mas aposto que nunca uma Berliet andou tanto naquela picada.

33º Capítulo  > AS FOTOS QUE NÃO CHEGARAM AO DESTINO


Quase parecia um espião a dar informações aos “terroristas”.

“Na foto nº 42 está em cima da mesa um gravador de cassetes, um rádio e diversos artigos de transmissões. O que tenho nos ouvidos são auscultadores normalmente usados para escutarmos as comunicações, tanto nossas como do inimigo. A parte do edifício que se vê é o rés-do-chão da torre que tem mais o 1º e 2º andar. É feita em cimento com paredes de mais de metro e meio de grossura. Repara que na entrada tem dois bidões de cada lado. Estão cheios de terra e pedras para melhor protecção, pois é ai que estão os telegrafistas. A árvore que se vê atrás é uma bananeira. Podes ver na foto nº 44 a torre vista de frente. Tem duas entradas, uma é para o quarto dos telegrafistas, a outra para 0s apontadores do morteiro 81. Os degraus para se subir são exteriores. Na foto 46, estou no ponto mais alto do quartel, 12 metros. Temos uma visão muito ampla. As tabancas que se vêem são novas, mesmo junto à torre vê-se um buraco na terra. Quero que saibas que como esse há mais cinco e é onde estão instalados os morteiros 81. É uma arma que atira granadas a cerca de 8 km de distância. Se não fossem essas armas talvez Fulacunda já não existisse no mapa.

Quando há ataques imediatamente três militares vão para lá, cada um tem capacete de ferro, podes ver os três capacetes na foto. Esse morteiro tem um metro e dez as granadas pesam 5 quilos. A foto 64 mostra o arame farpado e os holofotes junto dos postos avançados que protegem o lado que dá para a pista.”


Que 1º cabo burro! Logicamente, as fotografias a que me refiro nunca chegaram ao destino. Os agentes secretos estavam atentos ao que os idiotas como eu mandavam pelo correio.

Mas o importante foi fazer as pazes com a namorada ainda antes do Natal.
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