terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21781: Notas de leitura (1335): Os serviços de saúde militar e a guerra colonial - Parte I (Luís Graça)


Lisboa > Fundação Calouste Gulbenkian > 9 de novembro de 2017 > Barros Veloso apresenta o livro, de que foi o principal organizador, "Médicos e Sociedade: para uma história da medicina em Portugal no século XX"... Um dos 50  capítulos é dedicado aos serviços de saúde militares durante a guerra colonial, da autoria do coronel médico Carlos Vieira Reis.

Cortesia da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (2017)


Nota de leitura - I Parte

por Luís Graça


Reis, Carlos Vieira – A Guerra Colonial. In: Veloso A. J., Mora, L. D., Leitão, H., (Eds.) (2017). Médicos e sociedade: para uma história da medicina em Portugal no século XX. Lisboa: By The Book, pp. 492-505

 

O autor do capítulo sobre os serviços de saúde militares durante a guerra colonial Carlos Vieira Reis,  é coronel médico e escritor, foi diretor de serviço de cirurgia, director  clínico do Hospital Militar Principal e presidente da União Mundial dos Escritores Médicos.

Resumo: A organização e o funcionamento dos serviços de saúde militar, durante a guerra colonial / guerra do ultramar, é um dos cinquenta capítulos da obra verdadeiramente enciclopédica, de que o meu ilustre amigo A. J. Barros Veloso (médico, músico de jazz e historiador, especialista de medicina interna, ex-diretor de serviço do Hospital dos Capuchos, Hospitais Civis de Lisboa) foi o principal editor literário, para não dizer mesmo a verdadeira “alma mater”: “Médicos e sociedade: para uma história da medicina em Portugal no século XX”.

Barros Veloso é, de resto, o autor ou coautor de 15 capítulos. A obra, com um total  863 páginas, reúne a colaboração de cerca de quatro dezenas de especialistas da história da medicina portuguesa no séc. XX (, incluindo, modéstia à parte, o meu nome, no que diz respeito à génese e desenvolvimento da saúde pública).

 

Dispositivo sanitário no terreno 

e  doenças mais frequentes


Carlos Vieira Reis dá-nos a sua visão, por dentro, do sistema de saúde militar que, neste período, assentava no seguinte modelo de dispositivo: 

  • hospital central
  •  centro de convalescença
  • hospital de evacuação
  • enfermaria de tuberculose (só em Angola, Nova Lisboa, hoje Huambo)
  • destacamento misto de cirurgia e reanimação
  • enfermaria de setor
  • depósito de material sanitário
  •  sucursal do laboratório militar de produtos químicos e farmacêuticos
  •  destacamento de doenças tropicais
  • destacamento de inspeção de alimentos
  • destacamento de desinfestação
  • destacamento de inspeção de águas
  •  e equipa estomatológica.

Este dispositivo podia variar, em função das características territoriais  e operacionais (p. 492): por exemplo, em Angola, optou-se pela concentração logística em Luanda, dada a sua “relativa proximidade” da zona militar e da actividade operacional (inicialmente centrada no Norte).

A cobertura sanitária do território  angolano incluía: 

(i)  dois hospitais de evacuação (um no Luso, hoje Luena, no Leste; e outro em Cabinda, no Norte);  

(ii) 10 enfermarias de sector;

(iii) e ainda “um número significativo de órgãos de apoio sanitário com alguma mobilidade”… 

Já no caso da Guiné, e devido à sua pequena extensão territorial, foi possível fazer-se a concentração em Bissau dos órgãos de apoio sanitário.

A prevenção das doenças endémicas, infecciosas e parasitárias (paludismo, tuberculose, etc.) foi considerada uma das prioridades da missão dos serviços de saúde militares;

(…) “O paludismo destacou-se pela morbilidade (mais de 33 000 casos registados anualmente no pessoal militar em Angola) e também pela mortalidade nos militares de raça branca” (sic)  (p. 493).

A tuberculose era causa de morte sobretudo entre os negros. Mas também há a registar casos, que o autor não quantifica, de febre tifóide, disenteria (bacilar e amebiana), filaríase, “e um grande número de casos de doença do sono e febre-amarela” (p. 493).

Outras doenças também mereceram atenção especial: dermatomicoses, doenças das vias respiratórias, doenças gastrointestinais, hepatites infeciosas,  raiva e cólera.

Os serviços de saúde regiam-se pelas famosas NEP (Normas de Execução Permanente) e o Manual de Prevenção das Doenças e Socorros  Urgentes nas Regiões Tropicais.


Prevenção e profilaxia da malária / paludismo


O autor considera ter sido um sucesso o regime (obrigatório) de quimioprofilaxia da malária (com a administração da camoprima) e da doença do sono (com a pentamidina) (p. 493).

E, a propósito recorda, que “o médico da companhia” (quando o havia, já que na Guiné, no meu tempo, em 1969/71, o que era correto era dizer-se “o médico do batalhão”…) tinha,à sua responsabilidade, a saúde de 160 homens, uma parte com baixa literacia funcional (para não falar da literacia em saúde…), a quem tinha que ministrar conhecimentos básicos de higiene e prolifaxia, e lidar com preconceitos, atitudes e comportamentos pouco ou nada salutogénicos: por exemplo, nem todos os militares aderiam à toma diária, “obrigatória”,  do comprimido antipalúdico (em geral, a cloroquina, o quinino do Laboratório Militar), com o falso argumento de que… “fazia mal à tusa”!...

E a grande frequência de casos de blenorragia (“esquentamentos”) também era o resultado da falta de informação e educação em matéria de saúde sexual (p. 406).

Recorde-se, por outro lado,  que a vacinação era também obrigatória para a varíola, a febre tifóide, a febre-amarela, o tétano, a poliomielite, a cólera. O programa de rádio-rastreio das doenças pulmonares era realizado em Portugal e nos territórios ultramarinos, mas não sabemos o grau de cobertura… 

Mais preocupante ainda era  a situação da saúde oral : por exemplo, em  1962, em Angola, mais de 1/3 das consultas hospitalares, efectuadas pelos militares, eram do foto da estomatologia (pág. 503).


Morbimortalidade

Interessantes são os números que o autor avança para estimar a morbilidade: cerca de 25 mil feridos em combate, dos quais 15 mil ficaram com “sequelas definitivas dos seus ferimentos”. Não há, porém, números relativos à saúde mental…

Da pesquisa dos registos epidemiológicos nos relatórios anuais dos Quartéis Generais das Regiões Militares  de Angola e Moçambique e do Comando Territorial Independente da Guiné, só se conseguiu obter, infelizmente,  informações sobre a RM Angola, relativamente ao período de 1968-1971.

Nesses quatro anos, regista-se um aumento do número de casos de disenteria amebiana, filaríase, blenorragia e sífilis. Também o alcoolismo e as hepatites tiveram um acréscimo significativo. No conjunto das patologias identificadas, “notou-se o elevado número de casos de infeções respiratórias, gastroenterites e sobretudo doenças dos dentes” (p. 494).

No que respeita à mortalidade, “estão documentadas 9 196 mortes, dos quais 8 920  do Exército e 906 da Marinha e da Força Aérea” (p. 494).  

As mortes em combate atingem a percentagem de 45,58%, sendo as restantes causas de morte o  acidente (, de viação, arma de fogo, afogamento e outras) (36,90%) e a doença (14,52%).

De uma lista de 1 204 mortos por doença, na população militar de adultos jovens (média etária: c. 26 anos), só foi possível localizar 429 processos (35,6%, pouco mais de um terço) no Arquivo  Geral do Exército.

Em Angola, a causa das mortes por doença, em 107 militares  (66%) foi determinada por autópsia, método este muito menos utilizado na Guiné e em Moçambique (apenas em cerca de 30% dos casos).

De acordo com a Classificação Internacional das Doenças (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, usada “a posteriori” (, uma vez que não existia na época o CID),ficamos a saber o seguinte (p. 494):

(i)               As doenças infeciosas e parasitárias, no seu conjunto, representavam 36% do total, com destaque para a malária e a tuberculose (37 e 27 casos, respetivamente);

(ii)             ao conjunto das outras doenças cabiam os restantes 64%, onde se incluíam as neoplasias (73 casos) e as doenças  do aparelho circulatório (41 casos) e ainda as  doenças renais.


A idade média de mais de 4/5 dos mortos por doença era igual ou inferior a 23 anos. A média dos restantes (18,6%) era de 42,7 anos. (Tratava-se sobretudo, neste grupo, de militares do quadro permanente, sendo as principais causas de morte as doenças malignas e as doenças do aparelho circulatório.) (p. 494).


30 mil evacuações para a Metrópole

Durante toda a guerra, ter-se-á realizado um total (estimado) de 30 mil evacuações para a Metrópole, a maioria estando documentada nos processos existentes no Arquivo Geral do Exército (p. 494).

O regime de evacuação, definido para os 3 teatros de operações, era o seguinte:


  • 10 dias, para a enfermaria de subsector (Batalhão);
  • 20 dias (Angola) e 30 dias (Moçambique), para a enfermaria de sector;
  • 60 dias, para o hospital de evacuação;
  • 90 dias, para o hospital geral (por ex., HM 241, Bissau);
  • tratamento definitivo, no caso do hospital militar principal e hospital militar de doenças infecto-contagiosas (Lisboa).

O autor refere que, no entanto, só há registos de evacuações de:

  • Angola, em 1962 (6519), 1968 (412), 1969 (602), 1970 (477) e 1971 (720);
  • Guiné, em 1972 (620) e 1973 (786); 
  • Moçambique, em 1970 (477) e 1971 (426).


Relativamente a evacuações médicas dentro dos TO, só há dados referentes a Moçambique, em 1970 e 1971, com respetivamente 4314 e 4107 evacuações médicas efetuadas por via área (p. 504).

Veremos a seguir, com detalhe, os recursos, nomeadamente humanos e técnicos, que o sistema de saúde militar dispunha. 

Por lapso ou não, o autor não faz qualquer referência ao papel das nossas queridas enfermeiras paraquedistas. Talvez na Guiné esse papel fosse mais valorizado do que em Angola.

O autor, pelo que.  percebi, foi cirurgião no Hospital do Luso durante 14 meses e é a partir dessa experiência angolana que aborda os problemas de saúde e da organização e funcionamento dos serviços de saúde militares.

Cite-se, entretanto,  a conclusão do seu artigo, em jeito de introdução à segunda parte desta nossa nota de leitura:

“Durante a Guerra Colonial, os médicos viveram, de várias formas, uma experiência única, em que testaram ao limite a sua profissão e trabalharam até à exaustão sem a sensação de que isso constituísse um sacrifício. 

Desempenharam uma tarefa dignificante, na medida em que levaram a esperança aos combatentes e deram um  passo enorme na reconquista das populações indígenas. 

No meio  de guerras intestinas desnecessárias, fizeram amizades para toda a vida e entregaram-se por inteiro e com orgulho  à missão que lhes foi confiada. 

A sua presença ficou, por isso,  como um momento que os honra e merece ser recordado” (p. 503).

Não podemos estar mais de acordo.

(Continua)

_________

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Guiné 63/74 – P21780: Estórias avulsas (101): Um petisco indegesto para o jantar (Acácio Mares, ex-Fur Mil Inf)


1. Mensagem do nosso camarada Acácio Mares (ex-Fur Mil Inf da 1.ª Comp/BCAÇ 4612/72, Porto Gole, 1972/74), com data de 27 de Junho de 2020:

Camaradas e amigos cumprimentos a todos
Em determinado dia, foi um grupo de combate fazer uma patrulha. No regresso ao quartel, os soldados foram tomar um banho numa poça de água no chão, onde um rebanho de cabras e um cabrito bebiam. Um dos soldados resolveu apanhar o cabrito para fazer um petisco para o jantar.
Fizemos uma fogueira no chão e, quando estávamos a fritar o cabrito, algum maroto lançou munições para a fogueira que de imediato começaram a rebentar.
Lá se foi o cabrito, a fogueira e a frigideira pelo ar (malandros).
E lá se foi o petisco.

Abraços para todos um bom Ano
Acácio Mares

Porto Gole
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de janeiro de 2021 > Guiné 63/74 – P21761: Estórias avulsas (100): Como substitui o comandante de operações de patrulhamento em Jumbembem (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512)

Guiné 61/74 - P21779: Notas de leitura (1334): As Grandes Operações da Guerra Colonial, a Guiné, 1972 a 1974, por Manuel Catarino (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O mérito da iniciativa é indiscutível, estes fascículos venderam-se pelo país todo, pode muito bem ter acontecido que os mais jovens tiveram pela primeira vez acesso a imagens da nossa guerra. Houve muito trabalho a angariar os dados, o que se lastima é que a sua apresentação tem tais e tantos ziguezagues que o não iniciado forçosamente anda para ali a dar braçadas em seco, lê-se e o que fica é um produto final difuso, com muitos tiros, mortes e feridos.

Um abraço do
Mário


As Grandes Operações da Guerra Colonial, a Guiné, 1972 a 1974

Beja Santos

Publicada sob a forma de fascículos, em duas séries, os textos de Manuel Catarino contemplaram por diversas vezes a guerra da Guiné. O número 8, a que aqui se faz alusão, inclui na primeira parte uma série de operações (Muralha Quimérica, 1972, Lince Azul, Palanca, Tigre Poderoso e Gato Espantado, 1973) e na segunda parte a viagem de Spínola ao Senegal e o terror dos mísseis.

Há a lamentar que nem sempre as imagens ilustrativas são as mais adequadas para os acontecimentos versados. No caso da operação Muralha Quimérica, foi uma ação militar de envergadura numa zona compreendida entre Ural e Guileje, e que decorreu de 28 de março a 8 de abril de 1972, ao tempo da visita de uma delegação da ONU a outro ponto da região Sul, temos de facto um mapa mas as demais ilustrações nada abonam sobre a operação.

Spínola estava informado da visita da delegação da ONU e pretendeu estragar a festa, contrariando a ideia (comum nos fóruns internacionais) de que a guerrilha controlava a maior parte da Guiné. Três companhias do batalhão de paraquedistas, duas companhias de comandos africanos, a CCAÇ 18, a CCAÇ 3399, a CCAÇ 3477 e um grupo do Centro de Operações Especiais, cerca de 500 homens, organizados em 14 agrupamentos operacionais sob o comando do Tenente-coronel Araújo e Sá. Foi apreendido muito material, houve mortos e feridos de parte a parte, mas a operação foi considerada um êxito.

José Tavares, do Destacamento de Fuzileiros Especial 4, descreve a sua vida em Ganturé (“Não havia lá nada. Fomos nós que construímos o aquartelamento, numa das margens do rio Cacheu, a cerca de 5 quilómetros de Bigene”). Descreve o inferno de Guidage (“A nossa sorte piorou quando ficámos sem comunicações. A minha família pensava que eu tinha morrido. Não morri porque não calhou. Em Guidage já não tínhamos para comer. Sobrevivemos com carne de crocodilo”).

A obra colhe o depoimento do nosso confrade Eduardo Magalhães Ribeiro sobre o último arrear da bandeira portuguesa. Creio haver ali um lapso tratando a viúva de Amílcar Cabral por Luísa Cabral, a viúva chama-se Ana Maria Cabral. 

O episódio seguinte que merece destaque ao autor é a reconquista do Cantanhez, entre dezembro de 1972 e junho de 1973 foram executadas no Sul da Guiné, com especial incidência nas zonas de Cacine, Gadamael e Guileje uma série de ações (com os nomes ‘Lince Azul’, ‘Palanca’ e ‘Gato Espantado’), o objetivo era desarticular e criar forte instabilidade na guerrilha, todas estas ações faziam parte de uma manobra mais alargada designada por Operação Tigre Poderoso. 

Na essência, Spínola estava determinado a transferir para o Sul o principal esforço de guerra na Guiné, seria uma reconquista que tinha como objetivo fazer do rio Cacine a principal linha de defesa do Sul da Província. 

Como observa o autor, era absolutamente necessário que as forças portuguesas ocupassem a Península do Cantanhez, onde instalariam novos quartéis que servissem de apoio aos aquartelamentos de Cacine, Guileje e Gadamael. Foi posta em marcha a Operação Grande Empresa e envolveu-se um formidável contingente. Ao mesmo tempo que se desenvolvia ação militar (na qual participaram duas companhias do batalhão de paraquedistas, dois destacamentos de fuzileiros especiais e um conjunto de unidades de infantaria, cavalaria e artilharia), um outro conjunto de unidades ocupava fisicamente o território. O nosso confrade Vasco da Gama já aqui contou ao detalhe este esforço impressionante.

O fascículo dá permanentemente saltos, é interpolado por depoimentos, chega-se agora à Operação Neve Gelada, que aqui é relatada pelo Coronel Raul Folques, Comandante do Batalhão de Comandos Africanos. Cai imprevistamente no documento uma cronologia de acontecimentos em 1974 e uma análise do que representou a publicação do livro “Portugal e o Futuro”, de Spínola.

A segunda parte retoma de novo o livro que abalou o regime e segue-se a descrição do encontro de Spínola com Senghor, em 18 de maio de 1972, que se realizou em Cabo Skirring, no Senegal, a história é bem conhecida, pelo meio temos o assassinato de Amílcar Cabral, a zanga entre Marcelo Caetano e Spínola. 

E assim se chega ao terror dos mísseis, regista-se a lista dos aviões abatidos pelos mísseis Strela, Spínola descreve a situação como crítica, episódio que está igualmente bem descrito nas páginas do blogue. Salta-se de novo para a reocupação da Península do Cantanhez, vem referência a um nome que nos é muito comum, o então Major Moura Calheiros, Chefe da Secção de Informações e Operações do Batalhão de Caçadores Paraquedistas que tinha referenciado a posição do mais importante quartel do PAIGC na região: 

“A posição inimiga, sensivelmente entre Guileje e Bedanda, foi localizada durante um voo de reconhecimento pelo Capitão Morais e Silva. O êxito da Operação Grande Empresa dependia da capacidade portuguesa para atacar e destruir o quartel da guerrilha”

Três foram as tentativas de assalto, o Capitão Valente dos Santos, ferido na primeira tentativa, recusa a abandonar os seus homens, só à terceira tentativa é que o Oficial aceita ser evacuado. 

“O Chefe de Operações do Batalhão de Paraquedistas, Moura Calheiros, que durante os combates esteve sempre no ar a bordo de um DO-27, respira de alívio. Pode dar início à segunda fase da Operação – a ocupação de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijá, por paraquedistas e fuzileiros especiais”.

Não se pode minimizar um trabalho de que resulta sempre apreço ao dever de memória. Tem-se, porém, dúvidas sobre a eficácia destes documentos esparsos e onde o pendor cronológico não é consistente, há documentação repetitiva e erros arreliantes que teriam sido evitados em casos de revisão técnica. Mas não se pode deixar de saudar a enorme difusão que o trabalho teve por todo o país.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21758: Notas de leitura (1333): “De Lisboa a La Lys, O Corpo Expedicionário Português na Primeira Guerra Mundial”, por Filipe Ribeiro de Meneses, Publicações Dom Quixote, 2018 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21778: Fotos à procura de... uma legenda (138): um desertor do PAIGC, uma ave de grande porte e o manual do oficial miliciano, uma raridade (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74)


Foto nº 1 >  Guerrilheiro do PAIGC, equipado com uma pistola-metralhadora Shpagin PPSH-41 (Costureirinha). que se apresentou a uma patrulha da CCAÇ 3491, perto do quartel do Dulombi, em 8 de Março de 1973, vindo da zona do Boé, donde desertou, após o assassinato de Amílcar Cabral.



Foto nº 2 > O  1º Cabo Avelino, a segurar um pássaro de grande porte (que até hoje não conseguimos identificar), que teve o azar de pousar ou tropeçar num dos arames que ligavam as nossas minas AP, colocadas numa das frentes do quartel, em Dulombi.



Foto nº 3 > Manuais do oficial miliciano


Fotos (e legendas): © Luís Dias (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Mensagem de Luís Dias [, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ
3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), o nosso especialista em armamento; tem cerca de 85 referências no nosso blogue]:

 
Date: sexta, 6/11/2020 à(s) 12:27
Subject: Material que pode também interessar
 

Caro Luís Graça

Incluso fotos dos manuais do Oficial miliciano [, foto nº 3], em que o volume sobre operações contra bandos armados e guerrilhas era difícil de obter. Espero um dia destes oferecê-los ao Museu Militar, caso não os tenham. 

Também uma foto do 1º Cabo Avelino, a segurar um pássaro de grande porte (que até hoje não conseguimos identificar), que teve o azar de pousar ou tropeçar num dos arames que ligavam as nossas minas AP, colocadas numa das frentes do quartel e que trazido para o quartel, ninguém quis degustá-lo, nem mesmo o pessoal da tabanca, porque não o conheciam. [Foto nº 2]

Julgo ser uma ave de mar ou mesmo rio mas, de facto, apesar de ter visto muitas fotos de pássaros africanos não consegui ver o que era este bicho. Pode ser que alguém da nossa Tabanca Grande consiga identificar.

Junto também foto de um elemento do IN, equipado com uma pistola-metralhadora Shpagin PPSH-41 (Costureirinha). que se apresentou a uma patrulha da CCAÇ 3491, perto do quartel do Dulombi, em 8 de Março de 1973, vindo da zona do Boé, donde desertou, após o assassinato de Amílcar Cabral.[Foto nº 1].


Grande Abraço
Luís Dias
__________

domingo, 17 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21777: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (82): as milícias que ajudaram os militares a ripostar o ataque da UPA no norte de Angola, a 15 de Março de 1961... Quem conheceu de perto a OPDVCA - Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola ? (Tiago Carrasco, jornalista)



Diário de Lisboa, 18 de março de 1961 (*)


[Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Pasta: 06541.079.17211 > Título: Diário de Lisboa > Número: 13743 > Ano: 40 > Data: Sábado, 18 de Março de 1961 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 2ª edição > Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine", "Diário de Lisboa Juvenil" > .Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos. (Com a devida vénia...) 

Citação:
(1961), "Diário de Lisboa", nº 13743, Ano 40, Sábado, 18 de Março de 1961, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_16336 (2019-1-9)


1. Do jornalista Tiago Carrasco recebemos o seguinte pedido
 
Date: terça, 12/01/2021 à(s) 17:37
Subject: Pedido de colaboração reportagem Revista Sábado 

Boa tarde,

Como estão? Chamo-me Tiago Carrasco, sou jornalista da revista Sábado e estou a preparar uma reportagem sobre as milícias que ajudaram os militares a ripostar o ataque da UPA no norte de Angola, a 15 de Março de 1961. 

A reportagem vai sair em Março, exatamente para assinalar o 60º aniversário desses acontecimentos. 

No entanto, escasseia o material sobre as OPVDCA [Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civi de Angolal]. 

Contacto-vos para vos pedir a vossa preciosa ajuda - que muito útil me foi noutras ocasiões - na identificação de pessoas que testemunharam estes acontecimentos e que fizeram parte (ou viveram perto) destas milícias em Angola e até mesmo em Moçambique.

Conseguem me ajudar?

Gostava de saber quem fazia parte destas milícias, como se organizavam, como atacavam, como se armavam e como evoluíram depois para uma organização muito ligada aos salvamentos, combates a incêndios e desenvolvimento rural.

Muito obrigado.

Eu vivo em Peniche (perto do Luís Graça, creio) mas consigo pôr-me rapidamente em qualquer parte do país.

Cumprimentos,

Tiago Carrasco
Telemovel: 926 988 005


2. Resposta do nosso editor LG, com data de 15 do corrente;

Tiago, obrigado pelo seu contacto. Em relação ao seu pedido..., como sabe o nosso blogue só reúne ex-combatentes que estiveram na guerra colonial na Guiné...Alguns de nós conhece(ra)m outros territórios, como é o caso de Angola...

Posso sugerir que contacte o nosso amigo e camarada António Rosinha, que fez o serviço militar em Angola, e estava lá justamente em 1961...E tem uma larga experiência de Angola (bem como da Guiné), como civil: trabalhou como topógrafo numa empresa de obras públicas... O António Rosinha é uma testemunha privilegiada desses tempos de 1961 em Angola. Ele tem cerca de 125 referências no nosso blogue.

Para já é tudo, espero que o Rosinha aceite falar consigo. Tenho outros contactos de camaradas que lhe podem falar de Angola em fases da guerra posteriiores...

Boa saúde e bom trabalho. Luís Graça

3.  Posto em contacto com o António Rosinha, este respondeu hoje  ao Tiago nestes termos:

Sobre esta organização [OPVDCA], mais não sei do que publicamente em geral se falava.

Nem nunca conheci pessoalmente qualquer elemento dessa organização, nem conheci qualquer actividade militar.

Mas de certeza que existe gente viva e de cabeça fresca que, anunciando, vão comparecer.

Não sei se essa organização durou muitos anos, Quem tenha incorporado essa organização em 1961, que tivesse 22 ou 23 anos, hoje tem 83 ou 84.

Cumprimentos

Antº Rosinha

4. Resposta do Tiago Carrasco:

Caro António Rosinha,

Prazer em conhecê-lo.

Muito obrigado pela resposta rápida ao meu pedido. As OPVDCA foram constituídas espontaneamente em 1961 para dar resposta aos ataques da UPA em 1961 e evoluíram para uma organização paramilitar de defesa civil até 1974. Também eram conhecidas como defesas civis e, para além da defesa das zonas urbanas, prestavam serviços como salvamentos, combate a incêndios e projetos de desenvolvimento rural. 

Não conhece ninguém que tenha feito parte do conflito em Angola que tenha conhecimento sobre estas organizações? Haverá alguém do seu conhecimento que possa ter feito parte das defesas civis ou que tenha testemunhado as suas acções? Eu já tenho dois ou três contatos mas estou à procura de mais informação.

Qualquer pista que me possa prestar será de extrema utilidade para mim.

Muito obrigado e bom resto de domingo,

Tiago Carrasco


5. Novo pedido de Tiago Carrasco, de hoje, às 16h33:


Caro Luís Graça,

Muito obrigado pela sua resposta e pelo encaminhamento para o vosso camarada António Rosinha. Entretanto, o António Rosinha já entrou em contacto comigo e estamos a falar. Ele não tem memória destas organizações, mas estou a pedir-lhe contactos que possam ter.

Aproveito para lhe perguntar se na Guiné não existiam, durante a época do conflito, organizações similares às OPVDCA, ou seja, grupos paramilitares que se encarregavam da defesa do território e de outras acções relacionadas com a protecção civil? 

Calculo que não, uma vez que na Guiné-Bissau havia menos colonos, mas não gostaria de deixar de lhe perguntar.

Retribuo os votos de boa saúde e desejo-lhe um bom resto de fim-de-semana,

Tiago Carrasco

6. Comentário e apelo do editor  LG:

Tiago, o mais próximo o que eu conheco, no teatro de operações da Guiné, equivalente às OPVDCA, são as milícias e as tabancas em sistema de autodefesa... 

Não temos grande informação sobre o seu início, formação, organização e funcionamento. Em princípio, estavam subordinadas a um régulo, oficial de segunda linha (alferes, tenente, capitão)... Havia também a polícia administrativa (cipaios), às ordens do adinistrador de circunscrição / concelho e do chefe de posto...

Mas, que saibamos, os colonos (da metrópole, de Cabo Verde ou de origem sírio-libanesa) não estavam enquadrados em nenhuma organização de tipo paramilitar como as mílicias (que eram, etnicamente, homogéneas, e em geral formadas por homens da etnia fula). E alguns desses colonos (pequeno funcionalismo público, empregados de comércio, pequenos comerciantes, pequenos agricultores, donos de "pontas"...) foram também foam aliciados pelos movimentos nacionalistas, e em especial pelo PAIGC. De resto, eram de facto poucos os chamados "colonos" e estavam espalhados pelo território. 

Mas podemos pedir aqui também a ajuda do nosso colaborador permanente Cherno Baldé, que vive em Bissau... No entanto, ele era criança, no início da guerra. Mas é uma espécie de "caixa forte" das memórias dos mais velhos...

Fazemos igualmente um apelo a todos os colaboradores e leitores que queiram e possam responder a este pedido de colaboração do jornalista Tiago Carrasco. (**)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19385: Guerra colonial - cronologia(s) - Parte I: 1961, Angola

Guiné 61/74 - P21776: Blogpoesia (714): "A Tannhauser de Wagner", "Prefiro o cantar dos cucos", "A locomotiva" e "Meras coincidências?", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


A Tannhauser de Wagner

Melodia eloquente e majestosa.
Como um condor a voar pelo universo infinito.
Visão total deste chão que é terra e húmus.
Onde, em cortejo, caminha a humanidade.
Mortal e infinita.
Por vontade do Criador.
Nesta terra, húmus verde,
Onde crescem as flores e os frutos,
Como areias dum deserto.
Melhor prenda, impossível.
Depois da paz e da liberdade.


Berlim, 13 de Janeiro de 2021
10h47m
Jlmg


********************

Prefiro o cantar dos cucos

Prefiro o cantar dos cucos
À melopeia agoirenta da coruja na madrugada.
O cuco anuncia-me o nascer do dia.
Com suas alegrias e tristezas.
Ela me ameaça com terrores e medos.
São o claro e escuro desta vida.
Duas faces duma moeda só.
Aqui eu páro e fico à espera da primavera e do verão.
Quando há festa do passaredo cantarolando por toda a parte.
De manhã à noite.
Ela, com vergonha, nem sai da sua toca.
A vida não é não, um mar de rosas.


Berlim, 14 de Janeiro de 2021
17h17m
Jlmg


********************

A locomotiva

A corneta apita.
Contrariada.
Preferia o sossego de estar parada.
Mas, não se nega.
Pedal a fundo.
A custo, arrasta aquela mole morta.
As rodas chispam sobre os carris.
Depois, ganham fôlego
E não querem outra coisa, se não correr.
Ei-la em marcha alegre e verde pelas encostas e ravinas.
Nos vagões confortáveis,
A gente ufana respira fundo e se emociona.
Aí vão sonhando.
Quem não viaja perde.
Estiola e esquece o gozo de viver.
Ao menos uma vez...


Berlim, 16 de Janeiro de 2021
11h21m
Jlmg


********************

Meras coincidências?

Até poderão ser.
Mas há que explicar.
Cada dia, vou dar uma caminhada.
Para manter o físico.
Pode ser de manhã ou de tarde.
A hora pode variar, por minha vontade.
Pois, encontro sempre as mesmas pessoas.
Sós ou acompanhadas.
De pessoas, filhos ou animais.
Vestidas da mesma maneira.
Reconheço-as.
É verdade?
Qual a lei?
Falta descobrir.


Berlim, 10 de Janeiro de 2021
16h24m
Jlmg

____________

Nota do editor:

Último poste da série de 10 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21755: Blogpoesia (713): "Viver a negativos", "Dar prendas", "Sem asas" e "As cores da paciência", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21775: Fotos à procura de... uma legenda (137): Pistas de leitura para uma festa do fanado mandinga, em 1973, em Bigene, região do Cacheu (Texto: Cherno Baldé; fotos: António Marreiros)



Foto nº 1


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 3 (1973/74) > A festa do fanado... mandinga


Fotos (e legendas): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  Mais um precioso comentário do nosso amigo e colaborador permanente Cherno Baldé, desta vez às fostos do António Marreiros, inseridas no poste P21760 (*) .

Voltamos a reproduzir, embora em formato mais reduzido, as belas imagens captadas pelo nosso camarada António Marreiros em Bigene, em 1973. O Marreiros, um algarvio que vive há muito no Canadá, foi alf mil, CCAÇ 3544, Buruntuma, 1972, e CCAÇ 3, Bigene, 1973/74.





António Marreiros

Legendas para as fotos de uma festa do fanado,
em Bigene, em 1973




Cherno Baldé
 

Caro amigo Antó
nio,

Devem ser fotos tiradas em Bigene a julgar pelo ambiente, população e a manifestaçao cultural em presença.

As fotos nºs, 1, 3 e 4 são do mesmo dia e da mesma festa de animação de um fanado mandinga de rapazes que já devem estar no mato h+a cerca de uma semana.

Os guardiões do fanado, lambés, voltam à aldeia com um ou dois kankurans ou cancurans (o tal ser mascarado com um tecido vegetal) que não é suposto ser conhecido e cuja origem e destino são desconhecidos tal como a origem do bem e do mal que ele vem exorcizar e extirpar a fim de proteger os jovens fanados (iniciados) que, supostamente, no preciso momento se encontram num estado de vulnerabilidade face às forças ocultas.

A festa é da comunidade, incluindo homens e mulheres, mas a animação é sobretudo dos mais novos entre jovens e raparigas, familiares dos iniciados ou fanados, que cantam e dançam dando conhecimento a todos que a vida e a saúde das crianças que se encontram na barraca do fanado estão bem protegidas pelo espirito do kankuran.

De casa em casa vão recolhendo alguns donativos em produtos alimentares que servirão para o sustento da barraca durante alguns dias e assim por diante.

A duração média de um fanado (periodo iniciático) é variavel entre 1 a 3 meses. Há casos extremos, verificados entre certos grupos (Balantas e Nalus) que podem durar até 6 meses.

A festa do fanado é um ritual de iniciação que já existia antes da chegada das grandes religiões dos livros ou abraâmicas e continuam a ser feitas já com alguma influência destas com a eliminação dos aspectos mais feticistas das religiões tradicionais africanas.




Foto nº 2 > O António Marreiros no meio dos blufos, balantas


A foto nº 2 não deve estar relacionada com as outras, pois que se trata de jovens blufos, balantas em migração. Nesta fase das suas vidas são capazes de tudo, porque consideram-se livres das restrições da sociedade e é também a fase da moldagem do seu espírito e capacidades de guerra e de resiliência que os prepara para a vida futura onde a astácia, a camuflagem e a coragem sero os elementos mais apreciados e valorizados.

Durante a minha infância, e tão idiota que era, participei em três fanados diferentes no mesmo ano (1969).

Primeiro levaram-me para o fanado dos fulas, tipico dos Fulas-forros a que pertencia que durou mais ou menos um mês.

Duas semanas após a minha saida, eis que os jovens Fulas-pretos, por sua vez, deviam ser submetidos ao mesmo ritual, mas como diziam que o nosso era tão leve que mais parecia fanado de mulheres, lá fui outra vez para ver com os meus próprios olhos em que é que era, de facto, diferente. Desta vez não fui submetido ao corte físico [do prepúcio] como da primeira vez e, no fim, depois de dois meses, constatei que não era muito diferente daquilo que ja conhecia do meu primeiro fanado.

Passado um més após a saida deste último, era a vez de os mandingas celebrarem o seu fanado e, eis senão que o menino Cherno, sempre insatisfeito e curioso, queria ver com os próprios olhos como era o tão propalado fanado mandinga.

Apos três meses de vai e vem entre a barraca no mato e a aldeia para transporte de comida e água para os fanados-novos, incluindo os preparativos e as festas semanais dos kankurans na aldeia, finalmente fechamos a barraca, voltamos a aldeia num ambiente de grande frenesim festivo.

Mas, a constatação final era que tudo não passava de pura propaganda para a valorização de grupo e a única diferença a considerar, de facto, era a animação dos kankurans e o incomparável talento e capacidade de alardear e fazer propaganda e folcore sócio-cultural, típico dos (artistas) mandingas.

Factos e evidências que justificam o nascimento e sobrevivência do provérbio guineense que diz, em crioulo:"Duno di boca mas duno de mala".

Em tradução livre: Mais vale ter uma boca refinada do que uma mala cheia de dinheiro", ou seja, a aparência (a propaganda) quando bem utilizada, vale mais do que a riqueza (conhecimento, trabalho, o saber fazer). [O provérbio popular português diz o contrário: "Antes sê-lo  que parecê-lo", LG. ]

Este conceito, também, é universal, acho eu e hoje mais que nunca. (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

sábado, 16 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21774: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IX: atividade operacional: maio de 1967: destaque para a Op Xerês



Guiné > Região de Cacheu > Carta da Província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Ponta Matar e Ponta S. Vicente, na margem esquerda do Rio Cacheu, a norte de Bula, 


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



Brasão da 3ª Companhia de Comandos (1966/68)





1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, já falecido (em 2005). Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: 

"Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges". 


Uma cópia foi entregue ao nosso blogue para publicação. (*)

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]



História da 3ª Companhia de Comandos 
(1966/68) (*)


3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges
Parte IX (pp. 22-24)







(Continua)
___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21773: Os nossos seres, saberes e lazeres (433): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (2): Conservas de peixe, um naufrágio com grande riqueza, uma fortaleza-prisão: Peniche (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Desta feita, dei por bem registar dois períodos de férias aos ziguezagues, umas vezes estou na Serra da Estrela, outras em Óbidos ou Peniche, posso passar para o Vale Glaciar da Serra da Estrela e descer a Pedrógão Pequeno ou percorrer as Caldas da Rainha e entrar no Museu José Malhoa, não ofende ninguém, o que está em causa é o escrutínio de imagens apropriadas. Andava eu às voltas com memórias de Peniche e já tinha uma correnteza de outras imagens associadas a fábricas de burel, uma matéria-prima de que nos devemos orgulhar e que Manteigas capricha, preferi Peniche, só por razões sentimentais, memórias com 60 anos de padrinhos que foram tão influentes na minha vida, e até a recordação daquela conferência dentro da Fortaleza de Peniche em que veio à baila um dos mais importantes naufrágios de navio espanhol, se não se tivesse recuperado a carga teria sido um cataclismo económico para o nosso vizinho da Península, felizmente que quase tudo se recuperou, mas ainda ficou o suficiente para deslumbramento de quem anda na arqueologia subaquática.

Um abraço do
Mário


Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (2):
Conservas de peixe, um naufrágio com grande riqueza, uma fortaleza-prisão: Peniche


Naquela semana de férias em Óbidos, lancei a proposta de passarmos um dia em Peniche, terra de memórias da juventude e mais recentes, não há muito tempo ali tinha arribado para voltar às Berlengas. O meu padrinho de batismo chamava-se Filipe da Nazaré Fernandes, era o filho mais velho de Agostinho Fernandes, um rico conserveiro, proprietário da Portugália Editora e seguramente o maior colecionador de Arte da primeira metade do século XX. Estando a passar férias em casa dos meus padrinhos na Foz do Arelho, não era incomum ele sugerir idas a Peniche, por assuntos da fábrica. No caminho, abastecia-se de vinho rosé, tanto quanto me recordo num fornecedor das Gaeiras. Enquanto ele tratava de assuntos da fábrica eu passeava pelo Bairro dos Pescadores e metia conversa com quem, na soleira da porta, fazia de bordadeira, os bordados de Peniche são requintadíssimos, felizmente hoje são credores de museu penicheiro. Outra recordação que guardo, muito mais recente, foi quando um amigo penicheiro me levou a uma conferência do arqueólogo Jean-Yves Blot na Fortaleza de Peniche sobre os achados arqueológicos então recentes do naufrágio do navio San Pedro de Alcantara, que saiu de Callao, Perú, em 1784, um navio de 64 canhões, que naufragou na Península da Papoa, Peniche em 2 de fevereiro de 1786, trazia um carregamento fundamental para a economia espanhola: 156 toneladas de metais preciosos com um valor de 7,6 milhões de pesos. Durante meses procedeu-se à recuperação desse tesouro, ficaram vestígios que Jean-Yves Blot e outros recuperaram graças à arqueologia subaquática. Perderam-se muitas vidas, 128, conseguiu sobreviver Fernando Tupac-Amaru, filho mais novo do chefe rebelde índio executado em Cuzco, em 1781. Uma belíssima comunicação, mostrando achados, pinturas, estudo de ossadas no cemitério onde foram sepultadas as vítimas.

Fábrica do Algarve Exportador em Peniche

Pintura alusiva ao naufrágio do navio San Pedro de Alcantara, perto de Peniche

Monumento evocativo às vítimas do naufrágio

Vista aérea da fortaleza que foi prisão do Estado Novo

Uma das singularidades destas habitações penicheiras assentes no alcantilado é a cor, o magnífico contraste entre as águas em cachão a ribombar sobre a rocha, a vegetação rala e o casario colorido


Fizemos as honras da casa, um bom passeio pedestre pela Peniche antiga, sem descurar a área portuária. Chegou a hora de amesendar, a neta reclamou arroz com marisco, a restante comitiva atirou-se a carapaus, sardinhas e chocos. Satisfeita a gula, marcha-se para esse maciço de pedra que o Conde da Atouguia implorou a D. João III, para intimidar a pirataria e o corso até então impune. Foi satisfeita a vontade, vê-se rapidamente que andou ali projeto importado, a localização é magnífica, respira-se poderio e segurança, é preciso entrar e ver que aquela fortaleza que servia de intimidação ao corso foi uma terrível prisão que funcionou até ao 25 de Abril. As panorâmicas são deslumbrantes, quando nos viramos para a massa líquida. Olhando lá de cima, vê-se então a prisão que começou a funcionar na Ditadura Militar, deu-se depois honra a oposicionistas de vários matizes, consagrando-lhe uma prisão que hoje é visitável. Ali viveram vários dirigentes comunistas, seus militantes, outros opositores ao regime. Houve fugas audaciosas, como aquela em que se escapuliu Álvaro Cunhal e mais outros. Passeia-se à volta deste maciço e então recorda-se a viagem de barco para as Berlengas que permite entender a extensão de toda esta nave de pedra, passear à volta de Peniche pode deslumbrar com todos estes pélagos, fragas alcantiladas, o permanente rumorejar das águas sobre os rochedos. Havia obras de conservação, certos espaços estavam interditos, deu para visitar o parlatório, ali os presos recebiam os familiares.
A neta de nove anos impacienta-se, quer ver praia, no mínimo molhar os pés no Baleal. E partimos, há o cheiro da maresia, muda-se de direção, a imponente fortaleza de Peniche fica para trás, há que voltar, e tentar descobrir por onde andam os achados arqueológicos de San Pedro de Alcantara, uns ficaram no Museu Nacional de Arqueologia mas eu quero mostrar à neta as piastras negras de Peniche, são as moedas de prata escapadas ao naufrágio que sofreram uma corrosão em presença da água do mar que dá a este betão um aspeto enegrecido. Está prometido, neta, voltamos, desde que depois vamos até ao banho de mar...

____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21750: Os nossos seres, saberes e lazeres (432): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (1): Hoje em Óbidos (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21772: (D)o outro lado do combate (64): o caso da jangada do Ché-Che em maio de 1965... (Jorge Araújo)


Foto 1: - Região do Boé > Rio Corubal > A jangada do Ché-Che. Foto publicada no cmjornal de 23 de Junho de 2013, em entrevista dada por António Manuel Baptista, furriel vagomestre da CCAV 702 / BCAV 705 (1964/1966), com a devida vénia. [Link: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/morreu-a-17-dias-de-voltar-a-casa].

 


Foto 2: - Região do Boé > Rio Corubal > 30 de Junho de 2018 > A jangada do Ché-Che, puxada à corda. Foto retirada do vídeo de Patrício Ribeiro (Ímpar Lda, Bissau), publicado no P18862, disponível em You Tube / Luís Graça, com a devida vénia.



Imagem de satélite da região do Boé (Centro – Sul), com infografia do triângulo Madina do Boé/Béli/Ché-Che, sinalizando-se o local da jangada que ligava as duas margens do rio Corubal.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,  ainda no ativo; 
tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- O CASO DA JANGADA DO CHÉ-CHE DESTRUÍDA [?] EM 11MAI1965 -     

► ADENDA AO P21712 (30.12.20)

1.   - INTRODUÇÃO


Com a elaboração da presente adenda ao P21712 publicado no penúltimo dia do ano findo (*), pretende-se dar conta, no fórum, do que foi possível esclarecer quanto às dúvidas suscitadas na "análise de conteúdo" sobre a carta "mensagem" de Amílcar Cabral (1924-1973), datada de 01 de Julho de 1965, 5.ª feira, dirigida aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, instalados na região do Boé, onde faz constar o valor e importância estratégica que ele atribuía a esta região no desenvolvimento da luta armada.


Nessa "mensagem", o Secretário-Geral valoriza, sobremaneira, o desempenho tido pelos elementos comandados pelo cmdt Umaro Djaló (1940-2014) pelo facto de, entre outras acções, terem destruído (?) a «jangada do Ché-Che», em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, de modo a impedir, às NT, a travessia entre as margens do rio Corubal.


Ainda que não tivéssemos tido a "sorte" ou o "saber" de encontrar testemunhos escritos na literatura oficial, que pudessem validar mais uma (esta) ocorrência concreta, e histórica, da "guerra" no CTIG, sempre acreditámos que seria possível obter informações complementares produzidas por alguém que nela tivesse estado envolvido (informante privilegiado) ou que dela tivesse tido conhecimento.


E o objectivo de partida foi conseguido! Graças à pronta resposta ao nosso apelo, colocada pelo camarada Manuel Luís Lomba, da CCAV 703, na caixa de comentários ao poste supra, a quem agradecemos, permitiu-nos entender melhor o quadro factual, do objecto de estudo, por efeito da triangulação de conteúdos.


Como justificação metodológica, recuperámos alguns acontecimentos já narrados anteriormente, de modo a contextualizar o tema, quer do ponto de vista cronológico, quer no que concerne ao valor semântico de algumas expressões utilizadas.


2.   - MENSAGEM DE AMÍLCAR CABRAL

- Dirigida aos combatentes das FARP do Boé em 01Jul1965


Todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos, (…) se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados. Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a «jangada do Ché-Che» [em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado manuscrito por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. (…) Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada, mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé [CCAV 702]. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas. (…)


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos (…) completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [1965]. (…)


2.1        - Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:

(…)


■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 5. - Destruir a jangada do Ché-Che, mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina [do Boé].


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto do Ché-Che para não deixar passar o inimigo.

(…)


Fonte: Citação: (1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   -   DESTRUIÇÃO [?] DA «JANGADA DO CHÉ-CHE» EM 11MAI65

- Comunicado assinado pelo cmdt Umaro Djaló em 12Mai65


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a «jangada do Ché-Che" no dia 11 do mês corrente [Maio'65], às 4 horas da manhã. Foi totalmente [?] destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões [?] que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos. (…)


Fonte: Citação: (1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708


4.   - REACÇÕES AO COMUNICADO DO CMDT UMARO DJALÓ


Três dias após a elaboração do comunicado assinado por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi" [nome atribuído em homenagem ao cmdt Rui Djassi "Faincam", que morreu nas matas de Gampará, em 24Abr64, durante a «Operação Alvor» (P19532)] e consequente envio aos dirigentes do PAIGC, instalados em Conacri, Aristides Pereira (1923-2011) enviou-lhe a seguinte missiva:


15 de Maio de 1965


Caro camarada Umaro [Djaló]:

Acabamos de receber a vossa comunicação relatando a liquidação [?] da jangada do CHECHE – um dos grandes objectivos da vossa missão nesta altura. Comunicamos imediatamente o facto ao camarada Secretário-Geral que se acha em viagem, pois bem sabemos a grande importância que ele dá a esse facto. Estamos muto satisfeitos com a vossa realização, e enviamos calorosas felicitações pela vossa determinação em cumprir as palavras de ordem do Partido, ao serviço da nossa luta. Estamos certos de que este primeiro êxito vos encorajará cada vez mais no cumprimento da missão sagrada do nosso povo, para correr com os colonialistas das nossas terras. Por outro lado, a nossa confiança actual se reforça com esta acção vossa, e a nossa convicção é cada vez maior de que levareis a bom termo a missão que vos cabe nesta fase da nossa luta. Mais uma vez parabéns a todos, sem nos deixarmos no entanto entusiasmar demais por este sucesso: muita vigilância. 





O Nino deve-se ter encontrado contigo e com certeza discutiram bastante no sentido da boa marcha da nossa luta nesse sector. Discutimos com ele a questão das munições que pedes, e ele deve satisfazer o teu pedido com o material que levou.


Vão os envelopes pedidos.


Saudações para todos os camaradas, e votos de saúde e cada vez mais coragem no nosso trabalho.


Para ti, abraço amigo do camarada de sempre,

Aristides Pereira.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39106

 

Ainda sobre o este assunto, e com a mesma data, Amílcar Cabral escreve a Nino Vieira (1939-2009), cmdt da Frente Sul e Leste, o seguinte:


▬ Conacri, 15 de Maio de 1965


Meu caro Nino,

Cheguei hoje a Conacri, depois de ter visto o Osvaldo [Vieira] e outros camaradas, no Senegal. Se vires o Umaro [Djaló] e os três camaradas da subsecção ["Rui Djassi"], apresenta-lhe as minhas felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Ché-Che. Estou convencido que os nossos combatentes, o nosso povo, terá vitórias decisivas para a mudança da nossa luta, nessa área. Temos necessidade de preparar, no pouco tempo, camaradas nossos na utilização da nova arma que recebemos. Preferíamos que fossem camaradas que tenham certa experiência de armas anti-aéreas e por isso pensamos que o camarada Inácio [da Gama (?)] poderia regressar para essa preparação. Diz alguma coisa. É urgente. Envio-te o relógio pelo Inácio.


Saudações a todos os camaradas

Um abraço amigo do camarada.

Amílcar Cabral.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35318

 

5.   - CONTRIBUTOS DE MANUEL LUÍS LOMBA SOBRE A OCORRÊNCIA


Na qualidade de Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) o camarada Manuel Luís Lomba escreveu o seguinte:


(…) Ainda não havia tropa em Canjadude e ao segundo dia mandaram-me proteger a jangada do Ché-Che, reforçado com um canhão s/r (sem recuo) 10,7, montado num velho jipe Willis. Pela análise da situação, mandei estacionar as viaturas viradas a Nova Lamego, o jipe e o canhão apontados à jangada e passei a noite em branco sobre a caixa de carga do camião Mercedes, à cuca e à escuta: se o IN aparecesse na nossa banda (o que parecia pouco provável), os campeões da eliminação da jangada seríamos nós, a retirada no "gosse gosse" – a batalha era cometida aos navegantes carnívoros [os "alfaiates"] do Corubal, se ele o ousasse cambar a nado.


Isto terá ocorrido em 21 de Maio'65, cálculo meu (ou seja, dez dias após o ataque), a jangada encontrava-se em perfeito estado, depois de ter sido rapidamente recuperada por malta vinda de Bissau (provavelmente da Engenharia, da Marinha ou do Serviço de Material?). A sua avaria ficou a dever-se a um ataque à bazucada lançado do lado de Madina do Boé, no tempo em que a jangada tinha apenas um guarda-nocturno.


6.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para finalizar o presente texto (adenda), podemos concluir:


■ 1. - Confirma-se o ataque à «jangada do Ché-Che» em Maio de 1965, sob as ordens do cmdt Umaro Djaló, à data em nomadização na região do Boé.


■ 2. - O conceito utilizado por Umaro Djaló: "destruição", que significa: "desfazer"; "exterminar"; "aniquilar"; "extinguir"; "fazer desaparecer"; etc., não se verificou, pelo que não se aplica, ainda que no léxico da guerra seja comum.


■ 3. - O que se verificou foi que o ataque (à bazucada) provocou "avaria", causando "dano"; "prejuízo" ou "estrago" na «jangada» que rapidamente foi recuperada.


■ 4. - Amílcar Cabral, na sua "mensagem" de 01 de Julho de 1965, refere que já tinha sido refeita [recuperada] outra jangada.


■ 5. - A travessia do rio Corubal, no Ché-Che, continuou a verificar-se por parte das NT, com recurso a uma «jangada», como prova a foto 1, onde elementos da CCAV 702 acompanham vários volumes e diferentes produtos.


■ 6. - O recurso à «jangada do Ché-Che» por parte da CCAV 702 aconteceu a partir de Maio de 1965, após ter sido deslocada por fracções, entre 22 e 30 desse mês, para Madina do Boé, com um Gr Comb em Béli a partir de 25Mai65, onde substituiu Grs Combate da 3.ª CCAÇ. Em 23Mai65, assumiu a responsabilidade do subsector de Madina do Boé, então criado na zona de acção do BCAÇ 512 e depois do seu batalhão (BCAV 705). Em 04Mai66, foi rendida no seu subsector pela CCAÇ 1416, seguindo, então, pata Fá Mandinga. (CECA; p 258).


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.021. Assunto: Resposta ao comunicado sobre a liquidação da jangada do Cheche. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Umaro Djaló. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04618.082.036. Assunto: Felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Cheche. Envio do relatório pelo Inácio. Remetente: Não identificado [Amílcar Cabral]. Destinatário: Nino Vieira. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde para 2021.

Jorge Araújo.

02JAN2021

______________


Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)