quarta-feira, 23 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23103: Álbum fotográfico do Joaquim Jorge, natural de Ferrel, Peniche, ex-alf mil, CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) - Parte I: Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa"

Guiné > Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 > O gen Arnaldo Schulz, de cigarro na boca,  inspecionando um abrigo. Na sua traseira, o comandante do destacamento, alf mil Joaquim Jorge.


Guiné >Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 >   Local da parada: o pau da bandeira e o escudo das quinas, feito com garrafas de cerveja


Guiné > Região de  Quínara > CAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 >  O escudoa das Quibas, feito com garrafas de cerveja, no local da parada


Guiné > Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 > Porta de armas


Guiné > Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 > Porta de armas, pormenor: à esquerda, o alf mil Joaquim Jorge


Guiné > Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 > O alf mil Joaquim Jorge lendo o jornal "A Bola"


Guiné > Região de  Quínara > CCAÇ 616 (Empada, 1964/66) > Destacamento de Ualada, "Rancho da Ponderosa" > c. 1965/66 > Cartaz "Chegámos, Vimos, Vencemos"... O Joaquim Jorge com o bazuqueiro

Fotos (e legenda): © Joaquim Jorge  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos do álbum do nosso amigo e camarada de Ferrel, Peniche, o Joaquim Jorge, que comandou, na maior parte do tempo,  a CCAÇ 616 (Empada e Ualada, 1964/66), na qualidade de alf mil at inf (*).  Tem 20 referências no nosso blogue.

O destacamento de Ualada, a 4 km de Empada, a  sudeste, começou a ser construído em meados de 1965: 

"Foi com muita ansiedade e espectativa que chegou o dia dezassete de Março, pois foi neste dia que chegámos a Ualada (“Ponderosa”), distante quatro quilómetros de Empada, com armas, pás, picaretas, arame farpado, chapas de bidão e algumas rações de combate, prontos para a sua reconquista e instalação de um novo 'quartel' ", escreveu o Joaquim Jorge.

“Rancho da Ponderosa” foi o cognome que o Joaquim Jorge  lhe deu  em lembrança da série televisiva “Bonanza"... A série do faroeste "Bonanza", com a saga da família Cartwright, proprietária do rancho da "Ponderosa", no Nevada, estreou-se, na televisão americana, em 1959; foi um extraordinário caso de popularidade e longevidade; começou a ser exibida na RTP em 1961.

Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Há que reconhecer o incontestável mérito desta investigação, Senna Barcelos, à luz dos conhecimentos do seu tempo, procurou fazer um levantamento da história de dois territórios desde a chegada da presença portuguesa, é hoje muito fácil dizer que já se investigou muito e que se esclareceu pontos que o autor deixou na obscuridade. O dado relevante é a pesquisa nos arquivos a que ele procedeu de forma meticulosa de modo que podemos dizer sem hesitação que é a primeira vez que se possui um quadro histórico dessa presença na Guiné até ao momento em que esta foi desanexada de Cabo Verde, em 1879. Há lacunas, caso da presença missionária, que está hoje felizmente coberta no trabalho incontornável de Henrique Pinto Rema. Senna Barcelos dá-nos um retrato ímpar dessa presença, envolve-a numa atmosfera de permanentes conflitos com os gentílicos, vivem entre eles em pé de guerra, sempre numa atitude de conquista, e só muito gradualmente vão aceitando a presença portuguesa que ganhará alguma efetividade depois da campanha de Teixeira Pinto na ilha de Bissau. E são elementos que não constam do trabalho de Senna Barcelos, para o tempo ele deixou-nos um quadro valioso do que foi acontecendo no Casamansa e de como a diplomacia portuguesa ao submeter a questão de Bolama e territórios adjacentes à postura arbitral do presidente dos EUA Ulysses Grant garantiu a dimensão sul do território da Guiné-Bissau. Para que conste.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (13)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Hoje se conclui este punhado de recensões a uma obra incontornável, Senna Barcelos irá despedir-se do leitor no exato momento em que a Guiné, ainda sem fronteiras definidas, se autonomiza de Cabo Verde, um desastre militar ocorrido em chão Felupe desencadeou tal decisão política tomada por Lisboa. Em 26 de abril de 1859 faleceu na Praça de Bissau Honório Pereira Barreto e o Governador-geral pronto declarou: “A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa a uma grande distância, instruído e sempre pronto ao serviço do seu país é uma perda irreparável”.
E o autor traça um extenso currículo dessa figura determinante da primeira metade do século XIX na Guiné. Em fevereiro do ano seguinte, o Governador-geral deu ao novo Governador da Guiné, António Cândido Zagalo, instruções sobre as diferentes obras de utilidade para o distrito, a saber, no caso de Bissau: obter uma área em volta da praça de São José de Bissau que deverá ser limitada e defendida, reparar as muralhas da Praça e desentulhar os fossos, cuidar do reparo do quartel, construir uma alfândega e um cais em frente da vila, cuidando também do estabelecimento de uma povoação em frente da vila de Bissau, no Ilhéu do Rei. Quanto a Cacheu, impunha-se alargar a área da povoação da vila, reparar os quartéis e alojamentos, construir um cais em frente da povoação tal como em Bissau. E tanto em Bissau como em Cacheu o novo Governador devia ter em vista a abertura de poços, próximos às povoações, que forneçam água aos habitantes para usos domésticos.

Mas recuemos a 1858, a questão de Bolama marca hostilidades permanentes. Em 4 de junho aportara a Bolama um vapor de guerra inglês carregado de arroz para distribuir aos escravos, ali refugiados, dos seus donos, de Bissau, Rio Grande e Ilha das Galinhas. Fazia esta distribuição o preto David Lawrence, encarregado daquela ilha pelo governo inglês. Depois daquela data nenhum outro navio inglês visitou Bolama, acabou-se o arroz e os escravos voltaram à casa dos seus donos. Os ingleses, à falta de argumentos para provarem os seus, quanto à legitimidade da posse de Bolama e áreas circunvizinhas, continuavam a provocar conflitos com os portugueses, pretendiam promover uma colonização inglesa com escravos portugueses, a troco de umas libras de arroz. Mais adiante, esteve iminente um grande conflito provocado por este David James Lawrence, senhor da Ponta Lawrence em Bissássema contra o negociante português Martinho da Silva Cardoso, senhor da Ponta Martinho, o Governador Zagalo teve de intervir. Senna Barcelos refere que o governador recebera uma carta de um súbdito britânico, Thomas W. Cowan, mestre-escola em Bolama, condenando o procedimento de David Lawrence. Zagalo procurou apurar a verdade dos factos e pediu o apoio das autoridades gentílicas, o conflito ficou temporariamente sanado. Mas, entretanto, o Governador da Serra Leoa escreveu ao Governador da Guiné declarando que tinha em posse tratados que comprovavam que Bolama, o Rio Grande de Bolola e Buba pertenciam à Grã-Bretanha. Zagalo respondeu-lhe polidamente, deixando para as autoridades de Lisboa a resposta. E escreve para o Governador-geral: “Não posso deixar de duvidar da legalidade dos documentos apresentados, porque os reis designados no termo da cessão da ilha de Bolama jamais foram senhores daquela ilha, nem das outras do Arquipélago dos Bijagós, a quem pertencem, e não aos Beafadas do citado rio, cuja margem esquerda até Bolola também pertence aos reis de Orango e Canhabaque que à força conquistaram aos Beafadas em época muito anterior à data do referido termo de cessão”. E no mesmo documento o Governador clarifica a falta de direitos históricos dos franceses no Casamansa.

A diplomacia portuguesa procura uma arbitragem para a questão de Bolama, é o que faz o Conde do Lavradio junto de Lord John Russell. As reivindicações britânicas a Bolama não param, do lado português envolvem o Duque de Loulé e o Conde d’Ávila. A questão que Portugal propõe que se submeta a arbitragem é o exame do fundamento com que as duas nações, Portugal e Inglaterra, reclamam a posse e a soberania da ilha de Bolama, e também o facto de a Inglaterra clamar ainda mais alguns territórios no continente africano.

Senna Barcelos não esquece de registar outros conflitos, caso do que se passa na região do Geba em 1865, envolvendo Futa-Fulas contra Mandingas. O território do Geba pertencia ao rei de Ganadú, este resistiu ao ataque dos Fulas e estes pediram a paz. Também nesse ano o Governador-geral deu conhecimento de um contrato feito pelo Governador de Cacheu com os régulos das regiões limítrofes de Ziguinchor. À volta do presídio de Geba, os Fulas revelavam-se hostis, a questão só será apaziguada mais tarde. Prosseguem as hostilidades britânicas, a bandeira portuguesa é sistematicamente arreada em Bolama, e enquanto isto se passa reacendem-se os conflitos no Rio Grande entre Fulas e Beafadas.

Em 26 de outubro de 1868, solicitou o ministro Carlos Bento ao nosso diplomata em Washington, Miguel Martins d’Antas, a sua intervenção junto de Mr. Seward para este diligenciar se o presidente dos EUA se prestava a arbitragem, a resposta favorável chega a 20 de novembro. O Conde d’Ávila dirige a redação da exposição histórica e jurídica dos factos, acompanhada das provas aduzidas em apoio da mesma, a qual foi enviada para Washington. A sentença favorável a Portugal foi proferida a 21 de abril de 1870 e em 1 de outubro desse ano a bandeira inglesa foi arreada em Bolama. Em maio do ano seguinte determinou-se que o território da Ilha de Bolama e do Rio Grande fosse considerado um concelho do distrito da Guiné.

Dá-se a insubmissão da região do Churo a Cacheu. No final do ano de 1876 criou-se na Guiné uma comarca judicial, com sede em Bissau. E chegamos ao desastre de Bolor. Em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali fora com o governador do distrito. O impacto do desastre chega a Lisboa e o Governo decretou em 18 de março de 1879 a desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, a Guiné passava a ser uma província independente e o seu primeiro Governador foi Agostinho Coelho.

Há que fazer o comentário de que estes últimos anos do acompanhamento dos factos históricos da Guiné por Senna Barcelos decorrer a um ritmo muito apressado e apresentado de forma muito sincopada. Ele termina o seu trabalho dizendo: “Ao fim de darmos as nossas investigações que datam de 1460 podemos dizer que os maiores benefícios que a província experimentou começaram em 1859”.

E aqui também damos por finda a extensa recensão daquela investigação que bem merece se encarada, em período contemporâneo, como o primeiro arremedo historiográfico que foi conferido à Guiné.


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Imagem retirada do blogue ePortuguêse, com a devida vénia
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 22 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23101: (In)citações (199): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (1): Guerras na Europa (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Com a devida vénia a Plataforma


1. Em mensagem do dia 21 de Março de 2022, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos um texto alusivo ao momento que infelizmente marca a actualidade, a invasão da Ucrânia pela Federação Russa de Putin.


Guerras na Europa

Nesta velha Europa, herdeira dos gregos, romanos, teutões, francos, bretões, eslavos, vikings, vândalos, visigodos, lusitanos, outros povos e tribos, neste continente, da criação artística, das obras monumentais, da ciência, da filosofia, que se tem arvorado perante os países dos outros continentes como a matriz da democracia, o modelo universal de concórdia e tolerância entre as nações, a força civilizadora do Universo, as guerras do empurra e chega para lá, têm acontecido com uma cadência regular através dos séculos e continuam na nossa era, ao longo do século XX e do século XXI que ainda há pouco tempo. começou.

Nos primórdios do século XX começa uma guerra terrível que envolve quase todos os países do continente e países doutros continentes. É a guerra de 1914 a 1918, a primeira Grande Guerra Mundial. A morte do arquiduque austríaco Francisco Fernando, num atentado efectuado por um nacionalista sérvio, dá o pretexto que os grandes impérios europeus esperavam para ajustar contas antigas e alinhados em duas grandes alianças transformam o continente num grande campo de batalha, que se estende por outros continentes, onde morrerão mais de vinte milhões de pessoas entre militares e civis.

A Segunda Grande Guerra de 1939 a 1945 é iniciada e arquitectada por Adolfo Hitler, um homem rancoroso, demoniaco e empestado de ódios racistas, que com discursos inflamados eletrizantes e demagógicos despertou desejos de vingança das multidões alemãs em relação à derrota e rendição, para muitos vergonhosa, da Grande Guerra anterior. O grande palco de horrores, sangue suor e lágrimas, miséria humana, passou a ser a Terra inteira, os soldados mortos e os civis, meninos, mulheres, homens, quadruplicaram, para isso contribui muito o desenvolvimento da tecnologia aplicada a todo o tipo de armas, viaturas, aviões, submarinos e navios.

Em confrontos violentos, combates, batalhas, morreram soldados aos milhares, aos milhões, por ordem de reis, presidentes, imperadores, generais, cabos de guerra, que causaram devastação, morte entre as gentes e sofrimento sem limites.

As páginas da História registam somente os gloriosos comandantes dos exércitos, os soldados mortos ficam todos na vala comum do esquecimento.

Talvez a selvageria humana nunca se tenha manifestado com tanta crueldade e sadismo como nos campos de concentração nazis.

Em Portugal tivemos um velho ditador, Salazar, que contra os ventos da História, quis manter e revitalizar o Império Colonial, para sua honra e glória. Milhares de jovens foram forçados a sacrificar-se, muitos a morrer por essa causa perdida e condenada pelas nações de toda a Terra. Foram treze longos anos, sofria-se cá e lá longe, a guerra eternizava-se e as mães grávidas já não queriam dar à luz meninos homens, para não chorarem mais como já tinham chorado pelos irmãos, namorados e maridos.

Em 1961 começa a guerra colonial em Angola, no mesmo ano em que os territórios de Goa, Damão e Diu são invadidos por muitos milhares de soldados da União Indiana. Salazar como ditador e arauto da portugalidade proclama que "os sinos da velha Goa e as bombardas de Diu, serão sempre portuguesas" e pretende que os escassos milhares de soldados portugueses que pertenciam à sua guarnição resistissem à invasão indiana para serem imolados no altar da Pátria. O general Vassalo e Silva, comandante das tropas portuguesas, constatando o desequilíbrio das forças em confronto, depois da morte de algumas dezenas de militares, desobedecendo às ordens do ditador, rendeu-se às forças invasoras para evitar o massacre dos seus homens. Pelo seu acto de rebeldia e coragem foi expulso das Forças Armadas e sofreu outros vexames.

Um soldado em abstrato é um jovem que na força da juventude é forçado a abandonar a família, os amigos de infância, a namorada com quem sonha construir um futuro radioso e é obrigado a ir lutar para frentes de combate contra soldados inimigos que tal como ele tiveram que abandonar familiares e amigos nas suas aldeias ou nos bairros das suas cidades. Eu vi-os, conheci-os, fui um deles, não tinham ódios, vontade de morrer ou matar, não queriam glória, nem ser heróis.

A Humanidade estará sempre em perigo por causas naturais ou humanas. Nos regimes democráticos também surgem homens que se revelam loucos, assassinos, megalómanos, com patologias de personalidade. Hitler foi eleito democraticamente em eleições livres. Depois dele já surgiram outros presidentes eleitos que pareciam revelar certos distúrbios, o que é muito perigoso, quando as armas de guerra têm hoje um enorme poder de destruição e há muitas armas de destruição maciça.

Os regimes políticos deveriam acautelar a sanidade dos seus governantes em prol da paz e do bem de todos.

Os governantes das nações deveriam ser mulheres pois elas não têm instintos guerreiros ou de caça, e têm mais amor e compaixão pela vida, pois elas são mães, dedicadas e ternas.

Vladimir Putin, o presidente da Rússia, tal como Hitler, é outro político, inicialmente eleito, quando a Rússia teve um interregno de liberdade entre regimes ditatoriais, que se eterniza no poder, à medida que vai restringindo as liberdades individuais e amordaçando ou matando os opositores.

A invasão da Ucrânia por uma força armada muito superior em meios militares, e armas tecnológicas de pequeno e grande alcance, classifica Putin como um monstro assassino e cruel, sem qualquer respeito pela vida humana.

Nos séculos anteriores, no tempo das monarquias e dos impérios as guerras aconteciam ao sabor dos caprichos e ambições grandiloquentes de personalidades que se julgavam ungidas por Deus. Putin não foi ungido por deuses, mas julga-se um deus parido pela mãe Rússia, predestinado a aumentar as suas fronteiras e o poder imperial que os czares, Lenine, Estaline, grandes dirigentes comunistas, conquistaram.

A guerra da Ucrânia entra-nos diariamente em casa, filmada pelos canais de televisão, com o seu cortejo de horrores: mortos, feridos, multidões de mulheres, velhos, meninos, em fuga, edifícios de habitação, hospitais, escolas, universidades, armazéns de bens alimentares, a ser bombardeados. As nossas mulheres sofrem com tanto sofrimento dessas mães e desses meninos e com receio que essa guerra impiedosa se alastre por todo o continente e atinja as suas famílias.

Os ditadores tais como como os reis absolutos consideram os indígenas que governam como rebanhos de criaturas dóceis, escravos com liberdade mitigada, que somente podem justificar a sua existência pela obediência, trabalho, sacrifício e vassalagem que prestarem aos seus senhores. Em função da sua concepção de Pátria mais alargada ou forte, os jovens para eles são sempre soldados prontos a servi-los nas guerras que eles acharem necessárias.

A iniquidade e injustiça da invasão da Ucrânia ofende todos os cidadãos dignos e revolta todos os ex-combatentes, impotentes por não poderem combater por uma causa justa.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P23100: In Memoriam (433): Joaquim Bonifácio Brito (1950-2022), um Tigre do Cumbijã (CCAV 8351, 1972/74), que ficou em Bissau até à guerra civil de 1998, como empresário na área da restauração, e que agora vivia no Algarve (Joaquim Costa)



Joaquim Bonifácio Brito (1950 - 2022)


1. Mensagem do Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, autor do livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.)

Data - 22 mar 2022 00h42
Assunto - Mais um Tigre do Cumbijã que nos deixou

Amigo Luís, 

Recebi hoje a triste notícia que mais um dos bravos Tigres de Cumbijã. Joaquim Bonifácio Brito (*), a viver no Algarve, acabou de falecer.

Uma semana atrás tinha falado com ele a propósito do meu livro e continuava entusiasmado com a vida,  dando-me a conhecer alguns projetos na área da restauração.

Este camarada, da minha companhia (CCav 8351), e do meu pelotão, não regressou com a companhia, ficando em Bissau abraçando uma nova vida como empresário da Restauração.

Manteve-se na Guiné, resiliente, não obstante os vários episódios de tentativas quase mensais de golpe de Estado.

Já não resistiu à guerra civil, entre os fiéis a Nino Vieira e Ansuname Mane, sendo resgatado com toda a família, apenas com a roupa que tinham vestido, na operação Crocodilo (junho de 1998).

Tudo lá deixou, depois de 25 anos de trabalho no país que adotou, pois segundo ele o seu restaurante servia uma média de 100 refeições por dia.

Contudo sempre manteve um carinho muito especial pela sua Guiné. Nos encontros anuais de 2007 a 2009, sempre me procurava a saber notícias de Bissau sabendo que o meu filho Tiago Costa  fazia parte da equipa que estava a construir uma ponte no Cacheu, em São Vicente.

Sendo o nosso Blogue uma fonte de informação que chega a todos os cantos do mundo, gostaria de lhe deixar, aqui, a minha pequena homenagem a um homem que amou a Guiné.

As minhas condolências à família

Camarada Tigre, Joaquim Brito, estejas lá onde estiveres, espero que estejas em Paz.(**)

Joaquim Costa

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Notas do editor:

Último postea da série > 

(*) 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23072: In Memoriam (432): António Brandão de Melo (1950-2022), ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

Guiné 61/74 - P23099: Tabanca Grande (532): Padre José Torres Neves, missionário da Consolata, ex-alf mil capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71): senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 859



Foto Nº 1 > Bindoro, fevereiro de 1970: hastear da bandeira


Foto Nº 2 > Bindoro, fevereiro de 1970: celebração da missa (1)


Foto Nº 3 > Bindoro, fevereiro de 1970: celebração da missa (2)


Foto Nº 4 > O capelão Neves, junto ao rio Mansoa. Esteve no TO da Guiné, como capelão do BCAÇ 2885, de 7/5/1969 a 3/3/1971.

Fotos (e legenda): © José Torres Neves  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 5 > Almoço convívio em novembro de 2020: da esquerda  para a direita, eu próprio, o  Pe Zé Neves, o dr. Fatela, o  conterrâneo de Penamcor, Maj Gen João Afonso, e o engº Montezuma.

Fotos (e legenda): © Ernestino Caniço  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. M
ensagem de nosso camarada e amigo Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/Dez 1971; médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar.


Data - 21 mar 2022 16:54 ( 

Assunto - Padre José Neves

Caros amigos

Tal como falámos ao telefone  (com o Luís Graça),  a minha ideia, ao enviar-vos as duas fotos do Padre José Neves (*), era o seu ingresso formal na Tabanca Grande, para o que já tinha obtido o seu aval.

Aproveito o ensejo para anexar algumas fotos, gentilmente cedidas pelo Pe José Torres Neves.

1 – Algumas fotos do Pe Zé Neves referentes ao Bindoro, fevereiro de 1970,  quando lá foi celebrar missa  (Fotos nºs 1, e 2 3) e outra junto ao rio Mansoa (Foto nº 4);

2  – Almoço convívio em novembro de 2020: da esquerda  para a direita, eu próprio, o Pe Zé, o dr. Fatela, o  conterrâneo Maj Gen João Afonso e o engº Montezuma.

Logo que oportuno anexarei mais fotos.

Um abraço, Ernestino




Guião do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (Ver unidades que passaram por Mansoa, neste período: poste P3372 (**)


II. Comentário do Jorge Picado (ex-Cap Mil do CAOP 1, Teixeira Pinto, e Cmdt da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, e da CART 2732, Mansabá, 1970/72)

Conheço apenas de nome este Padre Neves, não só através do Ernesto Caniço, mas também de dois ex-alferes  que eram igualmente amigos dele. Eram eles, o Montezuma,  do Pel de Sapadores do BCaç 2885, a que pertencia o César Dias, e o Assude da "minha" CCaç 2589.

Estes dois camaradas, já na metrópole, contactaram-me, já não sei em que data, mas ainda eu estava no activo, para um encontro com o Padre Neves, numa passagem dele por Lisboa julgo eu para um tratamento hospitalar. Seria o momento para eu o reconhecer, já que não tinha qualquer lembrança deste sacerdote. Isso não seria de admirar, uma vez que julgo nunca o ter contactado enquanto estive em Mansoa. No entanto esse enco0ntro acabou por não se realizar.


III. Comentário do nosso editor LG:

Obrigado, Ernestino, aqui está o poste de apresentação à Tabanca Grande do nosso camarada José Torres Neves, como sugerido por ti e prometido por mim. 

 É recebido fraternalmente, de braços abertos. E fica, desde já, sentado à sombra do nosso poilão, no lugra nº 859. (**)

Em comentário anterior, já tinha informado a Tabanca Grande de que:

(i) o José Torres Neves, continua a trabalhar como missionário num dos países africanos lusófonos, apesar dos seus 85/86 anos (!)::

(ii) tu, Ernestino, estiveste com ele em Mansoa, e tens uma cópia, digitalizada, do seu álbum fotográfico da Guiné: são cerca de 200 fotos, de que iremos publicar uma seleção; fazes também a ligação com ele, uma vez que ele não tem endereço de email;

(iii) o José Torres Neves também foi a Mansabá, no exercício de funções de capelania, e a outros aquartelamentos e destacamentos, pelo que a malta do BCAÇ 2885 e subunidades adidas deve lembrar-se dele.

Aqui, na Tabanca Grande, desejamos saúde, paz e longa vida ao nosso novo grã-tabanqueiro. E oxalá nos possamos conhecer pessoalmente, em próxima oportunidade, quando ele voltar a Portugal. E obrigado ao Ernestino Caniço por esta intermediação. 




segunda-feira, 21 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23098: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (22): Lugares da Guiné

Carta Geral da Província da Guiné
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem do dia 18 de Março de 2022, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), lembra os locais da Guiné por onde peregrinou.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

22 - LUGARES DA GUINÉ

A CART 2520 enquanto sediada no Xime exerceu uma grande actividade fora do arame farpado, tanto a nível de Companhia ou de pelotão e conjuntamente com a CCAÇ 12 e os Pelotões de Caçadores Nativos 52 e 54, originando para os operacionais um enorme trabalho e também um grande desgaste físico e psicológico. O 3.º pelotão a que pertenci, percorreu praticamente todos os cantos, trilhos e picadas da zona operacional. Por mero acaso fui tomando alguns apontamentos numa pequena pasta onde guardava a minha correspondência e que actualmente a conservo quase religiosamente.

A partir destes curiosos apontamentos, da minha memória e com recurso à carta do Xime e de outros locais, elaborei uma lista que vou partilhar com os camaradas da nossa Grande Tabanca, ou melhor, da Tabanca Grande, dos lugares da Guiné por onde andei, incluindo também os lugares da segunda fase da nossa passagem pelo Ultramar quando a nossa Companhia assentou arraiais em Quinhamel:

Bissau - Início da comissão em 30 de Maio de 1969, alguns dias. Em Junho e Julho de 1970 várias vezes e em Março de 1971
Brá - Primeiras dormidas na Guiné antes da partida para o Xime
Xime - Base da CART 2520 durante o 1.º ano, Junho de 1969 a Junho de 1970
Bambadinca - Um sem número de deslocações com a finalidade de alguns reabastecimentos, ir buscar e levar correio e outros serviços
Mansambo - Primeiras 3 semanas para o treino operacional com o 3.º pelotão
Bafatá - Várias idas com a finalidade do Vaguemestre comprar vacas para nossa alimentação
Ponte Rio Udunduma - Por inúmeras vezes como mini destacamento e de passagem para Bambadinca
Enxalé - Mais de dois meses como destacamento e para segurança da população
Finete - Patrulhamento até ao Enxalé
Mato de Cão - Patrulhamento a partir de Finete até ao Enxalé
Mato Madeira - No percurso entre Finete e Enxalé
Malandim - Zona do Enxalé, patrulhamento
Gambana - Nas proximidades do Enxalé, patrulhamento
Madina Colhido - Inúmeros patrulhamentos e montagem de emboscadas e de seguranças aos barcos que passavam no rio Geba
Ponta Varela - Em operações
Ponta do Inglês - Três passagens em Operações
Foz do Corubal - Uma passagem em Operação
Ponta Coli - Dezenas de seguranças para a passagem de colunas da nossa Companhia e de outros militares
Ponta Luís Dias - Passagem durante Operação
Mouricanhe - Em Operação
Chacali - Em patrulhamento
Chicamiel - Em Operação
Poidon - Em patrulhamentos
Háfio - Em operações
Darsalame/Baio - Em Operações
Buruntoni - Em Operações
Colicumbel - Em patrulhamentos
Lantar - Proximidades do Xime em patrulhamentos
S. Belchior - Em operações
Malafo - Patrulhamento
Bissilão - Em Operações
Gundagué Beafada -Em operações
Amedalai - Ponto de passagem obrigatório para colunas a Bambadinca
Samba Silate - Em patrulhamento, passando por Amedalai
Taibatá - Colunas de apoio à população
Demba Taco - Colunas de apoio à população
Quinhamel - Base da CART 2520, tendo divergido para Safim, João Landim e posteriormente para o Biombo
Safim - Base do 3.º pelotão - Junho, Julho e parte de Agosto de 1970
João Landim - Permanência de dois meses com uma secção
Nhacra - Breve passagem
Biombo/Ondame - Entre Setembro de 1970 e Março de 1971 como destacamento
Blom - Tabanca nas proximidades do Biombo
Blimblim - Tabanca nas proximidades do Biombo
Dorce - Tabanca nas proximidades do Biombo
Ponta Biombo - Patrulhamentos e momentos de descontração
Ilondé - De passagem
São Vicente da Mata - De passagem
Cais de Pigiguidi - Chegada a Bissau e "Adeus Guiné"

José Nascimento

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22311: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (21): Martins, o caçador de rolas

Guiné 61/74 - P23097: Notas de leitura (1430): “Amílcar Cabral - Pensar para Melhor Agir”; edição da Fundação Amílcar Cabral, Praia, 2014 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a um conjunto de súmulas referentes às intervenções de Amílcar Cabral num seminário de quadros que foi um facto importante na história do PAIGC. A Direção do Partido entendera chegar a hora de convocar os quadros mais antigos e mais novos, fazer notificar a história da luta armada, fazer o seu balanço, proceder a críticas, rever processos organizacionais, discutir a ideologia, a democracia revolucionária, traçar as perspetivas para a luta que esperava o Partido tanto na Guiné como em Cabo Verde. É um documento único, várias centenas de páginas em que o líder de forma esquematizada fala com todos os seus quadros e responde às suas questões. Como nota curiosa, observe-se que os livros que hoje se podem comprar de Amílcar Cabral em alfarrabistas são coletâneas de discursos e documentos avulsos, neste livro está a prova comprovada da organização mental de Amílcar Cabral, da sua lucidez, o peso das suas convicções. Dou este livro como obra de leitura obrigatória para quem quer aprofundar o papel de Cabral na vida do PAIGC.

Um abraço do
Mário



Um guia prático para conhecer o pensamento do revolucionário Amílcar Cabral (5/5)

Beja Santos

A obra intitula-se “Pensar para Melhor Agir”, comporta o teor integral das intervenções de Amílcar Cabral no Seminário de Quadros do PAIGC, que se realizou em Conacri, de 19 a 24 de novembro de 1969. A edição é da Fundação Amílcar Cabral, Praia, 2014, e tem organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins. De há muito que só é possível ler Amílcar Cabral entre nós nas bibliotecas ou adquirir as suas obras em alfarrabistas. As intervenções do líder do PAIGC foram revistas a partir das bobinas que então recolheram integralmente a sua comunicação, mais uma razão para encarar este trabalho como uma boa oportunidade de revisitar a essência do seu pensamento.

Amílcar Cabral manterá sempre uma narrativa ambígua sobre o que entende por socialismo, a luta anti-imperialista, o quadro fixo dos seus aliados. Reconheça-se no entanto que sempre exprimiu a vontade de que o partido-Estado contemplasse as suas obrigações de solidariedade com as outras colónias portuguesas e neste seminário, em que fala do futuro, lembra aos quadros do PAIGC que há que estreitar as alianças no continente africano. Falando das forças armadas, volta à tónica da crítica, aqui não há ambiguidades: 

“Não devemos esquecer que há erros, faltas e atrasos nas nossas Forças Armadas: muitas emboscadas mal feitas, muito atraso em chegar ao ponto onde se deve chegar, muita falta de vigilância nos rios, apesar de terem boas armas nas mãos para atirar contra os barcos, falta de coragem para atirar contra os aviões, apesar de sabermos que quantos mais tiros der contra os aviões mais medo têm os aviadores. Não temos feito reconhecimento como deve ser, antes dos ataques. O resultado é que muitas vezes vamos fazer ataques e caímos nas minas. Não temos sabido fazer planos corretos, na prática concreta de um ataque, porque o dirigente pode fazer um plano geral para um ataque, mas na situação real de colocar os homens no terreno, no momento do ataque, alguns comandantes não o têm sabido fazer. Devemos, por exemplo, reconhecer que, até hoje, só em dois ataques a quartéis inimigos é que prendemos tugas, em Catancunda e em Bissássema. Ora isso é muito pouco com tantos ataques a quartéis”

E desvia o raciocínio para as melhorias que são necessárias introduzir na logística, e volta a falar em erros: 

“Há pouco tempo, por causa de um erro do nosso camarada José da Silva, na frente norte, mas erro também de todos os camaradas que lá estavam, os tugas apanharam-nos uma quantidade importante de material. O José da Silva e outros cometeram erros tão grandes que os tugas vieram apanhar esse material e talvez tenha havido conluio entre eles. Não podemos permitir que, com tanta canseira para levar material de guerra da fronteira para o norte da nossa terra, venham os tugas apanhar material em Faquina, Biambi, Bula, no chão dos Manjacos, etc. Isso não pode ser”.

 As observações seguintes são sobre a disciplina, o trabalho político nos centros urbanos, insiste que as forças armadas devem dar golpes mais duros e decisivos aos colonialistas.

Agora a conversa muda de azimute, é preciso elevar a consciência política dos estudantes do Partido, levanta a questão delicada de relações familiares com elementos de outros países e não se escusa a afrontar a questão dos quadros técnicos ao nível da meritocracia: 

“Numa terra pobre como a Guiné e Cabo Verde, os quadros técnicos, científicos, etc., por mais que não queiramos, vão viver melhor que a maioria do povo em geral, porque não é possível que um doutor de leis faça devidamente o seu trabalho morando numa palhota cheia de mosquitos, com lama no chão, etc. Não faz sentido um arquiteto, um engenheiro, um médico, ou mesmo um especialista de mecânica ou eletricidade ter, de manhã, de encher a boca de água para borrifar o chão da sua palhota para este ficar duro, como faz normalmente o nosso povo. Queiramos ou não, no começo da nossa vida, os quadros que se estão a formar vão ter algumas vantagens em relação ao povo em geral”.

Finda esta sucessão de intervenções que se prolongaram de 19 a 24 de novembro, o último dia foi reservado a debate e a conclusões. Como seria de prever, Cabral respondeu a questões muito dispersas como a situação da luta na região de Nhacra e nos centros urbanos, focou a situação dos camponeses na Guiné e em Cabo Verde, procurou clarificar o que era uma direção coletiva e o centralismo democrático, como se estava a processar a justiça militar e como funciona a democracia revolucionária; puseram-se questões como o uso de algemas, o tratamento a dar aos ladrões de vacas, o abastecimento dos internatos, como agir se os colonialistas vierem a dar independência à Guiné sem Cabo Verde, como responderá o PAIGC. Aqui é categórico: 

“Não paramos enquanto não libertarmos os dois. Isto tem de ser, esse é o nosso caminho e o nosso juramento. Podemos usar todas as táticas que quisermos com o inimigo, mas não deixemos o inimigo desviar-nos para questões que nos lança apenas como diversão, para afastar a nossa atenção das coisas importantes. Importante é o seguinte: lutar cada dia com mais força na Guiné, com mais tiros contra a tropa tuga; em Cabo Verde, fazer o máximo para o mais depressa possível começarmos a dar tiros. Entretanto, faça-se barulho político por todo o lado, mesmo que vá muita gente para a prisão”.

Não se escusa de abordar questões delicadas como a posição do PAIGC face às declarações de Rafael Barbosa, desvia a conversa para a assistência sanitária à população e ao funcionamento dos tribunais populares, como receber as populações que vêm às áreas libertadas, como e porque se deve fazer a cobrança de impostos, o que constitui a crítica e a autocrítica e alertou os presentes para os falsos amigos e as infiltrações, exemplificando: 

“Há camaradas da segurança do Partido que passam a vida com um indivíduo de origem libanesa que reside em Zinguinchor. Os camaradas apresentaram-me esse libanês como sendo um grande amigo do Partido. Cheguei a realizar uma reunião em Zinguinchor com os camaradas e convidei-o a sentar-se ao meu lado, acreditando que era um amigo do Partido. Pois, certo dia, agentes nossos informaram-nos de que o tal libanês trabalhava para os portugueses e alertei o Luís Cabral. O Luís nunca o visitou, mas havia elementos da nossa segurança que passavam a vida em casa dele. Certo dia, fomos informados da chegada de uma pessoa com correspondência da PIDE para esse libanês. Como não o podíamos deter no Senegal, os nossos camaradas fizeram um bom trabalho, combinando com a polícia para parar e revistar o carro. Mandaram parar o automóvel, revistaram o passageiro e encontraram a correspondência destinada ao libanês, provando que ele é, efetivamente, um agente dos colonialistas”.

Nas conclusões, ele recorda: 

“Elogiei a nossa luta como jamais alguém poderá elogiá-la, mostrei as nossas vitórias com a maior clareza possível, as vantagens, a coragem da nossa gente. Mas também vos falei com toda a franqueza das nossas misérias, das muitas sujidades que ainda temos no nosso seio e temos de limpar depressa, se queremos de facto estar à altura do nosso valor”

E despede-se assim: 

“Durante seis dias, como vosso dirigente, trabalhei, cumpri o meu dever como tenho cumprido chefiando a luta no plano militar, no plano político e em todos os planos. Estas são as minhas palavras, com um grande agradecimento pelo triunfo que representou este nosso seminário. Tenho a certeza de que, se cada filho da nossa terra, homem ou mulher, mantiver esse interesse em saber sempre mais e em pôr em prática, concretamente, aquilo que sabe, nada nos pode parar no caminho certo da vitória na nossa luta, no caminho do progresso, da paz e da felicidade da nossa gente”.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23089: Notas de leitura (1429): “Amílcar Cabral - Pensar para Melhor Agir”; edição da Fundação Amílcar Cabral, Praia, 2014 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23096: Memória dos lugares (438): Rancho da Ponderosa, destacamento de Ualada, subsector de Empada (Francisco Monteiro Galveia, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 616, Empada, 1964/66; vive em Fronteira)


Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 616 (1964/66) > Destacamento de Ualada, o "Rancho da Ponderosa".

Foto (e legenda): © Francisco Monteiro Galveua (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de ontem, às 18h22;Francisco Monteiro Galveia (ex-1º cabo op cripto,  CCAÇ 616  (Empada, 1964/66) , que vive em Fronteira:


Junto foto minha no capô da viatura em 1965, à entrada do "Rancho da Ponderosa" (*). 

Da operação que eu pedi ao Jorge para comentar, é que ele tem mais apontamentos que eu, quanto aos nomes, foi-me passado na altura: que José Pedro Pinto Leite que era deputado na ala liberal da Assembleia Nacional, seria natural daquela povoação e que as nossas tropas tinham que ir ao local para mostrar que o inimigo não tinha o local em seu poder. (**)

Quanto aos nomes e residência eu desconheço. Do que eu me lembro é que um pelotão reforçado com o pelotão de milicias saiu de Empada após o pôr do sol a pé, pela madrugada passaram por toda a gente sem darem um tiro nem dizerem nada e embarcaram nas lanchas LDM com destino a Empada. 

Havia um posto de sentinela avançado numa árvore de grande porte, que se estava lá alguém estava a dormir. É possivel que essa terra se chame Darssalame. O Jorge deve ter mais elementos por isso o meu pedido anterior. 

Um abraço Xiko.

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domingo, 20 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23095: Antologia (85): Operação Crocodilo, Guiné-Bissau, junho/julho de 1998 (Revista da Armada, julho de 2013): Em 44 dias de missão e em 23 operações, foram resgatados 3487 refugiados, com o apoio do navio de carga "Ponta de Sagres" da Portline (Correio da Manhã, 17/2/2007)

1. OPERACÃO CROCODILO 

Revista da Armada, julho de 2013, pág. 20

(Com a devida vénia...) (**)

Em 7 de junho de 1998 desencadeou-se na Guiné-Bissau um conflito interno entre forças militares leais ao Governo do Presidente Nino Vieira e aquelas que se viriam a agrupar e torno de uma “Junta Militar” liderada pelo general Ansumane Mane.

A fim de efetuar o rápido resgate de cidadãos portugueses e de países amigos que, fruto da elevada insegurança criada pelo conflito, pretendessem abandonar a Guiné-Bissau, o Estado Português colocou em curso a Operação Crocodilo. (*)

Esta operação envolveu uma força conjunta dos três ramos das Forças Armadas, sendo a componente naval constituída pela fragata Vasco da Gama, com dois helicópteros Lynx Mk95 embarcados, pelas corvetas Honório Barreto e João Coutinho e o navio reabastecedor Bérrio. Comandava esta força naval o CMG Melo Gomes.

De forma intensiva e, muitas vezes, simultânea (1), as duas aeronaves foram utilizadas em diversas missões de embarque de cidadãos nacionais e de países amigos para os navios da força naval, na distribuição de ajuda humanitária em diversos locais do território guineense, e em algumas missões de reconhecimento.

Uma das missões de recolha de cidadãos nacionais realizadas pelos dois helicópteros levou-os a cruzarem grande parte do território da Guiné-Bissau até aos Rápidos do Saltinho, nas proximidadesda fronteira com a Guiné-Conacri. 

Após um trânsito realizado a muito baixa altitude, sobrevoandoas vastas e densas florestas guineenses e utilizando a cobertura dos braços de rio e das copas das árvores para evitar uma desnecessária exposição, os helicópteros tomaram imediato contacto com grupos armados da “Junta Militar” logo que aterraram no local de recolha. Desembarcada diversa ajuda humanitária e recolhidos os passageiros ali presentes,  regressaram à Vasco da Gama sãos e salvos.

De referir que as cartas de navegação aérea disponíveis eram fotocópias a preto e branco de cartas aeronáuticas que datavam do início dos anos setenta (2). Sendo que naquela área do globo ocorre frequente perda de cobertura GPS, as aeronaves realizaram grande parte da operação com recurso a procedimentos de navegação tática meramente visual (carta-terreno).

Os helicópteros tiveram ainda uma importante participação no processo inicial de mediação e negociações de paz entre as partes em confronto, realizando diversas aterragens em local sob controlo das forças da “Junta Militar”. Releve-se a missão de transporte de uma comitiva de representantes dos países da CPLP, liderada pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama, de Cape Skirring, no Senegal, para a fragata Vasco da Gama, então a navegar no leito do Rio Geba.

Para poder manter e operar as duas aeronaves que embarcaram durante a Operação Crocodilo, o MUTTLEY, nickname do destacamento de helicóptero atribuído então à fragata Vasco da Gama, recebeu um reforço de dois tripulantes e três técnicos de manutenção.

Num ambiente de elevada volatilidade, o emprego criterioso e eficaz dos dois helicópteros embarcados na Vasco da Gama, associado à sua rapidez e versatilidade, revelou-se de importância muito relevante para o cumprimento da missão da força naval durante a Operação Crocodilo.

P. Conceição Lopes CFR

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Notas

1. Muitas das missões aconselharam à operação simultânea dos dois helicópteros. Sempre que possível, o convés de voo do Bérrio era usado em apoio à operação simultânea. Contudo, quando os navios não estavam em companhia, o que aconteceu várias vezes, a realização de operações de voo das duas aeronaves obrigou a uma coordenação e precisão concertada de todo o navio em geral, em particular de toda a equipa de convés de voo, sem margens para erros ou atrasos.

2. Fotocópias tiradas, na véspera da largada da força naval de Lisboa, de cartas da Esquadra 501 (C-130) da Base Aérea nº 6 do Montijo.


2. Informação complementar do jornal "Correio da Manhã", de 18/2/2007 (***), excertos selecionados (e negritos)  pelo editor LG, com a devida vénia:

(...) "Quando a guerra acaba, o pesadelo resiste na memória dos sobreviventes: 10 de Junho de 1998 – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas –, o País é surpreendido com o agravar dos conflitos na Guiné-Bissau. O então líder da Junta Militar – brigadeiro Ansumane Mané –, que comandava as tropas amotinadas no país, acusava a França de conivência com a intervenção militar do Senegal e da Guiné-Conacri. Por seu lado, o presidente ‘Nino’ Vieira, suportado por 1500 militares (parte deles senegaleses), combatia os revoltosos. 

O nosso País acordava para uma missão imperiosa: a de resgatar os cidadãos portugueses ameaçados por fogos-cruzados

Melo Gomes foi o oficial superior escolhido para comandar a Força Naval envolvida na operação ‘Crocodilo’; na semana passada, sob a égide do hoje Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), a Marinha simulou, em Tróia, um cenário semelhante para testar a intervenção da Força de Reacção Rápida[Exercício ‘Intrex’]

(...)  Recuando à África onde há nove anos se desenrolou uma missão real , desvendam-se contornos, até políticos, decisivos para fazer avançar a operação ‘Crocodilo’. “Criou-se logo uma célula no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e reuniu-se o primeiro-ministro, António Guterres, com o ministro da Defesa e MNE, Jaime Gama, e os respectivos gabinetes”, recorda José Lello, na altura secretário de Estado das Comunidades. Fizeram-se contactos diplomáticos, só que não era possível esperar mais. Pela primeira vez, ponderou-se a hipótese de pedir auxílio a navios civis que estivessem na região.

O feriado festivo – de quarta-feira – ligava por ponte o fim-de-semana do oficial de operações Braz de Oliveira (hoje porta-voz da Marinha). “Recebi a notícia quando estava dentro do carro, com a minha família, a caminho do Algarve”, recorda. Inverteu a marcha em direcção à Base Naval do Alfeite, em Almada, e embarcou na fragata ‘Vasco da Gama’ com o comandante Melo Gomes. “Foi feita a ordem de operações, promulgadas as instruções de coordenação e preparada a largada.” A Marinha tinha 48 horas para se aprontar e fazer--se ao mar quando a tutela decidisse.

O Aeroporto Osvaldo Vieira, em Bissalanca, era palco de confrontos – dominados pelos rebeldes –, impossibilitando que os cidadãos portugueses fossem resgatados por via aérea.

Contra-relógio, do lado do Governo, o secretário de Estado das Comunidades recebia dos Serviços de Informação os dados para avaliar o conflito. “Os relatórios permitiam fazer uma avaliação a cada momento. De antemão, já se sabia que a situação era complicada. Só que África é imprevisível. E, de repente, como não havia organização táctica [nos combates], aconteceu” – disse José Lello. Mas a situação agudizou-se.

“Acordámos com o som dos bombardeiros; a primeira coisa que fizemos foi ligar para a Embaixada”, relata ‘Amir’ Carmali, um português que residia em Bissau. “Ainda não tinham informações concretas para nos dar, só nos aconselharam a não sair de casa.” Ouviam-se rajadas, bazucadas, bombardeios, que tinham como alvo os militares. Na capital, as ruas eram controladas por senegaleses ao serviço de ‘Nino’ Vieira.

Em Portugal havia a certeza: o resgate impunha-se. A Marinha precisava de mais de três dias para alcançar Bissau. Só restava pedir ajuda a navios civis.

 “Houve um contacto que é das coisas extraordinárias: sabíamos que havia um navio lá e não é que o primeiro-ministro [Guterres] consegue, ele próprio, falar com o comandante”, revela Lello.

(...) Na Guiné, a distância obrigou a que fosse o navio de carga ‘Ponta de Sagres’  [ da Portline] o primeiro a tirar portugueses de Bissau.

Contrariando o noticiado na época, o comandante do ‘Ponta de Sagres’ afirma que o navio não foi mobilizado. “Tínhamos carga para Bissau e fundeámos no limite das águas territoriais”, conta Hélder Almeida (#). Foi Stanley Ho – o magnata de Macau e principal accionista da Portline – quem assumiu todos os riscos da operação.

“A Embaixada (##), que tinha os contactos de toda a gente, foi inexcedível no apoio”, garante o refugiado ‘Amir’ Carmali. Os estrondos da guerra aterrorizavam. Mais: tinha chegado o momento de abandonar as casas. A representação portuguesa aconselhou-os a levar panos brancos e pertences leves. Correram até à Sé de Bissau, que servia de ponto de encontro, e seguiram para o cais. “Estavam lá centenas e centenas de pessoas brancas, pretas, tudo.”

Dia 11, perto da hora de almoço (cinco dias depois do estalar da crise) zarpou a ‘Vasco da Gama’. Antes, às 09h00, o ‘Ponta de Sagres’ avançou para Bissau. “Tive noção do risco. Mas decidi sozinho, porque há alturas em que o comandante decide sozinho.” Chegados ao cais, dois navios, um cubano e outro russo, cerravam o espaço. Mais de seis horas depois, o russo cedeu lugar ao cargueiro – ainda com 300 contentores cheios de alimentos, material de construção, roupa e outros produtos. O embaixador Henriques da Silva e a cooperação portuguesa assistiram ao embarque e à filtragem de refugiados feita por senegaleses. Só embarcavam portugueses e cidadãos de países amigos.

“Íamos de calções e camisa; o calor apertava”, conta ‘Amir’, que agarrava apenas uma garrafa de água e um saco com o que se salvou. Para trás, o irmão deixava negócios de importação e exportação. “No porto, as granadas caíam muito perto – nem na Guerra Colonial em Moçambique vi bombas cair tão perto.” Soavam alertas; o chão e o ar vibravam assustadoramente; o assobiar dos tiros atirava os refugiados, encobertos pelas mãos na nuca, para terra. Os estrondosos morteiros só encontravam resposta nos gritos de pânico.

‘Amir’ e mais 30 refugiados, zarparam à boleia do navio russo que transportava para a Índia as cinco mil toneladas de castanha de caju, vendidas por ele e o irmão. Foram para Banjul, Gâmbia. À partida, antes de darem lugar ao ‘Ponta de Sagres’, o agora dono de um restaurante lisboeta, com 54 anos, disse: “Olha, oh Deus, nós já estamos a safar-nos. Agora, Ajuda estas pessoas.”

No ‘Ponta de Sagres’ caberiam cerca de mil pessoas. Embarcaram 2250. Os refugiados, de 30 nacionalidades, fizeram 24 horas até Dacar, no Senegal. “A bordo, a habitabilidade era precária: casas de banho, só algumas mulheres e crianças lá chegaram; eles faziam onde calhava; as messes foram abertas também às mulheres e crianças com alimentação à base de massas, grão e bolachas; à noite passaram frio e, muitos, fome e sede; devem ter dormido sentados”, conta o comandante.

Dia 15 de Junho de 1998, a ‘Vasco da Gama’ entrou em águas territoriais da Guiné – o pior dia, o do ataque da Junta Militar ao quartel de Brá e ao aeroporto. “Estivemos sempre sob ameaça e a própria Força Naval foi bombardeada e alvo de morteiros”, lembra o oficial de operações do Estado Maior. 

Durante os 44 dias de missão foram evacuados, em 23 operações, 1237 refugiados. A fragata ‘Vasco da Gama’, as duas corvetas ‘João Coutinho’ e ‘Honório Barreto’ e o reabastecedor ‘Bérrio’ foram a localidades distantes, como Bubaque, Ponta do Biombo, Varela (**) e Rápidos do Saltinho, buscar pessoas. Faltou um navio polivalente à Marinha.

 (...) Uma semana depois de terem começado os confrontos na Guiné, a população da capital guineense baixou de 300 mil para 130 mil residentes. Fugiram para o interior do país.

“Quando a fragata ‘Vasco da Gama’ se fez ao mar, parti para o Senegal com uma equipa médica e jornalistas”, relata o então secretário de Estado das Comunidades. “Levava um telemóvel satélite para me manter em contacto com o MNE.” O embaixador português em Dacar estabeleceu a ligação entre os refugiados e os voos da TAP que os trariam, sãos e salvos, para o nosso País.

No centro de refugiados, em Dacar, “fomos bem tratados”, garante ‘Amir’, embora muitos portugueses se tivessem queixado das condições. Havia um pavilhão amplo e cheio de camas de campanha para descansarem; comiam ração de combate e uma refeição quente por dia. 

Mais tarde, com as saudades a apertar, embarcaram com destino ao Aeroporto Militar de Figo Maduro, Lisboa. As autoridades verificaram os documentos; os refugiados descansaram e alimentaram-se; quem não tinha casa em Portugal recebeu dinheiro, alimentos e produtos de higiene.

A missão na Guiné terminou com recordações amargadas pelas circunstâncias, mas felizes pelo sucesso no resgate de 3487 refugiados. 

Na semana passada, o ‘Intrex’ deu provas da capacidade de reacção da Armada. E a ‘Vasco da Gama’ seguiu para o Mediterrâneo Ocidental para integrar uma força com o porta-aviões espanhol ‘Príncipe das Astúrias’, em mais um exercício. (...)

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Notas do CM e do editor LG:

(#) Hélder Almeida, de 64 anos, comandava o navio de carga ‘Ponta de Sagres’, durante o resgate na Guiné. Recebeu de Jorge Sampaio, ex-Chefe de Estado, a Ordem Militar de Torre de Espada.

(##) Recomanda-se a leitura dos 3 postes que aqui publicámos há mais de 10 anos sobre a origem deste conflito político-militar... São da autoria do antigo embaixador português e nosso camarada Francico Henriques da Silva, membro da nossa Tabanca Grande:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7814: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (2) (Francisco Henriques da Silva)

19 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7818: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (3) (Francisco Henriques da Silva)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)

 (**) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23082: Antologia (84): Poema dedicado ao Tono d'Amelita, meu companheiro de carteira no velho colégio, morto em combate em Moçambique (Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3853, Aldeia Formosa, 1971/73)

(***) Vd. CM - Correio da Manha - Guiné em Tróia a ferro e fogo: A operação que levou a Marinha à Guiné, em 1998, é mais do que uma memória: é um exercício militar para testar a capacidade de reacção rápida. 18 de Fevereiro de 2007 às 00:00