terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25168: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte III: a CCAÇ 3545, de Canquelifá, no início de abril de 1974, "à beira da exaustão física e emocional"


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza  (*).

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A 23ª hora, a das "hienas", o da "lobo" (nome da hiena na Guiné-Bissau, conforme a linguagem dos contos populares em crioulo)...

Também o último governador e com-chefe do CTIG, gen Bethencourt Rodriges, subtituto do lendário Spínola, teve a sua 23ª hora...  E acabou por ser derrotado não pelos "leões", mas pelas "hienas"...

Sem querer denegrir a sua folha de serviços (foi um brilhante militar, como tantos outros   
que "serviram Portugal em África", uma frase "redonda" e "barroca"...), achamos que foi sobretudo um erro de "casting": acabou por ser sacrificado no "altar da Pátria" pela visão míope de um senhor professor catedrático, especialista em direito administrativo, Marcello Caetano, delfim mal amado de Salazar, prisioneiro da extrema-direita do regime do Estado Novo, a quem faltou o golpe de génio, a grande leitura da história de Portugal e do Mundo, o rasgo de liderança dos "homens grandes" da Pátria,  para enfrentar, ética, moral, estratégica e politicamente, uma situação de guerra que se estava a degradar a olhos vistos, nomeadamente na Guiné e em Moçambique...  

O "herói do leste de Angola", o gen Bethencourt Rodrigues, o melhor do seu curso da Escola do Exército (que reminou em 1939),  atolou-se nas "bolanhas" da Guiné, e nas arnadilhas da política (ou do seu vazio...) e sobretudo foi incapaz de acrescentar um "suplemento de alma" a um exército (metade metropolitano e metade guineense, como ele ele próprio reconheceu mais tarde, em 1977, no seu "testamento político-militar" ("traído, vencido e pouco convencido") (**),  que estava cansado da guerra, e de combater sem um fim à vista e sem novos meios para fazer frente à nova estratégica do PAIGC (e dos seus poderosos aliados), que era a do tradicional "bate e foge", mas agora a partir das fronteiras (refugiando-se impunemente nos seus  santuários do Senegal e da Guiné-Conacri, onde Portugfal não poderia atuar, retaliando, sob pena de graves sanções internacionais, e de escalada do conflito,  sobretudo depois da desastrada Op Mar Verde, de 22 de novembro de 1970).

Nada correu bem a Bethencourt Rodrigues, para mais quando vai tomar posse a seguir à declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau, e passado um mês e tal  começa a "época seca" (novembro-maio), altura em que o "urso" do PAIGC saía da sua letargia,,, retomando a sua atividade operacional... As "hienas" sempre foram um predador oportunístico... E o Amílcr Cabral, nunca tendo "cão", depressa ensinou os seus correlegionários a caçar com "gato"...

Bethencourt Rodrigues podia ter fechado a guerra com chave de ouro, abrindo as portas da paz e da solução política, negociada, do conflito, eventualmente com intermediação internacional... Mas, não, foi mais um militar político,  prisioneiro da estratégia suicidária do "orgulhosamente sós"...Em 26 de abril de 1974 acaba "nas teias da traição"... Sem honra nem glória. (*)

Mas voltemos à situação no terreno: o próprio general reconhece que "a gravidade (sic) da situação  militar que se vivia na Guiné nº 1º trimestre de 1974" (in "África: a vitória traída", op. cit, 2007, pág.  140).  E a prova disso foi a obssessão do general com a alterações do dispositivo: "planeava converter as 225 guarnições em 80 e tal. A dispersão é inimiga da eficácia. Mas já não tive tempo" (disse ele, nos "Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues, link infelizmente descontinuado e não salvagurdao pelo Arquivo.pt) (***).

2. Tomemos um exemplo, constante do livro da CECA  (2015), onde se dá conta das dificuldades das NT no nordeste da Guiné (CAOP 2): por exemplo, a CCAÇ 3545 (Canquelifá) / BCAÇ 3883 (Piche) estaria mesmo "à beira de uma ataque de nervos" (isto é, isto é, com sinais gritantes de exaustão física e emocional) (****).


"Decisões do Comandante-Chefe

"Não foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG
relativas a 1974. No Arquivo Histórico-Militar estão compiladas decisões do
Cmdt-Chefe.

"Apresentam-se as mais importantes (pág. 462):

(...) • Decisão de 2Abr74 - Alteração do dispositivo (pp. 470/471)

"1. Por decisão de 1Abr74, foi o CAOP 2 reforçado com 2 CCaç Paras / BCP 21 a seguir por meios fluviais, em 3Abr, e determinando que constituísse, no mais curto prazo, com tropa da zona, uma reserva com efectivo mínimo de 3 GComb para alternar ou reforçar a acção do BCP 12.

2. Entretanto foram recebidas mensagens da CCaç 3545 (Canquelifá), do BCaç 3883 (Piche) e do CAOP 2 (Nova Lamego) do seguinte teor:

a. Da CCaç 3545: NT completamente extenuadas psicofisicamente não permitem que se desenvolva uma reacção conforme situação.

NT estão a revelar indícios de intoxicação causados por gazes libertados sentindo vómitos e náuseas. Solicito intervenção imediata forças especiais durante longo período de tempo e reforço esta com mais 1 CCaç. Para cumprimento eficaz missão que está incumbido este Comando cumpre-lhe expor situação para salvaguardar defesa mesmo.

b. DO BCaç 3883: CCaç 3545 revela situação psicológica pessoal altamente preocupante receando-se reacções incontroláveis e imprevisíveis caso futuras flagelações. Solicito imediata decisão fim garantir segurança e acautelar desenvolvimento situação de gravíssimas consequências à qual não poderemos fazer face.

Insisto necessidade urgentíssima resolução propostas urgente rendição CCaç 3545 e intervenção Canquelifá Flnterv.

c. Do CAOP 2: Virtude potencial revelado pelo ln este Comando não tem possibilidade de fazer face à situação.

3. Em conformidade, em reunião de Comandos no Cmd-Chefe em 021000Abr74, decidi o seguinte:

a. Fazer deslocar durante o dia 2Abr    por via aérea conforme solicitado pelo Cmdt do CAOP 2 dada a extrema gravidade da situação (Msg referida em 2. a.);

b. Fazer deslocar cerca 10Abrpara a Zona Leste a 1a/BCaç 4516/73 comandada pelo oficial de operações do Batalhão.

470

Esta CCaç, reforçada com 1 GComb do BCaç 3883, deverá render em Canquelifá as CCaç 3545 e 33/BCaç 4516/73, à ordem do Cmdt CAOP;

c. A CCaç 3545 fica estacionada em Piche mantendo-se integrada no BCaç 3883;

A 33/BCaç 4516/73 recolhe a Bissau logo que rendida, conforme instruções especiais para o deslocamento;

d. Fica ao critério do Cmdt do CAOP 2 a troca da guarnição do Pel Art de Canquelifá pela do Pel Art de Piche.

4. O CTIG dará instruções de carácter administrativo logístico. [... ]"

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp. 462 e 470/471.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I 

(**) Vd, no livro escrito a quatro mãos, "África: a vitória traída" (Lisboa, Editorial Intervenção, 1977, 276 pp.): o depoimento do gen Bethencourt Rodrigues sobre a Guiné (pp. 103-143).

(***) Vd. poste de 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13097: (Ex)citações (230): Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues (Excertos, com a devida vénia...)

Guiné 61/74 - P25167: Manuscrito(s) (Luís Graça) (245): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina': 2. O autoritarismo sanitário do Estado Novo


O manual escolar mais famoso do Estado Novo. Da autoria de Barros Ferreira. Ilustrações do talentoso artista "Emmérico", Emérico Hartwich Nunes. 4ª edição, Porto Editora, 1958. Reimpressão, Editora Educação Nacional, janeiro de 2008.  Era o manuel mais "ideológico" da nossa instrução primária, mas era também aquele de que eu mais... gostava.



Capa do livro do musicólogo Luís Moita (1894-1967): O Fado, canção de vencidos: oito palestras na Emissora Nacional. Lisboa:  [s.n.] [Lisboa, Oficinas Gráficas da Empresa do Annuário Comercial], 1936, 357 páginas. Ilustrações de Bernardo Marques (1898-1962). 

Foi, na época, o inimigo público nº 1 do fado... "Enquanto cantamos o Fado, de cigarro ao canto da boca, olhos em alvo e paixão a arrebentar o peito, não passamos de um povo inferior, incapaz de compreender a vida moderna das nações civilizadas. Por isso repito aos rapazes  [da Mocidade Portuguesa] : ' Não cantem o Fado!' " (pág. 229). 

Tanto à esquerda como à direita, em diferentes quadrantes político-ideológicos, o fado nunca foi bem aceite pelas elites portuguesas... a não ser mais recentemente com a sua consagração como "património  imaterial da humanidade, pela UNESCO (2011). (Temos mais de 7 dezenas de referèncias com o "tag" ou descritor "Fado")


1. Comecei publicar no blogue, desde meados de março passado, uma série de textos, da minha autoria, sobre as ensinamentos que se podem tirar dos provérbios populares portugueses, nomeadamente sobre a saúde, a doença, os hospitais, os prestadores de cuidados de saúde (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, enfermeiros, terapeutas, etc.), mas também sobre a proteção e a promoção da saúde, incluindo a vida, o trabalho, o envelhecimento ativo e a "arte de bem morrer"...

São textos com cerca de 25 anos, que constavam da minha antiga página na Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa (ENSP/NOVA). A págima foi recuperada pelo Arquivo.pt: Saúde e Trabalho - Luís Graça (página pessoal e profissional cuja criação remonta a 1999).

Dediquei uma boa parte da minha vida (quase quatro décadas) ao ensino e à investigação da arte e da ciência da proteção da doença e da promoção da saúde, o mesmo é dizer às "coisas" da saúde pública... Não gostaria que alguns dos muitos textos que escrevi (em suporte de papel, e em formato digital) se perdessem, independentemente do interesse que ainda possam ter hoje. Não os vou atualizar (em termos de bibliografia, etc.).  Poderão interessar a alguns leitores do nosso blogue, mesmo não tendo a ver, pelo menos diretamente, com a Guiné e a guerra que lá travámos... Ou terão mesmo ? Tudo depende das "grelhas de leitura" de cada um... 

Contando com a complacência (e sobretudo com a cumplicidade) dos nossos leitores, espero, ao menos, que a sua leitura possa ter algum proveito.   Por outro lado, o nosso blogue já atingiu, na Internet, a "terceira idade": vai fazer 20 anos (!) em 23 de abril de 2024 (se lá chegar, se lá chegarmos). E tem que ser "alimentado" todos os dias, com pelo menos três ou quatro postes... Estes textos também funcionam, às vezes,  como uma espécie de "tapa-buracos"... Estão a ser publicados na série "Manuscrito(s) (Luís Graça! (*).

Luís Graça (2000)
Representações Sociais da Saúde, da Doença e dos Praticantes da Arte Médica.



2. O autoritarismi sanitário em Portugal (Estado Novo, Séc. XX)


Os ensinamentos da Escola de Salerno  (**) são tardiamente retomados, entre nós, no célebre livro de Francisco da Fonseca Henriques (1665-1731), a Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde (Lisboa, 1721): Médico da corte de D. João V, também conhecido por Mirandela (cidade de onde era natural), Francisco da Fonseca Henriques "cita os princípios que a Escola de Salerno indicava para conservar a saúde e as seis coisas que era preciso ter em conta para o seu bom uso e administração" (Lemos, 1991, Vol. II: 143), a saber:

  • O ar e o ambiente;
  • O comer e beber;
  • O sono e a vigília;
  • O movimento e o descanso;
  • Os excretos e os retentos;
  • As paixões da alma.

A Anchora Medicinal é um dos mais conhecidos tratados de higiene do Séc. XVIII, tendo tido quatro edições entre 1721 e 1754. Embora não sendo um livro propriamente original, seriam dignos de nota, na opinião do conhecido historiógrafo médico (Lemos, 1991) , os "capítulos relativos aos alimentos e bebidas em particular": neles se dão conta de "grande número das substâncias alimentares que entre nós eram e são consumidas". 

É de presumir que Francisco da Fonseca Henriques conhecesse a edição original, em latim, do Regimen Sanitatis Salernitanum, ou das suas muitas versões (em latim e línguas vernáculas) que nessa altura corriam no Ocidente.

Nos conselhos para conservar a saúde e "viver largo tempo" (sic), indicavam-se invariavelmente a dieta moderada e a vida regrada ("Para longa vida regra e medida no beber e na comida"). Obviamente, tais conselhos "destinavam-se especialmente às classes abastadas", havendo pouca [ou nenhuma] preocupação com a alimentação e outras condições de saúde das classes populares (Ferreira, 1990, p. 192, itálicos nossos), incluindo as condições de trabalho cujo estudo só muito mais tarde, lá para o final do Séc. XIX, é que começa a interessar um ou outro médico (por ex., Miguel Bombarda, João Ferraz de Macedo) (Mira, 1947).

Diga-se a propósito, que ainda não encontrámos referência, na nossa literatura médica até à alvorada do Séc. XX, ao papel pioneiro de B. Ramazzini (1633-1717) e ao seu tratado sobre as doenças dos trabalhadores: De morbis artificum diatriba (1700; ed. rev., 1713).

A repulsa pelo trabalho manual é, de resto, um traço que distingue a sociedade senhorial (aristocrática, fundiária) da sociedade liberal (burguesa, capitalista, industrial), e que está bem patente em provérbios tais como (Quadro XIII, em anexo):

  • "Dá ofício ao vilão, conhecê-lo-ão";
  • "Deus ajuda a quem trabalha, que é o capital que menos falha";
  • "Há mais aprendizes que mestres" ;
  • "Mais vale bom administrador do que bom trabalhador";
  • "Mais vale um bom mandador que um bom trabalhador";
  • "Mão de mestre não suja ferramenta";
  • "Mãos de oficial, envoltas em sandal";
  • "Quem sabe de luta luta e quem não sabe labuta";
  • "Se o trabalho dá saúde que trabalhem os doentes";
  • "Sete ofícios, catorze desgraças";
  • "Só trabalha quem não sabe fazer mais nada";
  • "Trabalhar é bom pró preto";
  • "Trabalhar que nem uma besta";
  • "Trabalhar que nem um galego";
  • "Trabalhar que nem um mouro";
  • "Trabalhar que nem um negro";
  • "Trabalhar que nem uma puta";
  • Ou, ainda, como hoje se diz no Rio de Janeiro, "trabalho se fez para burro e português".

Essa repulsa pelo trabalho manual está bem patente na composição sociodemográfica das nossas misericórdias no Ancien Régime. Apesar de serem instituições de composição estatutariamente interclassista, estas confrarias só admitiam membros das elites locais (e do sexo masculino!) : nobreza e alto clero, por um lado; oficiais mecânicos, por outro, incluindo profissões as liberais - como o letrado, o jurista ou o físico (médico) -, os negociantes abastados, os mestres de oficina, os lavradores proprietários e categorias equivalentes.

De um modo geral, os oficiais mecânicos representavam a elite do artesanato urbano. Condição essencial para a sua admissão como irmãos na misericórdia local era não trabalhar por suas mãos, o que, pelo menos em teoria, implicava a categoria de mestre de oficina (Sá, 1996: 137. Itálicos nossos). Em teoria, porque na prática não era bem assim: vamos encontrar entre os irmãos das misericórdias categorias como os cirurgiões, os barbeiros-sangradores e os boticários que claramente trabalhavam por suas mãos (contrariamente aos médicos e aos juristas, por exemplo).

Séculos mais tarde, o Estado Novo saberia tirar partido, na formação ideológica dos portugueses (ou melhor, do "homem português"!), dos preceitos dos velhos higienistas e sanitaristas.  Em meados do século passado, ainda se ensinavam às criancinhas portugueses os aforismos atribuídos a Hipócrates (c. 460-c. 377 a.C.) ou à escola hipocrática, retomados mais tarde pela Escola de Salerno (!), justamente numa altura em que:

  • A taxa de mortalidade infantil era a mais alta da Europa (126 ‰ em 1940);
  • A esperança média de vida à nascença a mais baixa (48,6 anos para os homens e 52,8 para as mulheres, em 1940);
  • As condições de vida e de trabalho miseráveis, com a tuberculose a ser uma das principais causas de morte dos portugueses (200 mortes em cada 100 mil habitantes; 10% de todos os casos de morte).

Com a mais cínica das canduras defendia-se já então, num país que nem sequer tinha um ministério da saúde (!), a teoria do blaming the victim:

"Quando os homens (sic) chegam a velhos, é frequente ouvi-los dizer: Não há bem como a saúde; mas a gente só sabe o que ela vale, depois de a ter perdido para sempre. Eu, se agora começasse a viver, havia de ter mais cuidado" (Caixa 2, em anexo. Itálicos nossos).

Cuidar da sua saúde era responsabilidade principal do indivíduo e da sua família, cabendo ao Estado uma função meramente supletiva. Daí os conselhos dos higienistas de serviço: 

Se quiseres gozar de "saúde e alegria" até aos oitenta anos (!);

  • leva "uma vida regrada e higiénica";
  • depois, procura "viver em casa que tenha bom ar e boa luz";
  • a "vassoura" é importante para manter a higiene da tua casa;
  • mas, atenção!, "é o sol que destrói os micróbios";
  • também precisas de "bom ar";
  •  e, de preferência, deves "dormir em quarto que contenha pelo menos vinte e cinco metros cúbicos de ar por pessoa";
  • e, com o clima tão benigno que Deus nos deu, "o melhor é dormir de janela aberta" (!)

"Cuidar do corpo" (Caixa 3, em anexo) também fazia parte dos "preceitos de conservar a saúde", de uma maneira mais explícita do que "cuidar da alma" ou das paixões da alma. Assim, em caso de doença:

  • deves consultar o médico e não o curandeiro (sic), a bruxa, o endireita, a ervanária, etc.
  • e, antes de tomares qualquer remédio, lê com atenção o rótulo.
Mas o melhor é evitar as doenças,  e para isso deves:
  • não beber água fria;
  • não apanhar correntes de ar;
  • ser moderado na comida e, principalmente, na bebida;
  • lavar bem todo o corpo (e não apenas as mãos e a cara), com destaque para a cabeça que deve andar sempre limpa (leia-se: de parasitas...) e os cabelos penteados.

Last but not the least : meus queridos, "de pequenino é que se torce o pepino"! Ou seja: "Os hábitos de asseio contraídos em criança mantêm-se por toda a vida, e, além de auxiliarem a conservação da saúde, influem muito na consideração das pessoas que nos rodeiam" (sic).

Em suma, o projecto de educação sanitarista do Estado Novo não podia ser mais explícito: trata da tua saúde, trata do teu corpo, que nós depois tratamos do resto, ou seja, das paixões da alma... 

Era o mesmo projecto, tendencialmente totalitário, que levava, no ano da graça de 1936, o germanófilo (mas não necessariamente nazi...)  Luís Moita a gritar aos microfones da Emissora Nacional: "Rapazes, não cantem o fado!". 

Os rapazes eram a "Mocidade Portuguesa" (MP) que acabava de ser criada, no âmbito das reformas da "educação nacional", decretadas pelo poderoso ministro A. F. Carneiro Pacheco (1887-1957).

Organização de tipo miliciano, a MP visava o enquadramento político-ideológico da juventude, era de inscrição obrigatória para todos os estudantes do ensino primário e secundário, e potencialmente mobilizava todas as actividades circum-escolares: a educação cívica, o lazer, os cuidados de saúde, a preparação física, o dsporto, a formação política e militar, etc. (Rosas, 1994, pp. 282-283).

"Canção de vencidos", "cocaína de Portugal", o fado era visto por certas personalidades da direita integralista e nacionalista (incluindo escritores e musicólogos) como um "herança maldita vinda do ultramar" (referência ao lundum, "avô do fado", que nos terá chegado do Brasil, com o regresso da corte de D. João VI), subproduto de uma "raça abastardada" (sic) e que entre nós se havia expandido justamente "nos bairros onde, há trinta anos ainda, se albergavam o vício, o crime e a vadiagem" (sic!), em contraste com as "canções alemãs, fulgurantes e alegres" das cervejarias de Munique e dos wanderfogel (Moita, 1936, pp. 217-218).

Daí a cruzada do musicólogo e conferencista pela educação nacional contra a licença, pela saúde contra a deliquescente morbidez, pelo folclore nacional e pelo canto coral contra os "caldos de cultura" do fado gemido, de cigarro na boca e copo de vinho na mão, numa taberna imunda onde espreitavam o bacilo de Kock, a sífilis e até, hélàs!, as ideias subversivas no meio de versos heróicos, "entrelaçados na foice e no martelo" (sic)...

Em contrapartida, há um longo silêncio sobre as repercussões do trabalho na saúde. Só com o início da internacionalização da economia portuguesa, a partir de finais da decada d 1950 (enrada de Portugal na EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre), é que os homens do Estado Novo começam a manifestar preocupações com a elevada incidência de acidentes de trabalho e doenças profissionais como a silicose (nomeadamente nas minas e pedreiras, na construção civil, na cerâmcia, no vidro, na metalomecânica, etc.)

Na justificação da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, organizada dentro do melhor estilo propagandístico do Estado Novo, aponta-se para o facto de "a Nação [ vir ] sofrendo anualmente incalculáveis danos de ordem material e moral" (sic).. 

Sem citar números concretos, o Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo, não pode mais esconder a realidade da sinistralidade laboral: 

"Quem compulsar as estatísticas ou se der ao cuidado de tomar contacto com a vida dos tribunais do trabalho ficará impressionado ao verificar a frequência dos sinistros registados e a gravidade das suas repercussões, quer para os trabalhadores e suas famílias, quer para a economia nacional" (Do preâmbulo da Portaria nº 17118, de 11 de Abril de 1959. Itálicos nossos).


Caixa 2 - A higiene da casa

Quando os homens chegam a velhos, é frequente ouvi-los dizer assim:

Não há bem como a saúde; mas a gente só sabe o que ela vale, depois de a ter perdido para sempre. Eu, se agora começasse a viver, havia de ter mais cuidado.

Lembram-se então, quando já não há remédio, do mal que fizeram em não tratar da saúde.

Muitos nem precisam de chegar à velhice, para se sentirem gastos e doentes.

E, pelo contrário, há pessoas de oitenta anos que gozam de saúde e alegria como muitos jovens não têm. É que eles levaram uma vida regrada e higiénica.

O homem deve, pois, cuidar da saúde e esforçar-se por melhorar as condições da sua vida, para se tornar forte e sadio.

Primeiro que tudo, procure viver em casa que tenha bom ar e boa luz. Não se deve dispensar a vassoura, mas é o sol que destrói os micróbios, que se não vêem. É necessário que o sol entre em casa, para acabar com o bolor e a humidade, tão prejudiciais à saúde.

Também se precisa de bom ar.   Deve-se dormir em quarto que contenha pelo menos vinte e cinco metros cúbicos de ar por pessoa. Se o clima o permitir, o melhor é dormir de janela aberta.

Fonte: Livro de Leitura da 3ª Classe. ((Lisboa)): Ministério da Educação Nacional, s/d, p. 66 (Itálicos nossos)


Caixa 3 - Cuidemos do nosso corpo

Precisamos de cuidar do nosso corpo, para que não nos falte a saúde.

Se estamos doentes, devemos consultar o médico, porque só ele tem o saber necessário para averiguar a causa dos nossos sofrimentos e para nos curar. Evitemos, pois, os curandeiros que por toda a parte existem, sustentados pelos ingénuos que se deixam iludir com as suas palavras enganadoras.

Ao tomarmos os remédios, ou ao ministrá-los, é bom ler sempre os respectivos rótulos, para se evitarem confusões que podem ser fatais. Muitos doentes têm morrido envenenados com medicamentos tomados por engano.

Melhor ainda que tratar das doenças é evitá-las, não transgredindo os preceitos de conservar a saúde.

Não devemos beber água fria quando estamos a transpirar,  expor-nos a correntes de ar, para não darmos causa a resfriamentos ou pneumonias.

É preciso haver moderação na comida e principalmente na bebida. O alcoolismo é um vício horrível que todos os dias faz numerosas vítimas.

Todo o corpo deve andar sempre bem lavado, e não apenas as mãos e a cara; a cabeça precisa de  andar limpa, e os cabelos penteados.

Os hábitos de asseio contraídos em criança mantêm-se por toda a vida, e, além de auxiliarem a conservação da saúde, influem muito na consideração das pessoas que nos rodeiam.

Fonte: Livro de Leitura da 3ª Classe. ((Lisboa)): Ministério da Educação Nacional, s/d, p. 65 (Itálicos nossos)

(Continua)

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(**) Vd., poste anterior;

1 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25026: Manuscrito(s) (Luís Graça) (243): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina' 1. A arte de bem conservar a saúde

Guiné 61/74 - P25166: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: algumas notas biográficas I


Lisboa > Mesquita Central de Lisboa  > 20 de fevereiro de 2015 > O último adeus ao Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015) > Da esquerda para a direita, (i) Cor Ferreira A A Silva, (ii) sobrinho e (iii) filho do Amadú [que vive em Londres], (iv) José António A Pereira (da 38ª CCmds), (v) filho mais do Amadú [que vive em Lérida, Espanha], (vi) neta do Amadu, (vii) Saiegh (do BCCmds Africanos), (viii) Mário Dias, (ix) Virgínio Briote e (x) um outro guineense não identificado.

Foto (e legenda): © Giselda Pessoa (2015).  Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Mesquita Central de  de Lisboa > 20 de fevereiro de 2015 > O último adeus ao Amadu Bailo Jaló > Da esquerda para a direita, Jaquité (fur cmd BCmd da Guiné), cor cmd Raul  Folques (cmdt BCmds da Guiné), Amílcar Mendes e José António Pereira, ambos da 38ª CCmds, Virgínio Briote.

Foto (e legendagem): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 Capa do livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) 




O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Ainda com base no manuscrito, digitalizado, do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) (*), vamos publicar os "Anexos" (pp. 287-299)

O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra , facultou-nos uma cópia digital. (O Virgínio, com a sua santa paciência e a sua grande generosidade, gastou mais de um ano a ajudar o Amadua a pòr as suas memórias direitinhas em formato word, a pedido da Associação dos Comandos, a quem, de resto, manifestamos também o nosso apreço e gratidão...).

O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de 120 referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar. As folhas manuscritaas foram entregues ao Virgínio Briote com a autorização para as transcrever (e eventualmente publicar no nosso blogue). Desconhecemos o seu conteúdo, mas já incentivámos o nosso coeditor jubilado a fazer um derradeiro esforço para transcrever, em word, o manuscrito do II volume (que ficou incompleto). E ele prometei-nos que ia começar a fazê-lo, "para a semana"...

Anexos


I. Algumas Notas sobre o Amadu Bailo Djaló (pp. 288/289)

(i) Amadu Bailo Djaló nasceu em Bafatá, em 1940;

(ii) filho de Cherno Iaia Djaló e de Ana Condé;

(iii) aos 14 anos, o irmão mais velho levou-o para Boké, para casa de um tio, de onde era natural a mãe; o pai era de Fulamorie, também da República da Guiné-Conakry.

(iv) um ano depois regressou a Bafatá; aos 16 anos conheceu, pela primeira vez, Bissau e um ano depois Bolama;

(v) desde muito jovem quis ganhar dinheiro e ser independente: começou por organizar bailes e festas, juntamente com um primo, para a juventude de Bafatá, a quem cobrava as entradas; as meninas de então chamavam ao Amadu Mari Velo;

(vi) enquanto não foi incorporado, foi trabalhando na construção civil, primeiro no Gabu, como capataz, um pouco mais tarde em Bafatá (estávamos em 1958);

(vii) nos princípios de janeiro do ano seguinte, regressou a Bafatá; como sabia ler e escrever, foi para a campanha da mancarra; aos 20 anos quis dar um salto, tornar-se verdadeiramente independente: conseguiu abrir uma banca para negociar no Mercado de Bafatá;

(viii) mas a incorporação estava à porta: recenseado pelo concelho de Bafatá, sob o nº 21 em 1962, foi alistado em 04jan62, como voluntário, no Centro de Instrução Militar;

(ix) depois da recruta em Bolama, seguiu-se o CICA/BAC, em Bissau, depois Bedanda na 4ª CCaç, a 1ª CCaç em Farim;

(x) regressou à CCS/QG, depois os Comandos de 1964 a 1966, voltou à CCS/QG, depois os BCav 757, BCac1877, BCav1905 e BCac2856, todos sediados em Bafatá;

(xi) em meados de Jul69foi transferido para a 15ª CCmds, seguindo-se então a 1ª CCmds Africanos, o BCmds da Guiné e a CCaç21 (base em Bambadinca) até ao 25 de Abril de 1974;

(xii) foi promovido a 1º Cabo em 1Jan66 e louvado pelas actuações em operações no ano de 1966; novamente louvado em 1967, em OS do BCaç1877, de 30Set67, pelo seu comportamento em acções de combate durante o ano de 1967 (07Jan/24Set67);

(xiii) foi graduado em furriel em 6Fev70 e 2º Sargento em 7Nov71, tendo sido louvado pelas acções em que participou durante o ano de 1972. Condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª Classe em 1973[1].

(xiv) foi novamente graduado em alferes em 28Jun73; pela sua actuação nas operações durante o ano de 1973 recebeu novo louvor.

(xv) Passou à disponibilidade em 01Jan75, devido à independência do território da Guiné.

A carreira militar de Amadu Bailo Djaló em datas:

  • 1º Cabo em 1Jan66;
  • Furriel Graduado em 6Fev70;
  • 2º Sargento Graduado em 7Nov71;
  • Alferes Graduado em 28Jun73, até à passagem à disponibilidade;
  • Desgraduado (sem o seu acordo), por despacho de 18Nov86, com efeitos a partir de 1Jan75, regressando ao posto de 1º Cabo, posto que possuía antes das sucessivas graduações;
  • Presente á JHI / HMP em 19Mar87, foi julgado apto parcialmente para o trabalho, com a desvalorização de 23,5% por agravamento de ferimentos em combate. [2] 
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Notas do autor ou do editor:

[1] Nos 8 tomos 
do 5º volume da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974  - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) (...) , não existe referência à referida condecoração.

[2] Estes dois últimos parágrafos não constam da edição em papel (pág. 289). (LG)

(Revisão / fixação de texto: LG)
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(**) Sobre a infância, adolescência e juventude antes da tropa, vd, os postes:


(...) A minha família era da Guiné Francesa. O meu pai, Tcherno Iaia Tata Djaló, nasceu em 1895, em Tata Fulamori, a meia dúzia de quilómetros de Piche, e a minha mãe, Ana Condé, que nasceu em 1904, era da vila de Boké. O meu pai amava muito os seus filhos, era um homem que estou sempre a recordar. Trabalhou muitos anos como empregado de balcão numa loja de um libanês, de nome Assad. (...)

26 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte V: a juventude antes da tropa, quando o pai sonhava para ele uma grande carreira no exército francês

(...) Dizia-me que não queria que eu fizesse tropa no exército português, pois nunca passaria de cabo. Falava-me disto como se fosse um segredo. Que, em consultas que tinha feito, tinha visto para mim um posto brilhante, com galões, que na Guiné nunca eu viria ter. Que preto não conseguia postos desses na Guiné.(...)

Guiné 61/74 - P25165: Parabéns a você (2246): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367 / BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

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Nota do editor

Último post da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25154: Parabéns a você (2245): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25164: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (25): A mercearia e a taberna da aldeia (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)



O tempo em que se fumava, e a "arraia-miúda" os "três vintês" (passe a publicidade, que agora é proibida...mas a marac já não exite), um cigarro baratucho, sem filtro,  que ia bem com um "neguinhos" (pequeno copo de tinto,  usado nas tabernas no Norte, vocábulo que ue ainda não foi grafado pelos nossos dicionaristas)... (Cortesia do Joaquim Costa.)

 
Coisas & loisas do nosso tempo de meninos >   A mercearia e taberna da aldeia

por JoaquimCosta  (*)


Ainda o sol se escondia atrás do monte de Nossa Senhora da Assunção, já o Zé tirava a grande tranca da porta da mercearia junto à qual já um grupo de homens,  com o cigarro "três vintes" a queimar-lhes os dedos,  o esperavam para o mata-bicho da manhã. Dois copinhos de "cachaça".

Uns de bicicleta e a maioria a pé lá abalavam para mais uma jornada de trabalho, vomitando fogo dada a pureza da aguardente branca das uvas verdes.

Da minha memória de infância tenho bem viva a importância da mercearia da aldeia, que rivalizava com a da igreja. Antes da missa, um "neguinhos" para apaziguar a tosse e depois da missa para encontrar o caminho para casa.

Eram as duas instituições mais importantes da aldeia: uma alimentava a alma e a outra o corpo (A César o que é de César a Deus o que é de Deus!). Razão pela qual o padre e o dono da mercearia eram as pessoas mais respeitadas na terra. Mais do que a do próprio regedor!

Havia mesmo uma grande cumplicidade entre estas duas instituições ao ponto de a festa da Páscoa entrar na taberna dando a cruz a beijar aos mais renitentes e o dono da mercearia ser sempre convidado para mordomo da festa em honra do santo padroeiro da terra.

Ainda muito novo me dei conta da miséria que reinava na maioria das famílias, assistindo com um nó na garganta às lágrimas das mulheres suplicando ao Zé fiado para um naco de pão, um naco de bacalhau e uma mão de arroz para o almoço que levavam aos maridos que trabalhavam numa pedreira de extração de granito. O Zé,  sempre dizendo que não, dada a dívida acumulada, mas sempre cedendo.

Tivesse ele recebido todas as dívidas que constavam no livro dos "assentos" e hoje eu seria um homem rico.

Durante a tarde a mercearia parecia um galinheiro (dizia o Zé), dado a algazarra que faziam as mulheres.

Para além do trabalho,  havia muitos momentos de diversão com as conversas sem filtro de todo aquele "mulherio" ali reunido, em que muitas vinham comprar o que não precisavam só para participarem naquele extraordinário "fórum".

A partir das 19horas chegavam exaustos os homens e aí confraternizavam, jogando as cartas (e bebendo), jogando dominó ( e bebendo),  cantando ao desafia (e bebendo), e às vezes zangando-se, lutando e depois fazendo as pazes bebendo. Regressavam a casa com um (ou muitos) grãos na asa, mas recompostos de mais um dia de trabalho. Este "fórum" era muito mais difícil de controlar...

Aos domingos, depois da missa das sete, aqui se juntavam todos os homens da aldeia dispersando-se pelas diferentes tarefas: 

  • uns faziam fila junto do engraxador para limpar os sapatos de domingo; 
  • outros faziam fila no barbeiro aparando o cabelo e o bigode; 
  • outros participavam na reunião do clube da terra – os mais jovens carregavam os seis paus e abalavam para o campo da Bela (terreno baldio) para o treino da equipa da aldeia; 
  • outros jogavam a malha e às vezes ao galo com setas de pressão de ar;
  • outros participavam na reunião semanal da "Caixa dos vinte amigos" (no fundo era uma réplica de um banco onde cada um pagava uma quota mensal, e onde os mais abastados depositavam determinadas quantias pelo qual recebiam juros; em função do valor em caixa faziam-se empréstimos a juros negociados; na época ainda a D. Branca não tinha nascido!)

Era aqui, na mercearia/taberna onde tudo acontecia. Era a vida da Aldeia.

Aqui não havia lugar para advogados e juízos, todas as desavenças eram resolvidas com muita gritaria, zaragatas – larga-me que eu vou-me a ele!  – e decididas em última instância pelo dona da mercearia ou pelo "supremo", o padre.

Numa das desavenças mal resolvidas, um habitante frequentador assíduo da taberna, consumidor de "neguinhos" (pequenos copos de vinho), enquanto todos bebiam em canecas de porcelana com uma cinta metálica, resolveu ir à vila ouvir a opinião de um entendido sobre leis. 

A consulta teve lugar num café onde não se vendia vinho pelo que (em Roma sê romano), pediu café. Por cada cigarro "três vintes",  pedia um café, tal como  se fossem os "neguinhos" da tasca. Bebeu tantos cafés quantos os cigarros do maço. Obviamente o organismo rejeitou o produto que desconhecia, pelo que teve de ser levado de urgência ao hospital para uma lavagem ao estômago. 

Regressou na ambulância tendo indicado a tasca como sua residência, e convidando no fim os bombeiros para beberem uns "neguinhos" consigo...


(i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem mais de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022) , e que depois publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp);

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto;

(v) foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar  (EG nº;

(vi) minhoto, de Vila Nova de Famalicão , vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo;

(vii) tem página no Facebook.


(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)


2. Comentário do editor LG:

Quim, escangalhei-me a rir com essa  cena dos "três vintes", dos cafés e dos "neguinhos"... É humor de cinco estrelas!... Tens graça, sem achincalhars ninguém, muito menos a gente trabalhador e humilde da tua terra..  

E, olha, os putos de etnografias, sociologias, antropologias, etc.,  bem podem aprender contigo a fazer "observação-participante"!... É uma peça de antologia: partindo do prncípio que tenho "carta branca para, de vez em quando,  te trazer "ao colo" até ao blogue, achei que esta pequena pérola não era para os "porcos", fica aqui também registada na série onde já tens colaborado, "Coisas & loisas do nosso tempo de meninis e moços" (**)... 

Quim (agora avô babado e "feicebuqueiro" de sucesso...),  há coisas que não voltam mais!... Cheiros, sabores, odores, lugares, personagens, palavras, expressões, cenas pícaras como estas... E que têm de ficar registadas para os nossos netos... 

Uma delas é essa "instância de socialização" que era a venda, nas nossas aldeias, de Norte a Sul, misto de taberna e de mercearia e nalguns casos "posto dos correios"), com espaços segregados conforme o sexo... 

A mim a tasca cheira-me sempre a sarro, a serradura,a lexívia e a fritos..Que Deus e os santos não te tirem a inspiração, a motivação e o talento para contar estas micro-histórias!... O "nosso alfero Cabral" vai também escangalhar-se a rir, lá na sua "suite" celestial...  Boa terça feira gorda, meu amigo e camarada!

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Notas do editor:

(*) Reproduzido com a devida vénia da página do Facebook de Joaquim Costa, 3 de janeiro de 2024, 11.57  > Memórias "boas" da minha infància >  A mercearia /taberna

Guiné 61/74 - P25163: Notas de leitura (1666): "Nas Três Frentes Durante Três Meses, Toda a Verdade da Guerra Contra o Terrorismo no Ultramar", por Martinho Simões; Empresa Nacional de Publicidade, 1966 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Já aqui estavam referenciados alguns apóstolos da hagiografia jornalística, caso de José Manuel Pintasilgo, Horácio Caio, Dutra Faria, Amândio César. Inesperadamente, surgiu-me este trabalho de Martinho Simões, era inevitável que o trouxesse ao vosso conhecimento. Andou muito de quartel em quartel, graças à DO. Nunca se fala em bombardeamentos, nos nossos mortos e feridos, não há descrição de um aquartelamento, as conversas ficam circunscritas aos oficiais, dá como inteiramente fidedignos os comentários de quem lhe faz os briefings; não há quartéis do PAIGC dentro do território, são sempre bandoleiros que batem e fogem para o Senegal ou República da Guiné; Amílcar Cabral é um fantoche do comunismo, um traidor e um renegado, tem sofrido tanta deceção e repúdio das populações que é cada vez mais difícil recrutar gente para o terrorismo. É mais uma relíquia para juntar às outras. E a sua proposta para a existência de correspondentes de guerra não foi levada a sério.

Um abraço do
Mário



Martinho Simões, enviado especial do DN na Guiné, 1965

Mário Beja Santos

Sob a forma de livro, com o título "Nas Três Frentes Durante Três Meses, Toda a Verdade da Guerra Contra o Terrorismo no Ultramar", por Martinho Simões, Empresa Nacional de Publicidade, 1966, temos agora acesso às reportagens do enviado especial do DN a Moçambique, Angola e Guiné, em 1965, todas elas publicadas no jornal Diário da Avenida da Liberdade.

 Naturalmente que é uma obra apologética, combatemos terroristas, bandidos que têm bases perto das fronteiras das nossas colónias, felizmente que eles têm pouquíssimo apoio das populações que preferem a soberania portuguesa. Desconhecia inteiramente esta obra, faz todo o sentido aqui se deixar do seu conteúdo as ideias principais. Tinham dito a Martinho Simões (e ele reconhece que não passava de boato malévolo) que as populações guineenses viviam apavoradas; que os nossos soldados não se atreviam a sair dos quartéis; que os terroristas se não eram os senhores da guerra, tomavam, contudo, iniciativas que traziam a marca da confiança que nasce da superioridade; e que uma parte da província caíra em poder do inimigo. Ora a verdade desfaz o boato e a verdade disseram-lhe oficiais com quem contatou logo à chegada, mesmo o general Arnaldo Schultz. Não teve quaisquer restrições no seu trabalho, e apresenta o leitor a Guiné, a superfície, as etnias, a quase total lealdade a Portugal. Seja como for, a luta era dura e cruel, estes comunistas às ordens de Moscovo procuravam metodicamente a subversão.

Alude à História da Guiné, não deixa de se assombrar com a mistura de povos, refere o portuguesismo dos comerciantes da Guiné depois de nos dizer que os nativos eram os donos de todo o território da Guiné. Não sei onde é que ele foi buscar a convicção de que Barbosas & Comandita foi a primeira firma a hastear a bandeira nacional em território guineense, em 1920 já António da Silva Gouveia tinha empresa; e refere as obras sociais de grande significado de Barbosas & Comandita, da Casa Gouveia e da Sociedade Comercial Ultramarina; Martinho Simões esteve no Ilhéu do Rei e pôde apreciar o centro industrial da Casa Gouveia. Tece louvores ao trabalho do Movimento Nacional Feminino na Guiné, à sua importante atividade de assistência à família, lembranças aos militares, o seu serviço de contencioso, a sua intensa atividade em apoio das subvenções e pensões.

Vai de DO até perto da fronteira, nunca ficaremos a saber qual e onde; acompanhado pelo Tenente-coronel Rebelo de Andrade percorreu toda a linha da fronteira, desde a ponta Norte ao extremo Sul – o Cantanhez e a ilha do Como incluídos. 

“Posso acrescentar que passei algumas horas num posto, a meia dúzia de metros de terras da República da Guiné. Ao longe, os pobres palhaços de Amílcar Cabral (não resisto a nomear, desde já, o traidor) mantêm uma expetativa ansiosa, hesitantes entre as ordens dos seus chefes e o amor à pele que, mau grado e promessas discursatas, constituem um bem que lhes custa perder.” 

E avalia o potencial inimigo: 

“Os bandoleiros são cobardes. Vêm pela calada da noite, lançam os engenhos de morte que os comunistas lhes oferecem em abundância e fogem para os seus acampamentos centralizados nos países vizinhos”.

Visita o Comando da Defesa Marítima da Guiné, visita pela mão do Comodoro Ferrer Caeiro, reunião elucidativa, ouviu relatórios e explicações, viu mapas, examinou provas concretas e fez perguntas, recebeu respostas objetivas. E visitou as oficinas navais, em franco desenvolvimento. Esteve na base aérea, pôde avaliar o trabalho extraordinário na recolha de feridos, no transporte e ligação de militares e civis, em reconhecimentos e em missões táticas. Estranhamente, nem uma palavra sobre os bombardeamentos. Visitou o Batalhão da Intendência na Fortaleza de São José da Amura, viu o seu trabalho ciclópico para que os alimentos e iguarias chegassem a todos os pontos da Guiné para os festejos do Natal. Ficou surpreendido com o funcionamento do hospital militar, dá conta das camas, das consultas, das intervenções cirúrgicas. Apreciou o programa radiofónico das Forças Armadas, emocionou-se a valer quando viu um artigo do dr. Augusto de Castro, então diretor do DN, lido aos microfones da emissora provincial, em português, em crioulo e fula. Encontrou-se em Bula com o Tenente-coronel Henrique Calado, glória do hipismo nacional.

E veio a história do chefe dos bandoleiros da Guiné, o traidor e ingrato Amílcar Lopes Cabral, conhecido na subversão como Abel Djassi. Quanto lhe pagará o movimento comunista. Faz uma curta digressão sobre a FLING e a UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa) e como o traidor se sobrepôs a todos. Pior do que tudo, Abel Djassi naturalizara-se cidadão da República da Guiné e trabalhara para o Ministério da Agricultura local. Como castigo, o renegado, agora, só dificilmente podia fazer o recompletamento dos seus grupos desfalcados, fez-se amigo dos vietcongs, visita Havana. E ficamos a saber que em Paris há um outro libertador, Fradique Castro, que promete a independência de Cabo Verde e condena o PAIGC. De novo em avião, segue para Cabedu, dá como inteiramente demonstrado que este posto, situado entre o Cantanhez e a Ilha de Como, rechaça as investidas dos bandoleiros. 

“Estive em Cabedu e em Beli. Nos dois postos, os militares não se confinam aos estreitos limites dos quartéis, não se escondem atrás do arame farpado, não vivem amedrontados. De Cabedu e de Beli as patrulhas continuam a sair regularmente, batendo os caminhos e os campos limítrofes, restabelecendo a ordem que a subversão perdurou. O inimigo só de longe em longe aparece, em rápidas e cobardes incursões, para logo regressar às bases de onde veio – na República da Guiné.”

Visita Bolama, sente que a cidade perdeu animação e fulgor. Increpa-se contra o que ele chama o terrorismo branco – os derrotistas, os fabricantes de mentiras, aqueles que, no doce viver da paz, se esquecem dos que estão em guerra, os que entendem ser preferível a renúncia à defesa do património nacional. Lança críticas também ao jornalismo, não percebeu o silêncio da imprensa moçambicana com a guerra feroz que se trava no Norte. Mostra-se favorável ao aparecimento de correspondentes de guerra. 

“Só eles sabem e podem desenvolver e esclarecer as indicações forçosamente sintéticas dos comunicados oficiais, que, aliás, também não são em número suficiente.” 

Agradece a colaboração recebida nas três frentes. E comenta: 

“Apercebi-me do autêntico significado de terrorismo, das implicações de uma luta de guerrilhas, em que o inimigo se dilui e foge ao contato com as forças da ordem, em que os bandidos recusam, sistematicamente, o combate em campo aberto, contentando-se com surtidas eventuais.
Torna-se inevitável, portanto, uma tenaz perseguição, que lhes crie o desassossego, que os desmoralize, que lhes roube a possibilidade de qualquer iniciativa. É uma guerra sem quartel, fluida, por isso mesmo mais demorada e difícil.”

Jornalista Martinho Simões, imagens dos arquivos da RTP
Em Pequim, a preparação do primeiro grupo de revolucionários, vemos de pé, entre outros, Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira e Francisco Mendes e de joelhos Nino Vieira, Saturnino da Costa e Rui Djassi
O centro de Bissau em 1966
General Arnaldo Schulz a dirigir a mensagem de Natal de 1966, arquivos da RTP
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25153: Notas de leitura (1665): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (11) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25162: Capas da Vida Mundial Ilustrada (1941-1946) - Parte IV: Apesar da censura, foi possível documentar a alegria do povo de Lisboa, manifestando-se nas ruas ao saber do fim da II Guerra Mundial na Europa em 7 de maio de 1945

 


Capa da "Vida Mundial Ilustrada, Lisboa, ano IV, nº 209, 17 de maio de 1945, preço avulso, 1$80...A imagem não era das multidões a festejar o fim da guerra e  a vitória dos Aiados ("Nações Unidas"), mas a visita... de Salazar ao embaixador de Inglaterra:

 "O sr. Presidente do Conselho,  como Ministro dos Negócios Estrangeiros, esteve na Embaixada da Inglaterra, para exprimir ao sr. Embaixador, "Sir"  Campbell, o quanto satisfazia ao seu Governo e aos portugueses a vitória das Nações Unidas"...

Salazar e a censura tinham horror às multidões... Jornais do "reviralho" como o "Diário de Lisboa" não puderam publicar fotos como estas a seguir, que aparecem no interior da "Vida Mundial Ilustrada", com a população de Lisboa (homens, não se vê uma única mulher, a não ser às janelas) a vitoriar os Aliados... (E nós estávamos a nascer, e alguns de nós já mamavam ou até gatinhavam.)

Cauteloso, e com "pinças",  o jornalista remetia o júbilo do povo para uma página interior (pág. 15) que só podia ler quem tivesse comprado o semanário por 1$80 (tinha aumentado 80% desde a data do seu lançamento em meados de 1941) (*)... 

Escrevia-se assim naquela época, em estilo gongórico e cheio de subentendidos: 

"Acabou a guerra! Todo o mundo aguardava ansioamente esta notícia que devia chegar de um momento para o outro. E porque era assim esperada e era certo o fim da guerra, ninguém sonhava que chegasse tão longe a ordeira alegria do povo português, dia-a-dia vivendo a dureza de um conflito que, nem por estar longe, podia ficar estranho à nossa consciência de homens e de europeus. Pode-se dizer que não houve ninguém que não empunhasse uma bandeira, que não  gritasse a sua alegria, e não dissese como Salazar no seu discurso: - Ainda bem que acabou a guerra! Ainda bem que sairam vitoriosas as Nações Unidas" (pág. 15)... E se tivessem ganho as "potências do Eixo" ?  Parte da elite portuguesa da épocapolítica, militar, e até económica e financeira, era germanófila, apesar da "neutralidade" do país... Salazar era um político pragmático, mais próximo política e ideologicamente do fascismo de Mussolini do que do nazismo do Hitler... Destestava os americanos  e o regime capitalista e demoliberal, leia-se, parlamentar...

 

Foto tirada na Conde Beirão, em Lisboa...Excerto da legenda: (...) "Diante das embaixadas, diante das legações, pelas ruas da Baixa, a cidade de todas as condições sociais espalhava-se e comprimia-se porque todas as ruas pareciam pequenas para exprimir o seu entusiasmo" (Útima página, pág. 24).

Na Av da Liberdade, junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra... (pág, 15)

(Com a devida vénia... Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisboa  / Câmara Municipal de Lisboa)

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Guiné 61/74 - P25161: In Memoriam (494): Carlos Faria ("Black"), ex-1º cabo 'cmd', Cmds CTIG, Grupo "Diabólicos": era natural de Braga, viveu em Manchester, e nos anos últimos anos em Vila Verde (Virgínio Briote, ex-alf mil 'cmd', cmdt Grupo "Diabólicos", Brá, 1965/67)



Foto nº 1 >  Guiné > Bissau > Brá > Setembro de 1965 > Comandos do CTIG > Grupo Comandos Diabólicos > "Foto de finais de Set 65, tirada em Brá, quando começaram os 'ensaios'  com as boinas vermelhas... Da esquerda para a direita: Marcelino da Mata, Caetano Azevedo, Virgínio Briote  (VB), Carlos Faria ("Black") e Mário Valente".


Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  Comndos do CTIG >  1966 > Na BA12, Bissalanca, durante o treino com os ALIII: d esquerda para a direita, Mário Valente , VB, Carlos Faria ("Black").


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Manso >  Comndos do CTIG >  Setembro de 1965 >  
 da esquerda para a direita, VB, Valente de Sousa, Cordeiro e Carlos Faria ("Blk")



Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Manso >  Comndos do CTIG >  Setembro de 1965 > De pe, da esquerda para a direita, Valente de Sousa, Carlos Faria ("Black") e VB.


Fotos (e legendas): © Virgínio Briote (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Virgínio Briote, nosso coeditor jubilado, ex-alf mil cav, CCAV 489/BCAV 490 (Cuntima) e ex-al mil cmd, Cmds do CTIG, cmdt do Grupo "Diabólicos" (Brá) ( 1965/67):

Data - 11 feve 20224 19:20

Assunto  - Baixas

Morreu o "Black", chegou a vez dele.

Em tempos,  escrevi isto no caderno das minhas memórias da Guiné, sobre o ex-1º cabo 'cmd' Carlos Faria ("Black"), do meu Grupo "Diabólicos", Comandos do CTIG (1965/67):

(...) Depois de um curto período de adaptação em Braga junto da família, e sem outros motivos que o prendessem, "Black" (o cabo Carlos Faria, o tal que omitira as habilitações escolares) resolveu esquecer tudo. Mudou-se para a terra dos Beatles, dormiu nas ruas, trabalhou em biscates, casou com uma inglesa, enveredou pela carreira de vendedor internacional, os filhos a crecer em Manchester, quando deu por si, estavam do tamanho dele. 

Nunca perdeu o contacto com alguns amigos de Braga, até que se decidiu pelo regresso. Vive só numa linda quinta em Vila Verde, nos arredores de Braga, onde de vez em quando é visitado pelos filhos e neta. Voltaram a encontrar-se em 2015, 
50 anos depois de terem partido para a Guiné no “Alfredo da Silva”. 

Um reencontro inesquecível. (,,,)

Hoje, a meio da tarde deste domingo, recebi uma chamada do João Machado, um excelente ex-alferes que correu a Guiné com os obuses entre 1965 e 67: "Morreu o Carlos, pá! Não há funeral! Telefono-te porque sei que eras amigo dele."

Com um abraço

V Briote
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25066: In Memoriam (493): Falecimento do Capitão Miliciano de Artª da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), engº Fernando Pires (Luís Dias)